MUTTER
Capítulo 16: As Responsabilidades de um Príncipe
Depois de tanto tempo, a hora da limpeza finalmente chegou.
Aquelas palavras se repetiram na cabeça do filho mais velho por um bom tempo, pois saíam da boca daqueles que estavam sempre ao seu lado.
Agora que haviam capturado o último membro ainda vivo da realeza de Von Legurn, a família poderia dar um fim em Vast Los Filho assim que Eduardo os permitisse fazê-lo.
"O quanto esses malditos demoram para olhar alguém?"
Alex Baskerville, herdeiro principal de sua família, aguardava sentado em uma aconchegante poltrona pelo retorno de seus irmãos mais novos, que haviam descido ao porão para averiguar a situação do príncipe.
Sendo Vast um Amaldiçoado, nunca pensou que seria capaz de capturá-lo. No entanto…
10 Indulgentes, 10 Vagantes e 8 Descendentes!
Este foi o poder de fogo concedido à família Barskerville por um dos Vampiros Originais, Eduardo. Isto sem contar o fato de que todos os membros da família — um total de cinco, incluindo Alex — foram transformados em Amaldiçoados.
"Eles já deveriam ter voltado." Conferiu o relógio. Vinte minutos se passaram e sem sinal de ninguém.
Em pouco tempo seria a hora do jantar combinado com Eduardo, e atraso era alguo que Alex nunca ousaria cometer contra aquela existência.
Considerou ir atrás dos subordinados, mas a necessidade foi apenas de se levantar. No instante que prestou o mínimo de atenção ao redor, curtos e potentes estrondos alcançaram seus ouvidos, rapidamente potencializados pelo aproximar da causa de tudo.
BLAM!! A porta foi arremessada para longe junto de parte da parede. No corredor, carregando em mãos uma cabeça que terminava de se desfazer em uma densa névoa, estava o prisoneiro Vast Los Filho, já em posse daquela arma estranha em seu braço e o nunchaku.
— Você é o filho mais velho? — Limpou a sujeira na roupa. Um curto estalo de língua ao visualizar a gola rasgada.
— Vast Los Filho… Aff! Eu pensei que já teria desistido de escapar. Vampiros menores são realmente péssimos subordinados. Tão perto do fim e te deixam sair.
O príncipe entrou no quarto. Nas estantes, livros se perdiam no que há pouco era apenas um princípio de incêndio, mas que em poucos minutos tomaria a mansão por completo. Os quadros da família despencavam das paredes, sendo que Vast ainda tomava cuidado para não pisar nas fotos. Agora, sua atenção estava fixa no rapaz à sua frente.
— Alex Baskerville. Já nos encontramos uma vez, não é? Creio que na terceira reunião após eu ser Amaldiçoado.
O rapaz riu em resposta. As mãos se moviam com cuidado, mas obviamente em preparo para a batalha inevitável.
— Sua memória é realmente impressionante, mas acho que não vai perder tempo conversando, certo?
Dos bolsos ele retirou pulseiras. Eram feitas de cobre, a cor reluzindo o dourado das lâmpadas que ainda funcionavam por toda a mansão, algumas já falhando. Colocou os adereços, um em cada pulso, chocando um contra o outro num movimento parecido com palmas. Faíscas saltaram por um momento.
— Na verdade, eu gostaria de fazer apenas uma pergunta… Qual o motivo para a traição?
Alex arqueou as sobrancelhas e analisou melhor o príncipe. As mãos e as roupas sujas de sangue, um que não se desfez em névoa. Com melhor análise, notou o silêncio em que a mansão foi inundada, quebrado apenas pelo rápido crepitar de chamas e o início do colapsar de um cômodo ou outro.
Suspirou. Como esperava, o resto do trabalho ficava para ele, o filho mais velho. Pensaria na restauração da família mais tarde, caso o momento viesse a chegar.
— Vampiros, príncipe Vast. Você pode não enxergar, sendo um príncipe pobre, mas não há como manter um negócio de pé se estiver do lado errado da moeda. — Ele apontou para o alto com as mãos, simulando uma arma. — Se não pode com o inimigo, junte-se a ele. Simples assim, sem segredos. É pura preservação própria.
Da ponta de seus dedos saíram feixes de luz. Quase invisíveis, entraram em duas das várias lâmpadas que existiam espalhadas pelo teto e no próprio lustre da sala.
— Já sei a razão para estar aqui, então não se preocupe. Vamos! Pode extravasar toda a raiva que conteve!
O sorriso arrogante em seu rosto, destacado ainda mais pelo símbolo acima da cabeça. As luzes que disparou começaram a viajar entre as várias lâmpadas no céu, tão rápido que em certo momento se tornaram numa faixa contínua, sem falhas. O símbolo formado era de um quadrado com um olho em seu centro, pairando sobre os dois oponentes.
"Um Amaldiçoado. Bem, nenhuma surpresa."
Era impossível saber o efeito do olho misterioso. Todos os outros inimigos, Indulgentes, Vagantes, Descendentes e todos os outros membros da família, nenhum deles expeliu uma única palavra sequer sobre as habilidades uns dos outros.
De qualquer maneira, não era problema para Vast — alguém mais experiente no uso de sua própria Maldição — em derrotá-los. Graças à esta habilidade de campo e os ataques surpresas, a maioria foi derrotado com um único golpe, restando apenas Alex ainda de pé.
Tudo, finalmente, acabaria ali. Mesmo que na batalha iminente, nada além de alívio percorreu seu corpo.
— Eu vou extravasar minha raiva, pode ficar tranquilo. — Assumiu posição defensiva. — Mas não vai ser com você.
O primeiro avanço se fez. Num poderoso salto, Vast desapareceu e surgiu já frente à frente com Alex, que defendeu o primeiro soco.
O rapaz voou contra a parede, desviando-se de golpes subsequentes com uma agilidade louvável. Entre os ataques, as considerações do príncipe invadiam sua cabeça.
O perigo era claro ao atacar um Amaldiçoado sendo que ainda desconhecia os efeitos da habilidade. O que era aquele olho? Poderia atacá-lo? Ele iria fazer alguma coisa? A possibilidade de ser outra Maldição que retirava sanidade do oponente fez um arrepio subir-lhe a espinha.
Esta última era a pior das hipóteses, pois a luta poderia acabar se estendendo mais do que o necessário. Tempo era literalmente a última coisa que Vast poderia perder agora.
"Ele desvia muito bem, mas não vejo alteração na velocidade padrão."
Alex se movia como uma pessoa normal, mas com devida experiência em combate. Movimentos fluidos e sem gasto exagerado de energia. Porém, ele não contra-atacava, pelo menos não no início.
Com um sublime jogo de pés, Alex esquivou de um jab e devolveu com um gancho certeiro no queixo. Ausente de ferimentos, a aura de cura da [Mutter] recuperou a pouca fadiga acumulada no rapaz. Em seguida, ele se afastou com saltos curtos.
O breve momento em que se encararam foi o suficiente para o Baskerville perguntar:
— Algum Vampiro deve ter te oferecido sangue para também se tornar um, não é? Teve algum motivo para não aceitar?
Vast alisou o próprio queixo. Foi um golpe fraco, mas extremamente certeiro. Teria perdido a consciência em uma situação normal.
— Você já respondeu esta pergunta para mim. Na verdade, creio que sou eu quem deveria perguntar, visto que você apenas se tornou um Amaldiçoado.
Vast mirou o olho de luz rapidamente. Ele começava a falhar, piscando algumas vezes como uma lâmpada velha, mas sendo recuperado por outros dois disparos vindos dos dedos de Alex. Logo, o dito cujo respondeu:
— A ideia de não poder sair no sol não me agrada. Gosto de tomar sol durante a tarde.
— Hunf! Você é mais normal do que pensei. — Se deu ao luxo de sorrir. — Pensei que seria outro daqueles com um parafuso faltando!
E avançou novamente num tumph que arrancou tábuas do chão. Do Atirador Rubro, o sangue que escorreu envolveu os punhos de Vast como grandes luvas acolchoadas. Maximização de danos e minimização do rebote.
— Escolher os Vampiros ao invés da Humanidade não é questão de ter algo faltando na cabeça, mas simplesmente de saber qual escolher.
— Que pena que fez a escolha errada de lados.
— As pessoas cometem muitos erros ao longo da vida. Fazem escolhas precoces pois não conseguem distinguir as vontades do coração e da mente. Porém, isto não acontece comigo.
Alex desviou da maioria dos golpes, sendo atingido de raspão por um golpe cruzado por ter tropeçado em uma tábua solta. Devolveu com um jab, seguido de um direto e uma joelhada no estômago do príncipe. A aura de cura recuperando a fadiga outra vez.
Vast se afastou um pouco, analisando seus arredores. O olho não seguia ele ou Alex, apenas encarava o chão numa linha reta, mas definitivamente exercia algum tipo de efeito. Apesar de notoriamente habilidoso em esquivar, Alex não tinha a força — muito menos o porte físico — de alguém que treinava artes marciais. Era hora de alguns testes!
Realizou um novo avanço! Foi de frente, observando a postura relaxada do Barskerville. Contudo, antes de ficar próximo o bastante para um golpe, deu um chute contra o chão que o permitiu fazer uma curva fechada. Pousou na direita, repetindo o movimento três vezes seguidas.
Totalmente aberto, constatou. Alex sequer se deu ao trabalho de segui-lo com os olhos.
O último era para ser real! Estava atrás de Alex e saltou mirando o plexo solar. Numa pessoa normal como ele, um soco com a força dobrada da [Mutter] e o reforço proporcionado pelas luvas de sangue seriam mais que o suficiente para atravessar sua carne. Isto caso o golpe acertasse.
Alex desviou com um simples passo para o lado. Não houve contato visual com Vast, muito menos um movimento mínimo em seu braços, pescoço, ouvido ou qualquer outra coisa capaz de explicar. Pelos olhos do príncipe, era puramente instinto.
Como se não bastasse, o que lhe acertou no contra-ataque desta vez também estava longe de um soco. Mais forte que a mordida de um vampiro, uma curta lâmina ondulada de um punhal perfurou seu quadril, pulando para fora em seguida e atraindo para fora um jato de sangue junto consigo.
Vast resmungou de dor por um breve segundo, estancando a ferida ao rasgar a manga de sua roupa e amarrá-la à cintura. Breve, mas suficiente para mantê-lo vivo enquanto a aura de cura recuperava Baskerville.
— Você é bem resistente. Não me admira ter chegado tão longe — disse o rapaz, guardando o punhal na cintura.
Ao invés de retrucar, recebeu uma pergunta.
— A Maldição tem alguma relação com predição, não é? — O curto sobressalto foi uma resposta positiva para si. — Você não faz o tipo guerreiro, sequer está prestando atenção em mim. É tipo um reflexo automático, ou se me permite colocar em melhores palavras… como se você soubesse o que vai acontecer.
Um instante de silêncio se fez. A mansão cada vez mais perto da destruição pelo fogo, e em meio ao intenso crepitar, uma baixa risada que mesmo Vast teve dificuldade para ouvir ecoou.
— Realmente impressionante, meu príncipe…
Vendo o falhar do olho, atirou três vezes para as lâmpadas.
— Sabe, eu observei você em alguns momentos enquanto vinha para cá. Você consegue adivinhar a razão para ter ganho tão facilmente de alguns vampiros? É fácil! Simplesmente por eles serem burros.
Vast franziu o cenho. Concordava com a explicação, em partes, mas foi uma surpresa ouvir tal coisa de alguém que se aliou aos Vampiros.
— Bem, não diria exatamente burros — continuou —, mas para um orgulho além dos limites. Vampiros adoram humilhar adversários, e a melhor maneira de fazerem isso é explicando suas habilidades e derrotando o oponente logo em seguida. O problema é que, contra alguém como você, isso nem sempre funciona. Mas…
Ele apontou para as lâmpadas. Uma esfera brilhante se acumulou na ponta de seus dedos até ficar do tamanho de sua cabeça. Quando disparada contra as lâmpadas, o olho aumentou de tamanho e se arregalou, sendo sobreposto por três olhos idênticos, mas menores que o primeiro.
— Mas eu tenho a intenção de finalizá-lo aqui, então não espere que eu cometa tamanha idiotice.
— Nem tenho motivos. Seria uma perda de tempo.
— Ótimo!
Alex aguardou pelo avanço seguinte do príncipe. Não tinha intenções de utilizar o punhal, mas sim as espadas que ainda estavam penduradas nas paredes do cômodo. Seriam mais úteis de acordo com o futuro. No entanto, antes de seu ataque, Vast adicionou algumas novas palavras.
— Apenas saiba de uma coisa, eu não estou aqui para deixá-lo vivo. — Seu olhar ficou estreito, um par negro de pedras de carvão capazes de alimentar para sempre aquele mundo vermelho alaranjado. — Que isso fique claro… Você não vai sair desta casa com vida.
Os olhos no símbolo brilharam mais intensamente, e em contrapartida, os de Alex perderam completamente a vida presente até agora pouco. A razão era simples: ele viu que o príncipe, ou melhor, aquela coisa diante de seus olhos, estava falando a verdade.
A habilidade de Alex Baskerville, assim como Vast supôs, consistia em prever o futuro. Ao invocar aquele olho — que era intangível, por sinal —, ele se tornava capaz de prever as próximas ações do oponente. Quanto mais o tempo passava, mais longe ele conseguiria prever. Porém, estamos falando de uma Maldição.
Quanto mais longe no futuro for a previsão, mais imutável este se torna. Eventos dentro de alguns segundos são minimamente alteráveis; um a três minutos ainda é possível com grande esforço; mas de cinco minutos para frente, o usuário fica totalmente à mercê de sua visão, seja ela favorável ou não para si.
Após as palavras do príncipe, tudo que se via no rosto do rapaz era o retrato do grito. O rosto empalideceu e se tornou mais magro, os olhos esbugalhados de tal forma que perderam a forma. A boca, num aspecto fantasmagórico, ondulou pelo queixo caído de forma que quase alcançava o chão, se não fosse pelas mãos que apalpavam o rosto para garantir que estava na realidade.
"Esse cara… ele é maluco!!" Foi a única constatação plausível.
No futuro de três minutos, Alex estaria ainda desviando dos golpes, enquanto Vast teria mais feridas acumuladas em seu corpo. Entretanto, estava longe de ceder, diferente da mansão à beira do completo colapso em cima dos dois. Tentava fugir, mas o príncipe bloqueava sua fuga em todos os momentos. Uma rota sem saída. Um rato encurralado que terminou esmagado pelos escombros em chamas.
E, após tamanha perturbação visual, sua reação não outra senão gritar.
— FIQUE LONGE MIM, SEU MANÍACO!!!
Tinha que sair! O futuro era de daqui três minutos, então uma ação imediata talvez fosse capaz de alterar as coisas. Era o que pensava antes de uma mão agarrá-lo pela perna, fazendo o rosto colidir rudemente contra as tábuas no chão.
Um momento, apenas aquele breve instante bastou para que Vast o pegasse com a guarda baixa. Agora, ele o encarava de cima.
— Últimas palavras, Alex Baskerville?
Tinha ou não? Era incapaz de pensar, sequer queria. Suas pernas tremiam, impulsos provindos de espasmos musculares que só desejavam movê-lo para longe daquela pessoa.
O cômodo começava a cair em cima dos dois, e quando o lustre acabou por ser atacado, o olho se desfez. Mesmo o metal fervente caindo contra o braço exposto foi pouco. Aqueles olhos negros não desviariam por nada.
Ante o silêncio — quebrado por um choramingar —, o príncipe iniciou, sem tirar os olhos de seu detento.
— Por trair o Reino de Von Legurn, atentar contra a segurança de seus moradores e por conspirar junto com Vampiros contra sua majestade… — As luvas desapareceram, restando apenas o Atirador Rubro apontando para o indivíduo. — Eu, Vast Los Filho, lhe condeno à morte!
Alex viu o resto do mundo desabar, junto de um feixe vermelho que não pôde dizer quanto tempo levou para atingir seu rosto.
Naquele dia, a casa da Família Baskerville foi completamente engolida pelas chamas.