Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


MUTTER

Capítulo 15: Frio e Calculista

— Eu irei conquistar a Torre!

Um tilintar das correntes. Eduardo fitou Vast, um rapaz que o encarava fixamente ao passo em que as mãos quase se rasgavam para se soltarem das correntes.

O vampiro riu: — Algum problema? Você parece meio afetado.

Os olhos negros do príncipe brilhavam com intensidade, mas longe de ser belo. Um brilho sedento, uma estrela que almejava pela morte daquela à sua frente.

— O que quer fazer na Torre? O que um Vampiro iria querer por lá? — disse, ainda sobre efeito da fungada de Eduardo.

O vampiro sorriu, fechando a escotilha com outro estalar de seus dedos. Após parar de brilhar como um disco de festa, respondeu:

— Vocês humanos são fascinados por esta Torre, não é? Ela é cheia de mistérios. O que está lá dentro? É possível realizar desejos? Ela é a origem do mundo? O Rei Eterno realmente existe?

A última questão era mais especial. Rei Eterno, um nome que percorria a boca de todos que ousavam ir para a Torre — nenhum deles voltava. Uma figura sombria que serviu de pilar para a fundação da Igreja Ghost.

O maior mistério acerca da existência da figura se tratava da "seletividade" da Torre. Nem todos que chegavam até ela eram capazes de entrar. O caso mais comum eram de pessoas que entravam e depois saíam logo em seguida, alegando terem ficado perdidas por horas em um labirinto escuro. Em outras ocasiões, as pessoas simplesmente não voltavam.

Ante a comoção do vampiro, as perguntas inconvenientes continuaram.

— Por que não entra lá? Você está sempre perto da Torre.

Um conhecimento geral. Os Vampiros Originais faziam suas moradias perto da Torre, cada qual respeitando sua área de domínio.

— É bem simples… — Ele fechou a camisa, um ato até então impensável. — Eu tenho medo.

Falta de poder, alguma Maldição na Torre… estas e outras eram respostas que o príncipe aguardava desde o início da conversa.

— Alguma coisa — continuou —, tem algo lá que me impede de ir além. Uma aura que nunca senti antes. Tão opressiva! Eu nunca sequer me imaginaria indo contra alguém capaz de tanta presença!

A maneira como Eduardo se remexia — e gemia vez entre algumas palavras — deixava claro que falava a verdade. Vampiros, orgulhosos como comumente eram, nunca deixariam algo como fraqueza transparecer para qualquer um, muito menos por qualquer motivo.

Após longas arfadas e uma expressão extasiada que fez Vast temer por outras coisas além de sua vida, o Original finalizou:

— Se eu dominar o sol, significa que também sou capaz de vencer este medo de avançar contra aquela aura. A vitória contra um sugere a superação do outro, mas acho que você não está interessado em saber mais sobre isso.

O príncipe esperou, e ao ver que sua boca já estava de volta ao seu próprio mando, foi a vez de perguntar o que realmente importava.

— Não vai me matar? Não era este o objetivo desde o início?

A porta de grades rangeu, trancada por fora após o vampiro se colocar no corredor.

— Seu sangue agiu de maneira estranha nos vampiros que o beberam. Vou mantê-lo vivo para estudar um pouco mais afundo essa questão. O tempo é limitado por causa de sua Maldição, então você apenas será executado em praça pública pouco antes deste tempo chegar ao fim. Quero garantir que sirva de exemplo para outros idiotas que aparecerem por aí.

Guardando as chaves dentro de suas calças, Eduardo se retirou sem mais palavras. Os passos lentamente desaparecendo no corredor sem fim, até que o silêncio reinasse mais uma vez.

 

***

 

Muito tempo se passou, quanto era impossível dizer. Nenhuma luz natural alcançava a cela, e os guardas que revezavam turnos para vigiar o príncipe e/ou coletar seu sangue para estudos nunca comentavam sobre a hora.

Por vezes buscou informações sobre os tais estudos que Eduardo estava realizando, mas a obediência dos lacaios se mostrou muito maior que o esperado. Sequer olhavam em seu olhos quando apareciam, quem diria falar algo.

Quando chegou o momento em que tinha certeza terem se passado mais de dois dias em que estava algemado, tomou como conclusão que a ociosidade seria sua maior inimiga. De imediato, assumiu que a meditação era o melhor treino no momento. Assumir o controle de cada músculo de seu corpo era a prioridade por agora.

De tal maneira o tempo foi passando. Vampiros menores apareciam e coletavam seu sangue, Eduardo dava as caras às vezes e exibia seu abdômen, fungava a nuca de Vast e lhe tirava algumas informações. Acabou por virar rotina.

Aos poucos, Vast relembrava os eventos anteriores para organizar a passagem do tempo, e no que deveria ser o suficiente para o passar de um dia inteiro, chegou numa conclusão.

"Dois dias, isto é o que me resta. Talvez um, vai depender de que horas são agora."

Entre 24-30 horas era um limiar mais exato. O pior cenário possível seria estar de manhã; a do último dia antes da maldição lhe acometer.

Eduardo obviamente não arriscaria deixar Vast sair com tempo de sobra. O plano mais provável era aguardar até os últimos cinco minutos de sua vida, para só então levá-lo para praça pública e executá-lo.

"Dependendo de onde eu estiver, devo ser capaz de chegar até a Torre em cinco horas, quem sabe menos. Primeiro, tenho que sair daqui hoje."

As observações diárias o permitiram perceber padrões. Os guardas trocavam turnos e nunca mais apareciam após seus horários (o tipo de trabalhador que desaparece quando bate o ponto). Alguns eram Vampiros Indulgentes, um ou outro Descendente. Outros casos eram humanos, grande chance de serem Amaldiçoados. Mas aquela lacuna, a ausência de mais de uma pessoa lhe vigiando era o importante.

O sujeito da vez era um homem, a aura reveladora.

 

Vampiro Vagante

Força 22/100

Agilidade 15/100

Inteligência 10/100

 

Capaz apenas de seguir ordens, mas ainda possuidor de um pequeno senso de vontade própria. O alvo ideal para um plano simples e fácil de realizar.

— Ei! Você não fica com fome? — perguntou, a cara em pura neutralidade.

O vampiro lhe encarou de canto, confuso.

— Fica quieto! Não quero levar esporrada por sua causa.

— Quer me chupar?

— É o quê?

Desestabilizado! Claro, Vast sabia que um vampiro ficaria surpreso ao ouvir um humano se oferecer sozinho para ser chupado. Normalmente ocorria à força.

— Você nunca provou o sangue da realeza, não é? É uma ótima oportunidade para provar, além de que me ajudará  a continuar vivo.

— Do que você tá falando, seu maluco!? O seu sangue é venenoso, né? Eu ouvi os superiores falando disso!

Está errado! A declaração firme fez os olhos do vampiro saltarem às órbitas. Um pouco de saliva já podia ser notado a escorrer pela boca.

— Eles dizem isto para que apenas eles fiquem com meu sangue. Entende, não é? Os superiores dizem algo para que seus lacaios não façam algo que seria inconveniente para eles. Até mesmo eu já utilizei desta tática.

— Ma-Mas e daí? — A clara hesitação tirou um sorriso do príncipe.

— A verdade é que meu sangue é especial, para vocês eu diria que é uma iguaria de luxo. Humanos produzem sangue constantemente, sabe? E se não nos livrarmos de um pouco de tempos em tempos, o excesso pode vir a causar problemas de saúde. — O olhar sério mirou a alma do vampiro. — Por que acha que doamos sangue? Por conveniência? Claro que não! É tudo uma técnica de sobrevivência!

— Nã-Não pode ser!!! — E realmente não podia.

O Vagante se esforçou para não cair de joelhos. Tudo era uma mentira!? A história de que o príncipe tinha sangue venenoso e que seria estudado… Era uma enganação!

A irritação ficou mais do que evidente na face do vampiro. Vast não se demorou em continuar.

— Pois bem, você será punido caso eu morra, não é? Acho que o meu sangue está quase chegando no limite. — Com esforço, ele usou sua boca para rasgar a gola de sua roupa, revelando seu pescoço. — Será que poderia me ajudar com isso?

A saliva já cobria todo o chão aos seus pés. Era uma situação tentadora demais para aguentar, tanto que as chaves do cadeado caíram cinco vezes de suas mãos trêmulas antes do Vagante finalmente abrir o portão.

Seus passos curtos e rápidos em direção ao príncipe, totalmente incapaz de se mover. Se fosse uma armadilha, era uma muito tola. Mesmo ao se aproximar, era impossível para Vast atacar, mesmo com os pés, pois a força dobrada de sua Maldição havia sido anulada por outra habilidade.

— Você… Você só precisa… — Cada arfada trazia ar quente ao rosto de Vast, o cheiro de sangue vindo daquela boca cheia de saliva. — Só precisa continuar vivo, não é?

Nem teve tempo de concordar, o Vagante praticamente debruçou-se sobre si. A mordida sequer foi no pescoço. De tão apressado, ele mordeu uma parte mais complicada: o ombro esquerdo do príncipe. Uma carne mais dura, mas que as presas ainda foram capazes de penetrar, parando apenas ao atingir os ossos.

Chupou com força, como nunca havia feito em toda a sua vida.

Vast sentiu cada gota do seu sangue sendo sugada para fora, duas agulhas puxando sua vida rapidamente. Um arrepio subiu por toda a espinha e suor passou a escorrer pelo rosto de imediato. Porém, não pela força que caía gradativamente.

Com dificuldade, ele murmurou: — Você… me fez rasgar minha roupa.

Hum? O vampiro não viu, mas pôde sentir muito bem. A dor lacerante em seu pescoço, uma que apenas causava no alheio, mas que nunca pensou que sentiria.

Os dentes do príncipe rasgaram sua carne vorazmente, um verdadeiro predador que, após muito aguardar, achou a única brecha que precisava para acabar com sua presa.

— SEU…!!? O QUE TÁ FAZENDO??

O Vagante se afastou aos tombos, tapando o rombo no pescoço com uma das mãos. Mexeu as pernas, querendo se afastar mais. Um esforço inútil, seu corpo não mais lhe obedecia.

Aquele sangue que escapou da ferida, uma certa quantidade dele começou a escorrer de maneira incomum até Vast, acumulando-se aos pés do príncipe e se condensando lentamente. Um formato estranho surgia diante dos olhos do vampiro.

— Ma-Mas a Maldição! Ela devia estar desativada…!!

— Para tudo existe um jeito. A força dobrada realmente não funciona, pois caso contrário eu já teria me libertado. A diferença crucial entre um Amaldiçoado e outro…

A forma no chão finalmente completa, uma chave. O sangue que ainda escorria retornava para o corpo de Vast, parando somente quando a intensa aura de cura atingiu o vampiro, fechando completamente a ferida.

— É o costume que se tem com o próprio poder!

Recuperado, o vampiro foi finalmente capaz de se afastar, sendo que as barras o impediram de ir mais do que queria.

Maldito! Ele queria avançar, mas como? Que outros truques o príncipe podia ter em sua manga? A dúvida o corroeu. Entretanto, os instintos lhe diziam que era melhor coisa ser punido por seus superiores do que pelo humano em sua frente.

Nem perdeu mais tempo, se pôs a ir para fora da cela. Tinha que gritar pelos Vampiros Descendentes ou qualquer outro que estivesse por perto. Quem sabe Eduardo o ouvisse também. Contudo, suas pernas já eram inúteis.

Ele desabou de repente, com o corpo ainda intacto no exterior. O que realmente o abalava era a queimação, o inferno que se alojou em seu estômago.

— O sangue…! Então era realmente venenoso!!

Um buraco surgiu em seu estômago, corroendo o peito, o coração e todo o resto de forma gradativa. Enquanto isso, Vast agarrou a chave de sangue com a própria boca, facilmente abrindo as únicas correntes que o prendiam.

As pernas do Vagante derreteram, depois disso seus braços e seu corpo. Em poucos segundos, apenas a cabeça restava, ainda com os olhos fixos naquela figura em pé logo ao seu lado.

Com o olhar de cima — o Rei —, Vast fez uma última pergunta, mais simples do que qualquer outra que tinha feito até então.

— Não importa se é Indulgente, Vagante ou Descendente, apenas me diga: Qual o número de Vampiros e Amaldiçoados neste lugar?

Depois de tanto tempo, a hora da limpeza chegou.

 

 


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