Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


72 SEASONS

Capítulo 13: O Incidente da Catedral Secreta IV

O corpo de Estevan arremessado para um canto qualquer. Antes um dos Amaldiçoados mais incríveis, agora reduzido à mera estatística num lugar onde seu corpo jamais seria encontrado. O gotejar de seu sangue nos degraus da escada a acompanhar o coro orquestral no salão, glorificando o sacrifício enquanto aguardavam o próximo.

Laira permanecia de joelhos, sem sinal de que assumiria uma postura além desta. Ainda de costas para o altar, dava curtas risadas cínicas, já o primeiro e mais clássico sinal de insanidade. O aceitar de seu destino evidenciado pelas espirais nos olhos.

Ansioso, Evanescence fitou o último remanescente, o mais estável da situação, e perguntou:

— E então, rapaz, você será o próximo? Vamos, basta se aproximar, agora que descobri que o sangue Amaldiçoado é ruim, não tenho motivos para te manter vivo, eu lhe prometo que será indolor.

O que eu faço!? Diferente de seu corpo, a mente de Rag ainda lutava para continuar viva. Um lado de seu ser queria fugir, mas paralisado por sua própria impotência, enquanto o outro ansiava por viver mais um dia, apesar de totalmente encurralado.

"Eu uso o Selo que me resta? É a única opção, mas será que alguma das habilidades seria capaz de matar esse cara num golpe só? E se falhar? E se ele esquivar do ataque? Não… Eu nem mesmo sei se os Selos ainda estão funcionando, talvez nem sejam mais uma opção!"

Devia arriscar? Algumas habilidades lhe vinham à mente, mas seria preciso se aproximar. Dada a força e principalmente a agilidade do vampiro, seu menor sinal de resistência resultaria em ambos os braços decepados num piscar de olhos.

O que eu faço? Como posso sair dessa!? Quanto mais se perguntava, mais branca sua mente ficava. Palavra por palavra se apagava, outras se reorganizavam, mas sempre a restar uma única "saída". De canto, fitou a mulher, a imitar os outros humanos prostrados no chão.

"Não…! Não, não!!"

As pernas cederam, o choque dos joelhos contra o mármore a causar um espasmo que amoleceu os braços. O rosto derreteu nas próprias lágrimas, seus órgãos quase expelidos junto da respiração pesada. Aos poucos seus batimentos tomavam o ambiente, cada vez mais perto de causar seu próprio cessar.

"Eu vou morrer? Esse cara vai me matar! Eu tenho que fazer alguma coisa! Eu não quero morrer! Não quero morrer! Não posso morrer!!"

Eva batia o pé, já perdendo a paciência, mas se segurando. Era clara como o dia a gradual perda de sanidade do rapaz. Apesar dele ser mais resistente do que demonstrava, as espirais tomavam seus olhos aos poucos. Era apenas questão de tempo até ele e a mulher se levantarem, chegar aos pés da escada e pedir para que acabasse com tudo. Foi assim das últimas vezes, e não havia razão para esta ser diferente.

"Todos eles se desesperam quando ficam sem suas Maldições. A habilidade deste rapaz parece bem interessante, mas não acho que daria certo transformá-lo num vampiro, é melhor usá-lo para aumentar minha força." Sua atenção a mirar especificamente o livro misterioso. "Não parece ser um livro comum. Com certeza faz parte da Maldição dele. Será que vai desaparecer quando ele morrer? Talvez eu possa usá-lo, seria interessante!"

Se levantou do trono. A curiosidade acerca do livro acabou por apressar sua vontade de eliminar os invasores. Vendo isto, Rag tremeu mais que corda bamba.

Não posso morrer! Não quero morrer! Não quero sentir dor!!

Morreria de ataque cardíaco ao primeiro passo que o vampiro desce, mas, por ironia do destino, ele também paralisou. Longe de ser por uma aura poderosa ou algo parecido, foi apenas a surpresa de ver uma pequena criatura raquítica brotar em seu ombro através de uma poça de escuridão viva.

A voz cínica então sussurrou em seu ouvido:

Vamos, use o ataque! Use o ataque, Rag! Depressa, use o ataque!

Ele aguardou, forçando seus ouvidos a abafar as densas arfadas na esperança de ouvir um anjo que lhe provesse uma outra solução milagrosa, mas este nunca chegou.

"Eu… não tenho escolha! Eu não quero morrer! Eu não quero… sentir dor!!"

Nem sabia do que se tratava o tal "ataque", muito menos qualquer maneira de realizá-lo. O demônio lhe diria caso fosse um dos Selos, na verdade, teria notado em sua densa investigação do livro no início de sua vida como Amaldiçoado. Entretanto, nenhuma página remetia a algo como "o ataque".

Enquanto se esforçava para compreender, a voz raspou seus ouvidos outra vez:

Fico feliz que escolheu bem

Um baque equivalente a um soco forçou sua cabeça para trás, os braços penderam, moles, enquanto o corpo não desabou junto da cabeça por pura sorte. Uma interrogação podia ser notada sobre a cabeça do vampiro e de Laira.

Rag começou a espumar pela boca ao passo que espasmos tomavam conta de seu corpo. Para os terceiros parecia impossível, mas ele mantinha a consciência.

"O-O que… é isso!?"

Semelhante a algumas punições do uso dos Selos, sua mente foi subitamente inundada por ondas e ondas e ondas de informação codificada. Círculos, estrelas, símbolos, números, materiais, horários, angulações e sacrifícios, cada item foi decodificado, um atrás do outro, resumos que diminuíam o necessário para o ritual ao mesmo tempo que o mantinha o seu efeito no máximo.

Após revelados, os movimentos e palavras necessários para o completar do tão famigerado "ataque" se espalharam como veneno por seu corpo, cada centímetro tomado pela forçada capacidade de realização.

Até então preparado para finalizar o rapaz num único golpe, Evanescence trocou a postura tão rápido quanto anulou as Maldições de todos, mas de nada adiantava uma agilidade alta quando seu corpo não lhe obedecia.

O que é isso?! Seus membros tremiam, os dentes rangendo de forma a imitar um chiado de um filhote amedrontado.

"Que sensação é essa!? Não é uma Maldição, não parece ser nem de longe, então... o que poderia... Huh?"

Os olhos arregalaram quando Rag se levantou. Seus movimentos eram lentos, tanto que poderia ser morto várias vezes seguidas. Porém, como dito, o corpo do vampiro agia contra sua própria vontade.

"Eu deveria... fugir?"

Nunca tal pensamento passou por sua mente, apenas o fato de o considerar fez a língua saborear um inédito sabor amargo.

"Maldito!" Venceu os alertas instintivos, se preparando. "Eu vou te tornar no jantar principal!"

Disse, mas fazer era diferente. Enquanto permanecia travado em posição de bote, Rag fez sua própria preparação. Com voz rouca, iniciou:

Atenda meus desejos e prazeres

A mão direita em formato de garra desceu contra seu peito, a aprisionar o coração. Com a esquerda em sua boca, fez um pequeno rasgo no dedão, cujo sangue a escapar se tornou a tinta de unção.

Dê-me aquilo que é por mim merecido

Revele aos meus olhos o que meu coração esconde

Duas linhas a imitar densa lágrima vermelha. Duas horizontais, uma na testa e outra no pescoço, esta a tomar a forma de uma coleira de espinhos logo que pintada.

Com esta prece, eu invoco

A esclera dos olhos ficou dourada como ouro e as pupilas se tornaram como gemas duplas parcialmente unidas. Um musgo enegrecido tomou conta primeiro de suas mãos, tornando-as grandes e ferozes como a pata de uma criatura nascida para matar, o mesmo se repetiu para os pés. No centro de seu peito brotou um grande terceiro olho em vertical, idêntico aos de seu rosto.

Acima de sua cabeça flutuava um item semelhante à uma tiara. Feita de um metal enegrecido, mas notavelmente prateado, em sua superfície havia um total de sete longos espinhos dourados.

Rag finalizou a prece, invocando por completo a criatura ao pronunciar seus títulos e o nome, estes que Evanescence foi incapaz de ouvir, ou talvez tivesse ignorado por instinto.

"POR QUÊ!? A minha habilidade está ativa, eu tenho mais que certeza! COMO?? Como este humano está usando sua Maldição?"

Analisou incrédulo a nova forma do rapaz. Laira, até então paralisada, fez o mesmo com um olhar de canto. Ambos aguardavam uma ação do recém-chegado anjo caído, e enquanto estático, Evanescence se pôs a pensar em velocidade máxima.

"É aquele livro? Aquela criatura estranha saiu partindo dele, tenho certeza!" A curiosidade voltou a crescer, mas não o bastante para superar o receio. "Por alguma razão o livro não foi afetado pela minha habilidade, então ou é algum tipo de magia diferente das Maldições ou suas condições de ativação são tão específicas que de alguma forma burlaram as minhas regras!"

Poderia até ser as duas coisas, mas sua ansiedade atingiu níveis altos demais para que chegasse a considerar isto. Ao invés de pensar racionalmente, acabou cedendo o controle de seu corpo aos músculos, ignorando os comandos primários do cérebro.

Recuar, sua alta agilidade auxiliou na decisão, levando-o na direção de uma saída de emergência conhecida apenas por si. Sem dúvidas este seria o momento em que o intenso treino físico que passou compensaria! Diferente da maioria dos vampiros de sua Classe que focavam na Inteligência e esqueciam os outros aspectos, Evanescence treinou cada um de seus atributos para garantir sua supremacia mesmo nas situações mais exóticas, como esta!

"Ainda bem que segui os passos do Mestre Vloid, devo agradecê-lo logo depois de lhe reportar sobre este rapaz!"

Estendeu a mão contra a parede para abrir a passagem, no entanto, viu esta se afastar de repentino e, ao olhar para trás, o trono surgir logo ao seu lado, este que devia estar a metros de distância após seu salto.

"Foi coisa dele!?" Mirou Rag, ainda estático. "Não o ouvi pronunciar nada, muito menos se mover. O que ele fez?"

Havia chance de ser alucinação devido ao medo, mas soava improvável demais, talvez esta fosse a desvantagem de nunca ter sentido verdadeiro medo em vida.

A encarnação do pecado estava imóvel, presente somente o movimentar dos olhos de pupilas gêmeas e a coroa de ferro que oscilava levemente de um lado para o outro.

"Não sei o que ele pode fazer, mas não parece que vai me deixar escapar. Creio que o Mestre teria interesse em pesquisar o corpo e a Maldição deste humano, mas não posso me dar ao luxo de ser morto só por causa disso." Trocando a postura, preparou-se novamente para o ataque.

O medo nunca antes sentido desestabilizou sua mente, mas a colocaria de volta nos eixos à força. O treino pesado de 200 flexões, 200 abdominais, 200 agachamentos e corridas de 20 quilômetros por dia mostrariam seus efeitos! O plano de treino duraria dois anos no total, e só havia treinado por seis meses até agora, mas devia ser suficiente.

Usaria qualquer desvantagem ao seu favor! Primeiro o tremor de suas pernas, transformado no combustível que impulsionou sua explosão, o corpo transformado numa bola de canhão indo contra Rag.

Num piscar de olhos sua imagem desapareceu, ressurgindo de outra dimensão quando próxima do alvo. Seu punho atropelou o pouco espaço até o rosto do garoto, afundando seus dedos nos olhos amarelados, cegando-os, ao mesmo tempo que despedaçava a mandíbula com sua força estrondosa.

Ao menos era assim que o ato decorreu em seu mundo das ideias.

Um poderoso estrondo invadiu seus ouvidos, antecedido por um raio que o acertou em cheio. Seus tímpanos, destruídos neste ataque, foram logo recuperados junto da audição, mas o odor de sua própria carne assada tardou a sumir.

Recuou de imediato para reformular a estratégia, impedido. O vulto teleportou-se à sua frente, seu denso punho acertou seu estômago num movimento ascendente, com intenção, mas falhando em atravessar a carne como ocorreu com Estevan.

O sangue expelido numa tosse seca a questionar a origem de tanta força bruta.

Essa transformação… Não teve tempo para supor nada. Outro golpe desceu contra seu maxilar, o deslocando. Outros vieram em sequência: na garganta, na cabeça, rosto, ombros, peito, joelhos, virilha, uma chuva de golpes tão velozes que o pós-imagens criaram a impressão de braços extras. Cada impacto bem sucedido em seu novo saco de pancadas alargava o sorriso afiado.

"Esse cara… Ele não é normal! Ainda é o mesmo moleque de antes!? Parece algo completamente diferente!"

Os socos explosivos ainda não superavam sua regeneração inata, então veio-lhe a ideia de levar o oponente à exaustão. Porém, três, cinco, dez minutos se passaram, e a chuva de golpes sequer deu sinal de desacelerar.

O tempo foi suficiente para que Evanescence se acostumasse ao ritmo dos golpes, mas sabia que permanecia incapaz de esquivar, algo inerte em seu ser dizia que esta ação seria inútil; um desperdício de energia.

"Quando isso vai ter um fim!? Ele não pode ter algo como energia infinita, pode!?"

O blow que quebrou sua caixa torácica logo em seguida dizia que sim. Não apenas ele quebrou as regras de sua habilidade, como também usou um poder desconhecido capaz de superar a si, um Vampiro Descendente!

"A força dele está aumentando, dá pra perceber! Nesse ritmo… ele vai conseguir superar minha regeneração! Não, eu sinto que não é isso… Poderia ser… Esse cara, essa coisa está…?!"

Num breve instante em que os golpes em seu rosto cessaram, pôde fitar momentaneamente a face da criatura. Os estreitos olhos dourados tomados por deleite, os lábios alcançando as olheiras para tornar o mais largo e evidente possível seu sorriso de prazer. Nisto, o vampiro pôde compreender a situação de vez.

"Ele não está me atacando para matar…"

A própria expressão deste ser, já longe de um humano, denunciava isto desde o início do que — apenas na mente de Evanescence — deveria ser uma batalha. Cada golpe era munido de um cálculo milimétrico de força e precisão, atingindo pontos chaves para paralisar o corpo ao mesmo tempo que evitava um dano fatal. Esta situação era como uma criança bebendo refrigerante na intenção de matar a sede, a diferença era que esta coisa tinha total noção do que estava fazendo.

O vampiro riu da maneira que pôde, impressionado com o quão estúpido foi até agora. Viu os humanos de joelhos ao pé da escada, capaz apenas de suspirar. Ainda que não por suas mãos, ao menos eles ainda serviriam ao propósito que seu mestre desejou.

De certa forma satisfeito, usou de um movimento em sua velocidade máxima para encerrar seu sofrimento. A mão a imitar uma lança atacou sua cabeça, atravessando o crânio e perfurando o cérebro num poderoso impacto.

A confusão foi visível no rosto da criatura demoníaca, que cessou os golpes e observou o corpo de seu brinquedo despencar para o lado. O baque seco da carne contra o mármore ecoou pelo salão. De imediato, o corpo do Vampiro começou a se desfazer em fumaça.

A criatura a babar sobre seu cadáver ao passo em que este se desfazia — uma sorte para si, mas tremendo azar para outros ao redor. Ao analisar o estilo da criatura e o ambiente, era óbvia como a situação iria evoluir, e exatamente por isso Evanescence agradeceu por morrer primeiro. Em seu último momento, rezou pela vida daquele que mais prezava:

— Me-Mestre Vloid…

Seu corpo então desapareceu por completo, feito em cinzas e névoa negadas pelo céu e pelo inferno, absorvidas pelo corpo de seu assassino.

As pessoas no templo, até então prostradas, finalmente tomaram coragem de erguer suas cabeças. A noção de que Evanescence havia sido eliminado lhes encheu de alegria, mas esta nem teve tempo de se manifestar antes da preocupação tomar lugar em seu rostos. O que estava de pé no altar não era um anjo, muito longe disto.

Laira, rente à porta, também se levantou, seus olhos já livres das espirais, focados agora na imagem que se esforçava para, de alguma maneira, enxergar a figura tímida e sorridente de seu pupilo.

— Rag…? Que forma é essa?

Corcunda, ele ajeitou a postura ao ouvir a trêmula voz meiga. Seus três olhos caíram sobre Laira, que deu um único passo para trás ao ser vítima de um pretensioso sorriso afiado.

 

 

 


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