Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


72 SEASONS

Capítulo 14: O Incidente da Catedral Secreta V

Do alto do altar, a criatura fitou os próprios punhos, como se só agora, após uma sequência interminável de golpes, tivesse ganhado consciência de sua existência. Apesar de distante de qualquer um, era fácil notar um claro sorriso de superioridade a tomar seus lábios, e ninguém era louco de questionar esta ousadia.

Afastada, Laira questionava em silêncio se este diante de seus olhos ainda era seu tímido pupilo, respondida pela voz riscada que iniciou:

Hahahaha! Incrível! Esta invocação está perfeita! Ah~, que delícia! É a primeira vez eu experimento a transformação completa! Mesmo que seja em um corpo despreparado, essa sensação não tem preço!

Seu gesticular intenso semelhante ao de um ator que, no palco pela centésima vez, havia perdido a noção entre realidade e atuação, sufocado num limbo de estranheza.

Respirando fundo o ar marmorizado do ambiente, os três olhos dourados vagaram pelo salão. Primeiro sobre Laira, para quem não se importaram muito. Os fiéis — se é que poderiam ser chamados assim — lhe fitavam ainda de joelhos, sendo o mal superior que acabou de substituir o que, comparando agora, era praticamente um anjo.

Que silêncio constrangedor… Vamos, pessoal! Batam palmas ou alguma coisa, estamos apenas começando!!

O sorriso pouco convidativo, mais para faminto, fez os corpos alheios recuarem por instinto. Por sua vez, o antigo dono do corpo, agora meramente a voz da consciência, questionou:

Ei, o que está fazendo?! O vampiro foi morto, agora devolva meu corpo!!

Hum? Do que você está falando, moleque? Eu acabei de chegar, então quero me divertir um pouco. Além do mais, você ainda não definiu o preço que vai pagar, o que me dá liberdade para fazer o que eu bem entender.

Do que está falando? E-Eu não deixei você fazer o que quiser!

He! Você é idiota, por acaso? Não é assim que as coisas funcionam...

Observando tudo de longe, Laira, já recuperada da insanidade anterior, analisou a situação de sua própria maneira.

"Com quem aquela coisa tá falando? Bem, não importa. O corpo ainda é do Rag, mas não parece ser ele quem está falando, e essa aparência..."

Definitivamente a última coisa que trazia era segurança. Não se lembrava de Rag comentar sobre algum Selo com uma habilidade de efeito semelhante. Era algo novo? Um improviso? Não, a [72 Seasons] não era um tipo de Maldição tão flexível.

"Isso é ruim, eu não sinto coisa boa dessa criatura... Tsc! Tenho que fazer alguma coisa!"

Fez o sinal de mão, mirando a coisa de três olhos. Passava longe de qualquer intenção de matar seu pupilo. Se invadisse a mente de Rag e encontrasse o núcleo, poderia ocasionar um desmaio com um dano controlado. Seria a saída mais segura.

Blergh! Vomitou tudo e mais um pouco em seu estômago. Os joelhos beijaram o chão outra vez, seu corpo por inteiro tremendo em fraqueza.

"O QUE FOI ISSO!? Minha habilidade ainda está anulada? Não, eu recebi a penalidade de desidratação, então eu com certeza a usei, mas... O que foi isso??"

Chorava sangue. Como se engolida por um mar de vinhas espinhosa, sua pele e ossos queimaram de dor, pontadas que percorreram cada centímetro de pele em velocidade tão alta que mais pareceu um impacto de dor geral.

"Meu ataque foi evitado? Isso nem devia ser possível!! Um ataque mental não é algo do qual seria possível se defender!"

Buscou controlar o corpo trêmulo, ação que ocupou espaço demais em sua mente já alterada para que continuasse ouvindo o que a criatura falava.

Você me invocou por vontade própria, moleque, mas meu serviço não é de graça. Sua intenção era que o vampiro fosse morto, pois bem, está feito, mas… — Lambeu os lábios, a língua bifurcada a farejar o medo ao pé da escada. — O que pretende me dar como pagamento?

Do-Do que está falando?

Meus serviços não são de graça! Assim como para os Selos normais, meu poder também vem com uma penalidade. Você acabou invocando minha forma completa, o que me permitiu tomar controle sobre seu corpo, e isso não é barato, entende?

Mas foi você que me falou para usar o ataque!

Errado. Eu te passei todo~ o conhecimento necessário para fazer o ritual de diversas formas, você que se desesperou e não prestou atenção nisso.

Tal como para as letras miúdas em um contrato, Rag não tinha lembranças claras de tais informações serem reconhecidas no mar de ordens que recebeu de uma só vez, mas da mesma forma estava incapaz de retrucar a criatura. Agraciada com o silêncio do rapaz, esta continuou:

Certo, se não há nada que possa me oferecer, então eu pegarei o SEU corpo e alma como pagamento.

O QUÊ!? E-Espera! Você não pode me matar, eu sou o seu dono! A Maldição não pode ser a causa direta da minha morte, está nas regras da sua própria habilidade!!

Aff! O raro suspiro — possivelmente o primeiro que ouviu — da criatura foi como a grande mão de um instrutor no ombro do aluno, prestes a avisá-lo da pior situação em que poderia se meter.

Este ritual não faz parte da Maldição. Você estudou este livro, então deveria estar mais do que ciente disso. Apesar da sua [72 Seasons] ter se ligado aos Selos, eles ainda conseguem atuar individualmente. A habilidade do vampiro anulou o seu poder, mas não o meu.

Ma-Mas… se eu morrer, então você vai voltar para o livro! A Igreja iria tornar você no maior dos tabus! Ninguém ousaria te libertar de novo!

É, eu ouvi isso da última vez também, mas cá estou eu. Você até poderia falar que levaria milhões de anos ou algo assim, mas "tempo" é apenas um conceito humano, moleque, você não pode tentar aplicar uma coisa assim em uma entidade como eu. Não vá achando que você é especial ou algo do tipo para conseguir barganhar comigo. Vamos apenas deixar uma coisa bem clara... Eu faço as perguntas e você responde, simples assim. Agora me diga, o que você tem a me oferecer em troca do meu poder?

Preso em seu próprio inconsciente, mãos invisíveis apertaram o pescoço de Rag, incontáveis delas, sobrepostas umas as outras para gerar uma força cada vez mais agonizante.

Eu te entreguei o poder para superar a própria morte, e obviamente isso não seria de graça. A informação estava lá, a culpa é sua por não ter notado.

Nem adiantava a tentativa de refutar, este indivíduo não conhecia limites, era isento de moral e as vezes da própria lógica. Um beco sem saída.

E-Eu... Não quero morrer! Eu não quero morrer! Não quero me ferir!

Entre suas súplicas no mundo espiritual, ouviu um resmungo animado da criatura a dominar seu corpo, em seguida, uma decisão.

HumIsto parece bem interessante. Certo, eu aceito essa proposta!

Hã? Do que está falando? O medo do tipo de interpretação da criatura evidenciado em sua voz.

Não é óbvio? Eu preciso de um pagamento pelo meu serviço, e você não quer morrer e nem mesmo se arranhar. Isso quer dizer que eu posso pegar qualquer coisa desde que nada aconteça com você, simples assim. Haha! Muito bem, eu agradeço, de verdade, você é mais benevolente do que eu pensava! Quase chorei.

Felicidade dominaria seu ser, isto é, se não soubesse o tipo de criatura com a qual estava lidando. Temeroso, perguntou:

O que você quer dizer com tudo isso?

O sorriso se fez presente outra vez, maior e alegre que em qualquer outro momento. De costas para o trono, contemplou a colheita logo abaixo.

Os fiéis lhe encararam, oscilando entre os olhos da face e o outro maior em seu tronco. Independente de qual mirassem, as pupilas gêmeas refletiam o mesmo destino mergulhado em um mar rubro negro.

Todos, até então ajoelhados, começaram a se levantar. Tropeços se fizeram antes que de fato fossem capazes de apavorar. A ordem era completamente inexistente, fruto da imaginação infantil. Perdidos, tontos em certo nível, trombavam uns nos outros e pisoteavam os que caíam por acidente, estes foram os primeiros a morrer. Procuravam freneticamente por uma saída inexistente numa união caótica, como formigas cientes da eminente enxurrada que atingiria o formigueiro.

Quase em câmera lenta, ele começou a descer os degraus.

Ei, ei, o que vai fazer? Eu não concordei com nada!!

Claro que aceitou! Você impôs limites do pagamento e eu aceitei. Contanto que VOCÊ não se machuque, então eu posso fazer o que eu bem entender, simples assim.

Não! Pare agora! Desfaça, desfaça o contrato! Eu vou pensar em outro jeito!

Não, eu não vou fazer isso.

Por quê!? É algum tipo de restrição? Você só consegue aceitar a primeira proposta??

A criatura desceu todos os degraus, agora pisando no mesmo chão que os humanos em desespero. Aos seus pés, havia somente um ainda ajoelhado, um pequeno garoto de no máximo dez anos. Os olhos marejados a encarar fixamente o terceiro olho.

Nah, eu até poderia ouvir outra proposta, mas essa aqui parece muito mais interessante!

Pare!! A última súplica, como esperado, foi em vão. Sua mão direita se ergueu e descendeu num movimento de corte tão rápido que a criança nem notou o rosto sendo dividido em dois. O cérebro esparramou-se, escorrendo pelo peito e para dentro da garganta, o corpo tardando a tombar para frente, ausente de alma.

As pessoas não mais gritavam, mas guinchavam como animais criados para o abate após descobrirem o misterioso motivo pelo qual eram engordados.

A entidade de três olhos caminhou em direção à multidão, lenta, barulhenta, ciente de que a presa era incapaz de escapar. Nos dedos, lambeu os resquícios de sangue da primeira vítima e, sem um alvo específico, avançou.

Um ato que só poderia ser retratado através de fotografias rústicas ou pinturas surrealistas. A carne foi penetrada e profanada, o sangue esguichado pelos olhos furados tingia todo o ambiente. Cabeças decepadas posicionadas vulgarmente em cadáveres alheios em prol de uma excitação doentia ainda gritavam por perdão, mas o que haviam feito de errado para tal coisa? Pescoços rasgados, corações esmagados, dedos e ossos quebrados, por qual razão estariam sofrendo este destino se não por terem feito algo horrendo em suas vidas. Fosse o que fosse, estavam desesperados demais para tentar lembrar ou até inventar algo que justificasse seu atual sofrimento.

Enquanto os gritos ecoavam pela Catedral Secreta, a mente da criatura/Rag era inundada por seus próprios pesares.

Pare!! Ele cortava e perfurava freneticamente, um guerreiro incansável que continuaria com isto para sempre se fosse possível.

Pare! Eu não... Eu não pedi por isso!! Por favor, pare!!

— HAHAHAHAAHAHAHAHA!! MAIS! CORRAM MAIS!! CORRAM ATÉ NÃO CONSEGUIR MAIS!!

O sorriso largo tão evidente quanto nunca, aumentando conforme o número de tapetes de carne também crescia.

Isso não está acontecendo!! Não pode! Não... Não sou eu quem está fazendo isso! Não sou eu!! Me desculpem! Por favor, me perdoem!!

Laira usou do caos instaurado para se esconder. Atrás de um dos pilares, fitou a criatura fazer chover sangue pelo salão, sem deixar um único indivíduo escapar.

"Essa coisa não é o Rag! Ele nunca faria isso! Mesmo assim..."

Seu selo de mão estava pronto para ativar. Fosse a coisa seu pupilo ou não, o perdão para o que estava fazendo era algo já inatingível. Tinha de eliminá-lo imediatamente, nem que fosse para salvar uma ou duas pessoas.

"Me desculpe, Rag, mas é para o seu bem!"

Por mais que a primeira tentativa falhasse, era sua obrigação continuar lutando. No momento que considerou certo, apontou o selo para a criatura e ativou a habilidade.

Foi então que viu, pairando por um breve instante diante de seus olhos, um par de mãos. Olhou para suas próprias, encontrando somente a ausência destas.

Um grito que se tornou estridente de tão silencioso que foi. Sua garganta capaz de ser o caminho somente de sua respiração pesada, enquanto os músculos contraiam em conjunto para diminuir o sangramento da forma que podiam. Não que isto fosse adiantar de algo, pois a voz logo invadiu seus ouvidos.

Ora, ora, você achou que eu tinha me esquecido de você? Que fofa…

LA-LAIRA!! PORRA! MERDA, SEU DESGRAÇADO! NÃO FAÇA MAIS NADA!!

A criatura já o ignorava. Agarrou a mulher pela cabeça, capaz de erguer seu corpo facilmente.

O aperto da grande mão bestial ameaçava rachar seu crânio, uma dor que lhe fez esquecer completamente das mãos decepadas para que fitasse os olhos amarelos a se retorcer.

Laira se esforçou, mas foi incapaz de controlar as lágrimas que começaram a escorrer. Havia entendido seu destino, mas longe de aceitá-lo. Uma última vez, disse:

— Rag… — Buscou no fundo do poço de insanidade daquele rosto demoníaco. Quando capaz de ver o garoto chorão engolido pelas trevas, colocou um último sorriso no rosto. — Sinto muito, mas… o resto é com você.

Sim, obrigado, vou aproveitar bem!

PARE! NÃO… NÃO FAÇA ISSO!!

Ouviu-se a mandíbula deslocar para, sendo assim capaz de abrir tal como uma cobra prestes a engolir uma presa três vezes o seu tamanho. Laira paralisou, encarada de volta pelo abismo do qual nem um pedaço sequer de sua carne jamais escaparia.

PAAAREEEEEEEE!!

 

***

 

Após um curto som de explosões contidas, os portões da Catedral Secreta se abriram com o esforço de vários homens. A escuridão foi morta pela chama das lamparinas que todos carregavam, cedendo espaço para que os olhos dos homens se deparassem com o grande espelho rubro que tomou o lugar do mármore branco do chão.

A tropa, composta por um total de quinze indivíduos, vestia uniformes militares, mas não do Norte. Ao contrário de um azul marinho, tudo dos pés à cabeça era preto, buscando a maior discrição possível. Alguns poucos tinham adornos dourados, uns com medalhas e outros com ferramentas diversas na cintura e nas costas.

Liderando o grupo, um homem alto com um tapa-olho no lado esquerdo analisou a área com calma, acostumado com o cheiro de sangue.

— O que aconteceu aqui? Não tem corpos, nem mesmo ossos, mas… — Agachou-se e respirou fundo, provando um pedaço da casca seca. — Isso é sangue, sem sombra de dúvidas.

Como era possível? O olhar vasculhou as paredes e o teto, mas nem sinal de um único cadáver. Tudo era somente vermelho, um mar tão perfeito que causava tontura devido à falta de profundidade criada em alguns locais. Outra vez, se perguntou:

— O que aconteceu para terminar assim?

Senhor! Um dos homens chamou, apontando à frente. A tropa atuou em conjunto para iluminar a área, revelando um corpo debruçado, um tanto contorcido, sobre o grande espelho rubro negro. A roupa — surpreendentemente intacta — batia com uma das descrições entregues pela Igreja.

— É um dos desaparecidos! Façam a checagem, rápido!

A tropa agiu de imediato, o primeiro a chegar sendo um homem de longos cabelos e olhos vermelhos, portando uma espada incomum em sua cintura.

— Garoto…? — Virou o aparente corpo de barriga para cima, surpreso. — Está acordado?! Ó-Ótimo, continue assim! Meu nome é Devic, estou aqui para te ajudar. Qual o seu nome?

Os olhos azuis estavam secos, arregalados sabe-se lá desde quando. Num tremor de espasmos, as pupilas miraram o homem que lhe chamava, os lábios estáticos a surpreender o homem novamente ao se moverem.

— Rag… Meu nome… Meu nome é Rag…

— Certo, é um prazer — Abriu um pouco de espaço, permitindo que seus colegas fizessem os primeiros socorros, mas ainda mantendo a conversa viva. — Diga-me, Rag, o que aconteceu aqui?

Todo o corpo do jovem deu um curto salto, como se sofresse pelo uso de um desfibrilador. Saindo da pose dura de uma estátua viva, a mão direita foi até a boca. Gemidos agoniados de seu estômago e intestinos ecoavam por todo o salão, atraindo os olhares confusos da tropa.

Apesar de ele não ter falado nada durante os segundos que se passaram, foi evidente para todos que uma quantidade quase infinita de informações estava inundando sua mente. Toques, sons, gostos, cenas, odores, cada sensação sendo revivida, uma por uma, tão rápido que para si se passou em câmera lenta.

Todos aguardaram ansiosos, até agora dominados pela curiosidade. Porém, a voz mais semelhante a um gemido de desespero disse apenas uma coisa antes que a mente viesse a desmaiar:

E-Eu… Sinto muito, eu não sei…

 

 

 


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