72 SEASONS
Capítulo 11: O Incidente da Catedral Secreta II
Os dois abriram a porta — mais leve do que indicava — com um empurrão conjunto. Uma grande sala se revelou, em suma vazia, assim como a maior parte das estruturas. No centro havia uma mesa semicircular virada para a entrada, onde os Quatro Grandes Cardeais se sentavam. Contando com eles, reunidos no salão neste momento estavam um total de sete indivíduos.
— Ah! Finalmente chegaram! Pensei que tivessem sofrido um ataque cardíaco devido ao susto.
Quem disse foi Laira, uma jovem moça de cabelos azuis como uma lagoa cristalina e olhos prateados. Trajada também numa batina branca, se distinguia devido principalmente ao cinto de utilidades que não carregava nada além de várias garrafas d'água.
Rag e o outro rapaz — nome Estevan — colocaram-se ao lado da mulher, fitando a parede além dos Cardeais. O olhar destes fazendo o trabalho de afastar um encarar direto nos olhos.
Quando sentiu necessário, um dos quatro calvos iniciou, sua sentença complementada pelos outros três:
— Assim como o aviso que enviamos previamente já dizia, ordenamos o comparecimento de vocês três para a designação de uma missão especial.
— Como bem sabem, pessoas desaparecerem de maneira anormal ao sul desta cidade.
— O trabalho de vocês é investigar o local, derrotar quaisquer possíveis ameaças presentes e encontrar as vítimas.
— Há a suspeita de ser trabalho de um vampiro, então estejam preparados para qualquer coisa.
De primeiro momento, o trio assentiu de imediato, só parando para pensar nas letras miúdas momentos depois de assinar o contrato. Estevan perguntou:
— Se-Senhor, a missão será realizada por apenas nós três?
— Sim — respondeu de imediato. — Algum problema?
Óbvio!?, responderia se o desacato não fosse lhe custar a cabeça, ao invés disso, desconversou em prol de preservar o pouco tempo de vida que lhe restava.
Apenas a suposição de que o inimigo era um Vampiro seria o bastante para recrutar no mínimo um pelotão de soldados qualificados, prevendo um combate que desafiava todas as leis da física e lógica existentes.
A razão para a situação atual, no entanto, estava bem ao lado de Estevan e Laira. Os olhares de ambos caíram não sobre Rag, mas especificamente sobre o Livro de Selos, apenas então sobre o portador em si.
Rag já era um alvo do alto escalão da Igreja desde o primeiro dia em que pisou na instituição. Indo contra os avisos de todos, ele decidiu estudar por conta própria o misterioso Livro dos 72 Selos, um artefato de origem desconhecida considerado como fruto de toda a maldade do mundo.
De alguma forma ele não foi executado, como se uma força misteriosa o protegesse deste destino. Ainda que indiretas, muitas vezes na forma de falácias e hipérboles, as ameaças contra sua vida aumentaram após se tornar um Amaldiçoado.
Ele estava realizando a faxina da Catedral num dia qualquer, até que de repente um vampiro de classe baixa entrou e lhe mordeu, sendo eliminado rapidamente por guardas. Muitos consideraram o evento como "karma", enquanto poucos — que desapareceram misteriosamente com o tempo — julgavam com olhares tortos as cabeças por trás de tudo.
"Eles vão tentar usar a missão para matar o Rag?", pensou Laira. "Acho que seria óbvio demais, e eles não arriscariam perder soldados habilidosos como nós no processo…"
Estevan adicionou:
"Tem parada errada aí, irmão. Eles com certeza possuem um dedo sujo nisso, provavelmente algo contra o Rag, mas…!"
Numa conexão psíquica de dar inveja, completaram: "Vamos protegê-lo à todo custo!"
Ante o silêncio, um dos bispos questionou:
— E então, há alguma objeção quanto a missão?
— NÃO, SENHOR!!
O uníssono marcou o início da tarefa, um grande momento para todos os três, em vários sentidos.
***
Diferente das forças armadas no Sul, a Igreja não tinha Pontos de Transporte Instantâneo (PTIs), muito menos veículos que ajudassem na locomoção, restando a boa e velha tração humana, em outras palavras, caminhada.
De acordo com as palavras dos superiores, manter a locomoção em caminhadas era necessário para que a imagem "humilde" da Igreja não fosse perdida. Claro, nem era como se o templo principal, feito de um raríssimo mármore branco e vários entalhes de ouro, fosse do tamanho de um castelo.
O argumento seria aceitável um certo tempo atrás, mas atualmente a Igreja se colocava como segunda linha de defesa contra os vampiros, logo depois do Exército, então a permanência dos pensamentos que se tinha nos tempos de paz era no mínimo preocupante.
De qualquer forma, o trio chegou no local em questão ao cair da noite. Os moradores do vilarejo se aprontavam para dormir, imbuídos da falsa esperança de que as portas de madeira quebradiças de suas casas seriam o bastante para impedir o infortúnio de as invadir.
De olho nos arredores, Estevan perguntou:
— Rag, você resetou o uso dos Selos, não é?
Assentiu. Seria perigoso chegar numa missão com apenas um Selo disponível. No entanto, alguns demonstravam não concordar muito com seu preparo.
A sombra gosmenta tomou forma em seu ombro, mesclada à escuridão, somente seus pequenos olhos vermelhos eram notáveis.
Por que tanto medo? Se as coisas ficarem ruins, é só usar "o ataque"!
Ele tremia como um personagem de jogo mal renderizado, a qualquer momento entraria dentro da terra.
Laira questionou: — O que é esse tal "ataque" que ele fica falando?
— Na verdade, eu também não sei — Rag conseguiu fazê-lo desaparecer ao dar um pouco de seu sangue. — Ele vive falando para eu usar "o ataque", mas nunca disse o que é para início de conversa. Acho que ele só está tentando me deixar maluco.
— Você disse que encontrou esse livro em uma biblioteca, não é? — perguntou Estevan, guiando o trio numa curta caminhada até os alojamentos. — Não tinha mais nenhum semelhante à ele por lá?
A resposta negativa acabou por emudecer seus colegas. Tudo bem, pensou, também não tinha mais esperanças de conseguir se livrar do livro de forma alguma senão através da morte. Mas, apesar de ter abandonado a possibilidade, lembrava perfeitamente de quando se deparou com o item.
Uma biblioteca antiga, mas famosa por conter o conhecimento avançado das mais variadas áreas, contendo trabalhos dos mais renomados estudiosos das épocas mais longínquas da humanidade. O Livro de Selos, neste caso, se escondia fora de qualquer prateleira, soterrado por ficções infanto juvenis numa pilha destinada ao esquecimento em uma caixa no estoque do local.
Aparentava ser um volume único. Rag já sabia da existência deste exemplar, sendo na verdade isto que o motivou a entrar na Igreja. Antes era apenas uma especulação, mas com a autoridade concedida pelo cargo mais baixo na hierarquia, conseguiu acesso àquela área da biblioteca e adquiriu o livro.
Seus estudos começaram de imediato, a desaprovação alheia mais do que evidente. Ter um membro da Igreja andando por aí com um livro repleto de Selos e dizeres sobre invocação com certeza não ajudava muito em manter a imagem santa da instituição.
Alguns meses depois de adquirir o livro, acabou sendo atacado por um vampiro enquanto realizava seus trabalho matinais. Porém, ao invés de falecer — o esperado — acabou por tornar-se num Amaldiçoado.
Para piorar a situação, de alguma maneira a Maldição foi ligada diretamente ao conteúdo do Livro dos Selos, sendo aí que o pequeno demônio começou a aparecer e atormentar a cabeça de Rag. Independente do que fizesse, queimar, rasgar, explodir ou jogar no mar, o Livro sempre voltava para si.
Isento de escolhas, restou-lhe aceitar o destino e, contrariando os possíveis propósitos de existência do Livro de Selos, usar suas novas habilidades para o bem. As primeiras vezes foram dolorosas, mas logo se acostumou com a punição de uso, além de ter ganhado motivação para desenvolver os projéteis de Vitamina D.
Apesar de tudo isto, ainda existiam vários enigmas para serem desvendados sobre o livro. "O ataque" sendo apenas um deles.
Atualmente, a única alternativa que conseguia pensar era em estudar os Vampiros. Se a maldição causada por um ligou Rag ao livro, então talvez eles também fossem capazes de quebrar esta ligação. De qualquer forma, era apenas a sua própria esperança.
— Certo, vamos esquecer o trabalho por agora e nos concentrar em descansar.
A tentativa de Estevan em quebrar o clima pesado foi bem-vinda. Abriu a porta do local que atuava como hotel no vilarejo. Por sorte havia um quarto livre, onde ele e Rag dormiram na cama de casal e Laira numa de solteiro logo ao lado. Nenhum deles questionou a curiosa distribuição de camas do local.
Ao amanhecer do dia seguinte, a felicidade do dia anterior foi jogada fora, como de costume. Os moradores de semblante torcido resmungavam de um lado para o outro como zumbis, lentamente realizando suas próprias tarefas, aguardando alguma coisa desconhecida.
— Bem, não é de esperar menos — disse Estevan, os olhos caídos mirando algumas crianças que trabalhavam tão arduamente quanto os adultos em volta. — Eu também não teria ânimo para viver sabendo que posso ser o próximo a desaparecer. Esse pessoal já desistiu há um bom tempo.
Seu olhar voltou sobre os companheiros, especificamente em Rag. Apesar de seus 175 centímetros de altura, se encolhia ao ponto de aparentar metade do tamanho, dotado de um medo equivalente à raiva de um pincher.
Ante a cena, Estevan sorriu. Com a mão direita, afagou a cabeça do pupilo ao mesmo tempo que o ajudava a ajeitar a postura.
— Ei, rapaz! Não precisa ficar assim, isso tudo vai terminar num piscar de olhos!
Laira ocupou o ombro oposto com sua mão esquerda, adicionando:
— Eu e o Estevan vamos te mostrar a razão daqueles velho broxa terem tanto medo da gente!
Rag sorriu, contagiado pela animação da parceira. Certo! Com um ágil movimento, abriu numa das páginas do livro e invocou o Nono (9°) Selo como haviam combinado previamente. A sombra disforme de uma criatura a pairar diante do trio, mas longe de amedrontar qualquer um deles, todos posando heroicamente. O magista então perguntou:
— Revele a localização dos responsáveis pelos desaparecimentos nesta vila!
Um deles está na casa de telhado pontiagudo, o outro se encontra dezenove metros abaixo da terra.
Num estouro imediato equiparável a um tiro de canhão, os três correram para o primeiro ponto, o mais evidente. A construção lembrava a torre de um mago louco. Abriram a porta sem aviso, uma invasão que evoluiu para batalha tão rápido quanto poderiam imaginar.
Provavelmente devido aos passos pesados que se aproximavam da casa, a figura esquelética já tinha metade do corpo para fora da janela quando arrombaram a porta. Os olhos sedentos a mirar o trio de canto, enquanto a aura denunciava sua identidade para todos.
Vampiro Descendente
Força 49/100
Agilidade 37/100
Inteligência 19/100
Rag, posicionado na retaguarda, analisou o oponente da maneira que podia. A mente correndo a mil. Era um vampiro focado em força física, mas o fato da Inteligência não ser zero indicava a existência de um habilidade a ser temida.
Pelo menos este seria o caso em circunstâncias normais.
O Vampiro paralisou logo que todos estavam dentro da casa, seus resmungos impedidos de tomarem a forma de palavras ao passo que os olhos se arregalaram em susto.
Rag olhou à sua direita, ciente do que estava acontecendo.
"Eles são realmente profissionais! Impressionante!"
Junto do vampiro, Estevan paralisou completamente. O corpo petrificado numa posição que impediria um desequilíbrio leve de levá-lo ao chão. O braço direito se estendia à frente, a mão em punho, com somente o dedo indicador a apontar para o inimigo e os olhos cravados no mesmo.
— Ótimo, pelo jeito vai ser bem fácil! — disse Laira, agindo em seguida.
Com ambas as mãos, ela emulou as bordas de um quadro, encaixando a figura do Vampiro no centro da mímica.
Tal como o homem ao seu lado, seu corpo paralisou na pose em questão. Rag foi o único a permanecer ciente do mundo ao seu redor, limitado a observar a batalha invisível que se desenrolava diante de seus olhos.
Menos de um minuto se passou, e um tumph vindo do desabar do corpo do vampiro determinou os vencedores do duelo.
A sala até então silenciosa foi preenchida por risos baixos e pausados de Estevan e arfadas pesadas por parte de Laira, esta que de imediato puxou uma das garrafas de água em sua cintura e bebeu de uma só vez.
— Incrível! É realmente como vocês falaram!
Rag, com os olhos cintilando como estrelas, ganhou sorrisos agradecidos em resposta.
Ao finalmente presenciar a parte prática das explicações que ganhou dos dois antes de sequer receberem esta missão, entendeu o quão confusa a situação seria para um terceiro. Claro, lutas entre Amaldiçoados e Vampiros eram, em maioria esmagadora, desta forma.
Estevan, Maldição: [Borderline]. Ao estipular um alvo específico, cria uma ponte mental capaz de conectá-los diretamente. Estevan seria capaz de se comunicar com o alvo dentro da mente deste, enquanto os corpos de ambos ficariam paralisados no mundo real. Em troca de cada ativação da habilidade, uma de suas memórias agradáveis seriam apagadas da existência, o que gradualmente pode lhe levar à insanidade no longo prazo caso novas memórias não sejam criadas.
Laira, Maldição: [Psycho In My Head]. Assim como Estevan, ela invadia a mente do alvo, no entanto, o alvo não possui noção do acontecido, permanecendo livre no mundo real, enquanto somente a Amaldiçoada fica paralisada. A habilidade consiste em Laira eliminar o cerne/alma do oponente antes que este lhe machuque fatalmente no mundo real. Sua consequência é ficar completamente desidrata a cada uso da habilidade.
Numa leitura um pouco mais elaborada da dinâmica, Estevan paralisava o alvo no mundo real, dando tempo para que Laira invadisse, encontrasse e destruísse a alma do oponente. O combate interno poderia durar de horas até dias, enquanto na realidade os espectadores presenciavam apenas um repentino paralisar e, segundos depois, o desabar do corpo do derrotado.
Ataques invisíveis, mas extremamente fatais. Com uma combinação assim, apenas um pensamento passava pela mente do jovem aprendiz:
"Esses dois são invencíveis!"
O primeiro vampiro acabou morto num piscar de olhos, nenhuma surpresa ao considerar quem eram seus oponentes.
Laira bebeu o meio litro de água da garrafa de uma só vez, um uah~ satisfeito acompanhou o crescer de um sorriso vitorioso.
— Certo, a criatura do Selo disse que o outro estava no subterrâneo, não é? Será algum tipo de vampiro escavador?
— Eu nunca vi um assim, mas seria um inimigo bem complicado… — disse Estevan, pensativo. — Nós vencemos este que ficava na superfície, então talvez os moradores fiquem menos intimidados agora. Vamos tentar fazer algumas perguntas!
Saíram da casa em questão, ainda atentos aos arredores. Os moradores se reuniam para descobrir a razão da comoção anterior. Facilitou o processo do trio.
Todos se encontravam em posição quase fetal, suas colunas torcidas num ângulo de 160°, como se para garantir que suas cabeças nunca ficasse acima da linha de visão do opressor. Eles serem capazes de ajeitar a postura sem quebrar algum osso no processo já era um milagre por si só.
Entre perguntas e muita insistência, conseguiram pistas o suficiente para encontrar um ponto interessante.
Às margens do vilarejo, escondida nas ruínas de uma construção qualquer, o buraco semelhante à uma toca de javali guiava para uma escuridão densa. As rochas sólidas que compunham este portão maligno guardavam ranhuras finas em vermelho, as marcas desesperadas da resistência contra uma força maior. O odor áspero que lacerava o nariz de todo o trio confirmava, o alvo estava lá embaixo.
Rag começou a tremer, um costume, assim como o aumento na determinação em seu olhar. Por mais que o medo viesse, era apenas um reflexo natural, não tinha razões verdadeiras para temer seus próximos passos enquanto os dois colegas estivessem ao seu lado.
Como confirmação, a voz confiante de Estevan ordenou: — Vamos!
9° Selo: Descobre tudo abaixo da terra e da água / Invoca familiares / Responde tudo que o magista quer
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