Volume 1
Prólogo II
O jovem Luster encontrou algumas crianças naquela casa na árvore. Os três meninos — que deveriam ter entre sete e dez anos — estavam encolhidos em um canto da casa, tentando se esconder embaixo de um cobertor velho.
Brendan conversou com as crianças para acalmá-las e ficou feliz ao saber que nenhuma delas se machucou.
Devido ao medo, as crianças não conseguiram identificar com precisão o que eram aqueles “cães fantasmas” — nome dado por elas aos seres que viram.
Depois de descobrir que os jovenzinhos contavam histórias de terror enquanto acampavam naquele lugar, Brendan tentou convencê-los de que aqueles cães eram apenas vira-latas desnutridos e que qualquer elemento estranho que viram era fruto do medo.
Na verdade, pouco importava o que o Luster dissesse. Ele sabia que, em alguns dias, aquelas crianças acreditariam que tudo não passara de um sonho, devido à barreira Anti-Caos em volta de Elysium.
Havia criaturas e seres místicos em todo o mundo. Alguns países possuíam uma maior variedade dessas criaturas do que outros.
No entanto, independentemente disso, o mundo humano andava lado a lado com o mundo do misticismo.
Lendas e contos se originaram do encontro desses dois mundos.
Com a intenção de prevenir o caos e o pânico, cada nação criou sua própria barreira mágica — que normalmente cobria toda a extensão em área do país — com regras e condições adequadas às criaturas que habitavam cada nação.
Em Elysium, a barreira Anti-Caos se constituía de sete grandes selos, conhecidos como: As Sete Virtudes. Essa barreira fora erguida com a intenção de separar o plano espiritual — onde residiam os Oniros — do plano humano.
No entanto, os sentimentos negativos dos seres humanos criavam um caminho por onde os Oniros conseguiam invadir e manifestar sua zona espiritual.
Como efeito secundário, caso os seres humanos entrassem em contato com esses seres ou testemunhassem alguma atividade mágica, a barreira agia com uma “sugestão”.
Essa “sugestão” afetava as memórias humanas e reescrevia o ocorrido com explicações lógicas.
Para isso, algumas condições precisavam ser atendidas: o civil envolvido não podia olhar diretamente para o surgimento da zona espiritual, não podia observar a criatura por mais de um minuto e não podia entrar em contato com a criatura mantendo plena visão da mesma.
Seguindo essas regras, a “sugestão” afetava o cérebro do civil e reescreveria todo o ocorrido.
Por muito tempo, a barreira Anti-Caos fora administrada unicamente pelos Guardiões Espirituais. Com a chegada da WOM, e uma longa negociação entre as duas organizações e o governo, a administração foi dividida.
Os Guardiões Espirituais ficaram responsáveis pela administração e proteção de quatro selos, enquanto a WOM passou a administrar os outros três.
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Após uma longa conversa, Brendan conseguiu convencer as crianças a dormirem.
O herdeiro dos Luster levantou uma barreira de proteção em volta da casa na árvore. Ele não era bom com esse tipo de magia e sabia muito bem que não duraria até o amanhecer.
Mas, desde que as crianças estivessem dormindo, não haveria sentimentos negativos para atrair outros Oniros.
Brendan estava prestes a pegar seu celular para verificar as horas quando sentiu o aparelho vibrar em seu bolso. Ao atender a ligação e reconhecer a voz do outro lado da linha, uma mistura de emoções atravessou seu rosto.
— Diana… — resmungou Brendan, com um tom de voz levemente irritado.
— Oi! Saudades de sua Onee-san?
— Você não é minha irmã — bufou o garoto.
— Sou a Onee-san favorita de todos! — A voz alegre de Diana contrastava com a expressão no rosto de Brendan.
— Por que me mandou aqui para eliminar Oniros tão fracos? Você não podia ter lidado com eles? Não poderia ter mandado seus irmãos ou algum empregado?
— Não queria que muitas pessoas soubessem que eu estava por aqui… Viu? Isso é uma prova incontestável de amor. Confiei em você para resolver o trabalho. Oh, será que seu sonho de se casar comigo está cada vez mais perto?
— E desde quando isso é meu sonho? — Brendan estava cansado; seu cérebro não estava raciocinando direito, e até uma pergunta idiota como essa acabava recebendo um questionamento genuíno.
— Não é? Ah, que droga… Perdi a chance de quebrar seu coração… — O tom sarcástico era notório mesmo para o garoto sonolento.
— Não fode, Diana. Me dê ao menos uma explicação do porquê me pediu para vir aqui?
— Eu vi a zona começar a se formar, mas estava demorando muito, então presumi que não era grande coisa. Basicamente, eu tinha mais o que fazer, então pedi ajuda a um vagabundo… digo, ao meu irmãozinho lindo. — A mulher do outro lado da linha fazia de propósito, e Brendan sabia disso.
— O que você veio fazer aqui? É muito longe da capital; eu demorei três horas para chegar aqui.
— Veio de carro?
— Ônibus. Felizmente eu tinha um anti-enjoo sobrando. Só não sei como vou voltar… E responde a pergunta!
— Não. Mas não se preocupe; meu chofer ficou por aí. Eu sabia que você não viria com o seu… Viu? Sou a irmã dos sonhos, sempre atenta e amorosa.
Brendan tinha curiosidade sobre o motivo de Diana Heaven, a futura herdeira da família Heaven, ter vindo para uma área tão distante e deixado seu motorista para trás. Contudo, ele também sabia que decifrar aquela mulher demônio era impossível.
— Mande-o me encontrar logo… Estou com pressa; tenho compromisso daqui a algumas horas.
— Você? Logo você? Hahahahah… Eu me pergunto que tipo de… Ah, entendi, segunda-feira é quando as aulas voltam. Então você pretendia comprar os materiais domingo, digo, hoje.
Brendan engolia em seco ao perceber o rumo que a conversa estava tomando.
— Bom, eu já me formei, então não preciso me preocupar com isso. Você está em que ano mesmo? — perguntou Diana.
Era uma pergunta retórica. Ele sabia que ela só estava cutucando a ferida, como ela sempre fazia.
Com um pequeno atraso, o garoto respondeu que estava no primeiro ano do ensino médio.
— Primeiro? Que sensação de déjà vu. Já tivemos essa conversa antes? Talvez no ano passado… Bom, deixa pra lá.
— Pode mandar o motorista?
— Você vai sair com a sua namorada para comprar os materiais, correto? — Nesse ponto, Brendan já havia entendido que ela só pararia quando estivesse satisfeita. Não havia mais o que fazer, já que ele precisava do motorista dela.
— A May não é minha namorada…
— Eu nem citei o nome da minha querida May-chan. — Graças ao sono, o jovem Luster cometeu outro deslize. Ele esfregou seu rosto em irritação.
A conversa seguiu por mais dez minutos, até Diana se cansar e chamar o chofer da família Heaven para levar Brendan até seu apartamento na cidade de Serenity, capital de Perséfone.
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Ao chegar em seu apartamento, que ficava na cobertura de um prédio de trinta andares, o Luster se dirigiu ao seu quarto.
Brendan não tinha forças para fazer muito. Na verdade, energia não era o problema real. O grande problema era continuar sentindo a dor dos golpes dos Oniros.
Ele queria que isso passasse logo e, para isso, precisava dormir.
Brendan trocou de roupa e se jogou na cama. Mas, antes de se entregar ao sono, deu uma última olhada no celular.
Era 4:10 AM, e ele tinha várias notificações de mensagens. Sabia de quem eram e, com o simples ato de pensar nela, seus lábios se curvaram em um sorriso.
Um sorriso bobo, que não combinava nada com o herdeiro de uma das três famílias de magos mais importantes do país.
Ela era a pessoa que mais importava para ele. Quando pensou que havia perdido tudo, ela esteve lá, o abraçou e, em meio ao aguaceiro, fizeram uma promessa…
O último ano não foi bom para os dois, pois não se viram pessoalmente.
Brendan sentia muita falta dela e queria muito responder todas as suas mensagens, mas o cansaço mental era grande demais.
Então, apenas desejou uma boa noite à garota, colocou seu celular ao lado da cama e se permitiu ser arrastado pelas areias do sono.
Brendan podia ter perdido seu “sol”, mas um “inverno caloroso” surgiu quando ele mais precisou.
O sono fazia sua consciência se esvair, e sua mente vagava por antigas memórias agridoces: sua perda e sua promessa, as lágrimas e a chuva. Aquele cenário voltava a ele.
O sonho trazia de volta a dor que ele sentira há sete anos.
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Aquele outono chuvoso de 2025 foi um momento muito difícil para o jovem Luster, que na época estava próximo de completar dez anos.
A chuva encharcava o corpo do pequeno Brendan. As gotas escorriam por sua pele parda e misturavam-se com as lágrimas que rolavam de seus olhos cor da noite, até encontrarem o chão de mármore, já com algum acúmulo de água.
— Por quê você teve que ir… Eu não… — lamentava o garoto, sua voz abafada pela chuva que caía.
Brendan agarrava os próprios lados, procurando um abrigo, um meio de escapar da dor que sentia.
O jovenzinho sabia que isso não era possível; seu objetivo já estava fora de alcance. Como um Luster, ele deveria entender que o fim da linha havia chegado e não tinha mais nada a ser feito.
A chuva apertava à medida que o tempo passava, e a luz do sol estava cada vez mais fraca.
— Bren-chan?! O que você está fazendo aqui sozinho?
Uma mulher chamou pelo menino. Ela vestia um kimono preto e segurava um guarda-chuva da mesma cor. Suas características físicas remetiam ao Oriente, e seus olhos azuis demonstravam sincera preocupação pelo garoto.
A mais velha se apressou e, colocando-se ao lado da criança, usou o guarda-chuva que segurava para impedir que a chuva encharcasse ainda mais o menino.
Brendan olhou de soslaio para a mulher ao seu lado, com o que parecia ser toda a força que fora capaz de reunir, ele disse:
— Kaasan, meu avô disse que, sendo o único herdeiro dos Luster, eu não podia ficar chorando… que eu devia deixar ela ir.
O garoto apertou seu punho e virou-se para a mulher.
— Não quero deixá-la… ao menos não ainda… só mais um pouco, por favor…
A mulher percebeu o quanto a voz do garoto estava trêmula e embargada.
Sem dizer uma única palavra, acenou com a cabeça e se virou para a lápide.
Brendan a seguiu em sua ação.
A foto retratada naquele túmulo era a de uma bela mulher: compartilhava as mesmas características físicas do garotinho, o mesmo tom de pele, o mesmo cabelo escuro e os mesmos olhos cor de obsidiana.
— Sua mãe era uma mulher incrível. Suportou todo o peso que o nome da sua família carrega com um sorriso no rosto. Com certeza, ela foi a mente mais brilhante da história de Elysium. Um pouco excêntrica, mas uma grande amiga… A melhor amiga que já tive — dizia a adulta, a luz brilhava nos rastros úmidos de lágrimas em seu rosto.
Os olhos de Brendan finalmente mostravam algum brilho. Ele olhava para a mulher com curiosidade.
— Vem dormir lá em casa hoje? May-chan vai ficar extremamente feliz se você vier — sugeriu a maís velha.
— A May veio para cá? — Era possível distinguir uma mistura de alegria e ansiedade na voz do garoto.
— Sim, ela está no carro. Vamos lá encontrá-la, mas antes, vamos limpar essas lágrimas; não queremos preocupá-la, não é mesmo?
A mulher enxugou suas lágrimas e, em seguida, as de Brendan. Os dois fizeram uma pequena reverência e se despediram do local de descanso da mãe do jovem.
Após alguns metros de caminhada, o veículo tornou-se visível e, aparentemente, eles também foram avistados pela única ocupante no carro.
Uma das portas traseiras do carro se abriu e, de lá, uma pequena garotinha — com as mesmas características da mulher mais velha — saiu em disparada até eles.
— May-chan, cuidado com a chuva! — avisava a mulher.
May ignorou o aviso e correu até Brendan, sem se importar com o aguaceiro que a encharcava.
Seguindo o exemplo da garota, Brendan abandonou a proteção do guarda-chuva e correu ao seu encontro.
Sem qualquer cerimônia, a pequena deu um abraço apertado no menino, tão apertado quanto seus pequenos e finos braços permitiam.
— May, o que… — Brendan não conseguiu terminar sua frase.
O calor do abraço da pequena era aconchegante e pacífico, fazendo-o sentir-se seguro. Era o abrigo que ele tanto procurava; Brendan acreditava que poderia ficar ali para sempre.
Lenta e delicadamente, May afrouxou seu abraço e afastou-se apenas o suficiente para olhá-lo nos olhos.
Aquilo hipnotizava o garoto. Ele reparava em cada detalhe da garota à sua frente: a pele alva como a neve, os cabelos lisos e longos cor de ébano e, acima de tudo, os lindos e radiantes olhos cor de safira.
Seu estupor foi quebrado quando a garota começou a falar:
— Vai ficar tudo bem, Bren-chan. Não importa o que aconteça, você nunca estará sozinho. Vou estar sempre ao seu lado — prometeu May, sem desviar o olhar.
Brendan, por outro lado, sentiu seu coração esquentar. Seus olhos voltaram a lacrimejar, porém, dessa vez, um sorriso sincero brotava em seus lábios.
— Eu também sempre estarei ao seu lado. May, eu prometo — disse Brendan.
A resposta do garoto provocou um leve rubor nas bochechas da garota, rapidamente substituído por um sorriso inocente.
— Bom, eu não queria atrapalhar vocês dois, mas entrem logo no carro! A chuva não vai parar tão cedo. Bren-chan, vou avisar seu avô que você dormirá em nossa casa hoje.
Ao ouvir as instruções, os dois pequenos correram para dentro do veículo, enquanto a mulher mais velha os seguia com um sorriso.
Aquele sonho era uma lembrança daquele dia triste, mas também marcava o momento da promessa que Brendan e May guardavam em seus corações.
Notas do autor:
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Favorite a obra para acender a chama no coração do autor.
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