Volume 1
Capítulo 3: Crianças Problemáticas II
Mas aquilo rapidamente teve um fim. Com uma expressão animada, a Heaven se colocou ao lado da Silva e passou seu braço direito pelo ombro dela.
— Hum, Mariana, não é? Pelo visto, somos irmãs, né? Afinal, ambas somos as únicas alunas da grande Shiori Hayami. — O tom descontraído acompanhava cada palavra proferida. — Ei, ei, tive uma ideia. E se, depois daqui, nós duas sairmos para contar histórias engraçadas sobre Shiori-chan? Eu mesma tenho várias.
— Diana… — advertiu a Hayami, enquanto massageava suas têmporas.
— Ãh? É… Eu até gostaria, mas hoje é meu primeiro dia de aula na escola onde estou lecionando. Já vou perder as primeiras aulas por causa desse trabalhinho aqui — Mariana falava desconfortavelmente.
Diana então perguntou onde Mariana lecionava e, assim que ouviu o nome do lugar, deu um grito de empolgação.
— Academia Celeste Ptolomeia? Sério? Aaaaah, eu me formei lá no ano passado… Por pouco não fui sua aluna. Que pena…
Enquanto Diana dramatizava sua reação, o grande Fobetor voltava a se mover; lentamente, a criatura se pôs de pé.
Ao contrário de sua locomoção, a criação de minions voltou a todo o vapor. Os monstros eram gerados em grande quantidade e muito rapidamente.
— Pelo visto, a abertura que esperava chegou, Shiori-chan — disse Diana.
Os minions prontamente avançaram contra as três mulheres.
Diana levantou voo novamente com suas asas, enquanto Mariana e Shiori contra-atacavam os monstros.
Mariana pulverizava cada um com seus punhos, desferindo golpes velozes e precisos, equilibrando o ritmo entre ataque e defesa.
Shiori combatia de forma tranquila e serena, usando seus leques para fatiar os inimigos. A verdade é que tudo estava ocorrendo exatamente como ela planejou.
— Nós iremos derrotá-lo agora. Dividindo a atenção entre nos atacar e se defender, a barreira deve ter enfraquecido consideravelmente! — disse a Hayami, enquanto cortava um minion ao meio com o leque preto e congelava outro com o branco.
— Shishou é realmente a mais forte — afirmou Mariana.
— Planejou uma forma de terminar isso com maior eficiência… realmente, Shiori-chan é incrível — declarou Diana.
— Não baixem a guarda; ele ainda é um rank S! Vamos juntas! — ordenou Shiori.
As duas ex-alunas assentiram e se prepararam.
Diana Heaven, que flutuava sobre o campo de batalha, evocou duas lâminas curvadas de energia luminosa.
Mariana aumentou o nível de fortificação corporal que utilizava.
— Do branco frio ao vendaval da solidão, a vida encontra seu fim ao soprar desta estação. Jardim de inverno! — Abanando Yuzu na direção dos Oniros, a mulher congelou todos os que estavam em contato com o chão e, inclusive, parte da barreira do Fobetor principal.
Como previsto pela mulher de kimono, a informação sobre sua técnica já havia sido assimilada pelo corpo principal e vários minions conseguiram evitar o congelamento, saltando a rajada de ar frio.
— Deixe que eu cuido dos que escaparam — declarou Diana, enquanto juntava suas duas lâminas para formar um arco de energia. — Fase Crescente: Chuva de prata!
Diana atirou para cima um feixe luminoso de cor prata. O feixe aumentou bruscamente seu brilho e então explodiu no céu. A imagem de uma lua crescente podia ser vista enquanto inúmeros feixes de luz desciam violentamente em direção aos Oniros.
Os ataques cortavam e queimavam as criaturas.
“Que maneiro! Esse é o poder de um Guardião Espiritual?
“Agora é minha vez. Eu não posso fazer feio”, pensou Mariana.
Mariana avançou em alta velocidade contra o Fobetor principal e, mais uma vez, saltou o mais alto que pôde para ativar seu ataque.
— Que meu desejo seja ouvido diante do mar de estrelas. Impacto meteoro! — Mariana repetiu o ataque usado anteriormente e desferiu um golpe com toda a sua força.
O choque dos feitiços causou uma rajada de vento que dissipou toda a névoa da área.
A barreira havia rachado, porém se mantinha pelo desejo desesperado do monstro de continuar vivo.
Mariana não aceitaria passar vergonha novamente perante sua mestre. Seu calcanhar direito usava toda a força que tinha, mas o poder destrutivo não era a única coisa que ela ostentava.
“Veja o quanto cresci, Shishou”, pensava Mariana.
O poder acumulado em sua perna direita foi realocado para a esquerda e, levantando-a em um ângulo de quase noventa graus, desferiu um segundo chute de calcanhar.
O segundo ataque atravessou a barreira e atingiu o monstro em cheio.
A criatura gritou de dor ao ser atingida pelo ataque brutal.
Uma nuvem de poeira se ergueu do solo, obscurecendo a visão. Quando a poeira assentou, o Fobetor havia se transformado em cinzas, deixando para trás um cristal do tamanho de uma manga, de cor vermelho sangue.
— Acabou! Vencemos! — exclamou Mariana, olhando ao redor. — Shishou? Diana? Cadê vocês?
A grande zona espiritual desaparecia a um ritmo lento. Mariana observou perplexa, não entendia para onde haviam ido suas companheiras.
— Ué…
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Em um ponto distante do parque — cercado de árvores e arbustos — encontrava-se a mulher de cabelos brancos de pé à frente de um grande carvalho.
Diana fitava inexpressivamente para a parte inferior do tronco. Respirando fundo, sem desviar o olhar, disse:
— Você é rápida, Shiori-chan.
— Não fale como se não tivesse me induzido a te seguir — retrucou Shiori, caminhando elegantemente até a albina.
Ao se colocar ao lado da ex-aluna, a mulher de olhos azuis sentiu seu estômago embrulhar. A visão que prendia a atenção de Diana não era o que desejava ver.
Não era a primeira vez que se deparava com uma cena assim, mas mentiria se dissesse que não era algo que a incomodava profundamente.
No pé daquele grande carvalho, estava o corpo já sem vida de uma adolescente. Ela vestia o uniforme — quase irreconhecível de tão retalhado — da Academia Celeste Ptolomeia, e a cor da gravata manchada de sangue indicava que aquele seria seu primeiro dia de aula no primeiro ano.
— Eu vejo… Ela foi morta pelos minions e, se a trilha marcada no solo for um indicativo, arrastada até aqui. A cópia que a transportava até o corpo principal provavelmente desapareceu assim que o derrotamos — analisou Shiori.
— Talvez se tivéssemos sido mais rápidas…
— Duvido que isso mudasse o resultado. Sendo um rank S. Era quase impossível que ela sobrevivesse até a chegada de Mariana.
Apesar da tristeza da situação, Shiori sabia que precisava manter o profissionalismo. No entanto, ainda havia algo fora do lugar. Não fazia sentido que Diana viesse diretamente até esse ponto após a batalha com o Oniros.
O poder em seus olhos era formidável, o que explicava sua habilidade em localizar o corpo da vítima tão rapidamente. Contudo, para isso, ela devia conhecê-la ou, no mínimo, saber exatamente o que estava procurando.
Sem que fosse necessário perguntar, Diana se abaixou e tirou uma flor de Lira do bolso do uniforme em frangalhos do cadáver.
— Há alguns meses, me deparei com um caso onde inúmeros Oniros estavam sendo atraídos para um complexo de apartamentos. Por mais que eu os derrotasse, novos continuavam aparecendo… Fobetors, Fântasos, tanto ranks baixos quanto altos… parecia não haver fim — relatou Diana.
Os sentimentos e intenções dela sempre estiveram muito bem escondidos. A Hayami percebeu que, para a garota, não era importante expor suas verdadeiras cores naquele momento.
— O lugar estava praticamente vazio. Era início do verão, e a maior parte dos moradores estava fora. Eu invadi as residências para investigar a origem dos Oniros e … — Diana pôs-se de pé, olhou para Shiori e concluiu: — Encontrei uma flor de Lira, exatamente como essa, no quarto de uma estudante.
Shiori entendia a gravidade da situação e o motivo de Diana estar agindo daquela forma. A conexão entre os eventos e as flores de Lira era evidente.
No início, quando várias famílias de magos se mudaram para Elysium, os Guardiões Espirituais, junto a Anemesis, eram os únicos oficialmente encarregados de exterminar os Oniros em todo território nacional.
Para empregar os novos magos, o governo fez um acordo com a Anemesis para aceitar os cristais espirituais obtidos pelos magos contratados pelo governo.
Como era de se esperar, a eficiência dos Guardiões Espirituais era muito maior, e esses magos associados ao governo não conseguiam cristais suficientes para manter uma renda consistente.
Na tentativa de equilibrar a situação, o governo pediu um conselho a Anemesis. Com um novo acordo, surgiu a ideia do uso de flores de Lira para atrair as criaturas e aumentar os ganhos de cada mago.
Foi uma alternativa equivocada. Muitas vezes, os Oniros atraídos eram poderosos demais e conseguiam escapar. O número de vítimas foi assustador, e essa medida teve que ser cancelada, com o uso das flores — por esses magos — proibida.
Tudo mudou quando a World Order of Magic conseguiu a permissão do governo para atuar em Elysium. Os magos, antes associados ao governo, agora estavam organizados sob comando da WOM.
Com as estratégias e recursos da organização, foram capazes de igualar e, até superar, os resultados dos Guardiões Espirituais. Através desses resultados, veio o prestígio junto ao governo, e eventualmente maior influência e mais direitos no país.
Os Guardiões Espirituais e a Anemesis não gostaram nada disso, mas tiveram que aceitar.
Para evitar mais desgaste — muito devido a divisão da gerência da barreira Anti-Caos — o governo preferiu não interferir mais no que os Guardiões Espirituais e a Anemesis podiam fazer.
E isso significava que…
— Nenhum mago filiado a WOM pode portar ou cultivar essas flores… Então… — dizia Shiori, relutantemente.
— Apenas os guardiões e a Anemesis, provavelmente, têm acesso a elas — completou Diana, alinhando-se ao raciocínio da mais velha. — Mas…
— Você acredita que tudo isso pode ser armação — supôs Shiori.
A mulher vestida com roupas tradicionais japonesas ponderava sobre tudo aquilo. A situação era complicada, e ela preferia resolver isso o mais rápido possível.
Afastando as preocupações que não ajudariam no momento, olhou para sua ex-aluna e disse:
— Realmente é tudo muito estranho. Eu confio em você e em Bren-chan. Não posso afirmar que as três famílias estão limpas, entretanto… E a Anemesis, bom, é impossível confiar em algo sobre qual não se sabe praticamente nada sobre.
— Agradeço o voto de confiança.
“Não posso simplesmente ignorar a possibilidade de a WOM, ou alguém independente, estar tentando sujar a imagem dos Guardiões Espirituais”, refletiu Shiori.
Por mais que fosse impossível decifrar os verdadeiros sentimentos de Diana, se assim ela desejasse, Shiori ainda tinha certo conhecimento da personalidade da jovem.
A mulher mais velha colocou sua mão no topo da cabeça da Heaven.
A pupila cor de sangue se dilatou pela surpresa inicial, mas logo um sorriso brotou nos lábios da albina quando a mão de sua antiga mestra começou a bagunçar seus cabelos.
— Baka! Por mais problemática, insubordinada e incoveniente que você tenha se tornado, ainda consigo ver a garotinha de uniforme do ensino fundamental que, todo santo dia, me esperava ansiosa no quintal da minha casa — disse Shiori, com um olhar nostálgico que refletia seus sentimentos.
“A pressão que ela sofreu e aquele incidente foram os grandes responsáveis por sua mudança… Mas, no final do dia, ela é apenas uma criança bancando a adulta”, ponderou a Hayami.
— Já chega disso, Shish… digo, Shiori-chan. Não sou mais uma criança — afirmou Diana, enquanto se afastava da mulher. — Fique com essa flor, assim você pode investigar por conta própria.
Aquilo era algo extremamente raro; a voz da Heaven embargava a cada palavra. Aquele vislumbre da antiga Diana durou pouco, e logo a jovem se recompôs.
— Você continua linda, Diana-chan — disse Shiori.
A jovem Heaven já havia dado as costas para sua antiga mestra e se preparava para levantar voo, mas ao ouvir aquilo, usou sua mão direita para tocar seu olho coberto.
— Eu sei. Não preciso de dois olhos para conseguir um encontro. Até mais, Shiori-chan — disse Diana, e logo após voou para longe dali.
Com a despedida de Diana e a flor de Lira em mãos, Shiori compreendeu que ainda teria muito trabalho a fazer. Manteria a flor em segredo; como não sabia quem era o responsável, era preferível manter essa informação para o mínimo de pessoas.
Após resolver todos os trâmites com a polícia e discutir os detalhes sobre os alunos que Mariana teria na Academia Celeste Ptolomeia, Shiori seguiu seu caminho. Havia muita investigação a ser feita, e ela não podia perder tempo.
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Olhos de cor azeviche observavam a chuva repicar no piso de ardósia.
O céu cinzento, o ar frio e a multidão de guarda-chuvas que emitiam um som alto devido à chuva batendo na cobertura — cumprindo assim a função de proteger o usuário — criavam um cenário completamente comum para um dia chuvoso.
Ser comum, entretanto, não significava ser menos incômodo, especialmente para o jovem de pele parda e cabelos negros que observava tudo aquilo com claro aborrecimento.
O dia letivo havia acabado há pouco tempo. A maior parte dos alunos — salvo aqueles que tinham deveres em seus clubes — desejava ir direto para casa. Isso também era verdade para o futuro herdeiro da família Luster.
Para seu infortúnio, uma forte chuva começara pouco tempo antes do último sinal soar pela escola.
O fato de começar a chover em si não era um problema. O verdadeiro problema — que o fez ouvir poucas e boas de sua amiga de infância — foi que o garoto não havia trazido uma sombrinha.
“Eu realmente devia ter olhado a previsão do tempo”, lamentou Brendan.