Volume 1
Capítulo 2: Ideais inabaláveis III
— Bom dia para você também, Brendan — disse Sam, de forma irritada.
— Bom dia, Samantha — Brendan cumprimentou, indiferente ao claro aborrecimento da menina.
— Me chame de Sam! E você também, May. A forma que vocês dois me chamam soa muito distante. — A jovem de óculos inflou suas bochechas e colocou suas mãos na cintura.
— Peço que me perdoe, Bellerose-san. Porém, ainda não somos íntimas o suficiente para chamá-la por um apelido.
“A May quase não chama ninguém pelo primeiro nome ou por apelidos… Na verdade, acredito que eu seja o único”, refletiu Brendan.
Sam fez beicinho ao ouvir a resposta de May. Acreditava que não era necessária tanta formalidade, mas decidiu respeitar as peculiaridades da Hayami.
Virando-se para Brendan, a garota mais baixa esperava uma resposta.
O herdeiro dos Luster queria se manter firme. Não havia sentido aceitar o pedido dela, não lhe traria benefício algum e ainda correria o risco de acharem que os dois eram amigos.
Não, ele não aceitaria aquilo, já havia se decidido.
“Droga, não me olhe com esses olhos de cachorrinho”, pensou Brendan.
— Ok, vou te chamar de Sam. Agora, pare de me olhar assim.
— Olhar como?
— Olá, pessoal. Bom dia. — Se intrometendo no meio da conversa, Alex Bong caminhava até eles.
— Bom dia, Alex — Brendan e Sam disseram em uníssono.
— Bom dia, Bong-san — May cumprimentou.
Brendan realmente gostava de ser uma das poucas pessoas a quem May se referia sem formalidades.
— E então, vão ficar parados olhando pra nossa cara ou vão se sentar? É incômodo olhar para trás sempre que vocês falam com a gente — resmungou Brendan.
Alex e Sam se acomodaram em seus lugares. O de cabelo colorido ficou com o assento ao lado de Brendan, enquanto a de óculos escolheu o assento à frente de Alex e ao lado de May.
Pouco a pouco, os demais alunos chegavam e os assentos na sala eram preenchidos. Como era de se esperar da principal escola de um país como Elysium, havia alunos de diversas descendências e personalidades únicas.
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Já havia passado algum tempo desde que o último aluno chegou e o sinal da primeira aula soou. Ainda assim, a maior parte dos alunos conversava ou andava pela classe. Isso se devia à ausência de uma figura importante: o professor.
May, Sam e Alex estavam sentados em suas cadeiras. Conversavam ocasionalmente, mas ainda estavam atentos a qualquer mudança na situação.
Brendan, por outro lado, estava dormindo em sua mesa. O garoto cansou de esperar e resolveu tirar um cochilo.
May percebeu uma movimentação estranha de alguns alunos. Um jovem de pele clara e cabelos encaracolados se colocou à frente da sala e disse:
— Pessoal, gostaria de pedir a atenção de vocês! — Ao perceber que a grande maioria voltou-se para ele, continuou: — Visto que nosso professor está atrasado, acredito que deveríamos usar essa oportunidade para nos conhecermos.
Uma jovem loira levantou-se rapidamente e pôs-se ao lado do garoto.
— Eu concordo. Vamos nos apresentar e falar um pouco sobre nós! — disse a loira com entusiasmo.
Grande parte dos alunos concordou, alguns mais outros menos, e alguns simplesmente não responderam. Porém, decidiram prosseguir mesmo assim.
— Já que propus essa ideia, acho justo que eu comece. — O encaracolado tomou a dianteira. — Meu nome é Oliver Martin. Meu objetivo profissional é atuar na área jornalística.
— Minha vez! Sou Christina Di Alberto. Sou boa em todas as matérias; inclusive nas matérias da vida, não hesitem em me pedir conselhos, meninas… Meu pai é dono do melhor restaurante de comida italiana do país. Meu objetivo profissional é assumir o negócio do meu pai e alcançar o topo da gastronomia mundial. — A confiança e o orgulho eram nítidos na sua voz.
Para May, o mais importante era conseguir gravar bem o nome de seus colegas de classe.
Ela se envergonhava de não ter prestado atenção nos nomes de seus antigos colegas na sua velha escola. Não tinha feito por mal, ela não estava bem naquela época.
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“15 de dezembro de 2031”, essa era a data gravada no diploma de conclusão do ensino fundamental de May.
Era seu último dia na Escola Secundária Balron. Deveria ser um dia de despedidas e alegria, mas genuinamente a adolescente não estava nada interessada naquilo.
May não guardava boas recordações daquele lugar. Já não sofria mais com o bullying; entretanto, não é como se tivesse feito amigos e — na opinião dela — não é como se precisasse de mais alguém além de Brendan.
Sentia saudades do garoto. Ele estava vivendo com seu avô na mansão da família Luster e não tinha permissão para vê-la pessoalmente. Todas as conversas que tiveram naquele ano foram à distância.
E mesmo tendo apenas quinze anos, May sabia que Brendan estava escondendo alguma coisa.
A jovem Hayami estava tão absorta em pensamentos que não percebeu a aproximação de uma garota vestida da mesma forma que ela.
— May, muito obrigada por toda a ajuda! Sem você eu não teria conseguido passar em matemática! — A garota fazia um ojigi em frente a May.
A de olhos azulados não sabia se aquilo era uma piada por sua nacionalidade ou se a outra realmente achava que aquilo era apropriado.
De qualquer forma, não fazia ideia de quem era aquela pessoa. Claro, ela ajudou muitas pessoas com os estudos; por mais que houvesse atritos, May realmente gostava de ajudar os outros.
Isso não significava que era algo digno de nota para ela.
— Não foi nada, boa sorte daqui para frente — disse monotonamente. Logo após, se afastou.
No fundo, não saber quem aquela garota era a incomodava. May não queria ser arrogante, a menina parecia agradecida e não seria justo machucá-la com a informação de que a sua gratidão não fazia sentido, já que a Hayami nem sabia quem ela era.
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May estava determinada a não repetir o mesmo erro.
— Meu nome é Thomas Henry. Gosto de teatro… é… meu forte mesmo é dançar, mas também gosto de atuar. Sou fã de cultura pop. Não gosto de esportes, mas adoro exercícios físicos… Minha cor favorita é ciano… — dizia um jovem de cabelo castanho curto. Ele parecia muito empolgado, mas continuava falando mais do que o necessário. — Falta alguma coisa? Ah, lembrei, meu sonho é…
— Cala a boca! Não suporto ouvir essa sua voz de bichinha, Thomas!
Todos na classe ficaram espantados com aquela reação.
Uma jovem de pele parda e cabelos castanhos amarrados em um longo rabo de cavalo foi a responsável por colocar um fim na alegria de Thomas.
Seu uniforme apresentava toques únicos, provenientes de customização própria.
Com os pés sobre a mesa, a garota estava desleixadamente sentada na última cadeira da fileira próxima à parede.
Não havia qualquer sinal de remorso pelo que foi dito e nenhuma reação foi esboçada quando o menino se afundou em sua cadeira.
Oliver tentou seguir com as apresentações, mas ninguém se voluntariou a continuar. O clima era péssimo; o estrago não dava sinais de ser reversível.
Aquilo irritava profundamente a garota com azul nos olhos.
“Em situações como esta, existe uma linha que as pessoas costumam não cruzar. Não importa o quão rude aquela garota tenha sido, ninguém irá repreendê-la, porque ninguém quer arranjar inimizades no primeiro dia de aula em uma escola nova.
“Ninguém quer ser odiado no final das contas…
“Mas eu não vou permitir que fique por isso mesmo”, pensou May.
— Acredito que você deva assumir a responsabilidade pelo clima pesado que se instaurou na turma. — May levantou-se de seu lugar e fixou seus olhos frios e ameaçadores na responsável por tudo isso.
— Tá falando comigo? Abre os olhos quando falar com as pessoas, “pastel de flango”. — A cada palavra proferida pela adolescente, o clima ficava mais pesado; porém, era notório pela expressão em seu rosto que ela não se importava.
“Ela está tentando ofender minha etnia. Nada novo sob o sol”, pensou May.
— Sua tentativa de insulto é tão ridícula quanto sua forma de se vestir. Isso se deve ao fato de você não ser capaz de elaborar uma ofensa apropriada? Me pergunto como alguém como você foi capaz de passar na prova de admissão… Será que seu objetivo profissional é fazer parte de algum prostíbulo barato? Ah, sim, deve ser por isso que você se veste como uma vagabunda.
A língua afiada de May era capaz de ofender profundamente seus alvos. Não era como se ela gostasse de fazer isso, mas já havia decidido há muito tempo que não abaixaria a cabeça para esse tipo de gente.
“Já passei por momentos como esse antes. Por muito tempo, eu evitei o conflito, mas isso não trouxe benefício algum; o bullying, as ofensas e o preconceito só aumentaram.
“Isso tudo só teve um fim quando comecei a me impor. Um predador sempre vai atrás de sua presa; a presa não precisa fazer nada para ser marcada como alvo. Isso é um fato.
“Mas a história é outra quando falamos de uma disputa por território. Um predador não atacará outro sem um bom motivo.
“Em resumo, ela não tem chances contra mim”, pensou May.
A castanha se levantou com fogo nos olhos e caminhou firmemente em direção à morena.
A Hayami não se surpreendeu com aquela reação; não era novidade para ela ter que resolver esse tipo de coisa com os punhos.
Contudo, a garota de pele parda foi parada quando a mão de Thomas segurou seu braço. O garoto suplicou para ela parar e, respirando fundo, ela se virou em direção ao seu próprio assento…
— Sou Sonia Valverde. Não se esqueça disso — disse a castanha.
Sem que Thomas percebesse, a adolescente se virou novamente e arremessou um objeto metálico contra May.
Sendo uma maga, May seria capaz de se esquivar ou se defender facilmente daquilo. Porém, todos estavam de olho nela.
Qualquer movimento fora do normal traria atenção demais e comprometeria sua avaliação perante a WOM.
Sem muita escolha, a garota fechou os olhos e aceitou receber o golpe de frente.
O impacto não veio, e os gritos de empolgação de seus colegas de classe atiçaram sua curiosidade, fazendo-a abrir os olhos.
Em seu campo de visão, a familiar mão de seu amigo de infância se fechava em um punho apertado.
— Oe, você tem noção do que aconteceria se isso a acertasse? — O olhar raivoso de Brendan se dirigia a Sonia.
— Sei muito bem o que aconteceria. Também sei que isso vai ensinar a todos vocês a não se meterem mais comigo — disse Sonia, enquanto voltava para seu assento.
Thomas se apressou para conferir se Brendan e May estavam feridos. Após ouvir que estavam bem e se desculpar pelo que fez Sonia, ele voltou para seu lugar.
— Oi, você gostaria de se apresentar para a sala? — Christina perguntou. Seu olhar pousava sobre o garoto de pele parda, e seus dedos brincavam com seu cabelo dourado.
— Por favor, vamos continuar amigavelmente? — pediu Oliver.
Brendan sabia que seria muito problemático se apresentar dessa forma. Mas também entendia que não havia como esconder seu nome de seus colegas; obviamente eles já sabiam que havia um Luster ali.
Olhou para May na tentativa de reunir coragem para continuar. Porém, o olhar ameaçador nos olhos da menina indicava que ele teria problemas mais tarde.
“Por que está me olhando com essa cara? Eu acabei de salvar sua pele”, pensou Brendan.
— Meu nome é Brendan Luster. Não tenho mais nada a declarar — disse, em tom monótono.
O silêncio pairou novamente no ambiente.
Brendan sentou-se de volta em sua cadeira, a reação era a esperada: alguns olhares irritados, outros assustados e também havia olhares enojados.
Oliver tentou mais uma vez continuar com as apresentações, mas, naquelas condições era de se esperar que ninguém desejasse se pronunciar.
— Meu nome é May Hayami. Fiquei em primeiro lugar na lista de aprovados e também destaco meu primeiro lugar no exame nacional de matemática do ano passado.
Os olhos de todos se voltaram para May. A garota teve a força necessária para romper aquele clima pesado; sua voz não carregava dúvidas ou insegurança.
— Ainda estou em busca do meu objetivo profissional… E, por fim, não permitirei injustiças. Não me importo que me odeiem. Vou trabalhar duro para garantir que ninguém sofra com bullying, desprezo, preconceito, ódio gratuito e com a intolerância de ideias, que estão tão presentes em nossa sociedade.
O discurso de May gerou alguns aplausos e muitos elogios — o que fez o rosto da garota corar —, mas o mais importante foi que, após isso, o fluxo das apresentações voltou ao normal.
Enquanto as apresentações aconteciam, Brendan conferia o horário. Já era 8:40 AM, e a primeira aula em breve terminaria.
“Onde foi parar o professor desta aula?”, indagava-se Brendan.
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Marcava 7:40 AM quando Shiori Hayami chegou à área onde a zona espiritual havia surgido.
Recebeu um breve panorama da situação de um Auguris que estava de prontidão.
Auguris eram servidores públicos com potencial mágico contratados pela WOM para observar e relatar qualquer atividade espiritual testemunhada.
A informação mais relevante para ela foi saber que a maga lutando dentro da zona espiritual era Mariana Silva.
A zona era mantida sob controle por aprendizes — prática comum na organização —, mas isso também implicava na dificuldade em impedir a expansão da mesma.
Shiori não era muito boa em motivar os jovens; assim, só teve duas alunas em toda sua vida. Contudo, ao passar pelos aprendizes, desejou-lhes boa sorte e disse que tudo ficaria bem.
Adentrou na zona espiritual e logo de cara constatou que a visibilidade era comprometida por uma neblina branca, o céu era visível, mas cheio de nuvens cinzentas, a floresta parecia imutável até onde podia ver, e havia um cheiro estranho de carne seca.
— Não posso ouvir Mari-chan. Talvez ela esteja lutando em um lugar mais distante…
Uma criatura magra e esquelética atacou Shiori imediatamente após ouvir sua voz.
A mulher desviou facilmente do ataque.
Com os olhos mais acostumados com o ambiente, ela percebeu o que a rodeava.
— Ara, não esperava tantas aberrações assim — disse Shiori.
A Hayami estava cercada por inúmeros Oniros idênticos ao que a atacou.
E sem qualquer cerimônia, as monstruosidades avançaram ferozmente contra ela.
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