Spirit Gate Brasileira

Autor(a): Lucas Henrique


Volume 1

Capítulo 2: Ideais inabaláveis II

— Eu vou indo. Boa noite.

— Bren-chan, oyasumi. Kiwotsukete ne — May disse, com o rosto vermelho como um pimentão.

  • ••

Da porta, a garota viu seu amigo de infância se afastar até desaparecer do seu campo de visão.

May fechou e trancou a porta atrás de si, escorou as costas contra ela, fechou os olhos, juntou as mãos no peito e suspirou.

“Eu consegui”, pensou.

Seus olhos claros vagavam pela entrada de sua residência. Não era comparável ao luxo do apartamento de Brendan, mas não havia dúvidas de que era muito mais aconchegante, acolhedor e agradável do que o lugar para o qual o jovem Luster retornou.

— Tadaima! — disse May, em voz alta.

— Okaeri!

Pela direção do som, May concluiu que sua mãe estava na sala de estar da casa.

A garota tirou suas sandálias na entrada da residência e foi em direção ao local.

Ao entrar no cômodo, encontrou sua mãe, Shiori Hayami, assistindo televisão enquanto tomava chá — algo rotineiro na vida da Hayami mais velha.

— Como foi o encontro? E por que meu genro não veio me cumprimentar? — perguntou a mulher, fazendo as bochechas de May aquecerem.

— Não foi um encontro, e você sabe disso, Kaasan. E é certo que ele estava fugindo de seus sermões.

— Ara, ara, você não negou sobre ele ser meu genro. — Um sorriso travesso surgiu no rosto de Shiori.

— Kaasan!

— Mas deixando o óbvio de lado um pouquinho, Bren-chan não fugirá; ele precisa ser repreendido por ter sido retido no primeiro ano.

— Ele teve seus motivos dessa vez — alegou May.

— Nada de defender seu namorado. Sei que ele pode ter tido seus próprios motivos, mas isso não justifica seu erro — Shiori disse em um tom firme.

— Não estou o defendendo; acredito que será bom para ele ser repreendido. — Passando por sua mãe, continuou: — Vou para o meu quarto. Boa noite, Kaasan.

May subia as escadas em direção ao seu quarto, mas parou no meio do caminho quando sua mãe disse:

— É bom ver você assim novamente, May-chan. Esse último ano me deixou preocupada.

A adolescente agradeceu sua mãe e continuou seu caminho.

  • ••

A garota se viu parada em frente à porta azul-marinha de seu quarto. Ela observava o adesivo de um panda comedor de chocolate colado ali. Ao passar os dedos por cima da figura, um pequeno sorriso brotou em seu rosto.

Ao adentrar em seu quarto, ligou as luzes e se despiu. Orgulhava-se da organização e limpeza que mantinha, então colocou suas roupas no cesto de roupa suja antes de se enrolar em uma toalha e se dirigir ao banheiro.

  • ••

A água quente na banheira relaxava os músculos da jovem Hayami, aliviando a tensão e a dor acumulada do dia puxado.

As madeixas escuras da garota se espalhavam pela superfície da água, dividindo-se em mechas grossas e finas que se estendiam ao redor dela.

O calor daquela água ajudava a aliviar o estresse do dia. Brendan tirou um grande peso de suas costas ao dizer que a promessa deles havia sido mantida. Ela mal conseguiu dormir na noite anterior, com medo do que o garoto poderia lhe dizer.

Enquanto pensava no Luster, tons rubros tomavam conta de sua face.

— Aaaaaaaaaah! — May afundou metade de seu rosto na água da banheira antes de gritar.

Bolhas de ar subiram rapidamente até a superfície e explodiram, causando ondulações que se propagavam pela banheira.

“Por que eu fiz isso? Por que estávamos agindo tão intimamente hoje?”, questionava-se.

Ela já havia aceitado seus sentimentos por Brendan há muito tempo, mas acreditava ser capaz de mantê-los sob controle.

A saudade acumulada por um ano separados causou mudanças que estavam além de suas expectativas.

“Quando estaremos prontos?”, indagou-se May.

— Baka!

  • ••

De banho tomado e vestindo um pijama temático Chokko-Pan, May se preparava para uma boa noite de sono. Porém, antes, optou por dar uma olhada em seu celular.

A primeira coisa que constatou era que já passava de 11:00 PM. A Hayami mais jovem deveria ter ido dormir às 9:00 PM.

“Tudo culpa daquele homem irresponsável. Como ousa abalar o equilíbrio delicado dos meus horários”, pensou.

Apesar do sono, seus olhos se iluminaram com a chegada de uma nova mensagem.

— Esse bobo… — sussurrou May, enquanto segurava o aparelho próximo ao peito.

Mandou uma mensagem como resposta, lembrando-o de buscá-la na manhã seguinte para irem à aula, também desejou a ele uma boa noite.

Desligou as luzes e deitou-se na cama.

Enquanto o sono não a agraciava, May pensava como seria esse ano letivo. A garota estava decidida a não repetir os mesmos erros dos anos anteriores.

Enquanto o sono a envolvia, ela fazia seu último desejo do dia.

“Que tenhamos um bom ano, Bren-chan.”

  • ••

Era 7:00 AM, e May estava sentada no sofá da sala, esperando a chegada de Brendan.

Shiori, ainda em sua roupa de dormir, aproximou-se da filha e disse:

— May-chan, tem um minuto?

— Sim, pode falar, Kaasan.

— Alguns associados à WOM trabalham na Academia Celeste Ptolomeia; se ainda almeja fazer parte da WOM, tente ficar do lado bom deles.

— Ficarei atenta. Se ao menos eu tivesse a licença provisória, tenho certeza de que conseguiria mostrar serviço — lamentou May.

— Não se sinta mal, May-chan. Você recebeu o certificado de aprendiz e está sob observação. Tenho certeza de que é só uma questão de tempo até te promoverem.

May não conseguiu passar no teste para obter a licença provisória, que a permitiria receber missões em um período de testes e, dependendo de seus resultados, ser oficialmente filiada à World Order of Magic.

Como um voto de confiança — por ser filha da principal maga filiada à WOM em Elysium — May recebeu o certificado de aprendiz, o que lhe permitia lutar contra Oniros, desde que estivesse acompanhada por um mago licenciado.

— Um prêmio de consolação não é motivo para se orgulhar — disse amargamente.

Shiori sentou-se ao lado de May e, passando o braço pelas costas da filha, a puxou para perto de si.

— Você ainda é jovem e tem potencial para ser uma grande maga. Eu confio em você; apenas mantenha o foco. — A mulher deu um beijo no topo da cabeça da menina, o que fez os lábios dela curvarem-se para cima.

— Arigatou, Kaasan — May proferiu alegremente o agradecimento.

As duas ficaram assim por alguns segundos, até que a Hayami mais jovem questionou:

— Kaasan, você acordou cedo só por isso?

— Vê como é grande o amor de uma mãe pela filha? — Delicadamente, Shiori puxou os cantos dos lábios de May para aumentar seu sorriso.

Vendo a expressão engraçada da filha, a Hayami mais velha levantou-se e foi para a cozinha, mas parou ao ver que a mais nova ainda esperava uma resposta. Ela então disse:

— Trabalho. Recebi informações sobre o surgimento de uma zona espiritual na floresta de Violet, em Aiacos.

Os olhos azuis de May se desviavam para os móveis, para o chão, para suas mãos inquietas; só não se atreviam a fazer contato com os olhos azuis de Shiori.

— Chamar uma maga rank S como você significa que a situação está crítica, não é? — Havia um certo tremor na voz da garota.

— Se fosse o caso, eu já estaria lá. Isso tudo é um ato político; já há alguém cuidando desse problema. Só vou dar uma mãozinha. Não precisa se preocupar, sua mãe é a maga mais forte do país.

Tais demonstrações de poder já foram úteis para a WOM no passado, politicamente ajudaram a ganhar espaço e notoriedade em Elysium.

O próximo passo da organização era desconhecido por Shiori, mas provavelmente necessitava de mais apoio no governo.

— Tudo não passa de orgulho barato? Não me assuste assim, Kaasan — suspirou May.

— Há muita coisa envolvida. Mas tem razão; para nós, que somos tão próximas a Guardiões Espirituais, isso tudo é uma besteira. — Shiori tinha suas reservas em relação aos Guardiões Espirituais, mas confiava plenamente em dois futuros herdeiros das três famílias.

May sentiu seu smartphone vibrar em seu bolso. Após ligar a tela e identificar as mensagens de Brendan — que estava dentro do horário combinado — desejou boa sorte para sua mãe e se preparou para sair de casa.

— May-chan, convide Bren-chan para jantar aqui em casa no próximo final de semana. 

A mais nova sabia que não era uma opção recusar; sua mãe podia passar de super amorosa para mandona e severa em um instante.

— Hai… — respondeu May, após engolir em seco.

— Boa aula, May-chan.

— Ittekimasu!

— Itterasshai! 

Após ouvir a resposta da sua mãe, a jovem fechou a porta atrás de si.

  • ••

A brisa da manhã acariciava seu rosto e a temperatura era adequada, mas havia algumas nuvens no céu, o que poderia indicar chuva a caminho.

Não era um problema; May sempre estava preparada e carregava uma sombrinha em sua bolsa.

— Bom dia.

— Bom dia, Bren-chan. Vejo que mesmo um bicho preguiça como você foi capaz de chegar no horário. — Uma grande seta com a palavra “preguiça” parecia acertar em cheio o garoto.

Brendan sentiu a farpada, mas optou por seguir o fluxo:

— Sou capaz de respeitar o horário quando ele é definido previamente.

May sabia que era mentira, mas, em vez de continuar a provocá-lo, preferiu observar-lo mais de perto.

Na opinião da Hayami, o uniforme da escola era realmente muito bonito.

A vestimenta das garotas era fofa e possuía a classe que se esperava de uma instituição de elite.

Mas ao ver seu amigo, May constatou que o uniforme masculino também era muito bonito e caía muito bem nele.

As mangas dobradas até o antebraço e a gola bagunçada pela falta de uma gravata eram um toque pessoal de Brendan.

Sem mais delongas, os dois caminharam juntos até o ponto de ônibus — a Hayami certificando-se de que o Luster tomasse o anti-enjoo antes do veículo chegar.

  • ••

A Academia Celeste Ptolomeia era conhecida por ser a principal instituição de ensino do país, mesmo não se localizando na capital, estudantes de todas as regiões disputavam ferozmente uma vaga.

Na condição de escola de ensino médio, a academia organizava a distribuição de cada ano por andar.

O térreo abrigava o refeitório, a sala dos professores, a enfermaria, o ginásio, o auditório, a sala dos zeladores e os armários.

No primeiro andar ficavam os primeiros anos e algumas máquinas de venda.

No segundo andar os segundos anos e a diretoria.

No terceiro andar os terceiros anos e o conselho estudantil.

Todos os andares citados possuíam seus próprios banheiros. Por fim, o terraço, que era proibido o acesso aos estudantes.

A escola também contava com uma vasta área externa, com áreas voltadas a atividades esportivas: quadras, pistas, campos e piscinas de natação.

O relógio marcava 7:55 AM, e May estava tentando prestar atenção na cerimônia de boas-vindas. Brendan, por outro lado, não demonstrava interesse; era a segunda vez que ele ouvia aquilo.

Em alguns intervalos, a Hayami olhava ao redor na tentativa de encontrar Samantha Bellerose. As duas haviam combinado de se encontrar antes da cerimônia, mas aparentemente não conseguiram.

Ao final do ato de boas-vindas, Brendan e May se dirigiram até sua classe, felizmente para eles, estavam na mesma turma: 1°A.

No caminho, a jovem de olhos cor do céu não pôde deixar de notar que o diretor não se apresentou corretamente; ele não mencionou seu sobrenome.

Com a maioria dos assentos vazios, os dois não tiveram problemas em escolher seus lugares.

Ao menos não deveriam. No entanto, devido ao — segundo May — plano idiota de Brendan, que consistia em fingir não conhecer a garota para evitar atrair problemas para ela, demoraram mais do que o necessário para se resolver.

Com Brendan sentado na última cadeira da fileira ao lado da janela e May sentada à sua frente, os dois definiram suas posições até o final do ano.

— Eu só estava sendo atencioso — falou Brendan, enquanto apoiava o rosto na palma da mão esquerda.

— E eu só estou fazendo o mínimo para manter nossa promessa — May declarou casualmente.

Aquilo travou o garoto por um instante. Ele se perguntava como poderia ter subestimado o laço que os unia dessa forma?

— Desculpa — falou em tom baixo.

— Ara, no dia que eu não for capaz de lidar com seu cérebro mal desenvolvido, pedirei para que me internem em alguma clínica psiquiátrica — declarou May. Seu tom divertido indicava que a jovem não desejava mais drama.

— Não há nada de errado com meu cérebro — protestou Brendan.

— Negação é o primeiro estágio. — A garota balançava a cabeça dramaticamente.

— Vai se ferrar…

— O dia mal começou e o casal já está a todo vapor. — De pé, atrás do assento de Brendan, Samantha Bellerose exibia um grande sorriso.

— Bom dia, Bellerose-san — cumprimentou a garota de olhos azuis.

— Bom dia, May. Me desculpe por não ter aparecido na cerimônia de boas-vindas como havíamos combinado. Acabei me atrasando hihihi… — A garota de olhos castanhos juntava as mãos em um gesto de desculpas.

— Vou perdoá-la desta vez, mas tenha em mente que não aprovo este tipo de conduta. Portanto, aconselho não repetir esse erro —  advertiu May. A frieza em seus belos olhos causava arrepios na espinha de Sam e Brendan.

“Oe, ela realmente não possui tato nenhum. Tenho certeza que não era a intenção dela, mas a impressão passada é que isso foi uma ameaça”, avaliou Brendan.

— Sim, eu juro que não vai se repetir! — Sam disse, enquanto fazia sinal de continência.

A resposta parecia ter sido satisfatória, pois May cruzou os braços e, com um sorriso, assentiu.



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