Volume 1
Capítulo 20: Lenço Vermelho
— Você não entende o poder do inimigo que está enfrentando! Acham que Outros são poderosos? Nunca viram a devastação que um Coletor de Sonhos pode fazer. A forma como eles ganham poder é muito mais rápida do que você pode imaginar.
Madly estava irritada com a proposta. A arrogância e o ego pelos anos de treino, pelos elogios, agora tendo que se rebaixar a pedir ajuda a um exilado que se denomina dono de uma ruína.
“Merda! Por que estou ficando tão irritada com isso!”
— Você acha que consegue enfrentar sozinha o Coletor? Você não consegue nem mesmo achá-lo entre as ruelas da cidade. Não sabe os pontos em que os Outros menos aparecem. Onde ele poderia se esconder. Nem mesmo sabe como ele se parece. — O homem bateu palmas fortes, fazendo todos os exploradores pararem o que estavam fazendo e o encararem. — Meus homens podem achá-lo.
— E como você sabe como ele é?
O homem sorriu, encarou os seus soldados enquanto puxava sua espada. Seu único olho encarou Madly de baixo para cima.
— Não há ninguém novo nessa cidade. A única pessoa nova que vi foi um prisioneiro desnutrido dentro da prisão. — Ele deu um sorriso sagaz, mas sua feição mantinha-se arqueada. — Você veio de lá, deve ter visto algo interessante para correr para nós. Algo importante aconteceu na prisão. Seria muita coincidência se não tivesse uma conexão.
Madly encarou o líder. A forma como ele havia mudado o pensamento e seu comportamento demonstrava uma dominação de sua mente considerável. Entretanto, ela deveria ter percebido isso muito antes. Algo estava errado e ela não conseguia saber o porquê. Com o lenço na boca, ela continuou a falar.
— Você já sabia que estávamos indo para a prisão. Também tinha noção do tal prisioneiro que havia visto. Acha que ele é o Coletor de Sonhos? — Madly tossiu um pouco.
— Ele não bate com a sua descrição: era magro, desnutrido, pequeno e preso por correntes em seus braços e pescoço. Não fiquei muito tempo com ele, pois achei estranho. Tentei matá-lo, mas não consegui pelas grades da prisão. Então apenas fui embora. Se ele estava me enganando para coletar meu sonho, não conseguiu, mas ele não parecia estar mentindo. Parecia desesperado.
— Eles fingem muito bem. Quase parecem ser um de nós, mas não são.
“Talvez seja ele. Nasceu há pouco tempo. Isso é bom, ainda deve ser fraco. Se pudermos matar um Coletor de Sonhos, faremos um grande feito para a Igreja. Salvaremos milhares de pessoas.”
Madly fechou os olhos, pensou devagar no que faria de agora em diante, mas sua mente ainda estava conturbada.
— Okay! — Bufou, abrindo os olhos. — O que você quer para ajudar na caçada?
O grande homem riu alto. Sua espada longa bateu sobre o ombro e todos os outros exploradores se moveram para frente, puxando suas armas e rodeando a mulher. Ele abaixou o corpo devagar, ficando frente a frente com ela. O hálito de especiaria reverberava em sua boca.
— Quero aprender suas habilidades.
— Você quer aprender a usar fluxo? — Madly deveria ter adivinhado o seu pedido. — O aumento de grau é difícil de ser feito. É um segredo que apenas acólitos escolhidos podem possuir. Aprendi graças à Igreja de Duas Faces, não posso revelar o conhecimento.
A mulher nem mesmo queria citar o avanço de alma, nuances, entre outros segmentos que se ganha a oportunidade ao entrar na igreja.
— Okay! Então me torne um membro da sua igreja. Me torne um acólito. — Sua face era séria, mas seu tom se tornou mais baixo, escondendo um segredo. — Um preço justo, não acha? Pela cabeça de um Coletor.
— Você nem sabe o que está prometendo!
— E você não perde nada acreditando em mim! O que você perde se eu não conseguir o coletor? Ganharei tempo para o seu reforço chegar de qualquer forma. E se eu conseguir o Coletor, sua igreja terá um novo acólito de elite, que em sua primeira missão ajudou a matar o Coletor de Sonhos.
“Ele vai deixar os feitos para mim. Ele está pensando nesse plano desde que me encontrou. Ele já sabia que o prisioneiro era algo especial? Como posso acreditar no que ele está falando? Merda! Cadê o Calvirs?”
— Eu preciso conversar com o meu parceiro. Ele deve estar chegando logo. As informações dele serão importantes para definirmos como deve ser feita a busca pelo Coletor.
O homem alto afirmou com a cabeça. Madly começou a andar em direção à saída, mas os guerreiros à sua volta não abriam caminho, a deixando presa em uma arena circular.
A Lenço Branco olhou desconfiada em volta. O cheiro de suor e ferro ardeu em suas narinas, mesmo com o lenço ainda no rosto. Os guerreiros começaram a se mover, as lâminas mexiam-se devagar junto a seus corpos, coiotes preparados para atacar.
— Abram caminho! — Gritou o líder.
Todos se moveram automaticamente, seguindo o alfa da matilha. O caminho se abriu, levando à parte de fora da Torre do Sino. Madly sentiu um grande alívio ao sair daquele inferno. Parecia que finalmente conseguia respirar. O calor do local estava desaparecendo de seu corpo, mas o cheiro forte de especiaria continuava grudado em suas narinas.
— Qual o seu nome, acólita? — Disse o homem caolho.
— Madly. — Disse ela, finalmente retirando o lenço de sua boca, voltando a respirar o ar quase puro das ruínas.
— Barton! Me procure quando tiver suas respostas. — Ele riu da situação em que a mulher estava quase sem ar.
Ela viu o homem desaparecer, adentrando aquele açougue vermelho. Abaixou a cabeça, puxando o máximo de ar que podia. Sua mão tremia em desespero. Ela estava se segurando muito para parecer segura, mas sua mente estava muito conturbada, parecia que não era ela mesma. Nunca se sentira assim antes, tão fora do seu controle. Era desesperador, até mesmo seu fluxo estava perdido, confuso, fraco.
“Eu não tenho muito tempo... Esse local é perigoso. Essas pessoas não são comuns. Que merda o governo estava pensando em deixar essa zona da morte sem nenhuma proteção. Precisamos achar esse Coletor de Sonhos logo. Não quero passar mais um minuto nesse inferno.”
Ela se levantou, ajeitou devagar suas roupas, dobrando as mangas e limpando o sobretudo. Guardou o lenço branco no bolso do sobretudo quando percebeu que ele estava avermelhado, manchado pela especiaria que entrava em seu corpo pela respiração por todo o tempo que estivera dentro da Torre do Sino.
“Merda... Merda...”
Finalmente ela entendera o motivo de seu comportamento diferente. Ela estava consumindo a especiaria mesmo que não soubesse. Agora, apenas o desespero restava pela consequência desse ato.
Antes de se perder em pensamentos novamente, ela observou Calvirs se aproximando.
...
— Valen Kiren afirmou isso? Não teremos apoio nenhum por 1 semana?
Madly estava angustiada. A informação confirmava que foram deixados de lado.
— Eu sei... Parece suicídio, mas se pudermos aguentar. Precisamos proteger o povo e não deixar o Coletor sair.
Calvirs parecia mais calmo. Sua mão direita repousava em seu olho machucado, que aos poucos se recuperava.
— Podemos contatar o Império. O território é deles. Eles podem nos ajudar a manter as coisas em ordem. Se o Coletor sair, será problema deles também.
— Ele falou que não deveríamos contatar ninguém. Apenas fazer o que mandou: Proteger os Civis e não deixar nenhum ser vivo sair da cidade.
Um sentimento de traição repousava em sua alma. Sabia que não valia muito para a igreja, mas essa missão era deixá-la para morrer, desistir dela. Sabia que era talentosa e Calvirs era mais capaz que a maioria dos sigilistas que conhecia. O homem havia feito um relatório sendo um 1°Grau Desalmado. Era um feito digno de um gênio.
— Porra! Como iremos controlar a entrada e saída de criaturas de uma cidade? — Ela coçou a cabeça com raiva. — Não sabemos nem mesmo quantas saídas têm. Somos apenas duas pessoas.
Calvirs também havia entendido o verdadeiro significado da missão. Estava para baixo, quase depressivo com a situação, entretanto ver Madly daquela forma era bizarro. A mulher não era de falar muito, muito menos xingar e expressar sua raiva tão facilmente.
— Podemos explodir as saídas... e tentarmos ficar de vigia. Ou apenas nos escondermos e esperarmos ele chegar. — Ele não acreditava em nenhuma das hipóteses.
— Se nos escondermos, eles saberão que não tentamos, seremos expulsos da igreja. Sem nem falar que a culpa do Coletor fugir será nossa. Como poderemos viver sabendo que deixamos uma calamidade mortal livre pelo Império.
— Devemos então aceitar a oferta do explorador Barton. Será nossa única opção até Padre Valen chegar com reforços. — Ele encarou a expressão confusa de Madly, irritada e pensativa. — Você mesma disse que eles parecem ser mais fortes que humanos normais pela especiaria. Podem ser a única forma de conseguirmos lidar com o problema.
— Mas não sei se são estáveis. Eu fiquei poucos minutos dentro daquela torre e me sinto fora do controle. Além disso, se o inimigo conseguiu fazer uma ferida letal em um Arque, deve ser de um Grau acima do nosso, ou pelo menos com uma alma forte. Mesmo que eles consigam se comparar a quase grau 1 em força física, não têm uso de fluxo. Conseguiriam segurar por pouco tempo o Coletor.
Madly andou pelas ruelas da cidade enquanto falava. Estava cansada de ficar parada. Calvirs a seguia, puxando seu cachimbo para fumar. Ambos caminhavam em direção à carruagem em que chegaram. Precisavam reabastecer os suprimentos e analisar o estoque de moedas.
— Isso é verdade, mas o líder dos exploradores não falou que o Coletor parecia fraco, acorrentado, similar a um prisioneiro. Pode haver uma chance dele ter nascido há pouco tempo. — Ele bufou um pouco de fumaça e repensou. — Nascido, criado, vai saber como eles aparecem.
— É uma hipótese, mas temos que pensar nos Outros também. Estamos conseguindo lidar com os comuns facilmente, mas sei que existem especiais entre a raça. Sem falar daqueles que aprenderam a controlar fluxo, o que por sorte não aconteceu nessa zona da morte ainda.
A mulher acelerava o passo e aos poucos começou a roer as unhas dos dedos enquanto pensava. Ao notar o que estava fazendo, abaixou a mão com raiva.
— Deixe que eles lidem com os Outros, eles os caçam de qualquer forma, devem saber como se mover e como agem. Além de que deixar os Outros ativos é útil para detectarmos o Coletor. — Ele respirou novamente a fumaça e tossiu devagar. — Vamos deixar os Exploradores trabalharem, eu vou explicando aos poucos para Barton sobre fluxo, avanços de graus e potência das almas. Talvez consiga convertê-lo para a Deusa de Duas Faces.
Madly encarou Calvirs e não conseguiu segurar a gargalhada. Ver o seu parceiro fazer uma piada como essa no meio de todo aquele caos a animou.
— Eu duvido muito que um homem como ele esteja se importando com religião ou vida após a morte. Ele apenas quer poder e, para alguém que viveu nesse lugar por toda a sua vida, até entendo. Cada vez que olho melhor, sinto mais raiva do Império.
Calvirs retirou as cinzas do seu cachimbo, batendo suavemente contra uma parede próxima. O guardou em seu bolso interno e deu um leve sorriso para Madly.
— E todos os bons acólitos não começam assim? Buscando a igreja apenas para conseguir poder. Com ele não será diferente, apenas precisamos fazer nosso trabalho bem-feito. — Ele olhou para os dois cavalos escuros à sua frente e adentrou devagar a carruagem. — E sobrevivermos a esse inferno.
Madly olhou para a cidade à sua volta. Pensou na semana que teria que ficar em meio à destruição das ruínas e o cheiro de especiaria. O pior de tudo não era isso, mas sim o medo que espreitava do Coletor surgir, as memórias do relatório do Coelho vinham à sua mente, como um bispo foi morto com facilidade. Não importa as informações que Barton lhe deu, ou as hipóteses de Calvirs, só conseguia imaginar o terror e o pavor que esse ser horrendo traria para todos nessa cidade.
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