Volume 2

Capítulo 92: Reunião (Pt 1)

Após as breves cortesias iniciais, o Rei Aldebaram conduziu o Rei Endrick até o amplo pátio do castelo, um espaço aberto situado no coração da estrutura. Era ali onde os ocupantes do castelo, desde os serviçais até os nobres e cortesãos, buscavam momentos de relaxamento e contemplação sob o vasto céu. 

Contudo, naquele dia, o pátio estava deserto além dos dois monarcas, pois a conversa que teriam era de extrema importância e não podiam correr o risco de serem interrompidos. Sob o abrigo de um teto, uma mesa elegantemente posta aguardava-os, flanqueada por duas belas cadeiras. Ali, estavam prestes a se reunir para negociar e deliberar sobre assuntos cruciais para seus reinos.

Aldebaram dirigiu-se a uma das cadeiras e, com delicadeza, deslizou-a para fora, indicando-a com um gesto de mão.

— Por favor, tome assento — convidou.

O rei de Felizia prontamente aceitou o convite, dirigindo-se à cadeira e acomodando-se com elegância. Enquanto isso, o guerreiro dirigiu-se ao outro lado da mesa, onde tomou a segunda cadeira como assento.

— Agradeço pela gentileza, rei Aldebaram — Ele observou os itens dispostos sobre a mesa: um bule de chá, xícaras e alguns biscoitos. — Vejo que até se deram ao trabalho de preparar esses acompanhamentos para mim... Não preciso nem dizer que não era necessário, mas aprecio tamanha hospitalidade…

— Não há necessidade de agradecer ou se preocupar — Aldebaram sorriu sutilmente e acrescentou: — Posso garantir que não foi nenhum esforço para os nossos cozinheiros...

O guerreiro lutava para manter aquele sorriso, ainda que discreto, pois tudo aquilo era muito forçado. Ele não era assim. Em uma conversa cotidiana, teria feito piadas, elevado o tom de voz e, é claro, rido como um louco.

E, havia algo mais que o incomodava, e esse algo tinha um nome: Endrick. Por alguma razão, parecia que o próprio estava agindo de forma falsa, não tentando forçar um comportamento refinado como Aldebaram, mas sim de uma maneira mais sutil e dissimulada em suas ações. Diria que misterioso.

— Ao que posso perceber, estamos sozinhos aqui — pontuou Endrick, deixando o olhar vagar por toda extensão do local.

O pátio estava deserto além dos dois reis e seus acompanhantes, embora estes estivessem a certa distância. O guardião do rei visitante permanecia recostado em uma parede do outro lado do pátio, observando atentamente, pronto para intervir diante de qualquer sinal de perigo. Ao seu lado, Leif também observava, mas ao contrário do guardião Edgar, ele não possuía habilidades excepcionais em esgrima.

— Certamente, discrição é fundamental para a conversa que teremos aqui — respondeu Aldebaram, tocando a alça do bule, erguendo-a para despejar o chá na primeira xícara. — Concorda?

Endrick olhou para ele depois das palavras e deixou um leve sorriso brotar nos lábios, parecendo satisfeito. Seus olhos esmeraldinos desceram até a xícara sendo preenchida, de onde o vapor esbranquiçado serpenteava para cima, trazendo consigo um aroma agradável e quase irresistível.

Então, a atenção do rei voltou-se para as mãos do guerreiro, percebendo o esforço em manter a delicadeza enquanto servia chá. Isso o fez sorrir de forma mais ampla.

— Concordo plenamente — respondeu com elegância, alcançando a xícara recém-preenchida.— Que aroma encantador. Diga-me, é feito das famosas folhas de Yggdrasill?

— Vejo que tem um olfato apurado e um grande conhecimento sobre o norte... — Aldebaram deixou escapar a última parte da frase em um tom hesitante, evidenciando a desconfiança. Um erro de principiante. — Como sabe?

O rei ouviu a pergunta, ergueu a xícara aos lábios e permitiu que o paladar fosse envolvido pelo delicioso, divino sabor daquele chá. Feito das folhas caídas de Yggdrasill, era uma mistura perfeita de doçura e amargor, proporcionando uma verdadeira jornada de sabores.

Aldebaram observou atentamente enquanto Endrick saboreava o chá, mantendo uma expressão que denotava a desconfiança. Quando o rei terminou de apreciar a bebida, colocou a xícara com cuidado no pires, com tamanha elegância que dava a impressão de que aquele simples objeto valia mais que todo o reino.

— Sou apenas um grande apreciador de chás — respondeu, soltando um riso discreto, enquanto fixava o olhar no guerreiro. — E como apreciador, é claro que eu conheceria o chá mais raro, caro e delicioso que este mundo tem a oferecer.

Aldebaram conseguiu relaxar um pouco com a resposta, embora ainda suspeitasse do tom de voz de Endrick. A forma como ele falava tinha um quê de manipulação, carregada de sutileza e escolhas cuidadosas de palavras. O guerreiro percebeu que essa conversa seria difícil de conduzir sem sair do personagem.

— Em outro momento, posso lhe apresentar Sian, o atual rei da região de onde provêm estas maravilhosas folhas de chá — ofereceu.

— Seria adorável conhecer a majestosa árvore divina — respondeu, num tom ameno. Parecia que a conversa estava fluindo bem, sem grandes revelações. Contudo, de repente, os olhos verdes de Endrick se estreitaram. — Acho que já enrolamos demais... vamos direto ao que interessa para ambos.

A mudança abrupta de tom e atmosfera foi tão marcante que, se o guerreiro estivesse de pé, suas pernas teriam vacilado. Entretanto, demonstrar nervosismo não seria útil; pelo contrário, só pioraria a situação e revelaria fragilidade, algo inaceitável até lastimável diante de um rei. Com isso em mente, manteve o olhar firme e controlou a respiração, respondendo com serenidade:

— Concordo. Perdemos tempo demais com formalidades.

— Que bom que pensamos da mesma forma — retrucou, ajeitando-se na cadeira, mantendo uma postura altiva. — Vamos direto ao ponto então. Pelo que fui informado e li nas cartas, seu desejo é unir-se à Liga das Nações.

— Exatamente — confirmou com determinação, mantendo o olhar firme. — Quero que Estudenfel tenha um assento entre as maiores potências do continente.

O rei visitante arqueou uma sobrancelha, demonstrando dúvida em relação a esse desejo repentino. Ele tocou novamente na alça da xícara.

— Posso saber o motivo desse desejo? — perguntou, retirando a xícara do pires com delicadeza e levando-a aos lábios. — Não me interprete mal, todos os países deste continente aspiram a ingressar na Liga. Mas ainda assim, esse pedido parece ter surgido de forma, digamos… inesperada, convenhamos.

— Os benefícios que ter um assento entre aqueles no topo trará ao meu país são motivos mais do que suficientes, imagino.

Com a xícara próxima à boca, permitiu que a borda tocasse levemente os lábios, saboreando mais uma vez o gosto sublime da bebida. Enquanto franziu rapidamente as sobrancelhas em reação à resposta, o motivo parecia óbvio demais. Endrick sabia que havia algo mais por trás disso. Então, com cuidado, depositou a xícara de volta ao pires e falou:

— Benefícios, você diz... Sim, é um motivo simples, mas bastante claro... — Ele começou a mudar suas expressões faciais, adotando uma aparência de quem sabe mais do que revela. — No entanto, ouvi dizer que seu país é um grande defensor das causas sociais que envolvem o próprio povo... Será que há algo nisso?

— Está sugerindo que estou escondendo algo? — indagou Aldebaram, num tom ríspido, desviando o olhar para o bule.

— Você interpretou mal, Aldebaram... — Apesar do tom áspero, que poderia até soar ameaçador, Endrick não pareceu ficar nervoso. — Mas, apenas um conselho: ao solicitar favores, especialmente de magnitude como este, é melhor ser transparente em suas motivações.

O tom de Endrick permanecia inalterado, ameno e quase monótono. No entanto, suas palavras fizeram Aldebaram engolir em seco. Embora aquele rei fosse mais jovem que ele, sua presença irradiava autoridade e suas palavras e ações demonstravam uma sabedoria que parecia além de sua idade. No final das contas, o guerreiro realmente escondia seus verdadeiros motivos, mantendo-os velados.

— Bem... — Aldebaram permitiu-se hesitar, divagar, algo que Leif o instruíra a nunca fazer. Mas para alguém sem experiência prévia nesse tipo de situação, era difícil manter a compostura. — Assumo! Quero dizer... Assumo que meu país é um defensor da causa dos giganoides azuis, na verdade, o único que luta por ela.

Observando a hesitação na voz e a gafe cometida, evidenciada pela elevação no tom e repetição de palavras, Endrick sorriu de forma sútil e estreitou os olhos ligeiramente, como se estivesse finalmente assumindo o controle da conversa.

— Entendo. Se me permite tirar uma conclusão precipitada — Ele dirigiu o olhar para o guerreiro, que assentiu com a cabeça. — Seu desejo de unir-se à Liga das Nações é para chamar a atenção para a causa, tentar aprovar leis e, é claro, intimidar aqueles que são contra... Estou correto?

— Em parte sim — admitiu, abaixando o olhar brevemente antes de erguê-lo outra vez. — Mas não estava mentindo quando mencionei os benefícios. Estar entre os grandes trará vantagens que podem permitir que meu país se reerga. Você é um rei astuto, Endrick, e deve estar ciente de que Estudenfel não está em seus melhores dias…

O rei visitante dirigiu sua atenção para os arredores, contemplando a beleza do dia com um céu azul imaculado, onde a neve havia finalmente cedido espaço. 

No entanto, essa serenidade contrastava com a precária condição do castelo, cujas imensas rachaduras testemunhavam o seu gradual deterioro ao longo do tempo, evidenciando a negligência que havia sofrido. 

Além disso, durante o trajeto pela cidade até o castelo, não pôde deixar de notar a situação desoladora do reino: moradores de rua, rostos marcados pela fome e construções desmoronadas ecoavam os sinais de um reino à beira do abismo.

A responsabilidade recaía sobre a antiga gestão, que, obcecada com o fortalecimento do exército, negligenciou os aspectos fundamentais da governança, incluindo a economia. O fechamento das fronteiras, por sua vez, aniquilou o comércio e empurrou Estudenfel para o precipício do colapso financeiro. 

Mesmo após quase cinco anos no poder, Aldebaram não conseguiu reverter significativamente a situação. Era, portanto, um dos principais motivos para aquela reunião.

— Percebi como tudo em seu reino está à beira da ruína... — Ao fitar o guerreiro, o rei visitante notou a expressão desanimada estampada em seu rosto, compreendendo, então, o quão insensível havia sido em suas palavras. — Peço desculpas pela falta de sensibilidade…

Endrick poderia ser astuto; frequentemente, o tom de suas palavras transmitia uma certa superioridade, mas a falta de modos nunca foi uma característica intrínseca de sua personalidade.

Aldebaram, em resposta, apenas fez um gesto com a mão, como se tudo estivesse bem. No entanto, não estava, e não era devido à dureza ou crueldade das palavras do rei, mas sim porque ele sabia que eram verdadeiras.

— De qualquer forma, se já está plenamente ciente do problema financeiro que enfrentamos, deve compreender mais um motivo pelo qual desejo um lugar na liga.

— Entendo, isso faz sentido. — Endireitando-se mais uma vez na cadeira, ele pegou a xícara e a ergueu. — No entanto, mesmo que eu admire sua luta pela causa e nutra compaixão pelo povo, devo agir como rei; como monarca, os benefícios do meu reino determinam minhas ações e decisões. Entende o quero dizer com isso, não é?

— Sim, agir como rei... — Era algo que o guerreiro aspirava alcançar. Falar com elegância e ter bons modos eram meramente disfarces; não definiam a qualidade de um bom rei. — E o que poderia um reino como Felizia desejar?

Endrick suavizou as sobrancelhas e levou a xícara à boca, saboreando os últimos goles do chá, agora não mais tão quente como no início. Com cuidado, colocou a xícara de volta no pires e dirigiu sua atenção de volta ao guerreiro.

— Ora, você me convida para uma reunião de negócios e não traz nenhuma oferta? — Foi uma alfinetada perceptível, e Endrick prosseguiu em um tom sereno: — Sabe, Aldebaram, este continente é o único que possuímos neste mundo, até onde sabemos, é claro. Portanto, as matérias-primas encontradas aqui são exclusivas, e aqueles que as detêm em seus territórios tornam-se poderosos... Isso aconteceu com as minas de diamantes em Re'loyal e Aldemere ou a produção de algodão, que, por algum motivo, é perfeita em Lulunica... Mas mesmo esses materiais podem ser produzidos ou extraídos em menor escala em outros reinos... No entanto, há uma matéria-prima, ou melhor, um minério, que apenas um país produz em abundância…

— Mitril... — murmurou o guerreiro, ponderando sobre aquelas palavras. — É realmente um material tão valioso?

O rei visitante, por um momento, ficou surpreso com a ingenuidade de Aldebaram, por não compreender a importância dos materiais que sua terra nativa poderia fornecer.

— Um tipo de metal mais resistente que o aço e tão maleável quanto borracha. — Ele falava de maneira quase contemplativa. — Além disso, é leve e fácil de trabalhar, proporcionando um rendimento superior aos outros tipos de minérios. Eu diria que é praticamente o material perfeito... E o fato de ser o único, somado aos esgotamentos nas minas de Windefel e ao longo fechamento das fronteiras de Estudenfel, acabou por criar uma escassez no mercado, elevando ainda mais seu valor. Por isso, é tão caro, valioso por assim dizer.

O guerreiro travou por um momento; ele sabia que o Mitril era um excelente material para armaduras, mas a maneira como Endrick o descreveu parecia atribuir-lhe um valor divino. E o fato de que isso era exclusivo de suas terras, elevava Estudenfel a um patamar superior a muitas nações.

— Entendo. — Por dentro, Aldebaram estava saltando de alegria, sentindo uma vontade quase incontrolável de celebrar com risadas estrondosas, mas por fora manteve a calma diante dessas revelações. — E o que exatamente você deseja?

— Eu... — Endrick estreitou o olhar. — Sabe, quando de fato você abrir as fronteiras ao mundo após séculos e o Mitril voltar a ser comercializado com fervor, os países mais poderosos irão tentar monopolizar todo o comércio, comprando praticamente tudo.

— E por que disso?

Endrick elevou a mão, e deixou dois dedos erguidos, fechando um.

— Primeiro, porque desejam fortalecer seus exércitos e aproveitar ao máximo esse minério exclusivo para si. — Fechou o outro, e sorriu sutilmente. — E segundo, porque não querem que países inimigos ou rivais tenham acesso e se fortaleçam. Quando digo isso, estou me referindo principalmente a Aldemere e aos países élficos, os mais poderosos em termos financeiros.

Aldebaram podia ser ignorante em muitas questões governamentais, incluindo desenvolvimento econômico e assuntos políticos. No entanto, não era tolo o suficiente para não perceber o que Endrick almejava no final das contas.

Após um longo período de reflexão, o guerreiro estendeu a mão até a alça do bule e encheu sua própria xícara de chá, fazendo o mesmo para o rei. Mais uma vez, o aroma agradável inundou o ar.

— Então, haverá uma grande batalha no campo financeiro, para ver quem consegue comprar mais... — Ele empurrou a xícara na direção de Endrick e pegou a sua. — E aqueles que talvez tenham acordos por fora, consigam se manter nessa briga. É isso que você deseja, não é?

Aldebaram levou a xícara aos lábios e provou o saboroso chá. O rei segurou seu próprio recipiente erguido enquanto respondia:

— Está correto em sua suposição — afirmou, dando um gole no chá, e continuou: — Deixarei mais específico; quero exclusividade em trinta por cento do que for produzido. É claro que pagarei o valor adequado pelo que for oferecido quando chegar a hora.

O guerreiro deu outra pequena golada no chá, o que ajudou a acalmar um pouco seus nervos. Ele não pôde deixar de ficar admirado com a confiança e a postura decidida de Endrick, características de um verdadeiro rei experiente. E por, ele ser apenas um jovem monarca, aumentava ainda mais a admiração de Aldebaram. Sua mente divagou por um momento.

— Antes de responder se aceita ou não a proposta... — A voz do rei tirou o guerreiro de seus devaneios, trazendo a atenção de volta para ele. — Irei mencionar alguns obstáculos que podemos enfrentar. Como você sabe, eu o indicarei como um possível novo membro, o que significa que terá o meu apoio. No entanto, apenas o meu apoio não é suficiente; você precisará do apoio de outros países também.

— Já imaginava. O problema é que você foi o único rei a aceitar uma reunião comigo…

Aldebaram abaixou a cabeça com pesar. Ele perdeu as contas de quantas cartas havia enviado a muitos reinos, mas ou não recebia resposta, ou as respostas eram recusas. Parecia que ninguém estava disposto a aceitá-lo, ou sequer conversar com ele.

— Mas isso é óbvio. Sabe, Aldebaram, Estudenfel foi um país fechado por séculos, e todos que se aproximavam eram mortos. Muitos reis e diplomatas tentaram contato, principalmente para comprar o Mitril, e adivinha? — Endrick deu um sorriso irônico. — Tudo o que retornava eram suas cabeças, isso é, se retornasse alguma parte do corpo...

O guerreiro franziu o cenho. Ele conhecia bem as histórias sobre esse reino e como eram extremos com estrangeiros, chegando ao ponto de cometerem barbáries apenas por se aproximarem. No entanto, uma dúvida surgiu em sua mente, e ele dirigiu sua atenção para o rosto confiante de Endrick, indagando:

— Se reis e diplomatas eram mortos, por que nunca houve uma invasão em retaliação?

— Navegar pelas terras do Norte sempre foi uma empreitada complicada, especialmente quando se trata de Estudenfel, que fica no extremo da região, com seu terreno acidentado e de difícil acesso, o que faz muitos desistirem antes mesmo de começar. Ainda havia a questão do exército, sempre temeram o exército desse reino, ainda que parado a tempos. — Ele lançou um olhar sarcástico. — E como Windefel pode atestar, não sem razão.

— Hmmmm, me diga, o que o levou a aceitar essa reunião? É improvável que, entre tantos reis cobicosos por poder, você tenha sido o único a ter coragem…

Endrick soltou uma risada nasal e contemplou o céu por alguns momentos.

— Sabe, descobrimos que o rei de Estudenfel foi morto e seu trono usurpado há dois anos...

— Dois anos? Mas isso aconteceu há quase cinco... — Aldebaram parecia confuso. — Pensei que informações como essa se espalhassem rapidamente...

— E se espalham, contanto que aquele que a detém permita sua disseminação... — Ele passou a mão pelos cabelos castanhos, ajeitando-os. — Ocorre que quem detinha essa informação, no caso, Lidenfel, não a compartilhou... Tudo o que soubemos foi que houve uma batalha nas planícies que antecedem a cidade e que algo estranho ocorreu…

— O demônio... — As palavras dele quase saíram trêmulas, só de mencionar aquele ser.

— Exatamente, mas isso é assunto para outra ocasião — Falar sobre Bleu agora não acrescentaria à conversa. — Enfim, o rei de Lidenfel, Sutran, ocultou informações cruciais sobre partes da batalha e seus desdobramentos, coagindo os outros reinos nórdicos a fazerem o mesmo. Isso perdurou até dois anos atrás, quando ele finalmente decidiu revelar tudo.

— E como foi recebida essa notícia? — Aldebaram se conteve para não fazer uma piada sobre a expressão de surpresa das pessoas, como "ficaram com a cara no chão" ou algo do tipo. — Deve ter sido surpreendente...

— A recepção? Foi caótica, como você pode imaginar. Talvez você não tenha ideia, mas o medo de que o antigo rei dominasse todo o Norte e monopolizasse os mais diversos minérios mantinha alguns reis acordados à noite — Ao concluir, ele soltou uma risada contida. — E descobrir que ele havia sido morto, e que alguém havia assumido o controle de Estudenfel, deixou alguns aliviados e outros tensos, sem saber quais seriam as próximas ações do novo rei, no caso, você.

Aldebaram tentava assimilar tudo aquilo, havia detalhes que não faziam sentido. Como Sutran esconder o fato de terem matado o antigo rei. E ainda assim, eles estavam tensos? Não sabiam que Estudenfel estava quase sem exército? Mesmo que os que estavam em Windefel tivessem retornado, a maioria foi dizimada por Bleu.

— Mas aonde você quer chegar com isso? Você começou falando de contras e acabou nisso...

O guerreiro arqueou uma sobrancelha, confuso com a conexão dos assuntos. Então, Endrick, que estava a algum tempo sem tocar no chá, sentiu a garganta secar depois de tanto falar, e tomou mais um gole para umedecê-la antes de responder:

— Eu chego lá. Mas antes, preciso te dizer que a Liga esteve prestes a votar pela invasão a Estudenfel.

Aldebaram quase engasgou com aquelas palavras. Era esperado que quisessem invadi-los depois de tudo o que ouviu sobre o Mitril, mas a Liga inteira? Se fosse verdade, suas chances de união estavam praticamente anuladas. 

— Fique tranquilo, isso foi há dois anos. Como você pode perceber, ninguém tentou invadir vocês.

— Ainda bem... — Ele suspirou aliviado, relaxando os ombros. — Mas então? O que foi decidido?

— Foi decidido que não valia a pena mexer com quem estava quieto. Como as movimentações haviam cessado e Sutran garantiu que não representavam mais uma ameaça, isso acalmou os ânimos dos reis. — Ele elevou o olhar parecendo pensativo. — Alguns ainda estavam tentados a invadir por causa do Mitril, ganância como sempre. Mas se apenas dois reinos negassem ou se abstivessem, a votação seria anulada, e assim foi.

Com um longo suspiro, ele voltou seu olhar para o guerreiro, que estava em silêncio, absorvendo tudo com atenção.

— Enfim, depois de séculos, recebemos a notícia de que Estudenfel estava querendo reabrir suas fronteiras. Foi uma surpresa e motivo de desconfiança. Esse é o motivo pelo qual todos recusaram vir, com medo de ser apenas uma armadilha ou algo do tipo.

Aldebaram o encarou firmemente, abaixando as pálpebras quase em uma expressão ameaçadora, e perguntou com calma:

— E por que você foi o único a vir? Com tudo o que foi dito, quase me parece que o Mitril não era o único motivo.

— Você se mostra mais astuto do que eu imaginava. — Um sorriso confiante surgiu em seus lábios, enquanto seu olhar se estreitava. — Tem razão, o que eu quero além do Mitril? É simples: uma aliança... talvez até militar.

O guerreiro quase caiu para trás, seus olhos prestes a saltarem das órbitas. Essas conversas estavam começando a tomar rumos inesperados e possivelmente perigosos... Onde isso os levaria? Só continuando a conversa para descobrir…



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