Volume 2

Capítulo 91: Simulacro

Após sair de seu quarto, Aldebaram caminhava pelo corredor em direção à sala do trono, onde receberia Endrick, o rei de Felizia. Seria o primeiro monarca a pisar em Estudenfel em muitos anos, pois os antigos reis eram extremistas, chegando ao ponto de fechar as fronteiras para estrangeiros.

— As paredes desse lugar estão mais acabadas do que você, Leif — zombou, soltando uma risadinha contida.

A provocação foi dirigida a Leif, um dos conselheiros mais antigos do reino, que o seguia de perto, com as mãos cruzadas nas costas.

— Haha! Assim você me magoa, meu rei — respondeu, observando as paredes. 

Não podia negar que Aldebaram estava certo ao dizer que estavam velhas e deterioradas. Feitas de pedras acinzentadas, já não exibiam sua cor original há muito tempo. E pior, estavam marcadas por rachaduras enormes, com resíduos verdes incrustados em muitas superfícies, tão firmemente que nem mesmo uma limpeza vigorosa seria capaz de removê-los.

— Quanto custaria para reformar todo este castelo? — indagou o guerreiro, enquanto caminhava, projetando sombras ao passar pelos candelabros de velas nas paredes. — Digo, não deve ser um absurdo, não é?

— Se por acaso decidíssemos reformar o castelo por completo, incluindo todos os cômodos, paredes, pisos, tetos e móveis... — Ele ergueu o olhar, como se estivesse calculando o preço. — Diria que seriam necessários cerca de cinco milhões de mythas…

Um nó se formou na garganta do guerreiro, que chegou até a prender a respiração, paralisado pela surpresa. Era muito mais do que ele havia estimado. Claro, ele não era conhecido por ser um homem habilidoso com números; lidar com finanças nunca fora seu forte. No entanto, cinco milhões pareciam ser uma quantia equivalente à metade de todo o lucro do país em um ano.

— Por que tão caro!? — Ele se virou para Leif, ainda em choque, e começou a sacudi-lo pelos ombros. — Estão usando ouro? Diamantes? Pedrinhas simples custariam mais que o rim de metade do meu povo?

Depois de ser sacudido por alguns segundos, o pobre conselheiro sentiu tudo em seu corpo se misturar. Ao perceber que havia exagerado, Aldebaram o soltou e, com um sorriso sem graça, levou a mão à cabeça.

— É... por... — Sentindo e vendo tudo girar, ele cambaleou até a parede mais próxima e apoiou-se nela. — ...É porque os materiais de construção estão superfaturados. Pedras para construção se tornaram escassas.

— Escassas? — O guerreiro ergueu uma sobrancelha e deixou escapar um sorriso irônico. — Estamos cercados por montanhas imensas. Vai me dizer que tão de frescurinha até com pedrinhas?

— Não é questão de frescura, meu rei... — Leif respirou fundo para tentar recuperar os sentidos e endireitou-se. — Existem certos tipos específicos de pedras necessários para a construção, e a maioria das montanhas do norte não as possui. Os únicos lugares que têm essas pedras estão no leste, perto das montanhas das terras inóspitas.

— E quem são os imbecis que as detêm? — Aldebaram cruzou os braços e começou a bater com o pé no chão. — Só imbecis cobrariam tão caro por simples pedras...

— Pessoalmente, não os chamaria de imbecis, majestade. Apenas estão aproveitando sua posição em benefício próprio — Leif acariciava a barba, meio admirado. — Como conselheiro, devo admitir que são astutos... Mas, enfim, quem os controla são os elfos.

O guerreiro estalou a língua e desfez o cruzamento dos braços, já suspeitava que seriam esses seres. Com isso, virou-se para continuar seguindo em direção à sala do trono.

— Suspeitava que seriam aqueles branquelos orelhudos.

— Por favor, não fale assim em um local público... Se isso se espalhar, poderá causar um verdadeiro problema diplomático.

Leif passou a mão pela roupa, alisando os amassados. Em seguida, voltou a caminhar logo atrás de Aldebaram.

— Vejo que a velhice trouxe o medo junto, haha! — zombou, de forma descontraída. — Relaxa, não é como se tivesse muita gente por aqui para espalhar isso.

— A idade me trouxe prudência... — Leif olhou ao redor, observando os tetos altos e o corredor largo. — Sabe, meu rei, reformar este castelo custaria tanto, principalmente devido ao tamanho da estrutura...

— Foram feitos para abrigar nossos antepassados, que eram muito maiores que nós. Se fosse menor, provavelmente ficariam entalados — disse, soltando uma risada estrondosa em seguida.

Estudenfel foi o "último bastião" da espécie antecessora dos giganoides, os gigantes. Tudo neste reino foi construído com base nas estaturas dele que ultrapassavam os três metros de altura com facilidade.

Enquanto caminhavam, seus passos ecoavam pelos corredores, muitas vezes vazios. De vez em quando, cruzavam com um guarda em patrulha ou com criadas e empregadas. Todos demonstravam uma mistura de alegria e nervosismo ao notar que era o próprio rei passando, mas eram educados e o reverenciavam. Aldebaram, por sua vez, respondia às reverências de forma casual, como qualquer pessoa, quase como se não fosse exatamente um rei.

Atitudes reais eram algo que o guerreiro não possuía, talvez por nunca ter sido criado entre a realeza, ao contrário de Leif, que respondia aos cumprimentos com a elegância de um nobre.

Leif não o pressionava para agir de forma diferente. A questão linguística era peculiar neste continente ou mundo, pois não havia barreiras entre as línguas e, como o idioma era relativamente novo e pouco desenvolvido, com poucas variações, a distinção entre "formal" e "informal" era sutil o suficiente para que muitos nobres ou até mesmo a própria realeza não se importassem.

Obviamente, era possível notar uma diferença na eloquência entre um nobre e um cidadão comum. No entanto, isso não era motivo de preocupação para a maioria, mas existiam aqueles que se incomodavam.

Grande parte da distinção na nobreza residia na forma de se portar: postura, gestos, costumes e maneira de falar. Sempre se expressavam de maneira mais concisa, sem rodeios, hesitação ou dúvida nas palavras, quase que de forma arrogante.

Após percorrerem o trecho, chegaram às imponentes portas da sala do trono. Em frente às portas de madeira escura, estavam dois guardas encarregados da proteção. Ao avistarem Aldebaram, o reverenciaram e abriram as portas em uníssono.

Como o castelo era uma construção antiga dos gigantes, as portas eram enormes e incrivelmente pesadas, exigindo o esforço conjunto de dois homens fortes para abri-las.

Ao adentrarem, o guerreiro se deparou com a corte: uma sala rústica, com pilastras de pedra cinza já desgastadas e desbotadas, assim como o chão, as paredes e o teto, todos feitos do mesmo material e em condições semelhantes. Resíduos verdes estavam encrustados em todas as superfícies, como nos corredores.

No centro da corte, quase na extremidade, havia um enorme trono esculpido em uma pedra mais escura do que a usada nas paredes, grande o suficiente para acomodar um antigo gigante.

Todo o ambiente transmitia a sensação de que, em vez de uma corte, ali jazia uma antiga ruína há muito tempo selada. Isso incomodava alguns nobres, que valorizavam a riqueza e prestígio que uma sala do trono luxuosa e bem cuidada poderia proporcionar.

— Estamos nos aproximando do momento crucial… — Apesar das palavras de incentivo recebidas, Aldebaram ainda sentia um leve tremor de nervosismo percorrer seu corpo. 

— O momento para demonstrar apreensão já passou, minha majestade… — Leif, seguindo logo atrás, colocou suavemente a mão em seu ombro. — A partir de agora, é hora de vestir uma máscara e representar um papel. Você deve fingir ser o que não é, ocultar seus anseios e mostrar apenas a confiança digna de um verdadeiro monarca…

Aldebaram estava bem ciente desse fardo, entendia que por muitas vezes os reis eram obrigados a representar papéis que não condiziam com sua verdadeira essência. Ainda assim, a mentira nunca fez parte de sua natureza, mas desde que assumiu a responsabilidade de governar um país, tornou-se uma necessidade. Então, respirou fundo, deixando para trás toda a apreensão e nervosismo, e encheu a alma com uma confiança inabalável, da qual iria precisar.

Se para ser um bom monarca era preciso ser um bom mentiroso, então, pelo bem de seu povo, Aldebaram estaria disposto a se tornar o maior mestre na arte da dissimulação que esse mundo já viu e verá.

Ao concluir o suspiro, Aldebaram ergueu os olhos, determinado, e o fixou à frente. Num rápido gesto, trocou um breve olhar com Leif, acompanhado por um sutil sorriso, indicando sua prontidão para o que viria a seguir. O gesto fez com que um sorriso satisfeito se desenhasse no rosto do conselheiro.

Em silêncio, os dois atravessaram a ampla sala em direção ao trono. Naquele dia, a corte encontrava-se deserta, com apenas alguns soldados mantendo a guarda em pontos estratégicos.

Com graciosidade digna de um rei, o guerreiro subiu os degraus que levavam ao trono e assentou-se, mantendo uma postura altiva e imponente, adequada à posição de monarca. Leif seguiu-lhe os passos, subindo os degraus e posicionando-se ao lado esquerdo dele, com as mãos cruzadas nas costas, em uma pose de confiança e lealdade.

— Meu rei, já tem pleno conhecimento do protocolo a ser seguido, não é mesmo? — indagou Leif, mantendo seu olhar firme adiante.

— Sim, os cumprimentos formais serão trocados aqui, e então o convocarei para o pátio, onde uma mesa está disposta com chá e biscoitos aguardando sua presença.

— Exatamente. É muito provável que ele venha acompanhado por um guardião, dada a natureza da posição que ocupa, diretamente ligada à realeza, não temos informações sobre quem será... — comentou o conselheiro, num tom ponderado. — Mas quando estiverem no pátio, será um momento de privacidade. É lá que Vossa Majestade fará as propostas e se comportará como um rei diante de outro rei.

Aldebaram sorriu ao perceber-se rodeado por tantas pessoas competentes. Sabia que, sem Harald e especialmente Leif, teria afundado há muito tempo.

— Ainda sobre o guardião... — iniciou o conselheiro, seus olhos percorrendo os soldados postados ao lado das portas. — Eu tenho a plena certeza que o aconselhei a considerar a nomeação de um...

— Ehhh... Não é como se eu precisasse realmente... — murmurou Aldebaram, interrompido por Leif antes que pudesse continuar.

— Lembre-se de não se expressar de forma hesitante ou vaga diante de Endrick — alertou Leif, mantendo a voz calma. — Quanto ao guardião, acredito que é prudente que um rei não se desloque sem um acompanhamento adequado…

— Leif, veja o tamanho dos meus braços... E ainda tenho a Misriam... Hahaha! Relaxe, estou mais seguro do que qualquer rei deste continente!

Pela primeira vez desde que assumira a posição ao lado do trono, Leif expressou algo e foi desaprovação, levando a mão ao rosto e suspirando pesadamente.

Foi então que ouviram três batidas nas portas, um sinal que Aldebaram reconhecia como um anúncio importante.

— Abram as portas! — ordenou o conselheiro, percebendo que o guerreiro estava alheio demais para fazê-lo. — Mantenha-se atento a partir de agora, meu rei.

As portas se abriram, e um jovem soldado adentrou apressadamente. Ao chegar aos pés do trono, ajoelhou-se e fez seu anúncio:

— Vossa Majestade, trago a notícia de que o Rei de Felizia, Endrick Fiorne, acaba de chegar e está a caminho deste recinto.

Aldebaram inspirou profundamente, enchendo os pulmões antes de expirar lentamente, firmando o olhar e a convicção.

— Agradeço por me informar. — Com um gesto leve da mão, indicou ao soldado que estava dispensado. — Pode ir.

O jovem soldado assentiu com a cabeça em sinal de respeito, levantou-se e curvou-se antes de se retirar.

O guerreiro, após o aviso, dirigiu seu olhar para a porta, que se fechou outra vez. Ele aguardou, atento aos possíveis novos batimentos, enquanto o silêncio se instalava, apenas interrompido pelo som das respirações. De repente, passos ecoaram pelo corredor anunciando a aproximação de alguém.

E do nada, bateram na porta indicando uma visita que não trazia informações importantes, apenas uma formalidade. Aldebaram sentiu uma leve perda de ar por alguns instantes, mas logo se recompôs.

— Abram as portas! — Diferente da vez anterior, agora ele estava alerta e ordenou que as portas fossem abertas.

Leif sorriu com isso, mantendo o olhar fixo nelas. Lentamente, as portas começaram a se abrir, o rangido ecoando e aumentando a tensão no ambiente. Apesar da atmosfera densa, Aldebaram permaneceu altivo, sem baixar a cabeça ou deixar os ombros caírem.

À medida que as portas se abriam, duas figuras emergiam. Era Endrick Fiore acompanhado por seu provável guardião.

Endrick liderava o caminho, atravessando a extensão da sala do trono. Ele era notavelmente mais jovem que Aldebaram, com cabelos castanhos-claros que caíam suavemente até pouco abaixo dos ombros. Uma pequena barba da mesma cor adornava o rosto, enquanto os olhos esmeraldinos pareciam observar tudo com intensidade. Às vestes reais eram de uma beleza e qualidade, com certeza superiores às do guerreiro.

Logo atrás vinha o homem que parecia ser seu guardião, de aparência mais velha que o jovem rei. Os cabelos encaracolados e curtos eram tão escuros quanto a noite, em harmonia com a barba cerrada. Suas vestes elegantes ofereciam o mínimo de segurança necessário a um guardião, e ao lado direito pendia uma bainha contendo uma lâmina, que Aldebaram esperava não ser necessária sacar.

Os dois chegaram aos pés do trono e realizaram uma inclinação leve e respeitosa, demonstrando cortesia e deferência. Em seguida, ergueram-se novamente, mantendo seus olhares fixos no rei Aldebaram.

— Sejam bem-vindos ao meu reino, Rei Endrick Fiore — começou Aldebaram. — E...

— Permita-me apresentá-lo corretamente — interveio Endrick, mantendo sua postura altiva. — Este é meu guardião pessoal e homem de minha mais alta confiança, Edgar Figurde.

Edgar girou a mão cordialmente e, com a outra atrás das costas, curvou-se levemente mais uma vez.

— É um prazer conhecê-lo, Edgar. Se é um homem de confiança de um grande rei como Endrick, também é de minha confiança.

“Falar assim, agir assim... Isso realmente não é para mim...” Aldebaram sentiu-se forçado a se esforçar muito mais para manter uma postura tão formal e cordial. Estava quase cedendo e relaxando, mas então sentiu o olhar penetrante de Leif e desistiu no mesmo instante.

— Bem, vamos economizar nosso tempo... — O guerreiro ergueu-se do trono e passou pelos dois. — Me acompanhem, vamos para um lugar mais arejado.

Leif seguiu, mantendo-se às costas do rei, e logo os outros dois começaram a caminhar juntos. Cada passo era elegante, assim deixaram a sala do trono para trás. A partir desse momento, uma nova era para Estudenfel poderia se abrir, ou então seria apenas mais um prego no caixão de uma nação decadente.



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