Volume 2
Capítulo 142: Ameaças de uma Alucinação
Alaric estava em seu abrigo improvisado na caverna, tentando descansar após um dia exaustivo. O primeiro dia valendo de sua competição na floresta havia sido marcado por lutas intensas, emoções extremas e provações desafiadoras. Do outro lado da caverna, Alice, a jovem que havia vindo em seu socorro e acabara se ferindo no processo, dormia profundamente. Ela também foi uma das causas das "emoções intensas" mencionadas anteriormente.
Era provavelmente entre três e quatro da madrugada. O frio havia se intensificado, tornando-se desconfortável. O fogo, que antes fornecia algum calor, já não cumpria sua função adequadamente, pois estava mais próximo de Alice do que de Alaric. Como se não bastasse a falta de calor, ele ainda estava encostado na parede de pedra fria e áspera do abrigo, o que tornava seu descanso ainda mais difícil.
Devido a tudo isso, seu sono não era profundo o suficiente para desconectá-lo totalmente da realidade. No entanto, isso não impedia que ele confundisse a realidade com a ilusão, tornando difícil distinguir o que estava diante de si naquele exato momento.
— Rancor... De novo aqui? — indagou Alaric, ao perceber a alucinação de sua mente em pé à sua frente.
Se era no mundo real ou no universo distorcido criado pela sua própria mente, era impossível discernir. Contudo, ali estava, de pé, com os cabelos vermelhos como os de Alaric. Na verdade, aquela maldita alucinação possuía todos os traços do jovem, como um reflexo perfeito.
— Uff… Nossa, a cada vez que me vê, me trata pior do que antes... — respondeu com sarcasmo, até porque, no fim, não era como se as palavras de Alaric pudessem afetá-lo de forma alguma.
— E por que isso lhe surpreende? Sabe muito bem o motivo. Tsc... Seja direto. O que quer desta vez?
Rancor revirou os olhos e colocou a mão na cintura, adotando uma postura despretensiosa enquanto desviava o olhar para um canto sombrio da caverna. A luz fraca lançava sombras que dançavam nas paredes úmidas, criando um ambiente ainda mais sinistro.
— Vi tudo o que aconteceu hoje ou ontem, sei-lá… Bom, acho que isso não é novidade para você. — comentou ele, a voz carregada de desdém enquanto fixava o olhar no canto, como se a visão o incomodasse. — Observei seu desespero, todos aqueles sentimentos frágeis que não deveriam ser seus... Era repugnante e irritante vê-lo agir como um fraco. No entanto, comecei a refletir sobre o motivo disso. Não era normal, não para você... e então descobri.
O jovem escutava aquelas palavras com uma impassibilidade aparente, mas seu semblante começou a se alterar. Já fazia algum tempo que ele havia aprendido a ignorar as provocações de Rancor, mas aquelas observações o atingiam de uma maneira diferente. Algo estava de fato alterado naquele dia. Nunca antes havia demonstrado tamanha instabilidade emocional, nunca se sentira tão derrotado e sem saída. Embora pudesse atribuir isso ao fato de Alice estar em perigo real, a explicação parecia insatisfatória. Ele já havia enfrentado situações semelhantes antes, mantendo a frieza e o controle. Seu cenho se franziu enquanto ele seguia o olhar daquela alucinação.
— O que… — No canto úmido da caverna, onde os olhos de Rancor estavam fixos, estava Melancolia, encolhida e sombria, a nova faceta da mente perturbada de Alaric. — Não me diga que essa coisa tem algo a ver com isso!?
— Que maldade. Chamar-lhe de “coisa” é uma ofensa tanto para ele quanto para mim… — respondeu Rancor, embora seu tom fosse carregado de ironia, mais do que de real indignação. Seus olhos, profundos e carregados de negatividade, permaneciam fixos em Melancolia. — Mas, que seja… Hmmm, talvez, de alguma forma, essa nova personalidade esteja contribuindo para a sua sensibilidade. Ou quem sabe, para a sua instabilidade emocional?
Alaric se virou abruptamente para Rancor, seus olhos se estreitando em um misto de irritação e confusão. Algo estava profundamente errado, e a sensação de desconforto se tornava cada vez mais intensa, como uma descarga de adrenalina que acelerava o coração já perturbado.
— Você não me disse que não era capaz de me influenciar de forma alguma? Hein! Responda! — sua voz explodiu com uma veemência descontrolada, enquanto ele gesticulava bruscamente para o lado, um sinal claro de sua impaciência furiosa.
A lembrança das palavras de Rancor ressoava em sua mente: ele havia afirmado que não poderiam influenciá-lo de maneira alguma e que, mesmo se tentassem, Melancolia, em seu estado atual, não teria impacto significativo. Mas agora, com a situação claramente mudando, a confiança de Alaric, que já não era alta, começava a desmoronar. Ele sentia a verdade escapando por entre seus dedos, e a inquietação crescente indicava que as coisas haviam saído de controle de forma alarmante.
— Se ainda não percebeu, o que sinceramente considero improvável, eu sou uma parte da sua mente, Alaric… — Rancor, com uma expressão neutra, começou a caminhar em direção ao jovem. Seus passos eram calmos, quase medidos, em contraste com a tensão gradual no ambiente. — Eu conheço o que você conhece, e estou limitado à sua psique. Em teoria, posso ter pensamentos e atitudes próprias. Mas isso ainda é hipotético, pois pode ser que tudo isso não passe de uma extensão de você mesmo, se é que não é… Às vezes, isso é incrivelmente confuso.
Rancor fez uma pausa, um leve sorriso de ironia brincando em seus lábios.
— Por favor, não seja tão ingênuo, Alaric. No fim das contas, o que realmente importa é que eu não tinha como saber se estávamos te afetando ou não. — Ele sacudiu a mão, o gesto carregado de desdém e despreocupação, como se afastasse uma mosca incômoda. — Contudo, se for tão idiota a ponto de não perceber isso... Bem, eu só consigo aparecer esporadicamente para você, nada mais.
Com um olhar de soslaio, ele fixou os olhos no jovem que, de braços cruzados e com o semblante fechado, permanecia em silêncio, ouvindo aquela diatribe de uma alucinação sórdida. Rancor então, exibiu em cada traço de sua feição uma mistura de dúvida e desprezo, enquanto levantava uma sobrancelha com um ar de condescendência.
— Pelo amor, já deve ter notado, ou pelo menos espero que tenha, com algum grau de inteligência... — Ele hesitou, quase como se estivesse ponderando suas próprias palavras. — Desculpe, às vezes duvido das suas capacidades, mas elas são, de certa forma, minhas também, não são? Então, estou me autocriticando? Caramba, isso é realmente incrivelmente confuso... — Ele soltou um riso sarcástico, um som seco e vazio, antes de tentar retomar o foco. — Ah, estou me alongando e me perdendo nos detalhes. Onde eu estava mesmo?
Fez uma pausa, como se relembrasse a linha de raciocínio com um esforço visível, até que, com um estalo de clareza:
— Ah, sim. No final, tudo não passa de um jogo de sombras e dúvidas. A verdade é que nem eu compreendo totalmente o impacto que posso… Podemos ter.
— Por que eu não posso ter uma mente normal? Por que toda essa loucura, deuses? — Alaric questionava, com o olhar fixo no teto, enquanto as chamas da fogueira projetavam sua sombra dançante na parede atrás dele.
As respostas divinas não vinham, mas um alerta urgente soava em sua mente como um sino incessante. Seus olhos se estreitaram novamente, e ele sentiu os músculos do pescoço se contraírem em tensão crescente. A frustração tomou conta de seus gestos, e ele se voltou abruptamente para Rancor, que ainda vinha a passos leves, e moderados em sua direção.
— Agora que penso nisso, você me diz tudo isso, mas sempre parece ter respostas que nunca imaginei. E já me forneceu conhecimentos que eu nunca tive… Sempre parece ter respostas que nunca imaginei. — Alaric continuou, a voz carregada de uma mistura de raiva e desconfiança. — Rancor, você esconde muito mais do que eu gostaria de saber, e sei muito bem que não irá me contar nada de bom-grado. No entanto, diga-me apenas uma coisa: pretende tomar meu corpo? É melhor responder antes que eu…
— …te mate? — Rancor soltou uma risada seca, o som áspero e carregado de uma ironia cruel. — Você é engraçado às vezes, Alaric. Se você tem tanta confiança de que pode simplesmente encerrar minha, digamos, existência teórica, por que não faz isso? Imagino que adoraria se livrar dessa alucinação irritante, repugnante ou frustrante… Ah, deixe-me pensar… Sim, é porque você não pode! Você não pode me matar, e mesmo que tente, acabará apenas se ferindo no processo e falhando no resultado.
Alaric bufou, seu peito se elevando e se contraindo com a raiva que sentia. Seus olhos, ardendo com indignação, fixavam-se em Rancor, e o desejo de atacar aquela visão perturbadora imensa, mas sabia que, de nada adiantaria realmente. Rancor, com uma calma perturbadora, ignorou a fúria e o desespero do jovem, movendo-se lentamente em direção a ele como se nada do que Alaric dissesse ou fizesse realmente importasse. Finalmente, parou ao lado do jovem, fixando os olhos à frente, indiferente à tempestade emocional ao seu redor.
— Se eu soubesse, ou melhor, se eu tivesse a capacidade de tomar seu corpo, eu faria isso sem hesitar — declarou Rancor, seu tom calmo e calculado, mas com um escárnio sórdido e quase vilanesco. — Não tente se fazer de inocente; sempre foi bastante claro para ambos.
Rancor esboçou um sorriso que mais parecia uma carranca, um traço sutil de desdém em um rosto que não estava ali para oferecer consolo algum. Este era o verdadeiro e único: Rancor.
— Como deve ter notado, você é você e eu sou eu… O controle dessa máquina continua em suas mãos; eu nunca consegui tomar as rédeas. No entanto, é bom que fique claro, se já não está claro o suficiente para essa sua mente pequena. Eu não sou seu aliado, amigo ou qualquer outra coisa que possa imaginar. Eu apenas uso você para meus próprios fins, e, de novo, se algum dia eu tiver a chance de tomar seu corpo, não hesitarei nem por um segundo.
Era uma ameaça explícita, mas que não abalava Alaric. Ele conhecia bem Rancor e sabia que essas palavras não eram novidade. Desde o primeiro encontro, estava claro que, se aquela alucinação tivesse a oportunidade, tomaria seu corpo sem pensar duas vezes. Com o aviso dado, Rancor prosseguiu em direção a Melancolia, que permanecia encolhido no canto sombrio da caverna.
— Não deixe que ele me afete mais do que já fez — pediu Alaric, com os punhos cerrados em uma mistura de indignação e contenção.
Apesar de não permitir que as palavras de Rancor o desestabilizassem, elas ainda tinham sua força. Seu olhar permanecia fixo à frente, enquanto Rancor se movia atrás dele, com uma calma inquietante.
— Afinal, esses monstros eram fortes, mas nem tanto… No entanto, como você deve imaginar ou, na realidade, tenha visto, o descontrole emocional me colocou em desvantagem. Se isso acontecesse diante de um inimigo realmente mais poderoso…
— Acabaria morrendo ou causando ferimentos provavelmente irreversíveis no corpo… Eu sei, relaxa — Rancor disse, sua voz carregada de uma frieza cortante enquanto tocava o ombro de Melancolia. O gesto, embora aparentemente simples, transmitia um peso de amargura que fez Melancolia estremecer involuntariamente. — Vou fazer o possível para conter esse carinha.
Seu olhar se tornou frio, e continuou fixo na pobre alucinação melancólica.
— Afinal, não quero danificar a "máquina" que tanto prezo e desejo.
— Acho que você já conhece minha opinião sobre isso, sobre você… Mas você é realmente estranho.
O ambiente ao redor de Alaric começou a se distorcer. Era como se uma cortina transparente estivesse tremulando e obscurecendo tudo ao seu redor. As cores e formas das coisas começaram a se desvanecer, dando a impressão de que um véu opaco estava se erguendo entre ele e a realidade. Sentia-se como se finalmente o alívio do adeus estivesse se aproximando, trazendo consigo uma sensação de desconexão e uma sombra de serenidade.
— Seus insultos ainda são afiados, algo que não perdeu com o tempo… — Rancor se virou para Alaric, acenando com um gesto que não carregava a menor gentileza. — Ah, como deve ter percebido, não tenho aparecido com frequência.
— Notei… Porquê…? — Sua voz parecia amortecida, se perdendo no vazio.
— Nenhum motivo em especial, só que é cansativo… chato e irritante. Portanto, para sua felicidade, será raro ver a nossa linda carinha. Nesse intervalo, estude a lâmina e, claro, treine esse corpo frágil. É isso. Adeus, Alaric. Nos veremos quando você estiver novamente derrotado, ou patético, o que não é raro…
As últimas palavras de Rancor se transformaram em sussurros etéreos, distantes e reverberantes, até se dissolverem completamente. Um vazio profundo envolveu a mente de Alaric, e a sensação de estar em um limbo se arrastava como um nevoeiro denso, obscurecendo seus pensamentos e emoções. Com o tempo, o abismo da consciência começou a ceder, e o jovem começou a sentir o peso da pedra dura e desconfortável pressionando seu corpo, misturado com os odores terrosos e úmidos da natureza ao seu redor e, claro, as dores persistentes de um corpo ainda surrado.
Com um movimento cuidadoso, ele começou a abrir os olhos lentamente, revelando suas íris claras ao mundo. Raios de sol tímidos penetravam pelas frestas da parede de madeira improvisada ao lado, anunciando o início de um novo dia.
Com movimentos cautelosos e um leve gemido de desconforto, Alaric tentou levantar-se. Seus músculos ainda doridos protestavam a cada movimento. Quando conseguiu se pôr de pé, estendeu os braços com um cuidado quase reverencial, e deu uma espreguiçada completa, expulsando a preguiça e trazendo uma sensação revitalizante para o novo dia que se iniciava.
Após despertar completamente, seu olhar se voltou para a garota, que parecia inquieta com o barulho que ele havia feito. Seus olhos, ainda sonolentos, se moveram por trás das pálpebras até que, finalmente, se abriram, revelando um brilho de curiosidade e confusão.
— Onde eu estou...? — Ele levou a mão à testa, franzindo a testa em um gesto de perplexidade. A confusão era evidente em seu rosto, e ele parecia tentar reunir os fragmentos de sua memória. Subitamente, um lampejo de reconhecimento cruzou seus olhos, e ele se sentou com um impulso, encarando Alaric com uma mistura de alívio e incerteza. — Realmente sobrevivemos àquilo? Ou isso é apenas um delírio? Não me diga que é o pós-vida…
Alaric, ainda massageando o pescoço dolorido pela noite mal dormida, ofereceu não mais que um sorriso amarelo, como quase sempre, mas ainda assim, era reconfortante.
— Sobrevivemos, apesar dos trancos e barrancos — disse ele, a voz carregada de um tom que mesclava cansaço e satisfação. — Mas sobrevivemos.
— Que alívio… Mas, fala sério, seria um pós-vida bem entediante, se realmente fosse… — brincou ela, esboçando um sorriso sutil que parecia brilhar com um misto de alívio e ironia.
De repente, uma dor aguda e inesperada atravessou seu peito, fazendo-a estremecer. Com um gesto rápido, ela levou a mão ao local afetado, sentindo a pressão das faixas improvisadas de Hanfu que Alaric havia colocado cuidadosamente.
— Foi você quem fez isso? — perguntou ela, com um fio de surpresa na voz.
Alaric, que ainda tentava aliviar a tensão no pescoço com movimentos metódicos, assentiu com um gesto brusco. Com um leve estalo, ele conseguiu soltar uma tensão residual, antes de responder com um tom clínico e distante:
— Sim, o ferimento era sério. Enfaixei para evitar complicações maiores.
— Espera… — Ela começou a corar levemente, apertando o tecido ao redor do peito com as mãos tremendo. Seus olhos desceram para a faixa, que agora estava envolta em torno do ferimento, e a percepção a fez engasgar com a vergonha. — Para ver o ferimento e ainda mais, para envolver a faixa… Você teve que me despir e, consequentemente… viu meus peitos!?
As bochechas dela se tornaram um rubor intenso, e seus olhos se arregalaram de constrangimento, como se a própria confissão tivesse lhe dado um soco no estômago.
Alaric ergueu uma sobrancelha, claramente cético. Ele não podia acreditar que, após todas as dificuldades e perigos que haviam enfrentado juntos, o foco dela fosse algo tão trivial.
— Eu me limitei a cuidar do seu ferimento e nada mais — respondeu ele, o tom carregado de uma frustração silenciosa. — Por favor, tire essas ideias e conclusões erradas da sua cabeça.
Ela o observou por um momento, os olhos ainda arregalados com a surpresa, como se acabasse de descobrir um novo aspecto da personalidade dele. O calor de sua vergonha estava começando a se dissipar, e as bochechas, embora ainda levemente coradas, estavam retornando ao tom natural. Ela tentou controlar a respiração ofegante, tentando recuperar a compostura, mas a confusão ainda estava evidente em seu rosto.
— Hmmm, está certo… Acho que fiz uma tempestade em copo d'água. Desculpe — admitiu ela, os lábios se curvando em um sorriso tímido e um pouco envergonhado. A timidez ainda fazia sua voz vacilar, mas a sinceridade estava presente. — Ah, e claro, obrigado por tudo.
— Acho que minha dívida está paga com isso — disse Alaric, dando as costas com um gesto decidido e caminhando em direção à saída do abrigo. — A menos que você tenha algo mais.
Ela franziu o cenho, a incredulidade evidente em seu olhar. Não era apenas uma questão de dívida. A forma como ele tratava a situação parecia desconsiderar o real motivo por trás de suas ações.
— Dívida? Nunca houve qualquer dívida entre nós, Alaric. Tudo o que fiz, arriscando minha vida para ajudá-lo, foi de coração e boa vontade, nada mais. Não veja isso como um mero jogo de interesses sórdidos.
Ele parou, com a mão na maçaneta da porta, e olhou para ela com uma expressão de ceticismo.
— Não existe fazer algo simplesmente por fazer, Alice. Toda ação, seja ela para o bem ou para o mal, é movida por algum interesse. Sempre haverá uma troca. — Ele abriu a porta lentamente, permitindo que a luz do exterior começasse a infiltrar-se na escuridão da caverna. — Este continente… este mundo, não oferece espaço para a boa vontade sem consequências. Lembre-se disso ao ponderar sobre suas ações; pode ser que isso salve sua vida, em algum momento.
“Que visão de mundo deprimente…” pensou ela com amargor, observando a porta de madeira fechar-se lentamente, deixando-a imersa na penumbra da caverna. A presença de Alaric se dissipava de sua vista, e ela ficou sozinha, ainda recuperando-se fisicamente e, claro, refletindo profundamente sobre suas palavras. O modo como ele via o mundo era um contraste gritante com a forma como Alice enxergava as coisas, onde a genuinidade e a boa vontade eram as pedras angulares de suas relações e ações.
Após alguns minutos de introspecção, Alice decidiu sair do abrigo da caverna. O sol da manhã a recebeu com um calor suave e acolhedor, um contraste bem-vindo com a frieza úmida das cavernas. A luz dourada envolvia a paisagem, e a brisa fresca acariciava seu rosto, trazendo um alívio revigorante. Caminhando pela trilha íngreme, seu pensamento começou a se clarear, até que avistou Alaric novamente. Ele estava sentado em uma grande pedra, os ombros relaxados e os olhos perdidos no horizonte de um vasto lago, como se o mundo ao seu redor não tivesse pressa.
— É lindo, não é? — indagou ela, aproximando-se com passos suaves, tentando quebrar o silêncio que pairava entre eles.
Alaric, visivelmente pego de surpresa pela sua aparição repentina, ergueu o olhar com um misto de choque e confusão, como se tivesse sido tirado de um devaneio.
— O que? — perguntou, claramente desorientado.
Ela arqueou uma sobrancelha, seu tom um pouco irônico, mas ainda leve e gentil:
— O que? Você está fixamente olhando para aquele lago, e ainda me pergunta o que? Sério mesmo? — disse ela com um meio sorriso, observando a expressão perplexa de Alaric. — Parece que está com a cabeça nas nuvens, não é?
— Acho que pode-se dizer que sim — afirmou Alaric, voltando seu olhar para o lado azul do lago, que refletia com precisão a luz dourada do sol em suas águas calmas e cristalinas. — Aliás, acredito que este seja um bom momento para verificar a tabela…
Ele deslizou a mão sobre o anel em seu dedo, e, como por um truque encantado, raízes vivas começaram a brotar dele. Pareciam ter emergido de um reino místico, se entrelaçando e se retorcendo até formarem uma tela mágica. Na superfície cintilante, os pontos dos participantes estavam meticulosamente listados.
Os olhos de Alaric se arregalaram, e um sentimento de incredulidade tomou conta dele ao ver a lista.
— Como isso é possível? — exclamou, sua voz carregada de surpresa ao notar que o primeiro nome na tela era Galean, com uma quantidade impressionante de setecentos e vinte pontos. Um marco inconcebível, além de qualquer expectativa. — Como ele conseguiu isso??
— Ih… isso é inacreditável, no mínimo… como? — Alice murmurou, seu rosto demonstrando perplexidade enquanto tentava absorver a magnitude da pontuação. — Se ele está assim, como estão os outros?
— Ah, que merda… — murmurou Alice, a frustração evidente em sua voz. — Parece que só conta ponto para quem efetivamente mata a criatura…
Alaric indicou com um gesto preciso o nome de Alice, quase perdido próximo ao fim da lista, com apenas vinte pontos.
— Não é bem assim. Veja ali — disse ele, tentando oferecer algum consolo. — Como você feriu bastante um dos ursos, provavelmente avaliaram que teve um papel significativo no abatimento, e por isso devem ter lhe concedido esses pontos.
Alice esboçou um sorriso amarelo. Embora estivesse satisfeita por ter acumulado alguns pontos, não pôde deixar de se sentir desanimada com a quantia modesta. Comparada aos outros participantes, sua pontuação parecia irrisória. Em terceiro lugar, logo após Alaric, estava Lara Fischer, com os mesmos duzentos e vinte pontos. Era um empate, mas, por alguma razão, Alaric permanecia à frente dela na tabela.
A seguir na lista estava Patrick, com cento e sessenta pontos, seguido por Graug, que tinha acumulado cem. Jie Ming, com sessenta pontos, era o último entre os que haviam pontuado. A frustração de Alaric só aumentava ao ver Xu Ying logo após, ainda sem nenhum ponto, junto com Vincent e Chiriu, que também não haviam registrado pontuações. A tabela refletia um dia extremamente movimentado, com a competição já revelando sua intensidade.
— Em um único dia, tanta coisa já mudou… — comentou Alaric, sua voz tranquila, mas carregada de uma profunda reflexão. Ele desfez a tela mágica de raízes vivas, que se recolheu de volta ao anel em seu dedo, e assumiu uma expressão resoluta. Seus olhos se fixaram no horizonte, com uma determinação implacável. — Se as coisas continuarem assim, não vai demorar para que muitos alcancem a marca do milhar… Não podemos perder tempo. Eu não posso me dar ao luxo de perder tempo.
— É… E eu estou ainda mais atrás que você, praticamente na cauda da tabela… Ah, que droga… — suspirou Alice, desanimada. — O que posso fazer? Acho que você já percebeu que não sou das melhores lutadoras…
Alaric a observou por um instante prolongado, captando a profundidade do desânimo que pairava sobre seu olhar. Era estranho ver uma garota que, normalmente, exalava tanta energia e otimismo, tão claramente abatida e sem esperanças. Sua frustração era praticamente tangível, e isso fez com que Alaric refletisse sobre a situação.
Com um suspiro resoluto, uma ideia surgiu em sua mente. Ele começou a caminhar, determinado e com um objetivo claro.
— Venha, me siga — disse ele, a voz firme e inabalável, sem sequer olhar para trás.
Alice levantou a cabeça, um misto de surpresa e apreensão em seus olhos.
— Oi? É… Alaric? — perguntou, observando a determinação em seus passos que pareciam guiá-lo em direção ao lago próximo. — Isso não me cheira a coisa boa…