Volume 2
Capítulo 141: Laços Bons ou Ruins
Zhi Fēng havia sido informado de que seu pai requisitava sua presença. Juntos, ele e seu guardião se dirigiram para a sala do patriarca, o recinto onde residia a autoridade máxima do clã. Eian Liu, com um gesto solene, levou a mão ao trinco e o abaixou. À medida que a porta se abria lentamente, a expectativa de Zhi Fēng crescia gradualmente. Quando a porta se abriu por completo, o jovem entrou no ambiente, enquanto o guardião permaneceu do lado de fora, pois somente aqueles autorizados pelo patriarca poderiam entrar. Então, o homem esperaria pacientemente no corredor, aflito, mas confiante na capacidade de seu jovem mestre.
Dentro da sala, a atmosfera era uma mistura impressionante de luxo e austeridade. À direita da porta, um sofá de três lugares estava disposto com elegância, complementado por uma pequena mesa de vidro à sua frente. Uma janela ao lado esquerdo da sala proporcionava a vista para a entrada principal da residência, oferecendo um panorama do que se passava fora, um elemento importante para um líder. No centro do ambiente, destacava-se uma imensa mesa de carvalho, que dominava a profundidade da sala. Atrás dela, uma estante imponente cobria toda a parede, repleta de garrafas de bebidas finas, livros de capa dura e enfeites requintados.
Sentado atrás da mesa, estava o homem que fazia o coração de Zhi Fēng gelar apenas ao vislumbrá-lo. Zhǎng Fēng, o patriarca do clã do vento. Este, fixava o olhar no filho com uma severidade penetrante. Seus cabelos, de um verde-claro quase branco, refletiam a mesma cor dos do jovem, e ele vestia um hanfu luxuoso que evidenciava a importância e a riqueza do clã. O ambiente ao redor parecia refletir sua presença autoritária e a gravidade do momento que se aproximava.
— Zhi Fēng, depois de tanto tempo, finalmente fez sua aparição — comentou Zhǎng Fēng, com um tom que, embora aparentemente ameno, carregava uma subentendida reprovação. — Já estava começando a acreditar que realmente me faria esperar indefinidamente.
— Peço desculpas, estava resolvendo alguns problemas com meus irmãos… — respondeu Zhi Fēng, tentando justificar seu atraso. — Eu nunca o faria esperar, meu pai… novamente, peço perdão.
— Humph… Sempre com uma desculpa pronta… Vejo que, apesar do tempo que passei fora, nada mudou — replicou o patriarca, soltando um leve suspiro de frustração. Ele fez um gesto com a mão, indicando a cadeira diante de sua imponente mesa. — Sente-se. Precisamos ter uma conversa séria.
Zhi Fēng sentiu o tom áspero de seu pai como uma pontada dolorosa na alma. Aquele homem, que raramente oferecia um elogio, para não dizer nunca, parecia não hesitar em despender uma energia considerável para criticar, sem economizar palavras duras. Cada reprovação era como um golpe sutil que esculpia uma cicatriz profunda na autoimagem do jovem, que já não tinha grande confiança em si mesmo.
Conhecendo bem o temperamento impiedoso de Zhǎng Fēng e sabendo que provocá-lo era um erro perigoso, Zhi Fēng soltou um suspiro profundo e se aproximou da cadeira. A hesitação era evidente em seu movimento, enquanto ele ponderava sobre o melhor modo de se acomodar e continuar a dialogar sem provocar ainda mais a ira do patriarca.
— Sem querer ser rude, mas pode me informar o motivo de ter requisitado minha presença? — perguntou Zhi Fēng, tentando manter um tom neutro e controlado.
Era a estratégia que o jovem sempre buscava adotar: evitar prolongar demais os diálogos com seu pai. Primeiro, quanto mais longa a conversa, maiores eram as chances de ser insultado, menosprezado e ter sua autoconfiança ainda mais abalada. Além disso, havia sempre o risco de seu pai perder a calma diante de uma palavra ou expressão que não soasse como ele esperava. Esse era o mundo em que Zhi Fēng se via obrigado a viver, mesmo que não gostasse. Convivia em um universo onde até mesmo uma simples conversa com seu próprio pai se tornava um campo minado de tensão e insegurança.
— Sempre direto ao ponto, não é mesmo? — replicou Zhǎng Fēng, com um desdém sutil. — Essa deve ser a única qualidade que aprecio em seu comportamento. Pois bem, eu também não estou disposto a perder tempo desnecessariamente com você.
Embora suas palavras não fossem explicitamente destinadas a ferir, elas acertaram em cheio o jovem, que sentiu um impacto doloroso no fundo do peito. Ouvir que uma conversa com ele era considerada uma perda de tempo, especialmente vindo de seu próprio pai, foi um golpe doloroso que travou suas reações por um momento.
— Contudo, imagino que já saiba o motivo de sua convocação — continuou Zhǎng Fēng, ignorando completamente o estado fragilizado do filho, como se não tivesse percebido a ferida que causou. — Precisamos discutir sobre o competidor que representará nosso clã.
Zhi Fēng respirou profundamente, esforçando-se para recompor-se. Não podia demonstrar qualquer fraqueza diante daquele homem. Finalmente, acomodou-se na cadeira com um gesto controlado e voltou a atenção para seu pai, tentando esconder a tensão que o consumia.
— O nome dele é Alaric. Imagino que já tenham lhe fornecido todas as informações pertinentes — disse, tentando manter a voz firme e objetiva. — Você deve ter revisado esses detalhes várias vezes, suponho…
Zhǎng Fēng, porém, não parecia satisfeito. Seus olhos se estreitaram, exibindo um brilho crítico e inflexível.
— Palavras vazias em papéis sem valor — retorquiu, com desdém. — Eu queria vê-lo pessoalmente. Mas você optou por se esconder em uma espelunca em vez de permanecer no clã. Por que fez isso? O que está tentando ocultar, Zhi Fēng?
— Ocultar? Está enganado, meu pai… — respondeu, esforçando-se para manter a calma, embora o nervosismo começasse a transparecer em sua voz. — É que… Eu conheço o senhor. Sabia que faria perguntas incisivas a ele, algumas que poderiam perturbá-lo. Não podia permitir isso, especialmente não na véspera da competição.
O patriarca soltou um suspiro impaciente, o ar escapando pelo nariz com um som carregado de menosprezo. As palavras do jovem não eram suficientemente convincentes; embora fizessem algum sentido, havia uma inquietante sensação de que algo estava faltando.
Zhi Fēng realmente havia “escondido” Alaric no clã das estrelas para evitar que o patriarca o perturbasse com suas perguntas incisivas e comportamento severo. No entanto, havia uma camada mais profunda nessa decisão, um receio que transcendia o simples desconforto. Zhi Fēng, na realidade crua, não queria que Alaric visse a dinâmica conturbada que ele tinha com o pai, a vergonha e a tensão que permeavam essa relação. A proteção de Alaric não era apenas uma forma de evitar a confrontação direta com o patriarca, mas também um mecanismo para proteger a si mesmo da humilhação que sentia ao enfrentar o comportamento implacável de Zhǎng Fēng.
— Essa é a sua melhor desculpa? — murmurou Zhǎng Fēng com um tom sarcástico. — Já foi mais convincente, meu filho...
O sarcasmo do patriarca atingiu Zhi Fēng como um golpe, mas ele preferia essas palavras mordazes às raivosas. Pelo menos, uma crítica irônica era mais fácil de suportar do que um acesso de fúria.
— Você não vai revelar tudo espontaneamente, e seria trabalhoso forçá-lo a falar — continuou o patriarca, com a frieza na voz acentuando a ameaça implícita. — Então, por enquanto, aceitarei isso… mas não pense que vou esquecer.
Zhi Fēng engoliu em seco. Conhecia bem o caráter implacável do pai, que não hesitaria em usar métodos cruéis para obter as informações que desejava. Ele já havia enfrentado questionamentos duros e… nada saudáveis no passado, e sabia que o patriarca não hesitaria em recorrer a esses mesmos métodos novamente, se necessário.
— Era só isso? — perguntou Zhi Fēng, tentando disfarçar o desejo de sair daquela sala o mais rápido possível. A pressão constante sobre seus ombros estava se tornando insuportável.
O patriarca, com um olhar calculista, inclinou-se para frente e entrelaçou os dedos sobre a mesa, criando uma barreira simbólica entre ele e o filho.
— Há mais uma coisa — começou, sua voz assumindo um tom de gravidade que imediatamente capturou a atenção do filho. —O imperador nos enviou uma ordem que impacta todos os clãs. Na verdade, dizer "todos" é um exagero; a ordem afeta apenas alguns escolhidos. Trata-se de uma missão de extermínio, se assim podemos chamar, ou limpeza, se preferir uma expressão mais amena para seu frágil coração. O que realmente importa é que nosso clã está entre os selecionados para cumprir essa tarefa.
Zhi Fēng ergueu uma sobrancelha, o pressentimento de que algo ruim estava por vir se consolidando em seu peito.
— Extermínio… limpeza? O que exatamente isso significa? Qual é a missão? — perguntou, tentando manter a calma.
O patriarca manteve o olhar fixo, sua expressão impassível como uma pedra.
— A missão é invadir e destruir um importante armazém de uma das tríades responsáveis por espalhar esses malditos entorpecentes pelas nossas ruas. O imperador exige que eliminemos os responsáveis por essa praga, tornando-a um verdadeiro extermínio. E, no fim, fomos nós que recebemos a incumbência de realizar essa tarefa.
Zhi Fēng ficou paralisado por um instante, seus olhos se arregalando enquanto ele se recostava abruptamente na cadeira, a incredulidade estampada em seu rosto. A surpresa e o medo eram evidentes.
— Espera um pouco. Estão realmente nos pedindo para invadir um armazém de alto calibre assim? — A voz de Zhi Fēng tremia de espanto e desespero. — Por que não delegam essa tarefa aos Huo, aos Heian, ou até mesmo aos Guāng? Esses clãs são especializados em combate. Nós somos apenas mensageiros, coletores de informações; não estamos preparados para uma missão dessa magnitude!
Zhi Fēng tentou processar a enormidade da tarefa, mas era como tentar compreender o incompreensível. A ideia de enfrentar um armazém de tal importância parecia um golpe cruel, uma demanda que ultrapassava as capacidades de seu clã. No entanto, essa percepção parecia ser exclusivamente sua, uma manifestação de sua própria insegurança. Até porque, o patriarca, ao contrário, não aparentava compartilhava dessa visão. Tanto que, o olhar de Zhǎng Fēng, se intensificou, tornando o ambiente na sala ainda mais opressor.
— O que quer dizer com isso, seu maldito covarde? — A voz dele ressoava com uma fúria que parecia mais direcionada a um inimigo do que ao próprio filho. Suas mãos entrelaçadas sobre a mesa se apertavam com força, os dedos estalando de tensão. — Não transfira sua própria fraqueza para os outros da nossa casa! Entendeu? — As sobrancelhas se uniram em uma expressão de severidade raivosa. — Nosso clã, como todos os outros, foi fundado com ideais de batalha e nada mais! Não é porque você é uma vergonha, frágil como um palito, que todos os outros são iguais a você! É melhor que compreenda isso de uma vez por todas, Zhi Fēng. Não ouse menosprezar nosso mérito de tal forma, ou eu serei forçado a assumir um papel verdadeiramente severo como pai e, acima de tudo, de patriarca com você!
O tom impiedoso e a intensidade do olhar do patriarca deixavam claro que a discussão havia ultrapassado o limite da simples troca de informações, mergulhando em um território de confronto brutal. Zhi Fēng encolhia os ombros, como se o peso das palavras de seu pai o afundasse ainda mais. O temor tomava conta de cada fibra de seu ser, algo com o qual ele estava acostumado, mas que continuava a ser terrivelmente opressor e horrível de se sentir.
— Desculpe… Eu… — A voz do jovem tremia de pavor, enquanto seu olhar se mantinha fixo no chão, incapaz de sustentar a intensidade do olhar de seu pai.
— Cale-se! Ouça o que tenho a dizer e suma da minha frente! — ordenou, batendo com a mão na mesa com uma força que fez o som ecoar na sala. — Como determinado pelo imperador, nosso clã enviará homens para cumprir a tarefa. Já foram escolhidos: um de seus irmãos, Kensuke Shin, e você! Foram selecionados como os principais responsáveis, além de alguns dos nossos melhores homens.
Zhi Fēng ergueu o olhar, visivelmente atônito, e tentou reunir coragem para contra-argumentar. Queria dizer que a missão era impossível para alguém com suas limitações, que ele era mais uma carga do que uma ajuda real. Era sempre difícil admitir sua fraqueza, era doloroso, mas era a verdade.
No entanto, ao deparar-se com o olhar inflexível e implacável de seu pai, as palavras morreram na garganta antes de saírem. Sem conseguir manifestar discordância, Zhi Fēng aceitou a imposição em silêncio.
Zhǎng Fēng, percebendo que seu filho não apresentaria qualquer protesto, exibiu um sorriso cruel, uma expressão que contrastava fortemente com a frieza de suas palavras. Ele continuou, sem se desviar do tom ríspido:
— Que bom que conhece seu lugar… Não sei o que faria se ouvisse uma única reclamação — afirmou, relaxando as mãos que estavam rígidas sobre a mesa. — A missão começa depois de amanhã, não se atrase. E como sei que você é um pouco frágil demais, permitirei que leve Eian com você.
Pelo menos isso, uma notícia relativamente boa, uma pequena bênção em meio ao turbilhão de pessimismo. Com essa leve esperança, Zhi Fēng, profundamente abalado, se levantou e se preparou para sair. Ao chegar à porta e começar a abri-la, as palavras finais de seu pai o atingiram como um choque inesperado.
— Zhi Fēng, você é meu principal herdeiro… Não sei se isso é bom ou ruim. Contudo, saiba que seus irmãos podem assumir este papel quando eu desejar — O jovem estremeceu ao ouvir isso, a mão ainda no trinco da porta. — Prove que merece essa posição, ou perderá até o sobrenome que carrega.
Zhi Fēng não respondeu. Com uma expressão de determinação misturada com um medo sutil, ele apenas abriu a porta e atravessou o umbral. As últimas palavras de seu pai ecoaram atrás dele:
— Você já me decepcionou demais. Nunca sequer chegou perto das minhas expectativas... Esta é uma das suas últimas chances, garoto. Não me decepcione novamente, ou terei que rebaixá-lo a um mero indigente.
A porta se fechou com um som seco, isolando Zhǎng Fēng na sala. O sorriso cruel do patriarca contrastava fortemente com a dureza de suas palavras. Seu comportamento não parecia visar o bem-estar do filho, mas sim sua própria satisfação. Ele queria moldar Zhi Fēng para não sentir mais vergonha, usando-o como um reflexo de seu próprio sucesso e orgulho.
“Pai… Maldito narcisista…” Zhi Fēng pensou, enquanto fechava a porta atrás de si. A relação que havia ali não era verdadeiramente familiar, mas uma troca fria de interesses. Ele falhava em corresponder às expectativas de um pai que via o filho apenas como uma extensão falha de si mesmo.
—-----------------//—-----------------—
O sol brilhava intensamente sobre os detalhes dourados do palácio imperial, suas luzes douradas refletiam em cada superfície adornada. O clima era ameno, acentuado tanto pelo céu azul claro quanto pela tranquilidade que havia se instalado após o primeiro dia de sobrevivência dos competidores na floresta.
Dentro da grandiosa estrutura do palácio, na imponente sala do trono, o rei Jian Fang se encontrava em seu trono com uma serenidade austera. Seu semblante impassível refletia a autoridade e a calma de um líder que estava acostumado a governar com firmeza. À sua direita estava Finn Pann, seu fiel conselheiro e, para alguns, um grande amigo. Finn permanecia em pé com uma postura digna, a expressão em seu rosto tão serena que poderia ser confundida com indiferença ou tédio, mas era, na verdade, a marca de um conselheiro experiente.
À esquerda do rei estava Lyar, o elfo da floresta. Com sua presença enigmática e a aura de sabedoria ancestral, Lyar parecia quase uma extensão da própria natureza, um contraste nítido com o ambiente opulento ao redor. Sua postura era elegante e tranquila, e seus olhos, de um verde profundo, observavam a cena com um olhar penetrante e atento.
— O primeiro dia da competição foi realmente intenso, se é que podemos chamar assim — afirmou Finn, mantendo seu olhar fixo e inabalável à frente.
— Concordo — respondeu o rei Jian Fang, enquanto passava a mão pela longa barba grisalha que caía do seu queixo. Seu gesto era metódico, uma forma inconsciente de refletir sobre o ocorrido. — No entanto, é evidente a diferença clara de poder e experiência entre os campeões. Por falar neles, Lyar, por favor, informe-me sobre a condição atual de cada um deles.
O elfo assentiu com gravidade, voltando o olhar para a frente. Seus olhos se opacaram, e seu corpo se tornou rígido, como se estivesse sintonizando com alguma energia invisível. Com um movimento fluido, suas mãos se ergueram, como se estivessem tocando em telas etéreas.
— A maioria ainda está em um sono profundo, minha majestade. Contudo, alguns já despertaram e estão vagando pela floresta, aparentemente sem um rumo definido.
— Fico sempre impressionado com o seu nível de poder — comentou o rei, ainda acariciando sua barba, com as sobrancelhas erguidas em um gesto de surpresa positiva. — Conseguir controlar insetos tão pequenos a quilômetros de distância é uma proeza incrível. E não é apenas um de cada vez, mas todos simultaneamente.
— Agradeço, meu soberano — respondeu, inclinando-se respeitosamente. — No entanto, receio que não mereço tanto reconhecimento. Meus ancestrais tinham a capacidade de controlar centenas de seres imensos de uma só vez. O que eu faço parece até modesto em comparação com a grandeza de minha linhagem...
Finn Pann observou atentamente, erguendo uma sobrancelha em perplexidade.
— Linhagem... Se não estou enganado, você vem de uma vila isolada na Grande Floresta — disse ele, apertando levemente os olhos, como se tentasse discernir mais sobre o elfo. — Por acaso, você vem de algum tipo de nobreza?
Lyar pareceu hesitar por um momento, como se a pergunta o tivesse afetado profundamente. Seus olhos baixaram em desalento, e suas mãos se soltarão no ar, refletindo uma perda de firmeza e determinação. O rei Jian Fang, observando a cena com um misto de preocupação e melancolia, fez um gesto discreto para que Finn se aproximasse.
— Evite fazer perguntas desse tipo, Finn — disse, com um tom suave, mas impregnado de uma empatia controlada. — Lyar perdeu toda a sua família em um devastador incêndio. Eu acabei o resgatando naquele momento de grande tragédia.
— Mas, senhor, a Grande Floresta está muito ao norte de nós... Como conseguiu encontrá-lo exatamente? — questionou Finn, olhando fixamente para Jian, que respondeu com um sorriso superficial, quase imperceptível, que carregava uma nuance de malícia. — Oh, entendo... Entendo, minha majestade. Você realmente sabe ser cínico quando lhe convém.
— Controle sua língua, meu amigo. Se alguém ouvir tais palavras de você, terei que silenciá-lo, mesmo contra minha vontade — advertiu o rei, ajustando-se no trono e murmurando em tom baixo. — Você sabe, é crucial que eu mantenha a imagem de um rei respeitável.
“Entendo bem, meu amigo...” pensou internamente, mas, exteriormente, apenas assentiu com leveza e retornou à sua posição anterior.
— Meu rei, se me permite, gostaria de me retirar — solicitou o elfo, sua voz ainda tingida de tristeza. Seus olhos evitavam o contato direto com o rei e com Finn, como se o peso de sua própria dor o inibisse. — Acredito que posso usar minhas habilidades de forma mais eficaz na tranquilidade de meus aposentos.
O rei concedeu a permissão com um gesto de cabeça. Sem mais delongas, Lyar se retirou, caminhando em direção ao seu quarto com passos silenciosos e resolutos.
— Ouvi dizer que você deu ordens a alguns clãs para atacar um armazém de uma tríade — comentou Finn Pann, ainda mantendo seu ar solene.
— A notícia se espalha rapidamente, não é? — respondeu o rei, interrompendo a coçadura de sua barba com uma risada leve. Em seguida, seu rosto assumiu uma expressão de confiança. — Sim, de fato, instrui alguns clãs para lidar com esses problemas incômodos. É uma forma eficiente de manter a ordem e eliminar essas irritações que ameaçam a estabilidade do reino.
De fato, as tríades e outras organizações criminosas estavam se tornando um verdadeiro incômodo para o reino. O rei, outrora inclinado a ignorar tais problemas, agora se via forçado a intervir diretamente. A situação estava além do simples empurrar com a barriga. Finn Pann havia recebido essas informações de informantes confiáveis pouco antes, não que o rei não os transmitisse eventualmente, mas era sempre prudente estar à frente dos acontecimentos.
— Parece que sua política de não se envolver diretamente finalmente chegou ao fim — comentou Finn, com um tom de satisfação disfarçado de leve ironia. — Já era hora, para ser sincero. Contudo, estou curioso para saber como você escolheu o alvo do ataque e por que não pediu minha opinião. Afinal, sou seu braço direito, além de ser um grande mago...
— Ah, peço desculpas, não sabia que minha decisão te deixou tão ressentido... Se soubesse, teria tomado essa atitude há muito mais tempo! — respondeu o rei, agora abandonando a sua fachada austera e revelando um sorriso brincalhão. Finn Pann, no entanto, não parecia tão satisfeito com a resposta, estalando a língua com um gesto de irritação. — Você costumava ser mais bem-humorado, Finn. O que aconteceu? Será que a idade está afetando seu senso de humor?
A leveza nas palavras do rei contrastava com o desagrado evidente de Finn. Apesar do tom jocoso do monarca, o conselheiro parecia determinado a não participar da brincadeira. No entanto, a situação mudou quando Finn, com um tom cortante, atacou um ponto sensível:
— E você costumava ser mais amado por sua própria prole... O que aconteceu? A idade afetou o amor delas por você? — zombou Finn, atingindo um tema delicado e perigoso.
O rei cerrou os olhos por um momento, seu semblante endurecendo com uma mistura de raiva e contenção. Parecia que uma pressão interna estava prestes a transbordar. No entanto, ele exalou um suspiro resignado, e seu rosto se tornou cético e distante.
— Pegou pesado, Finn... — O conselheiro deu de ombros com desdém, como se não estivesse lidando com um rei. — Ácido como sempre... Bem, não pedi sua opinião porque não era necessário. Já haviam me confirmado tudo o que era necessário, só precisei validar.
— Confiou tão facilmente nessas informações? — Finn parecia incrédulo, mas também surpreso. — Cadê aquele homem que desconfiava até da própria sombra?
— Ainda está sentado neste trono, haha! — O rei deu um sorriso de canto, como se fosse revelar uma obviedade. — As informações vieram do clã do vento... Você já tem plena ciência de que o clã Fēng é basicamente nossa fonte de informações verídicas. É impossível que eles nos passem uma única informação errada. Pelo menos, é algo que não acontece há eras.
Finn Pann não teve alternativa senão adotar uma postura compreensiva. O clã Fēng, era conhecido por sua inabalável confiabilidade, era a espinha dorsal das informações do reino há séculos. A Casa do Vento havia servido a monarquia com uma precisão rara, e as poucas vezes em que se engaram eram mais exceções do que regras.
— Falando nas princesas... — Finn começou, adotando um tom mais comedido, como se estivesse se recordando de que estava lidando com um rei. — Elas não o acompanharam anteontem, quando se despediu dos competidores. E já faz algum tempo que não as vejo na corte. Está acontecendo algo, Jian?
O rei respondeu com um tom de desdém resignado, como se a situação já não lhe causasse mais preocupação:
— Nada fora do comum... Estão praticamente me ignorando. Contudo, esperava mais dessa atitude da Wei do que da Mei.
— Não querendo insinuar nada, mas forçar a princesa Wei a casar-se com alguém de tal forma… talvez seja a raiz da insatisfação. Claro, é apenas um palpite — pontuou Finn, com uma ironia que fez o rei revirar os olhos. — Se quer um conselho, evite perturbar as princesas durante o evento. Talvez o tempo possa amenizar a situação... embora, sinceramente, duvido que haja uma solução imediata ou prolongada.
O rei soltou um suspiro, claramente exasperado com a visão mordaz de seu conselheiro.
— Realmente, você é inclemente... Não tem a mínima compaixão por este velho rei...
Finn, percebendo a frustração genuína do rei, deixou que um sorriso sutil se espalhasse pelo seu rosto, misturando simpatia e ironia.
— Ora, é velho apenas quando lhe convém... — comentou Finn com leveza, soltando uma risada discreta.
— E você um amigo gentil, quando acorda com o pé direito… — O rei levantou-se com uma serenidade que contrastava com as palavras cortantes. — Acontece que às vezes parece que é perneta, e só lhe restou a perna esquerda. Porque, olha, está para nascer alguém tão irreverente, irreversível e insensível quanto você.
O tom do rei, que misturava desdém com a suavidade de uma amizade de longa data, fez com que o sorriso de Finn se alargasse ainda mais.
— Já se faziam anos que não me elogiava tanto — brincou, enquanto começava a seguir o rei em direção às escadarias. — Nem vem, não tenho qualquer antídotos para quedas de cabelo ou impotência...
— Ora, seu insensível! — O rei não conseguiu conter uma risada alta e descontrolada. — Você é um verdadeiro tolo.
— A tolice parece ter a mesma capacidade de um pólo magnético, acabando assim se atraindo quando próxima a outra.
O rei, ao ouvir o comentário de Finn, chegou às portas da sala do trono e, por um instante, as memórias compartilhadas entre os dois vieram à sua mente. Um sorriso nostálgico iluminou seu rosto.
— É verdade, Finn. Por isso sempre fomos amigos.
Com essas palavras, o rei atravessou a porta, seguido por Finn. A relação entre eles transcendeu o simples vínculo de rei e conselheiro; era uma amizade profunda e sincera. Embora o rei pudesse ser, às vezes, arrogante, cruel e ganancioso, ele revelava um lado mais leve e descontraído para pessoas como Finn Pann.