Volume 2

Capítulo 139: Fim do dia um

Galean havia escutado barulhos estranhos próximos à área em que se encontrava. Já havia deixado para trás o local marcado pelos corpos estraçalhados das aves gigantes e seguia em direção a esses sons inquietantes. A ironia desanimadora era que eles vinham de um ponto mais elevado. No final, após alguns minutos de uma corrida acelerada, finalmente chegou à origem dos barulhos.

Seus olhos, cinzentos como a fumaça que serpenteia em direção às nuvens de uma casa em chamas, captaram a cena sinistra à sua frente. Centenas, talvez milhares, de símios amontoados em um círculo que se estendia por vários metros. No centro deste círculo, uma garota estava pendurada pelos pés em uma árvore, balançando lentamente ao vento, sob o olhar atento e implacável da multidão.

A garota estava visivelmente apavorada, embora a máscara cobrisse completamente seu rosto, escondendo suas expressões. Galean, determinado a não deixar ninguém em tal situação, se lançou em uma ação ousada. Ele desafiou os macacos com um gesto provocador, apontando uma de suas adagas para eles. Sua confiança parecia inabalável, e um leve sorriso de ironia brincava em seus lábios, mas na verdade ele usava essa fachada para disfarçar a urgência que sentia. No fundo, Galean queria resolver a situação rapidamente e resgatar a garota o mais rápido possível.

Os macacos, claramente perturbados, voltaram sua atenção para ele. As provocações surtiram efeito, exatamente da maneira que Galean esperava. A fúria dos animais cresceu, e enlouquecidos, eles decidiram que a única solução seria eliminar o intruso. Com um grito coletivo, os macacos avançaram em sua direção, como uma enxurrada de criaturas selvagens e furiosas.

O cenário era um verdadeiro caos. No chão, alguns seres se moviam apressadamente, enquanto outros, se lançavam de um galho a outro com uma agilidade estonteante. A névoa baixa ocultava os topos das árvores, envolvendo o ambiente em um manto de mistério e dificultando ainda mais para Galean identificar os inimigos que se escondiam entre as copas. A necessidade de vigiar também o chão tornava a situação ainda mais desafiadora.

— Ah, a macacada enlouqueceu! — exclamou Galean, assumindo uma postura defensiva. As lâminas estavam próximas ao corpo, prontas para qualquer movimento rápido. Seus olhos se moviam incessantemente, tentando captar cada sombra e cada movimento que surgiam da névoa densa. — De onde virá o próximo ataque?

Fechou os olhos por um breve instante, permitindo que seus outros sentidos se aguçassem. Seus ouvidos captavam o farfalhar das folhas, o estalo dos galhos quebrando e o som profundo dos troncos balançando sob o peso das criaturas. O solo tremia sutilmente, e a sensação de que algo estava se aproximando se intensificava até que…

Um dos macacos emergiu abruptamente da névoa branca, seu corpo cortando o ar enquanto arrastava a bruma ao seu redor como uma cortina etérea. O jovem esboçou um sorriso confiante, e abriu os olhos bruscamente. Com um movimento fluido e preciso, girou a adaga em sua mão antes de arremessá-la. A corrente mágica que se estendia a partir do bracelete viajava pelo ar a uma velocidade surpreendente. O macaco, pego de surpresa e com o peito exposto, não teve tempo para reagir; a lâmina atravessou seu tórax com um impacto brutal, dilacerando a caixa torácica em um golpe letal. O símio emitiu um gemido agonizante, mas o seu sofrimento estava longe de terminar.

Tudo parecia desacelerar, e enquanto seu corpo caía em direção ao solo com uma lentidão quase surreal, outras criaturas emergiram da névoa como se fossem sombras, caindo com uma precisão sinistra. Galean, com a lâmina ainda cravada na carne do símio suspenso no ar, puxou a corrente com força, girando-a em um círculo amplo e mortal. 

O corpo do símio foi arremessado com uma força devastadora, colidindo contra seus companheiros com um estrondo ensurdecedor. O impacto foi como um golpe de boliche macabro: cada macaco foi derrubado pelo círculo implacável de destruição, projetado a grandes distâncias.

Enquanto isso, os símios que avançavam pelo solo se aproximavam cada vez mais, tornando-se uma ameaça iminente, que não podiam ser mais ignoradas. Galean, ainda com um sorriso, embora esforçado, puxou a lâmina de volta para a mão e firmou os dedos ao redor das adagas. 

A luta agora se resumia a uma dança mortal de ataques rápidos e letais, e assim se desenrolava: À medida que os símios se aproximavam, ele desferia golpes precisos, sempre calibrando a força para poder agir com rapidez. Apesar da quantidade impressionante, o jovem parecia um espectro de eficiência. Cada golpe parecia fazer o espaço ao seu redor distorcer, transformando as lâminas em borrões prateados que cortavam o ar com uma ferocidade avassaladora. Golpe após golpe, os símios eram lançados ao chão, com feridas profundas ou membros decepados.

No entanto, a massa esmagadora de inimigos começava a representar um problema crítico. Galean estava praticamente encurralado, cercado por centenas deles. Sua respiração, entrecortada e pesada, evidenciava o esforço crescente, e seus movimentos, embora ainda precisos, demonstravam o peso da pressão constante.

— Merda, não adianta ficar parado... — murmurou para si mesmo, sua voz quase se perdendo no rugido da batalha. — Mas isso não é um problema para mim…

Um sorriso largo se formou em seu rosto. Lutar parado, de fato, era a desvantagem de alguém de sua classe. No entanto, quando decidia que era hora de se movimentar, ninguém conseguia alcançá-lo. Galean deu apenas três passos aos olhos humanos e, em um piscar de olhos, havia avançado por toda aquela amálgama de macacos. Por onde passou, apenas o traço efêmero de sua presença restava, como se o ar estivesse tentando processar sua velocidade. Os infelizes macacos, nesta trajetória foram atingidos por cortes profundos, e arremessados para longe. Alguns demoravam tortuosos segundos para perceberem que haviam sido feridos, e assim caírem ao solo.

Mas Galean não parou por aí. Ele continuou a correr, movendo-se ágil e implacável entre as árvores. O som das folhas sendo esmagadas sob seus pés era a única pista de sua presença. Então vieram os grunhidos agônicos dos macacos ecoando pela floresta. O sangue voava em arcos, manchando o chão e as árvores enquanto Galean desferia golpes fluidos e precisos. Sua agilidade letal era tamanha que, em uma única respiração de um macaco, pelo menos três de seus companheiros já haviam sido feridos ou mortos.

Chiriu, impressionada, observava. Ela conseguia ver apenas a imagem residual dele, saltando de um inimigo para o próximo, girando no ar, arremessando suas lâminas com precisão mortal, e desferindo chutes aparentemente despretensiosos. Às vezes, ele parecia até um jovem rebelde se divertindo com os próprios alvos, sua presença era quase invisível na fúria do combate. Era como uma sombra que se manifestava apenas para desaparecer em um novo ataque, uma manifestação quase etérea de velocidade e destreza.

Não havia tempo de reação que pudesse conter alguém da classe assassina. Se havia, não eram essas simples criaturas que conseguiriam apresentá-la. Os pobres macacos não tinham nem mesmo a chance de olhar para o lado, antes que sentissem o fio da lâmina. O sangue escorria rapidamente de seus corpos, e eles caíam ao chão em um estado de pavor e confusão. Em questão de minutos, o que antes era um solo natural, coberto apenas por folhas secas, transformou-se em um campo de carnificina. Cadáveres eram atirados por todos os lados como se fossem meros objetos, e o solo agora estava manchado e coberto com um manto de sangue e morte.

“Quem é esse cara…?” Chiriu perguntou, enquanto sentia o sangue descer para a cabeça, ainda pendurada de ponta-cabeça. Seus olhos fixavam-se no jovem que parecia um fantasma entre as sombras da mata. O jovem era um mero vulto em meio ao caos, e Chiriu não podia estar menos do que fascinada. O medo que antes dominava seu olhar havia sido substituído por um brilho encantado, um fascínio quase palpável. Ela observava, mesmerizada, enquanto o jovem continuava sua dança letal.

As folhas desbotadas do bosque haviam adquirido uma nova coloração, um carmesim intenso e vívido que contrastava com o manto da morte que envolvia o local. O cheiro pútrido do sangue se espalhava pelo ambiente, impregnando o ar com um odor nauseante, e os corpos, caídos e amontoados no chão, já atraíam uma nuvem de moscas vorazes.

— Este deve ser o último! — gritou o jovem, cravando a lâmina na cabeça de um macaco. Os outros ainda avançavam, então ele levantou a adaga ensanguentada, com o crânio do animal ainda pendendo dela. Com um gesto ameaçador, balançou a arma como se fosse um sinal de alerta para os demais símios. — Querem mesmo continuar? Olhem ao redor... Esta luta já acabou há muito tempo. O que estou fazendo aqui já virou um extermínio. Fujam! Antes que eu acabe com todos da sua espécie!

Os macacos hesitaram, interrompendo suas passadas largas e fixando o olhar aterrorizado no cenário ao redor. A cena era grotesca, digna de um campo de batalha devastado após uma luta feroz. Cadáveres estavam espalhados por todos os cantos, como carnes expostas ao vento, enquanto as moscas davam início ao seu repugnante banquete. A visão era macabra, uma recordação cruel do que eram dezenas de criaturas que, há poucos minutos, tinham o pleno vigor da vida. Só não era mais grotesco do que o campo devastado deixado por Galean após dilaceração das aves gigantes, mas ainda assim, era horrível de se ver.

Os macacos pareciam refletir sobre as palavras do jovem. Balançaram as cabeças uns para os outros, emitindo um rosnado final de desespero. Com um movimento lento e arrastado, começaram a se retirar. Os números não haviam diminuído tanto, mas era o suficiente para entenderem que não era mais sustentável continuar a tentar alcança-lo. 

— Vou tirar você daí — disse ele à jovem ainda pendurada, aproximando-se com determinação. Com um movimento preciso, lançou a adaga na corda que a segurava, cortando-a. O corpo dela começou a cair em direção ao solo, e, pela altura, um impacto inevitável era esperado. No entanto, Galean estava ali. Desfez as adagas e, com um gesto firme, mas gentil, estendeu os braços e a envolveu em segurança. — Pronto… Agora está a salvo.

— Eu… O-Obrigada… — Ela parecia ainda em choque, sem conseguir reagir adequadamente. Seus olhos estavam fixos em Galean, buscando algo, mas também brilhavam com um encanto inegável. — Galean, não é…?

— Exatamente, e você é a Chiriu, né? — respondeu, deixando um sorriso de canto se formar em seu lábio. — Você estava em uma enrascada aqui… Que bom que cheguei a tempo.

Ela desviou o olhar para baixo, ainda apoiada em seu colo. A jovem estava realmente em uma situação desesperadora. Apenas imaginar o que poderia ter acontecido se Galean não tivesse chegado a tempo a fazia estremecer.

— É… Muito obrigada. Mais um pouco e provavelmente teria virado lanche de macaco… — brincou, tentando aliviar o clima pesado que se apossava de seu coração.

— Ehh… Não sei o que viram em sua carne, mas estavam bastante animados para experimentá-la… — zombou, soltando uma risada que só o tornava ainda mais atraente aos olhos da garota fascinada. — Só não sei o que era, não é como se você cheirasse a um bife fresco…

— Ei! Está me chamando de fedida?

— Eu não disse isso… espera… Gostaria de ter um cheiro natural de bife?

Ela corou intensamente sob a máscara.

— N-não!

Galean a observou por um instante, um pouco confuso, antes de explodir em uma risada agradável. Ela, ainda corada, assistiu ao riso dele e não conseguiu conter o próprio riso, cobrindo a boca com o punho, por cima da máscara.

O vento suave acariciava os cabelos dela, fazendo-os dançar ao seu redor, enquanto sentia os braços fortes dele envolvendo-a com ternura. Só então, ela se deu conta de que estava nos braços de um homem por um tempo que parecia até um pouco indecente. Com o rubor se espalhando pelas bochechas, tentou se soltar, mas o impulso a fez escapar dos braços do jovem em um movimento abrupto e inesperado.

Infelizmente, seus reflexos não estavam à altura da situação, e sua queda ao chão foi mais dolorosa do que deveria. Galean, com os olhos arregalados de surpresa, apressou-se para ajudá-la a se levantar.

— De novo, obrigada… — Ela segurou a mão dele, levantando-se com sua ajuda.

— Relaxa, não foi nada.

Ela finalmente se ergueu, começando a bater na roupa para retirar as folhas e a sujeira que haviam grudado. Mas não era suficiente; o que antes era um hanfu luxuoso e elegante agora estava em frangalhos, todo imundo e rasgado. 

Chiriu, ao ouvir aquela resposta tão despretensiosa, não conseguiu evitar lançar um olhar cínico ao redor. Como algo assim poderia ser considerado trivial? Centenas de criaturas haviam sido dilaceradas em minutos, e para ele, isso não era nada? Chiriu sentiu um arrepio gelado percorrer sua espinha ao imaginar o quão poderoso esse jovem poderia ser.

No entanto, ao olhar ao redor, Galean não conseguia se livrar dos pensamentos sobre o que havia acontecido minutos antes. Ele tivera a oportunidade de exterminar todos os símios, mas, inexplicavelmente, permitiu que escapassem. Era um comportamento ilógico, considerando que a competição girava em torno de acumular pontos pela morte das criaturas.

— Me diga, se não se importar, é claro… — começou Chiriu, um tanto desconcertada. O jovem virou a atenção para ela, seus olhos revelando um misto de curiosidade e cautela. — Por que deixou tantos fugirem, sendo que tinha plena capacidade de exterminar todos?

— Não faz sentido, não é? — respondeu, seu olhar fixo no céu azul, como se procurasse respostas nas nuvens. — Sendo que esta é uma competição para acumular pontos através da morte de criaturas… — Ele suspirou profundamente, desviando o olhar para o horizonte. — Eu também não sei explicar. Não me sinto bem em exterminar seres vivos… Eu conheço bem a dor de ver todos que amo serem eliminados… Não é algo que eu queira que outros vivenciem, não pelas minhas mãos… Esse é, mais ou menos o motivo, eu acho.

Chiriu observou os olhos cinzentos de Galean, que brilhavam intensamente, como se estivesse diante de um fogo incontrolável. Era como se visse uma casa em chamas ou pessoas queimando e perecendo. O azul do céu se transformava no laranja das chamas em sua mente. Chiriu não sabia o que Galean havia enfrentado, mas o que quer que fosse, não parecia algo simples ou leve. Algo profundo o moldara, fazendo-o ser o que era naquele momento.

—-----------------//—-----------------—

Mesmo em seu estado de exaustão física e mental, Alaric carregou o corpo frágil de Alice até sua base improvisada na caverna. Ao chegar, ele a depositou com cuidado no chão. A jovem parecia desacordada e, ao examiná-la, Alaric notou que o sangramento em seu peito não cessava. Deixar a situação como estava era perigoso; o risco de infecção ou perda excessiva de sangue poderia resultar em complicações severas. Não havia tempo a perder.

— Me perdoe por isso — murmurou, com um tom de remorso, ao se preparar para abrir o hanfu dela. Ele precisava expor a área onde o ferimento parecia se concentrar. — Será rápido… antes que seja tarde demais.

Para preservar a dignidade de Alice, ele tomou cuidados para evitar a exposição por tempo desnecessário. Então antes, preparou o que precisava, que consistia em um pedaço de suas próprias vestimentas para improvisar uma atadura básica, e um graveto firme que usaria mais tarde.

Com tudo pronto, o jovem cuidadosamente moveu o corpo de Alice até a parede de pedra da montanha. Sentou-se ao lado dela e a colocou na sua frente, também sentada, garantindo que seu corpo não tombasse para os lados. Retirou a parte superior do hanfu o suficiente para que o ferimento ficasse exposto, utilizando a posição de forma a evitar olhar diretamente para o busto dela. 

Com o máximo de respeito, ele apenas olhou uma única vez por cima do ombro de Alice para avaliar o ferimento. O corte era profundo, mas não parecia fatal. Concluiu que uma atadura simples poderia resolver momentaneamente. Com movimentos precisos e cuidadosos, preparou a atadura improvisada, tentando agir com a maior delicadeza possível para não causar mais dor ou desconforto.

Passou o pedaço de pano sobre o ferimento, pressionando-o suavemente contra as costas de Alice. Em seguida, inseriu o graveto firme por meio do pano nas costas dela e o usou para torcer o tecido, criando uma compressão maior no ferimento. Depois de ajustar a pressão adequadamente, amarrou um pequeno nó nas costas dela. O nó era discreto, para não causar muito incômodo.

Finalmente, com a mesma delicadeza com que teria tratado uma delicada flor, ele vestiu novamente a parte superior do hanfu de Alice, cobrindo seu corpo com cuidado.

Alaric levantou-se com cuidado e deitou Alice no chão com esmero, certificando-se de que ela pudesse descansar confortavelmente. Em seguida, caminhou até o outro lado da caverna e se sentou, recostando-se contra a parede. A exaustão era evidente em seus olhos, que piscavam com dificuldade, e seu corpo mostrava sinais claros de cansaço extremo. 

Após o uso intensivo da habilidade “Estrela Divina”, seu corpo havia alcançado o limite, agravado pela falta de treinos regulares. Sentia uma dor aguda no peito, e seu coração pulsava com força excessiva, o que aumentava o risco de um ataque cardíaco, um perigo real durante e após o uso daquela habilidade. Externamente, seus ferimentos eram leves: alguns arranhões e hematomas, sem ossos quebrados.

Com uma avaliação rápida de sua condição, Alaric, sem energia para fazer mais nada, deixou seus olhos se fecharem pesadamente. Ele se entregou a um breve descanso, merecido após um dia tão extenuante. A escuridão da caverna envolvia-o, proporcionando um alívio temporário e uma pausa necessária para seu corpo e mente.

—-----------------//—-----------------—

Do outro lado da floresta, a escuridão envolvia a paisagem com uma intensidade implacável. No entanto, a luz amarelada da fogueira acesa espalhava um brilho acolhedor, criando um pequeno refúgio iluminado no meio da noite. Em torno da fogueira, Patrick se acomodava, seu olhar fixo nas chamas que dançavam com uma energia quase hipnótica.

— Amanhã levantaremos cedo — declarou ele, com determinação. — Pelo menos desejo eliminar mais duas criaturas lendárias.

Do outro lado da fogueira, Vincent estava visivelmente abalado pelo que aconteceu a alguns instantes antes. Sentado, parecia inquieto e perturbado. Ao ouvir as palavras do outro, apenas assentiu levemente, como se não tivesse completamente processado a ideia de que Patrick, em sua habitual arrogância, afirmava que caçaria duas criaturas lendárias.

— O imbecil! Você ouviu o que acabei de dizer? — exclamou, com o semblante impassível transformando-se em irritação. — Além de inútil e fraco, é surdo?

No mesmo instante, Vincent, tomado por um espasmo de choque, direcionou sua atenção assustada para o rapaz.

— Sim… Duas criaturas lendárias… espere — seus olhos se arregalaram, uma mistura de surpresa, temor e incredulidade estampada no rosto. — Você realmente acredita que será capaz de matar, não uma, mas duas criaturas lendárias??

— Não entendi essa pergunta… Realmente está duvidando das minhas capacidades, Vincent? Logo você? — Ele estreitou o olhar, que parecia se acirrar com a intensidade das chamas da fogueira, que se tornavam mais vivas, como se alimentadas pela sua raiva. — Terei que provar minha força? É isso que quer?

No mesmo instante, o outro jovem estremeceu completamente. Apenas a ideia do que aquelas palavras poderiam significar fazia sua alma gritar de pavor. Ele não queria, sob nenhuma circunstância, forçar Patrick a provar sua força, pois isso poderia muito bem resultar em sua própria morte ou, no melhor dos casos, em ferimentos dolorosos.

— Não! Não! — Ele balançou a mão trêmula em frente ao corpo, numa negação desesperada. — É só que fiquei surpreso com a sua afirmação… Espantado com sua força impressionante… é só isso, nada mais, entendeu?

Patrick respirou fundo, desfez o semblante severo e, após um resmungo baixo, decidiu ignorar aquele inseto insignificante. Era o melhor a se fazer.

— Que seja, durma — Ele se levantou bruscamente, invocando sua lança com um movimento rápido e preciso. — A guarda é minha.

— Sério? — Vincent não esperava por isso. Na verdade, já havia aceitado a ideia de passar a noite inteira de olhos bem abertos, enquanto Patrick dormia despreocupado.

— Claro… Me diga, do que adiantaria você montar guarda? O máximo que você conseguiria fazer ao qualquer sinal de perigo seria gritar como uma garotinha histérica — Ele soltou um suspiro desprezativo, virando-se para dar uma volta. — Apenas durma de uma vez. Você precisa estar bem descansado para ser, ao menos, minimamente útil a mim.

Sem muito a dizer, e com o ego ferido pelo ataque implacável, Vincent abaixou a cabeça, aceitando em silêncio as palavras ácidas que lhe foram dirigidas. O peso da humilhação era quase tangível. Com um suspiro resignado, ele se deitou no mesmo lugar de antes, a postura derrotada. Fechou os olhos, permitindo que a escuridão ao redor se tornasse um manto de esperança silenciosa, enquanto aguardava, em sua solidão, por dias melhores que poderiam nunca chegar.



Comentários