Volume 2

Capítulo 138: Tríade ou Família?

Nos dias anteriores, especificamente no dia em que os competidores seriam enviados à Floresta da Dor, as pessoas circulavam apressadamente pelos corredores do palácio, e os sons de passos se misturavam em uma sinfonia caótica. No entanto, entre a confusão dos pés que ressoavam no piso de mármore polido, havia um que se destacava. Firmes e decididos, eram passos que só alguém da casa imperial poderia emitir; e, de fato, esses passos pertenciam a Mei Fang, a Princesa de Ferro.

Com uma expressão sempre austera e resoluta, Mei Fang caminhava pelos corredores, ignorando o burburinho ao seu redor. Mesmo no meio da agitação, os funcionários do palácio, ao avistarem a princesa, interrompiam suas tarefas para lhe oferecer uma reverência elegante, tamanho era o respeito que todos nutriam por ela.

Logo após cumprimentar a princesa conforme ditava o protocolo, as mesmas pessoas rapidamente retomavam suas atividades. Mei Fang avançou pelos corredores bem iluminados da estrutura imperial, o brilho das luminárias refletindo na superfície lustrosa do mármore, até se aproximar das imponentes portas dos aposentos de sua irmã, Wei Fang.

À frente da entrada, estava uma jovem de aproximadamente vinte e dois anos, um pouco mais velha que Wei Fang. Seus cabelos negros, semelhantes aos de Mei Fang e de sua irmã, caíam em cascata até as costas. Quando a moça avistou a princesa, seu olhar se tornou acolhedor e, com um gesto de cortesia, se prostrou, demonstrando um respeito genuíno. 

— Bom-dia, Princesa. Como posso auxiliá-la? — indagou a moça, ainda inclinada, com o olhar fixo no chão.

— Bom-dia, Vicentina — respondeu Mei Fang, com um tom imperturbável que refletia sua expressão resoluta. — Venho à procura de minha irmã. Ela está em seu quarto?

A acompanhante, ainda com o olhar baixo, estremeceu ligeiramente, como se estivesse escondendo algo. Após um breve instante, controlou a respiração e disse, com um tom de leve inquietação:

— Sim… No entanto, receio que ela ainda se encontre em um sono profundo.

A princesa arqueou uma sobrancelha, perplexa ao escutar que sua irmã ainda estava adormecida, apesar do avançado da hora. Funcionários passavam apressados por trás dela, carregando bandejas e objetos variados, enquanto o palácio pulsava com uma inquietação constante.

— Ainda dormindo? — questionou Mei Fang, mantendo a sobrancelha erguida em incredulidade. — Eu sei que ela tem o hábito de dormir mais do que o normal… Mas, mesmo assim, ela não vai acompanhar nosso pai hoje?

— Não sei, princesa… — respondeu, ajustando a postura, mas evitando encarar Mei Fang diretamente. — Ela não me informou nada… Estou aqui aguardando que ela acorde para atender seus desejos e receber minhas tarefas do dia.

Mei Fang torceu o rosto, incomodada pela falta de pontualidade da irmã e sua mania de dormir até tão tarde. Por fim, suavizou a expressão, embora ainda mantivesse um semblante impassível.

— Entendo… Bem, quando ela acordar, informe-a de que não acompanharei nosso pai hoje…

— Princesa? — A acompanhante franziu o cenho, preocupada. — Há algo acontecendo? Deseja que eu chame um médico?

Mei Fang soltou um leve suspiro, perturbada. Desde a conversa com sua irmã no dia anterior, ela sentia uma estranha indisposição, uma sensação vaga e desconfortável.

— Não é necessário… — No entanto, a princesa de Ferro não se permitiria demonstrar qualquer fraqueza. — Apenas comunique a ela… Eu faria isso pessoalmente, mas não quero acordá-la. Só os deuses sabem como aquela menina se torna insuportável quando alguém a desperta sem permissão…

— Como desejar… — Assentiu respeitosamente e fez um gesto de cortesia. 

Mei Fang respondeu ao cumprimento com um aceno breve e virou-se para se retirar. 

— Ah, princesa… — A voz de Vicentina a deteve por um momento. — Você pode estar se sentindo mal, indisposta, mas saiba que continua tão radiante como sempre.

Os passos de Mei Fang hesitaram, e um rubor sutil começou a subir em suas bochechas. Ela agradeceu com um tom abafado, tentando ocultar o constrangimento, e se afastou o mais rapidamente possível, deixando Vicentina para trás.

"Princesa Wei… Não faça besteira…" pensava Vicentina, com os olhos fixos no teto, buscando no céu uma proteção para aquela fonte constante de problemas, chamada Wei Fang.

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Após receber a solicitação de Duo Chuan, líder da Tríade, para que se infiltrassem entre os nobres na apresentação dos competidores, Dalian e Xiong dirigiram-se à arena. O local onde a nobreza se reuniria para observar os campeões que lutariam abaixo, a alguns dias. O ambiente estava em plena agitação. O dia já brilhava com intensidade, provavelmente algo em torno das onze horas ou até mais tarde. Os raios solares atingiam a areia da arena, fazendo-a brilhar com um resplendor sutil e ofuscante. No entanto, a área onde Dalian e Xiong se encontravam estava protegida dos intensos raios solares, graças aos toldos que se estendiam sobre suas cabeças, proporcionando uma sombra refrescante e uma atmosfera de expectativa sútil.

Entre os assentos luxuosos espalhados pelo salão, alguns nobres comuns e líderes de clãs conversavam cordialmente. Para alguém como Dalian, era evidente que essas conversas não passavam de superficialidades movidas por interesses pessoais. Xiong estava um pouco afastado, em meio a um grupo de homens com roupas caras. Como Duo Chuan havia solicitado, Xiong se dedicava a fazer média com os nobres, fechando negócios… tanto lícitos quanto ilícitos.

Quando concluiu suas tarefas, Xiong se aproximou de Dalian com um semblante que denunciava seu desagrado pelo ambiente. Os dois rapidamente encontraram um recanto mais discreto, longe do burburinho dos nobres, e voltaram os olhares para a arena abaixo, buscando algum alívio do cenário opulento que os cercava.

— Vejo que estar entre os nobres te incomoda — observou Dalian, sua voz suave como um fio de seda deslizante no ar, com um leve tom de ironia.

— Hum? Ah… um pouco — Xiong soltou um suspiro pesado, que parecia carregar todo o peso de sua frustração. — São um bando de riquinhos, metidos a besta, que não fazem mais do que dar ordens… Essa preguiça de agir me dá ódio.

Dalian desviou o olhar de soslaio para ele, analisando o semblante irritadiço do homem. Um leve sorriso surgiu em seus lábios, ainda que contido, diante da expressão e das palavras dele.

— Eles possuem poder, influência e uma vasta rede de subordinados para realizar todo o trabalho sujo por eles… — afirmou o mago, voltando a atenção para a arena com um sorriso enigmático. — É natural que não sintam a necessidade de agir diretamente; não precisam fazer isso.

— E é isso que me irrita! — exclamou, cerrando a mão e batendo com força no braço da cadeira. Percebendo o próprio ímpeto, tentou se recompor, respirando fundo. — Eles ficam sentados em suas cadeiras opulentas, emitindo ordens e mais ordens, sem se dar ao trabalho de tomar uma ação proativa. Nem sequer se dignam a ir ao encontro daqueles que recebem suas ordens, nem que seja apenas para ver os outros se destruírem por eles.

— Isso não é exatamente o que Chuan Duo faz? — perguntou, levantando uma sobrancelha com um tom de curiosidade.

Imediatamente, Xiong conseguiu se acalmar, mas seu olhar ganhou uma intensidade penetrante, como se pudesse ver além da paisagem diante dele.

— Não, você não o conhece o suficiente para dizer isso… Ou, se conhece, é apenas esse novo lado dele, passivo e inativo… Mas o antigo Duo Chuan…

Xiong parecia revisitar memórias antigas, recordando o líder como ele era quando se encontraram pela primeira vez e trabalharam juntos nos primeiros anos. Aquele Duo Chuan era o verdadeiro, um homem que não hesitava em arregaçar as mangas e se envolver diretamente nas ações. Ele não era alguém que esperava passivamente; ao contrário, era alguém que tomava a iniciativa e conduzia com firmeza.

— Aquele Duo Chuan era muito diferente dos nobres — continuou, ajeitando-se no banco e relaxando as costas com um suspiro de nostalgia. — Foi por ser tão diferente desse bando de porcos que eu decidi segui-lo.

Dalian ouviu com uma mistura de perplexidade e interesse. Xiong parecia lamentar profundamente o que seu chefe havia se tornado, desaprovando a transformação daquele homem que, no passado, fora um líder ativo e temido. Essa discordância e desilusão poderiam se revelar extremamente úteis para Dalian no futuro, oferecendo uma vantagem inesperada, que ele vislumbrava como um brilho dourado em uma sala escura. 

— Entendo… Então foi por isso que o grande líder da organização assassina se submeteu a aquele homem… — Dalian falou com um tom mordaz, quase sussurrante e calculado. Seus olhos castanhos brilhavam como areia sob a luz do sol, refletindo uma intensidade fria e calculista. — Sabe, você era uma lenda no continente, especialmente em Aldemere; os nobres temiam o poder e a eficiência de você e seus homens tinham de assassinar qualquer um, não importava o status. Quando soubemos que você havia simplesmente desistido e se integrado a uma organização menor, até então insignificante, ficamos completamente perplexos.

— Haha! Naquela época, não havia nobre que não tremesse ao ver nosso brasão — Xiong riu contidamente, sua voz carregada de um tom nostálgico e orgulhoso. Ele parecia quase reviver seu breve e temido domínio sobre o submundo dos assassinatos. — Agora… — Ele interrompeu a risada abruptamente, sua expressão endurecendo em uma máscara de severidade. — Não sei quais são suas intenções ou o que você está planejando… Mas se pensa que seu discurso manipulativo, essas palavras afiadas e essa postura arrogante e até confiante, vão me fazer considerar trair Duo Chuan, é melhor repensar antes que perca a cabeça.

Dalian manteve-se sereno, como sempre, e as palavras de Xiong, bem como a ameaça implícita, não pareciam afetá-lo. No entanto, era valioso entender a verdadeira natureza de Xiong; ele não era um tolo suscetível a manobras e manipulações sutis. Aquela ameaça era um aviso claro, e se Dalian não fosse cauteloso, poderia enfrentar consequências reais na próxima vez.

Após alguns minutos de tensão, os guardas começaram a se movimentar com urgência, sinalizando que o imperador estava próximo. Em breve, Jian Fang fez sua entrada triunfal na arena, acompanhado por suas filhas. Atrás deles, os competidores surgiam um a um, como peças que se alinhavam para um grande espetáculo.

Dalian e Xiong observavam os recém-chegados com olhares penetrantes e avaliativos. Contudo, quando seus olhares se cruzaram com o de um jovem que estava entre os competidores, ambos quase saltaram das cadeiras, o espanto refletido em seus rostos.

— Aquele moleque!? — exclamaram simultaneamente, como se um choque elétrico tivesse os atingido.

Percebendo que haviam reagido da mesma forma, os dois se entreolharam com uma mistura de confusão e suspeita.

— De onde você conhece aquele pentelho? — perguntou Xiong, a voz carregada de severidade e uma pontinha de desdém. Seus olhos estavam fixos em Dalian, desafiando-o a revelar algo mais, sem espaço para hesitações.

— Ele me deu trabalho há alguns anos… — respondeu, estreitando o olhar. O sorriso havia desaparecido de seu rosto, substituído por uma expressão grave. — Eu já estava investigando seu paradeiro. E você, o que sabe sobre ele?

Xiong afundou na cadeira, seu corpo se entregando ao peso da irritação que dominava sua postura. Seus ombros ficaram tensos, e o rosto se torceu em um semblante de frustração, quase como se ele lutasse para conter uma tempestade interna.

— Ele também me causou problemas há algum tempo — disparou, a raiva escorrendo de cada palavra. — Aquele desgraçado… Ele interferiu diretamente na minha tentativa de cobrar o meu pagamento atrasado!

Dalian, ao ouvir aquelas palavras, abaixou ligeiramente as pálpebras, um gesto sutil que contrastava com a turbulência evidente em Xiong. Enquanto o homem demonstrava uma crescente irritação, com a respiração acelerada e os punhos cerrados, o mago voltou a permanecer imperturbável. Seus olhos, profundos e enigmáticos, fixaram-se no jovem abaixo com uma calma quase desconcertante, refletindo a intensidade do vermelho dos cabelos de Alaric, que estavam presos em um rabo de cavalo.

Após tantos anos, a presença de Alaric exatamente nesta região, neste país e nesta ocasião parecia muito mais do que uma simples coincidência; tinha o aroma de uma intrincada trama. Talvez fosse parte de um plano elaborado por uma entidade divina destinada a semear o caos, mas isso era apenas uma especulação infantil. Contudo, uma coisa era certa: Alaric havia atraído a atenção de figuras intrigantes e perigosas.

Dalian observou Xiong com um olhar furtivo, notando o tremor nervoso dos dedos cheio de anéis dele, e a postura cada vez mais rígida. O desconforto do homem era perceptível a olho nu, e o mago sabia que provocar a fúria dele poderia ser um erro potencialmente perigoso. 

Não que Dalian tivesse a mínima preocupação com o jovem; na verdade, ele nutria um desejo insidioso de vê-lo sofrer. Apesar de já ter infligido grande dor a Alaric no passado, para alguém tão cruel quanto Dalian, causar mais sofrimento era uma necessidade constante, assim como o caos.

Ele se deliciava com a ideia de adicionar um tormento extra ao seu plano, talvez até um fim trágico para Alaric. Seus objetivos principais permaneciam inalterados, mas um toque de crueldade adicional nunca fazia mal.

— Resolveremos isso em um momento mais apropriado… — disse Dalian, seu sorriso se alargando em uma expressão sádica, que fez o rosto de Xiong se iluminar com um semblante de expectativa mórbida. — Mas, por enquanto, quem devemos observar?

Xiong gesticulou com um dedo firme, apontando para uma figura jovem que se destacava entre os outros na arena. Seu olhar se tornara confiante, carregado de um entusiasmo frio.

— Ali — respondeu Xiong, com um tom de satisfação controlada. — Mas não faça nada ainda. Deixe-o lidar com as coisas por conta própria… Viemos apenas para observar hoje.

O mago assentiu lentamente, seu olhar se voltando para a pessoa indicada. Enquanto observava, sua mente se lançava em um turbilhão de pensamentos, começando a traçar os contornos dos eventos que estavam prestes a se desenrolar. A presença daquela pessoa parecia ter um impacto significativo nos planos de Duo Chuan, e, mesmo que seu semblante permanecesse sereno, o coração de Dalian acelerava sutilmente, traindo a calma exterior. Um sorriso enigmático se formou em seus lábios, e seus olhos, cintilando com um brilho malicioso, refletiam a empolgação e o interesse que começavam a fervilhar dentro dele. “As coisas estão ficando realmente intrigantes…” pensou, antecipando com expectativa os desenvolvimentos futuros.

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Enquanto os outros dois estavam na arena, na base da tríade, especificamente na sala de reuniões pertencente a Duo Chuan, o líder estava reclinado em sua cadeira de couro, absorvido na análise de uma pilha de documentos. Além dos papéis que ele segurava com firmeza, havia outras pilhas de documentos formando pequenas montanhas sobre sua mesa de carvalho escuro, o que conferia à sala uma atmosfera de gravidade e concentração. Os papéis, amarelados e desgastados pelo tempo, estavam cobertos por uma profusão de informações meticulosamente organizadas.

Duo Chuan, com um olhar fixo e intenso, examinava-os com grande entusiasmo. Seu foco era absoluto, e girava as folhas com um cuidado quase reverente, como se cada detalhe pudesse desvendar um mistério crucial. A única interrupção ao silêncio profundo da sala era o sutil som do papel sendo virado e reposicionado nas palmas de suas mãos, um som que, de tão suave, parecia uma parte do ambiente tranquilo.

“Alice Beatus, dezenove anos… Portadora de um chicote misterioso, nomeado Éfiro… Filha de… Oohh, sabia que você me parecia familiar…” Duo Chuan lia mentalmente, refletindo consigo mesmo, seu olhar se intensificando à medida que examinava a ficha de Alice. A surpresa contida em seus olhos surgiu quando ele leu os nomes dos pais dela, um movimento discreto mas revelador, seguido por um sorriso enigmático que dançou em seus lábios. Após terminar a leitura, Duo Chuan depositou o documento na mesa, acrescentando-o a uma pilha separada que continha os papéis já revisados. 

O próximo documento era de Patrick. Embora as informações fossem detalhadas, apresentavam lacunas notáveis, algo estranho, considerando o renomado poder de coleta de informações da tríade. Ignorando essas falhas, Duo Chuan focou nos dados disponíveis.

“Patrick, seu sobrenome ainda é um mistério… Poder de fogo comparável a seres como Ifrit… Ah, isso é fascinante… Parece que o viram por essas terras há alguns anos…” Duo Chuan ergueu uma sobrancelha ao ler a menção de que Patrick havia estado no Oriente anteriormente. Essa nova informação, embora intrigante, só servia para intensificar o entusiasmo do líder.

Enquanto ele continuava a análise, dois toques discretos foram ouvidos do lado de fora da sala. Sem desviar o olhar dos documentos, Duo Chuan concedeu permissão para a entrada. O trinco dourado fez um leve “creck” ao ser girado, e a porta começou a se abrir, revelando uma figura feminina. Era Lucita, que entrou com uma postura elegante, seu corpo coberto por curvas sutis, mas a face oculta por uma máscara misteriosa. Ela fez uma inclinação respeitosa com a cabeça e, sem tirar os olhos dos papéis, Duo Chuan apontou para a cadeira em frente à sua mesa.

Lucita caminhou até a cadeira com graça, passando os dedos delicadamente pelo estofado antes de puxar o móvel e se acomodar. Ela permaneceu em silêncio, observando o líder com atenção, esperando que ele tomasse a iniciativa.

— Como sempre, muito educada e contida… — Duo Chuan finalmente falou, um sorriso discreto se formou em seus lábios enquanto os olhos permaneciam fixos nos documentos. — Diga-me, o que é tão importante que a fez, por algum milagre, deixar o laboratório?

— Como sempre, encantador com suas palavras, senhor Chuan — respondeu Lucita, ajeitando-se no banco macio. — Na verdade, tudo tem a ver com o laboratório.

— Hah! Era de se esperar que a única razão para sua saída de lá fosse discutir algo relacionado ao que ocorre por lá — observou ele, sem desviar o olhar, as íris acompanhando as palavras na página. — Ora, não se contenha. Diga-me o que a aflige.

Lucita manteve seus olhos fixos nele, a postura rígida não demonstrando qualquer sinal de desmoronamento.

— Nada me aflige, senhor Chuan. Acontece que, o que eu poderia realizar dentro daquelas quatro paredes, eu já fiz… Pelo menos no que diz respeito às amostras que temos à disposição. — Ela estreitou o olhar ligeiramente, sua expressão revelando uma determinação sutil. — Venho apenas para informá-lo e solicitar permissão para avançarmos para a próxima etapa.

— Oh! Não poderia receber notícias melhores! — exclamou ele, a dificuldade em esconder a euforia era evidente. — Vamos iniciar a próxima etapa o mais rápido possível!

— Senhor? — Lucita ergueu as sobrancelhas por trás da máscara, a curiosidade visível em seu olhar. — Já tem planos de como e onde essa próxima parte da experiência será realizada?

— Duvidando da minha capacidade? É claro que tenho… Na verdade, Andrew foi a Pariston resolver os últimos detalhes para que possamos prosseguir.

Lucita pareceu satisfeita com a resposta, baixando novamente as sobrancelhas, retornando ao semblante sério comum. Contudo, uma faísca de entusiasmo não pôde ser escondida.

— Finalmente, estamos mais próximos de avançar rumo a um futuro glorioso — comentou Lucita, permitindo que seus olhos brilhantes e seu sorriso alegre transmitissem a intensidade de sua determinação. — Esta nação mudará para sempre. A ciência não será mais contida, nem os fatos ocultados em nome de um imperador ilegítimo. Aquele desgraçado usurpador cairá.

— Aprecio seu entusiasmo e essa empolgação latente, contudo, acalme-se. Não podemos agir de forma precipitada, Lucita… — Duo Chuan se recostou na cadeira, relaxando contra o estofado em um gesto que transmitia confiança e controle absoluto. — Lembre-se do que sempre disse a você, a Xiong, a Andrew e até à jovem Annabeth: a paciência é uma virtude. A falta dela, por outro lado, é simplesmente burrice.

Lucita revirou os olhos, visivelmente frustrada com o comportamento zen de Duo Chuan, que parecia viver em uma constante e irritante paz interior.

— Xiong pode ser cabeça quente e muitas vezes inconveniente — começou ela, cruzando os braços sobre o peito. — Mas, em algumas coisas, ele tem razão. E dizer que essa sua calma excessiva é irritante, é uma delas.

— Hmmm… Lembro-me de uma vez, quando uma madame, cansada de nobres ranzinzas e apressados, descreveu meu comportamento paciente, prudente e ponderado como uma qualidade irresistível… — Duo Chuan disse, esboçando um sorriso convencido.

Mesmo com a máscara cobrindo seu rosto, era evidente que as bochechas de Lucita estavam intensamente coradas. Seus olhos se arregalaram de surpresa e constrangimento.

— Você ainda se lembra disso? — Sua voz tremia levemente, e ela tentou se afastar, mas o encosto da cadeira limitava seus movimentos. — Eu já disse um milhão de vezes: era uma festa após um negócio bem-sucedido, eu bebi demais e falei sem pensar. Nada mais! Não trate isso como se fosse algo normal!

— Hahaha! Que pena que a máscara me impede de ver o quanto sua face deve estar vermelha — Duo Chuan soltava risos suaves, claramente divertido com a reação dela. — Seus momentos de constrangimento são raros, mas quando acontecem, são um verdadeiro deleite…

— Ah! Pare com isso imediatamente! — Lucita bufou, cruzando os braços novamente e virando o rosto para o lado. — Se continuar com essa provocação, vou voltar para minhas tarefas na nobreza, bem longe daqui, e você que se vire com as experiências!

— Sem ameaças, mocinha — Duo Chuan manteve o sorriso terno, passando uma mão perto dos olhos para limpar as lágrimas de tanto rir. — E não pense em me deixar sozinho com essas coisas… Na verdade, não pense em me deixar sozinho de forma alguma.

Lucita, ainda um pouco aborrecida, virou o rosto, lançando um olhar furtivo para o semblante gentil e afetuoso dele. Apesar da irritação, não conseguiu resistir e soltou um suspiro resignado.

— Está bem, está bem… — Ela se rendeu, endireitando-se na cadeira. — Mas pare de falar essas coisas estranhas, ou pelo menos evite fazê-lo na frente dos outros…

— Anotado! — Piscou para ela, fazendo-a corar levemente novamente.

— Ahh… E, por favor, sem me chamar de mocinha! Annabeth pode ser uma ou duas décadas mais jovem que você, e aí tudo bem, mas, quando se trata de nós dois, nossa diferença de idade é mínima para que você fique agindo como um ancião…

Duo Chuan acenou com a cabeça, mantendo o olhar fixo nela. Era peculiar observar aquela mulher, normalmente séria e concentrada, revelando um lado tão amável e doce, envergonhada por coisas triviais. Ele sabia que essa faceta só se mostrava em sua presença; fora dela, Lucita retornava à sua postura impassível e reservada. Duo Chuan se recostou na cadeira com um sorriso satisfeito e alegre. Era reconfortante poder contar com essa parte mais calorosa e meiga de sua personalidade. Esse traço gentil ajudava a aliviar o estresse diário, um alívio precioso considerando a imensa pressão de comandar a maior organização criminosa do continente.

— Te protegerei até o fim da minha vida… — afirmou ele, com uma ternura genuína. — Isso eu prometo, sem dúvidas.

Lucita fixou o olhar nele, a confusão estampada em cada traço de seu rosto diante da declaração inesperada.

— O que é isso, do nada assim? — Ela estava desconcertada, sem saber como reagir. — Você por acaso bebeu? Ou sei lá, se drogou?

— Pelos deuses, eu sou fofo, e a primeira coisa que vem à sua mente é que estou sob efeito de drogas? Sério? Que imagem vocês têm de mim? — Ele riu, um pouco ofendido, mas ainda mantendo um sorriso carinhoso.

— Não é que… Ah, deixa para lá! — Ela estava perdida, sem saber como lidar com a situação que se desenrolava. — Apenas me explique o motivo disso tudo.

— E é necessário um motivo? Bem… — Ele recostou-se na cadeira, deixando os papéis caírem sobre a mesa com um gesto que parecia deliberado, e inclinou a cabeça para o teto, como se buscasse as palavras certas. — Desde que comecei com isso aqui, vocês têm sido minha família. Xiong com seu jeito impaciente, você com essa fachada de frieza que esconde uma meiguice rara… Annabeth e Andrew, eu realmente não sei o que seria de mim sem eles. No fim, eu protegeria todos vocês até o fim da minha vida, porque são a minha família. A única que me restou depois de tudo o que aconteceu. Os únicos que sempre acreditaram em meus ideais, e em quem eu digo ser. Graças a isso, muitos decidiram acreditar em mim e se unir a nós. Além de tudo isso, são uma família que me aceita e nunca tentou me matar. Isso é, sinceramente, surpreendente e digno de um profundo respeito e orgulho.

Lucita ficou sem palavras, o silêncio entre eles carregado de um significado profundo e o peso de sílabas não pronunciadas. Não era necessário dizer mais nada. Ela o observava com um olhar admirado, encantada pela dualidade intrigante de Duo Chuan. Apesar de ser o líder de uma tríade, provavelmente o homem mais procurado e temido por muitas nações, ele revelava uma faceta amável e cheia de compaixão por aqueles que considerava sua família.

Duo Chuan era um líder de decisões cruéis e estratégias implacáveis, mas por trás dessa fachada severa, ele era apenas alguém profundamente preocupado com aqueles que amava. No fim, a Xué Lián era muito mais do que uma simples organização criminosa; era uma família. Peculiar e perigosa, sem dúvida, mas ainda assim, uma família.



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