Volume 2

Capítulo 137: Medo Incontrolável

Em meio à penumbra da noite, a única fonte de luz era a lua cheia, lançando uma aura prateada sobre o campo de batalha. A escuridão era pontuada por fragmentos de árvores que eram lançados ao ar, enquanto nuvens de poeira se erguiam e se dispersavam, criando uma névoa turva e confusa. Patrick se movia com agilidade entre esses escombros, esquivando-se dos ataques ferozes da criatura que surgira do nada.

A besta era um tigre bípede, sua pele escura coberta por uma musculatura robusta que parecia quase sobrenatural. Suas garras, longas e afiadas como lâminas, reluziam à luz da lua, prontas para dilacerar a carne de qualquer oponente. Patrick mantinha uma distância segura, seus olhos escaneando a criatura incessantemente em busca de uma abertura que pudesse lhe permitir acabar com o confronto de uma vez por todas.

Atrás de uma árvore caída, Vincent estava encolhido em posição fetal, suas mãos juntas em prece, murmurando orações para todos os deuses que conhecia, implorando por proteção. Patrick, no entanto, não podia se dar ao luxo de se distrair com aquele idiota; a situação exigia toda a sua concentração. Qualquer desvio de foco poderia significar sua derrota, além do mais, não se importaria em ver aquele moleque morrer.

— Mais rápido que aquele monstro de lama — disse Patrick, lembrando-se da luta matinal contra uma criatura feita de barro, que, apesar de sua força bruta, era notoriamente mais lenta do que o tigre modificado diante dele. — Mas mesmo assim, é lento demais...

Ele se preparou, os pés firmemente plantados no chão, e agarrou com firmeza o cabo da lança. Seus olhos brilhavam com um fogo interno, como se chamas invisíveis estivessem consumindo suas íris. Com um movimento que combinava fluidez e força bruta, arremesou a lança com precisão mortal em direção à besta.

— Chamas escarlates, consumam tudo — recitou, quase em um sussurro, como se o mantra fosse a chave para ativar o poder da arma. 

Enquanto a lança cortava o ar em direção ao tigre, que avançava destruidor, um brilho vermelho começou a emanar dela. A arma começou a soltar uma fumaça espessa e densa, que se tornava cada vez mais intensa, como se estivesse fervendo. A fumaça espessa rapidamente deu lugar a uma chama escarlate, vermelha como o sangue, que se espalhou implacavelmente pela extensão da arma.

O fogo abrasador iluminou-a com uma intensidade ofuscante, projetando uma luz vermelha que parecia cortar a escuridão ao redor. O ar ao redor se aquecia, ondulando com o calor crescente. Qualquer coisa inflamável a poucos metros da lança começava a pegar fogo, suas chamas se alastrando como se fossem palha seca. O espetáculo era magnificente e aterrorizante.

Patrick ergueu a voz, desafiando a criatura com um tom carregado de determinação e desprezo:

— O que fará agora, coisa feia?

A lança, agora aquecida a uma temperatura que evocava forjas ardentes, aproximou-se da criatura com uma ameaça iminente. O tigre sentia o calor infernal irradiando de perto, seus pelos ressecando e estalando sob a intensidade do calor. Em um instinto primal de sobrevivência, o animal se lançou para o lado, desviando-se da lâmina que passou a poucos centímetros de seu corpo, queimando a ponta dos pelos antes de desaparecer na espessa vegetação da floresta.

Dentro da criatura, uma sensação de queimação interna parecia consumir seus órgãos, como se estivessem expostos a brasas incandescentes. O sangue fervia nas veias, mas o tigre tinha conseguido, aparentemente, desviar do ataque letal.

Recuperando-se, a criatura fixou um olhar desdenhoso em Patrick, uma expressão irritante de menosprezo estampada em seus olhos, como se o homem não fosse mais do que um mero incômodo, e seu ataque inexpressivo.

— Que afronta, uma criatura sarnenta… Um gatinho maior que os outros achando que tem o direito de caçoar de mim? — Patrick ergueu a mão, seus dois dedos quase se tocando, prestes a deslizar um sobre o outro com um gesto calculado. — Vou te mostrar o que acontece com quem se atreve a me encarar de forma diferente.

Se o ataque se resumisse apenas à lança pegando fogo, seria decepcionante, fácil de desviar e sem grande impacto. Contudo, Patrick era capaz de mais. Seus dedos deslizaram um sobre o outro com um estalo audível, e a criatura ficou em alerta, com um misto de medo e ceticismo. Alguns segundos tensos se passaram, e nada parecia acontecer à primeira vista, e a criatura, ainda achando Patrick patético, o encarou novamente com desdém. O jovem, porém, estreitou os olhos.

— Chamas Escarlates, incinerem tudo — ordenou, e, de repente, a lança que vagava sem rumo se transformou. A lâmina derreteu da ponta, reconstruindo-se na traseira. A lança inverteu sua direção, voltando para trás com uma velocidade impressionante. — Cuidado com as costas. Pode acabar se queimando…

A criatura virou-se assustada, mas foi tarde demais. Quando a lança recebeu o comando para incinerar, atingiu uma temperatura devastadora, superando a de qualquer lava ou forja conhecida. Só de passar, as árvores ao redor começaram a se inflamar espontaneamente, desintegrando-se em questão de segundos. O chão sob ela derretia, traçando um caminho de destruição. Sua velocidade aumentou exponencialmente, transformando-se em um vulto incandescente que não deu qualquer chance de defesa ao infeliz ser.

A cerca de dez metros de distância, o calor da lança começou a queimar os pelos da criatura, um cheiro agudo e penetrante de carne chamuscada invadindo o ar. Seus olhos, antes brilhantes e cheios de vida, secaram sob o calor intenso, enquanto um vapor espesso se erguia à medida que seus líquidos corporais evaporavam. A criatura se debatia desesperadamente, com chamas surgindo em sua pelagem, mas seus esforços eram fúteis. Em poucos segundos, um baque seco… A lança atravessou sua pele, carne e órgãos, rasgando um caminho de destruição e sofrimento.

A arma cravou-se com precisão no corpo da besta, penetrando a carne com um estalo seco. Ao redor do ponto de impacto, a pele começou a derreter imediatamente, como se estivesse sendo devorada por uma praga flamejante. As chamas se alastraram rapidamente, envolvidas por uma aura avermelhada que parecia consumir a própria essência da criatura. 

Por sentir-se no direito de encará-lo com desdém, desprezando o seu ataque e alimentando a absurda ideia de que era superior — Vire brasas, incinere!

Em um piscar de olhos, o corpo inteiro da besta foi engolfado pelo fogo escarlate, como se o sangue cintilasse iluminando a ínfima escuridão.

Os gritos agonizantes da criatura ressoavam na floresta, uma melodia cruel de dor que se misturava ao crepitar grotesco da carne em combustão. Cada estalo das chamas parecia ecoar como um lamento desesperado, enquanto a criatura lutava para respirar, ainda viva enquanto se desintegrava em cinzas. A floresta, antes vibrante com o som das folhas e dos animais, agora estava imersa em um rugido infernal, um grito primitivo de um ser vivente sendo consumido pelo próprio inferno.

Em poucos momentos, a cena havia mudado. Restava apenas uma pilha de cinzas, esparramadas pelo chão em uma espécie de manto escuro e quebradiço. O corpo da criatura, antes imponente e aterrador, agora era apenas um vestígio de seu antigo eu, reduzido a uma massa negra e carbonizada que desabava ao chão, completamente obliterado.

Observando a cena macabra diante dele, Patrick não exibia mais, que senão desprezo e desdém. Com um semblante severo e imperturbável, ele segurava novamente a lança, agora reluzente sob a luz da lua. 

Virou-se, e foi em busca do idiota. A raiva ainda fervia em seus olhos enquanto ele se aproximava de Vincent, que se escondia atrás de uma árvore, o pavor estampado em seu rosto. Ver aquele moleque orando o irritava ainda mais, não era como se Patrick confiasse ou gostasse de certos deuses. 

— Seu desgraçado! — Patrick agarrou Vincent pelo colarinho e o pressionou contra o tronco áspero e rugoso da árvore. Seus dedos se cravaram na camisa do rapaz, enquanto a força de seu empurrão fazia o corpo de Vincent se esmagar contra o tronco. — Que merda tinha na cabeça ao trazer um monstro na minha direção? Hein?

Vincent estava completamente esmagado contra a árvore, sem espaço para se mover ou respirar. Seu peito arfava descompassado, o coração batendo descontrolado em uma sinfonia frenética de pânico. Seus olhos, arregalados e aterrorizados, encontraram os de Patrick, que brilhavam com uma fúria intensa e cruel. O medo absoluto dominava-o, e seu desejo desesperado de fugir era em vão, pois sabia que não havia escapatória.

— Eu... eu... desculpe! Me perdoe, eu não fiz por querer!

— Desculpe? — A voz de Patrick ecoou com um tom de desprezo feroz. — Depois de trazer um monstro na minha direção sem me dar a mínima chance de me preparar? Se eu fosse um inútil como você, provavelmente teria morrido! Ou seja, você quase me matou com sua covardia irritante! — Ele pressionou ainda mais a mão contra o corpo de Vincent, fazendo-o bater com uma violência brutal contra o tronco da árvore. O impacto fez com que folhas secas e quebradiças se desprendessem dos galhos, caindo lentamente ao chão como uma chuva triste de outono. — Você realmente acha que algumas palavras vão consertar isso? Seu imbecil! Eu vou...

O jovem preparou o punho para um soco direto, contudo, Patrick interrompeu seu ataque abruptamente. Seu semblante de raiva se desfez ao ver as lágrimas escorrendo pelos olhos de Vincent. O choro desesperado e sincero do rapaz era inesperado, uma reação que Patrick não havia antecipado. Ele estava pronto para qualquer coisa, menos para o pranto angustiado que agora testemunhava.

— Me perdoe! Eu não queria mesmo... — As palavras dele eram interrompidas por soluços incontroláveis. Seu corpo tremia enquanto tentava em vão controlar a respiração ofegante.  — Eu podia ter te matado... mas eu não queria, eu... por favor...

Patrick, exasperado, deu um rápido suspiro de frustração. 

— Tsc... Merda! — Ele empurrou Vincent com um gesto brusco, seu desprezo claro em cada movimento. Com uma virada rápida, se afastou, virando as costas para o jovem, sua postura rígida como uma muralha de pedra. — Só vá embora daqui, pegue as madeiras que te pedi e amontoe em algum canto.

O rapaz medroso havia caído com o gesto brusco, os olhos vermelhos e inchados de tanto chorar. Sentado no chão, Vincent parecia pequeno e vulnerável, as lágrimas ainda escorrendo por suas bochechas pálidas. 

A umidade de seu rosto misturava-se com a sujeira do ambiente, formando um retrato de fragilidade e desespero. Ele levantou-se com dificuldade, seus passos eram lentos e pesados, refletindo o esforço de quem tentava cumprir a ordem enquanto lutava contra o tremor de suas pernas.

Patrick, de costas, observava o jovem com uma expressão de frustração e confusão. 

— Chorar... O que ele tem na cabeça? Qual é essa reação? — As palavras ressoavam em sua mente, uma mistura de incredulidade e desprezo. A visão de Vincent em lágrimas provocava um tumulto interno em Patrick. 

A reação de fraqueza, de patetice e submissão que ele via diante de si não fazia sentido algum. 

O que ele sentia, então? Era uma espécie de dúvida perturbadora, um desconforto que ele não conseguia explicar. Será que havia uma centelha de pena ali, escondida em meio à sua frieza calculista? Patrick esfregou o rosto com a mão, como se tentasse afastar essa ideia absurda. 

— Impossível! — murmurou para si mesmo, a voz carregada de desprezo. — Fracos devem ser desprezados, pisados! Pena... até parece...

A tensão no ar parecia palpável, como se o próprio ambiente estivesse absorvendo a batalha interna de Patrick, a luta entre a compaixão que ele tentava suprimir e o seu desejo implacável por força e controle.

Ele fez a lança desaparecer e saiu, batendo os pés com força, tentando descarregar sua raiva em algo. Assim, a noite seguiu seu curso, talvez marcando o início de uma mudança inesperada em Patrick, algo que ele ainda não compreendia completamente.

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Quando se dizia que aquela floresta era imensa, não era um exagero. O vasto território incluía até cadeias de montanhas e áreas elevadas, como o local onde a jovem de máscara se encontrava. Uma das mais misteriosas no dia da apresentação, a jovem de cabelos negros, não retirava a máscara por nada, nem quando se encontrava sozinha explorando. O local que ela investigava estava a alguns quilômetros de onde havia sido deixada, ainda assim, era em uma altitude considerável, evidenciada pelo ar rarefeito que ela respirava com dificuldade.

Ao seu redor, altas árvores de troncos negros dominavam a paisagem, estendendo-se até onde os olhos podiam alcançar. Embora houvesse espaço entre os troncos, não era muito amplo. Combinado com os arbustos e outras plantas, isso dava a impressão de uma floresta densa. A jovem decidiu subir ainda mais naquela área já elevada, ao invés de descer, por algum motivo que permanecia desconhecido.

Se essa escolha fazia parte de sua estratégia ou era apenas um erro tolo, só o tempo diria. O que importava era que a jovem, que se apresentava como Chiriu, avançava com determinação, sem se distrair com os arredores. Contudo, ruídos estranhos a obrigaram a parar e observar. Eram sons de folhas sendo amassadas ou pisadas. Abaixo de seus pés, uma cama de folhas, que variava do seco e sem cor ao alaranjado e verde, estalava a cada passo. Esse ruído constante servia como um excelente indicativo de presença, e ela nunca deixou de prestar atenção nesses sons.

Ela deu mais alguns passos, e de novo o ruído. Assim, parou de vez, ciente de que seus próprios passos poderiam dificultar a percepção dos outros sons. Girou o pescoço para um lado e não viu mais do que árvores. Para o outro lado, a visão era a mesma. Acima, não conseguia ver além de alguns metros, pois os troncos das árvores se perdiam nas neblinas provocadas pela alta umidade da região.

— Blurr… Está frio... E um tanto aterrador demais aqui… Melhor seguir em frente. — O corpo da jovem tremia incontrolavelmente devido ao frio e a um misto de medo pelo desconhecido. Ela avançou com dificuldade, seus passos incertos, um pouco hesitantes. — Como será que ele está…?

A pergunta escapuliu como um sussurro para o vento, como se uma resposta pudesse ser entregue pelo próprio céu. Contudo, a realidade era bem diferente. A jovem, desiludida com a ideia de que o mundo funcionava com a simplicidade de um conto mágico, continuou sua jornada com um misto de determinação e frustração. A cada passo, seus pés deslizavam sobre o terreno irregular, e ela quase caía ou tropeçava com frequência. Era evidente que, ou a jovem não tinha experiência com esse tipo de terreno, ou sua coordenação era notoriamente desajeitada. 

Entre tropeços e tentativas desesperadas de manter o equilíbrio, avançava, mas o ar começava a se tornar cada vez mais escasso. À medida que subia, a falta de oxigênio se tornava um desafio crescente, agravado pela dificuldade de adaptação à altitude elevada. O mal da montanha começava a fazer efeito, uma maldição cruel para aqueles não acostumados com a aridez e o peso do ar rarefeito. A cada passo, a jovem lutava contra o cansaço e a pressão que a altitude lhe impunha, sua respiração se tornando cada vez mais pesada.

De repente, sua distração a traiu. Algo agarrou sua canela com uma força inesperada. O susto fez com que ela desviasse o olhar para a região que estava sendo segurada. O que viu a fez estremecer: uma mão que, embora parecesse humana, estava coberta por uma densa pelagem negra. Antes que pudesse reagir, foi puxada violentamente para trás. O movimento brusco fez com que ela perdesse o equilíbrio e, com um impacto brutal, despencasse ao chão.

O impacto contra o solo foi cruel e doloroso. Por sorte, conseguiu amortecer grande parte do choque com as mãos, mas as lascas afiadas de galhos penetraram suas palmas sem misericórdia, rasgando a pele e deixando uma trilha de dor aguda. Mesmo assim, o tormento não terminou ali. A força que a agarrava era monstruosamente poderosa, uma força que parecia desafiar qualquer resistência humana. A mão continuou a puxá-la na direção oposta, arrastando-a pelo solo irregular da floresta.

Chiriu lutava desesperadamente para se segurar às raízes, suas mãos tremendo e rasgando a terra em busca de algo para agarrar. No entanto, as raízes se soltavam da terra com estalos ensurdecedores, deixando um rastro de destruição e desolação por onde passavam.

Desesperada, com o pavor dominando seus sentidos, Chiriu fincou os dedos na terra, tentando parar a força que a arrastava. Sem sucesso, suas unhas rasgavam o solo, criando um caminho profundo e irregular.

Por sorte, o hanfu que vestia tinha mangas longas, oferecendo alguma proteção contra ferimentos mais graves e evitando que a pele se esfolasse completamente. A adrenalina entorpecia sua mente, tornando cada movimento uma luta consciente. Em um momento de pânico frenético, ela agarrou o cabo da espada, que estava na bainha horizontal nas costas. Conforme o aço azulado era exposto ao ar, um brilho fugaz refletia a luz, uma promessa de esperança em meio ao caos.

Com um impulso desesperado para se salvar, Chiriu cravou a espada na terra com toda a força que podia reunir. Inicialmente, a lâmina parecia inútil, apenas rasgando a terra e deixando um rastro profundo enquanto era arrastada. No entanto, à medida que a espada penetrava o solo, começou a afundar lentamente, criando uma resistência crescente até que finalmente conseguiu parar o avanço implacável.

Chiriu reagiu com uma agilidade impressionante. Saltando para o lado oposto, ela se ergueu rapidamente, determinada a encontrar uma nova vantagem. No entanto, ao olhar para onde seu adversário deveria estar, deparou-se com um vazio perturbador. O espaço onde antes havia uma presença ameaçadora estava agora deserto, deixando-a sozinha e confusa no coração da floresta.

— O que… o que foi isso!? — exclamou, o choque evidente em sua voz. Seus olhos arregalados, visíveis através da máscara, refletiam a luz do sol enquanto o peito dela se levantava e abaixava de forma desordenada. A respiração era um ofegar irregular e desesperado. — Aquilo… onde?

Ela girava a cabeça freneticamente, tentando localizar o responsável pelo ataque. Mas o que encontrava era um vazio desolador. A tensão no ambiente subia sem um limite visível, e a sensação de estar sendo observada tornava-se cada vez mais presente, e consequentemente, opressiva. O silêncio ao seu redor parecia carregado de uma presença invisível que a fazia estremecer. Cada sombra parecia se mover, cada som parecia amplificado. 

De repente, as árvores começaram a chacoalhar violentamente, as folhas farfalhando como se uma força invisível estivesse rompendo as copas e galhos acima da neblina espessa. As folhas caíam em uma chuva caótica, como se tivessem sido arrancadas brutalmente por uma mão invisível.

Um estrondo súbito chamou sua atenção, e ela voltou o olhar para frente. A surpresa se refletiu em seus olhos, ampliando-se com a visão que se descortinava diante dela.

— Um macaco de cauda preta? Mas ele parece diferente… — Ela inclinou a cabeça, tentando compreender o que estava vendo. O animal tinha a aparência de um macaco de cauda preta, com pelagem negra cobrindo o corpo, e pelos mais claros na cabeça e no rosto. Contudo, era significativamente maior do que o comum, seus músculos robustos e definidos lembrando os de um chimpanzé. — Espera… Você é…

O macaco soltou um grito selvagem e avançou com uma fúria inesperada. Chiriu só teve tempo de erguer a espada em defesa. O animal desferiu um golpe violento, mas não contava com a lâmina afiada da espada, que se interpunha em seu caminho. O impacto do punho contra o gume foi tão intenso que a espada não apenas bloqueou o ataque, mas cortou o punho do animal com uma precisão letal. O braço se partiu em dois, os ossos estalando e se fragmentando com um estalo seco, enquanto o macaco caía para trás, com a dor e a surpresa estampadas em seu semblante.

“Para um soco ter causado tanto estrago… merda!” Os gritos desalentados do monstro ecoavam pela floresta, um som dilacerante que preenchia o ar com uma sensação de horror incontrolável. Seu braço estava partido em dois, os ossos expostos e cobertos de sangue que se misturava com o chão coberto de folhas secas e caídas. O impacto do soco havia sido tão devastador que parecia ter transformado o fio da lâmina em algo mágico, cortando carne e ossos com uma facilidade chocante. Era de se parabenizar quem havia forjado a arma, tamanha era sua durabilidade. Contudo, os pensamentos de Chiriu não estavam voltados para a maestria da lâmina, mas sim para o espetáculo grotesco da carne e osso expostos, que fazia uma onda de náusea subir em seu estômago. Não havia tempo para fraquejar, pois os grunhidos agonizantes do monstro soavam como um clamor desesperado, um sinal de alerta para os outros.

Assim, como um pesadelo coletivo, centenas de criaturas semelhantes começaram a emergir das copas das árvores. A cena era apocalíptica, com os macacos descendo em massa, uma maré de corpos peludos e ameaçadores que obscureciam o céu com uma nuvem de desesperança. Suas expressões ferozes e olhos brilhantes transmitiam uma ameaça iminente, enquanto suas garras se afiadavam em um frenesi de antecipação.

— Ah, merda! — exclamou Chiriu, o desespero em sua voz não deixando espaço para dúvidas. Não havia como enfrentar todos aqueles seres. A única opção sensata era correr, sem sequer dar uma última olhada para trás.

Mas as criaturas não estavam dispostas a ser meros espectadores. Os gritos ensurdecedores dos macacos soavam como uma trombeta infernal, um clamor que ressoava pela floresta, anunciando a caçada. Eles pisotearam o corpo do companheiro ferido com uma indiferença cruel, ávidos por carne fresca e prontos para atacar qualquer alvo que encontrassem em seu caminho.

Chiriu corria pela floresta, tentando descer a íngreme elevação. O ar rarefeito na altitude dificultava sua respiração, e cada passo se tornava mais extenuante, como se a própria gravidade estivesse conspirando contra ela. O cansaço se apoderava dela, e ela sabia que, se não encontrasse um alívio, seu ritmo desesperado logo a levaria ao chão.

Enquanto corria, um dos macacos atrás dela apanhou alguns cipós e os amarrou com destreza. O laço verde girou no ar como um anel mortal antes de ser lançado com precisão. Chiriu só percebeu a ameaça quando a corda caiu sobre ela, envolvendo-a com uma força constrangedora. O macaco musculoso puxou o laço com uma determinação feroz, apertando-o e imobilizando-a, lançando-a ao chão.

De repente, o corpo de Chiriu foi arrastado pelo solo, movendo-se com um vigor brutal em direção às criaturas que a cercavam. As expressões severas dos macacos, alguns com olhos de predadores famintos, observavam-na com uma intensidade intimidante. Antes que pudesse reagir, começou a sentir o chão se afastando sob seus membros, seu corpo estava sendo erguido e suspenso no ar. Um dos macacos, segurando uma das extremidades da corda, subiu ágilmente em uma árvore e começou a puxá-la com uma força sobre-humana.

— Não, não, não! — A voz de Chiriu ecoou com um pânico inimaginável, enquanto era arrastada pela floresta e pendurada de cabeça para baixo, amarrada a uma árvore robusta. O medo e a impotência a envolviam como um manto sufocante, enquanto balançava no ar, exposta e vulnerável. Os macacos que a capturaram observavam com um prazer cruel, seus olhares implacáveis, brilhando com uma satisfação selvagem. — Alguém! Socorro!

Era uma humilhação gritante, clamando por socorro de tal forma. Contudo, em momentos de desespero, até mesmo os mais orgulhosos perdem a dignidade, gritando como crianças aterrorizadas pelo bicho-papão.

Passos ecoaram através da floresta, a batida se aproximando com um ritmo firme e ameaçador. Apesar da leveza dos passos, a sensação de perigo era palpável. Emergindo das sombras das árvores, respondendo aos gritos de socorro da dama em perigo, apareceu um jovem com uma aparência quase etérea. Seu cabelo parecia feito de fumaça, pelo tom acinzentado, e seus olhos eram faróis de confiança e satisfação inabaláveis. Era Galean em todo o seu esplendor, com uma presença que misturava confiança e autoridade.

— Caramba, acabei de exterminar algumas aves irritantes; foram fáceis de lidar. Mas e vocês? — Ele desenhou suas lâminas com um gesto fluido, apontando uma para os macacos, seus olhos brilhando com um desafio animado. Em seguida, desviou seu olhar para a jovem pendurada. — Além disso, terei que ensinar-lhes como tratar uma dama com o devido respeito.



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