Volume 2
Capítulo 135: Respeito a Vida
Caminhando entre as árvores e arbustos da floresta, iluminados apenas pela tênue luz da lua, Patrick e seu mais novo aliado, ou, melhor dizendo, subordinado, desbravavam o terreno com passos firmes. O jovem de cabelos vermelhos, com uma aura de tranquilidade quase imperturbável, avançava com a segurança de quem conhecia bem o caminho, como se os monstros que assombravam a região fossem meras sombras em seu horizonte, inexpressivos, formigas que facilmente seriam esmagadas. Em contraste, Vincent, o novo parceiro, não conseguia manter a mesma calma. Cada pequeno ruído, seja o farfalhar das folhas ou o canto distante das corujas, fazia com que seu olhar se voltasse nervosamente para a origem do som.
— É… não querendo ser mal-agradecido nem nada, mas… eu realmente tenho que carregar isso? — Vincent perguntou, sua voz carregada de desânimo, tingida de receio. Em suas costas, havia uma carcaça monstruosa carregada por ele, e o sangue que escorria da peça sujava sua roupa.
Patrick virou o rosto com um movimento lento e calculado, lançando um olhar penetrante por cima do ombro. Seus olhos, fixos e intensos, transmitiam uma severidade silenciosa.
— Tsc… Você é fraco, inútil e, francamente, pouco me será útil em batalhas — respondeu com uma dureza que parecia penetrar a pobre alma de Vincent. — Sua única função será carregar as carcaças e outros itens, para que eu possa lutar sem impedimentos. Portanto, sim, você tem carregar.
— Mas está pesado… — tentou argumentar, sua voz tremendo com a frustração.
— Mais uma reclamação, e eu te garanto que vou fazer com que você feche essa boca de um jeito nada agradável — interrompeu Patrick, sua voz impregnada de uma ameaça velada que parecia pairar no ar. O tom frio e cortante não deixava dúvidas de que ele não estava brincando.
Vincent imediatamente se calou, seu corpo inteiro estremeceu com um medo que não podia ocultar. Como Patrick sempre quis, o uso do medo para controlar os outros provava ser a estratégia mais eficaz. Com um tom severo e carregado de desprezo, prosseguiu, cada palavra ressoando como lâminas afiadas que cortavam o silêncio tenso:
— Eu realmente não compreendo por que você reclama tanto. Sendo que, parte dessa criatura ficou para trás porque, se não fosse por isso, com essas coisas patéticas que você tem a coragem de chamar de “músculos”, nem sequer conseguiria levantar o cadáver do chão.
Vincent abaixou os olhos, sentindo a umidade fria da pressão que parecia se instalar em sua nuca, uma sensação que o fazia tremer involuntariamente. Continuar a reclamar não adiantaria; na verdade, só agravaria a situação, provavelmente irritando ainda mais Patrick, algo que Vincent temia profundamente.
A carcaça pesada do tigre, que ele carregava com esforço, parecia se arrastar atrás dele a cada passo vacilante. Ele desviou o olhar cansado para a cabeça do animal, a parte da carcaça que haviam decidido levar, ou melhor, que o outro havia decidido levar. Vincent não teve voz nem nisso. Era inacreditável: aquele era o mesmo tigre que o havia perseguido durante toda a tarde, antes de Patrick encontrá-lo sozinho e tremendo, escondido em um canto sombrio.
Quando aceitou a “ajuda” do rapaz e saiu do esconderijo, Vincent se deparou com a visão surreal do felino estendido no chão, incapaz de acreditar no que via, parecia um devaneio. O tigre, era uma besta imensa, robusta e vigorosa, mas o outro havia o abatido com uma facilidade quase desdenhosa. Naquele momento, Vincent experimentou um terror absoluto, um medo irracional que emanava da aura que tornou-se ainda mais intimidadora de Patrick. Sentiu-se submerso em uma sensação de impotência que o forçava a aceitar seu papel como "subordinado" do rapaz, obedecendo a todas as suas ordens sem questionar, sendo um brinquedo para que pudesse continuar a viver.
"Sempre alguém me usando… As coisas nunca mudam…" refletiu Vincent com amargura. Seu pensamento vagava de volta para a vila onde crescera, onde fora constantemente maltratado e usado como um saco de pancadas, sempre dominado pelo medo. Havia alimentado esperanças de que, ao envelhecer e se tornar mais forte, sua situação mudaria. No entanto, ali estava ele, mais uma vez servindo como instrumento para alguém mais poderoso, reduzido a um mero carregador de cargas, um brinquedo ou uma mula.
Patrick desviou rapidamente o olhar para trás, notando a figura magricela de Vincent quase desmoronando sob o peso de sua carga. Um grande e pesado suspiro escapou dos lábios de seus lábios. Aquele moleque era tão franzino que mal conseguia sustentar o próprio peso. Era evidente que, se continuasse assim, não daria mais alguns passos antes de sucumbir com a carga nas costas.
Era uma total vergonha, um espetáculo de fraqueza e incompetência que despertava o mais profundo nojo e desprezo em Patrick.
No entanto, ele ainda precisava do rapaz inteiro e em condições mínimas para carregar suas coisas. Além disso, tinha a fome, que embora incômoda, era um sofrimento que Patrick poderia suportar, mas para que se torturar desnecessariamente?
Com tudo isso em mente, olhou ao redor e avistou uma clareira próxima. Seria um bom lugar para parar. Chamou Vincent, que, confuso, mas submisso, imediatamente o seguiu.
— Coloque a carga ali — ordenou Patrick, apontando para um ponto na extremidade da clareira. — E vá procurar alguns gravetos secos.
Vincent, claramente desanimado, obedeceu à ordem e colocou a carga no local designado. Porém, ao se virar e dar um passo em direção à densa e sombria floresta à sua frente, hesitou, como se uma parede invisível o barrasse, impedindo-o de avançar. O pavor, ou medo irracional se apoderou dele, ao encarar a densa e sombria floresta, onde teria que se embranhar
— É... Senhor Patrick… — A voz de Vincent tremia, carregada de temor e sem nem um resquício de ousadia. Nunca foi fácil para ele tentar se impor. Patrick, com sua expressão carrancuda e de poucos amigos, lançou um olhar severo que parecia capaz de amedrontar até mesmo um espectro. A presença intimidadora de Patrick não ajudou a aliviar o medo de Vincent, que engoliu em seco antes de prosseguir, ainda tremendo: — Eu realmente preciso ir até o meio da floresta?
Patrick, ao ouvir a pergunta, franziu a testa e lançou um olhar para a floresta à frente. Não havia nada à vista que indicasse qualquer perigo imediato, apenas a sombra densa das árvores e o silêncio profundo que preenchia o ambiente. Ele observou Vincent com uma mistura de incompreensão e impaciência, sua expressão permanecendo inalterada e severa.
— E por que dessa pergunta? — Patrick inquiriu, sua voz soando impiedosa e direta.
— É que está... Um pouco escuro demais e...
Patrick estreitou o olhar com intensidade, emanando uma aura intimidante que não deixou espaço para dúvidas. Vincent entendeu o recado não verbalizado e acelerou os passos em direção à floresta sombria, em busca dos gravetos necessários para acender a fogueira.
— Fraco... inútil... Ele deveria ser mais suave — resmungava sozinho, enquanto apanhava gravetos que pareciam adequados para uma fogueira. O murmúrio irritado saía entre dentes cerrados, e suas mãos, sujas e trêmulas, vasculhavam o chão com ansiedade. — E aquele olhar? Como alguém pode ter um olhar daqueles? É de arrepiar os pelos da... Ah, merda...
Seus olhos se fixaram em uma sombra imensa projetada no chão, e lentamente seu olhar se ergueu até encontrar os dois globos vermelhos brilhando na penumbra. A presença daquele olhar demoníaco, daquela sombra colossal, era essa a causa dos gritos agudos e histéricos que ecoavam pela floresta, espantando qualquer criatura que se atrevesse a se aproximar. O som, uma mistura angustiante de medo e frustração, gerava uma atmosfera de pânico. Do outro lado da clareira, Patrick não conseguiu ignorar o tumulto.
— O que aquele… Ah, desgraçado! — Patrick amaldiçoou entre dentes, observando a figura franzina que corria desordenadamente em direção à clareira, como um imbecil, fazendo o sangue do rapaz ferver. O que quer que estivesse perseguindo o infeliz estava sendo atraído na direção de Patrick. Ele sentiu uma onda de frustração e raiva ao ver a situação se desenrolar.
Não havia muito que pudesse fazer agora. Gritar com o idiota não resolveria nada; seus gritos agudos eram tão penetrantes que abafavam qualquer outro som ao redor.
Patrick soltou um bufar profundo e ensurdecedor, semelhante ao rugido de um dragão enfurecido. A respiração pesada e irregular era a única coisa que denunciava seu ódio, enquanto tentava manter uma aparência de calma superficial. A última coisa que ele precisava naquele momento era perder o controle e acabar matando o desajeitado que, sem querer, havia atraído uma criatura perigosa para a área onde estavam planejando acampar. Mas uma coisa era certa: vontade não faltava.
Vincent, com uma velocidade surpreendente, passou por Patrick como um borrão, sua corrida quase parecendo mais rápida do que o eco dos seus gritos finos que ainda ressoavam no ar. Patrick, agora com a ira fervendo dentro dele, manteve-se firme, observando a criatura que o desajeitado havia atraído para o acampamento.
A fera que se aproximava era semelhante ao tigre que haviam enfrentado antes, mas com uma diferença marcante: seu corpo estava ereto, sustentando-se em duas patas como um humanoide. Imponente e colossal, a criatura tinha pelo menos duas ou três vezes o tamanho de Patrick, com músculos que se destacavam como os de um gigante. Seu corpo era coberto por uma pelagem densa e escura, que refletia a luz da lua com um brilho sinistro.
O olhar da fera era de desdém absoluto, como se Patrick fosse uma simples mosca importuna que ousara atravessar seu caminho. Seus olhos cintilavam com uma intensidade feroz, e o rosnado que emanava de sua garganta estava carregado de uma hostilidade primitiva, como se a mera presença do jovem fosse uma afronta direta à sua autoridade natural.
A frustração de Patrick aumentava à medida que a situação se desenrolava. Ele se voltou para Vincent com um tom carregado de severidade, sua voz implacável cortando o ar como uma lâmina.
— Você só não vai morrer, Vincent, porque estamos em uma competição e cada ser que enfrentamos conta pontos — declarou Patrick, sua voz firme e autoritária, não deixando espaço para dúvidas sobre a seriedade de suas palavras. À medida que falava, uma lança começava a se materializar em sua mão, seu brilho metálico lançando reflexos prateados na clareira. — Mas assim que eu acabar com essa maldita criatura, vamos ter uma conversa. E não pense em fugir, entendeu?
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Na outra parte da floresta, em algum momento mais cedo, a terra tremia sob o impacto de poderosas pancadas que reverberavam por toda a área. Os animais, aterrorizados, disparavam em todas as direções, enquanto as aves, assustadas pela barulheira, se lançavam ao céu em uma nuvem frenética. No epicentro desse caos, dois gigantes se enfrentavam em um confronto titânico. De um lado estava Graug, o giganoide, e de outro, um ciclope colossal, cuja estatura era o dobro da do já imenso Graug.
A lâmina curva de Graug cortava o ar com uma fúria descomunal, sua superfície reluzente cortando os raios de sol que penetravam a copa das árvores. O ataque foi bloqueado com um estrondo ensurdecedor pelo porrete robusto do ciclope, cuja força parecia quase desumana. Cada choque entre a lâmina e o porrete gerava ondas de choque que estremeciam o solo, fazendo as árvores ao redor balançarem e as folhas caírem em uma chuva constante.
— Nada mal para um… o que exatamente você é? — perguntou o ciclope, enquanto dava um passo para trás, recuperando o fôlego.
O giganoide não lhe deu tempo para descansar. Com uma velocidade surpreendente, avançou novamente, desferindo um golpe horizontal. O ciclope bloqueou o ataque com precisão e força, o impacto avassalador criou uma onda de ar que fez as copas das árvores se balançarem e arrancou flores e gramíneas do solo, lançando-as ao vento.
Ao toque das armas, o confronto se estabeleceu em um impasse feroz. Graug pressionava com toda sua força, tentando forçar a lâmina adiante, enquanto o ciclope usava seu porrete para impedir que a lâmina avançasse. Cada movimento parecia uma batalha titânica, com o som das forças colidindo ecoando pela floresta… De fato, eram dois monstros se enfrentando.
— Graug é Graug — respondeu o giganoide, seus olhos fixos nos do ciclope enquanto exercia uma força descomunal. Suas palavras eram carregadas de uma determinação quase primitiva.
— Hah! Eu sou Lunicos — respondeu o ciclope, com um sorriso cruel se formando em seu rosto. De repente, canalizou uma força tremenda, empregando cada músculo de seu corpo na tarefa de desviar a lâmina de Graug. O esforço foi tão intenso que a espada do outro foi afastada por um instante, permitindo que a abertura se revelasse. Aproveitando a brecha, Lunicos não hesitou e lançou um soco poderoso contra a barriga do giganoide. O impacto foi brutal, e Graug vacilou para trás. — Pelo menos foi assim que ele me chamou.
Graug sentiu um impacto doloroso na boca do estômago, um choque tão intenso que lhe fez perder o fôlego por alguns segundos. Instintivamente, levou uma mão à área atingida, enquanto seu rosto se contorcia em dor. Sem tempo para se lamentar, ele levantou o olhar irritado em direção ao seu agressor, apenas para observar o porrete se aproximar de seu rosto com voracidade. Em um reflexo de sobrevivência, levantou uma mão na tentativa de se proteger, buscando bloquear o golpe, ou no mínimo diminuir os danos.
A arma ao colidir com a defesa improvisada do giganoide, produziu um impacto tão forte que o torso da mãe dele imediatamente se encheu de dor, provocando um gemido agônico que escapou-lhe dos lábios.
Finalmente recuperando a capacidade de respirar, ele se preparou para retaliar. No entanto, seu esforço foi interrompido ao perceber, com horror crescente, a ponta maciça do porrete se aproximando de sua face.
O golpe atingiu seu rosto com uma brutalidade avassaladora, fazendo sua cabeça se inclinar para trás com um estalo seco. Respingos de sangue e saliva se espalharam no ar, como uma névoa de agonia, enquanto o ciclo de violência persistia.
Cambaleando para trás atordoado e sem rumo, Graug lutava para recuperar o equilíbrio, mas sem sucesso. Nesse instante de extrema vulnerabilidade, sentiu uma nova onda de dor, desta vez vindo do lado esquerdo do rosto, antes de ser derrubado no chão. Sem forças para se defender, ele caiu de forma desajeitada, completamente à mercê do seu adversário.
— No início, pensei que você fosse forte, mas acho que me enganei — murmurou Lunicos, aproximando-se lentamente e mergulhando o ambiente em uma penumbra crescente, que parecia consumir qualquer fragmento de luz que pudesse iluminar Graug. — Você é bem fraco, Graug.
“Você é fraco, Graug”, palavras que ele ouviu uma vez, e foi o dia mais dolorido de sua vida. Talvez por este motivo, seus olhos se abriram com um brilho de fúria implacável, e o sangue que corria por suas veias parecia ferver, transbordando dos lábios cortados e se misturando ao suor que escorria de sua testa. A raiva o envolvia como uma chama voraz, consumindo cada pensamento, cada sensação. Seus dedos robustos se agarraram com força no cabo da espada, os nós brancos de tanto esforço, a pressão impondo marcas na pele. Graug havia perdido o controle para a ira momentânea.
“Ele…” O ciclope podia sentir algo mudando no ambiente, algo mudando naquele rapaz. Uma fúria crescente inundando o ar. Lunicos, temendo a força que estava se desenrolando, preparou-se para o golpe final.
No entanto, antes que pudesse sequer iniciar o movimento, um impacto súbito e imprevisto fez seu estômago afundar, como se um martelo invisível o atingisse. O ar foi violentamente expulso de seus pulmões, e seus pés perderam o contato com o solo. Ele viu as árvores se desfocarem ao redor enquanto seu corpo era arremessado através do espaço, girando em uma espiral desordenada. O zumbido do vento ao seu redor era o único som que conseguia ouvir, até que, com uma sequência aterradora, colidiu com uma, duas, três, quatro, cinco, seis árvores, antes de finalmente parar, o impacto das batidas deixando-o atordoado e sem forças jogado no chão.
Graug recolheu a perna que usara para desferir o golpe, levantando-se com um ódio tão intenso que dava a clara impressão de emanar por cada poro de seu corpo. À sua frente, o cenário era um testemunho de destruição incomensurável. Árvores haviam sido reduzidas a toras retorcidas, e o chão, onde Lunicos havia caído e deslizado, mostrava a trilha de um meteoro em queda. A cena era um retrato brutal de devastação, um testemunho mudo de que apenas uma força monstruosa poderia ter causado tamanha destruição.
— Haha… Que avassalador — Lunicos ressoou, apoiando-se nas madeiras retorcidas das árvores despedaçadas, tentando recuperar a estabilidade. O ciclope, ainda atordoado, esforçou-se para erguer-se e se preparar para o embate iminente.
Graug, com uma expressão impassível, balançou sua espada e, sem hesitar, avançou com determinação em direção ao ciclope. Lunicos, por sua vez, firmou a mão em seu maciço porrete, o olhar fixo no oponente enquanto dava pesados pesados em direção ao giganoide. À medida que se aproximavam, seus passos se tornavam cada vez mais fortes e intensos. O solo abaixo deles parecia tremer e se ondular como se um terremoto estivesse se formando. As árvores ao redor se balançavam violentamente, suas folhas e galhos se agitando como se fossem meros brinquedos na força dos seus passos daqueles dois titãs.
À medida que se aproximavam, a velocidade de seus movimentos aumentava, comparável à de cavalos desgovernados em plena corrida, sem planos de frear. Graug ajustou a posição da espada, e Lunicos preparou seu porrete com uma fúria crescente. De repente, mas finalmente, se encontraram. O que aconteceu em seguida só podia ser descrito como um impacto estrondoso, e um choque monstruoso, sem qualquer comparação possível. Árvores, velhas e novas, próximas ao epicentro da batida, não resistiram à pressão. Suas raízes se desintegraram e o solo se rendeu, rachando sob a força do confronto. A floresta inteira pareceu rugir como uma besta enfurecida, e a onda de impacto se propagou como um vendaval furioso. Competidores a quilômetros de distância, nas extremidades da floresta, ouviram o estrondo, confundindo-o com o rugido de uma criatura colossal. Sentiram uma leve brisa, sem imaginar que era fruto de um impacto devastador.
O porrete de Lunicos, incapaz de suportar a força bruta do impacto, se partiu em dois, estilhaçando-se em pedaços. Com o caminho agora livre, Graug não perdeu tempo. Com uma precisão mortal, cravou a lâmina no peito do ciclope. A espada penetrou através da pele grossa, carne e ossos, avançando até perfurar o coração do gigante e emergir pelas suas costas.
— Você… — murmurou Lunicos, olhando para baixo com um olhar opaco, enquanto a lâmina reluzente se manchava com o carmesim do seu sangue e a prata desaparecia em seu corpo. A queimação insuportável tomou conta dele, e as forças em suas pernas se esvaíram lentamente, fazendo-o cair de joelhos. — Que força…
Essas foram suas últimas palavras antes que o brilho em seus olhos se apagasse completamente. Seu imenso corpo desabou ao solo com um baque retumbante, reverberando pela floresta. Graug permaneceu em pé, imponente, diante do corpo de seu oponente caído. Ao redor dele, um círculo de cerca de dez metros se estendia, onde a floresta, antes densa e verdejante, havia sido reduzida a uma clareira brutal. O cenário era um testemunho silencioso da devastação causada pela colisão titânica de dois gigantes em seu auge.
— Graug exagerou… — Ele murmurou, sua voz carregada de um ressentimento sombrio.
Com passos pesados e calculados, aproximou-se do corpo caído. Suas mãos, agora firmes e determinadas, fecharam-se em torno do cabo da espada, puxando-a do cadáver com um movimento brusco. O metal da lâmina deslizou através da carne e dos ossos, arrancando pedaços do coração. A cena era brutal; fragmentos do órgão ainda exalavam um vermelho vívido. Ele olhou para o corpo desfigurado com um misto de raiva e autopiedade.
— A culpa foi sua por provocar Graug…
Tentava descarregar a culpa pela devastação que causara, atribuindo-a ao cadáver que agora parecia um mero receptáculo de sua frustração. Com um gesto impiedoso, brandiu a espada, liberando os pedaços do coração que permaneciam agarrados à lâmina. O sangue, brilhante sob a luz fraca que filtrava-se pelas copas das árvores, espirrou em um arco sinistro, tingindo o chão e os pedaços de tronco de vermelho. Quando o fluxo parou, a espada revelou uma superfície prateada e limpa, agora à vista após a carnificina.
Ele guardou a lâmina na bainha com um movimento automático, o brilho da prata desaparecendo novamente sob o couro. Ignorando a caverna atrás de si, que outrora lhe trouxera uma sensação estranha e inquietante, virou as costas para o espaço escuro e opressor. Com passos firmes e decididos, embrenhou-se na mata ao redor, o som dos galhos e folhas estalando sob seus pés era o único testemunho de sua saída apressada e imperturbável.
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No coração de um bosque exuberante, que poderia ser descrito como uma visão quase celestial, Jie Ming encontrava-se em plena serenidade. O cenário ao seu redor era um mosaico de cores vibrantes e perfumes doces, com flores em plena floração, suas pétalas em tons de rosa, amarelo e violeta, balançando suavemente ao ritmo da brisa suave. Os raios de sol filtravam-se através da densa copa das árvores, criando um padrão de luzes e sombras que dançava sobre o chão coberto de musgo.
Sentado em posição de lótus no centro deste refúgio natural, Jie Ming estava imerso em uma meditação profunda, com os olhos fechados e a mente focada. Seu peito subia e descia com um ritmo calmo e constante, a respiração tão controlada que parecia quase etérea, como se ele estivesse em perfeita harmonia com o próprio ambiente.
Mesmo com os olhos fechados, Jie Ming estava completamente sintonizado com o que acontecia ao seu redor. Ele sentia a presença de cada elemento do bosque com uma clareza impressionante. Seu ouvido apurado captava os sons quase imperceptíveis que escapavam à maioria dos mortais. Como por exemplo, ele podia distinguir o suave roçar dos bicos das aves contra suas penas a vários metros de distância, um som tão sutil que para qualquer outro ser humano seria inaudível. Para Jie Ming, no entanto, era como se cada movimento das criaturas ao redor fosse um delicado suspiro no silêncio.
Ele já estava naquela posição há várias horas, desde o momento em que chegou a este recanto paradisíaco. A serenidade do local, com sua vegetação exuberante e o suave murmúrio da água, parecia suplicar por uma pausa, como se o próprio ambiente implorasse que ele se entregasse à meditação sem interrupções. Jie Ming interpretou isso como um sinal direto de Buda, ou algo semelhante, e prontamente atendeu ao chamado.
Não era algo que o incomodava; o chão, coberto por um tapete de folhas secas e musgo macio, parecia ter sido preparado para recebê-lo de forma tão acolhedora quanto possível. Para Jie Ming, a sensação de estar ali, em sintonia com a natureza, era uma forma de comunhão sagrada. Ele poderia permanecer ali por dias a fio, pois não achava desconfortável ou entediante, muito menos desagradável.
Ele havia aprendido a desconsiderar as dores físicas, transformando o sofrimento em uma prática constante de desapego. Assim, as sensações de fome, cansaço ou o desconforto de permanecer na mesma posição por tanto tempo não encontravam espaço em sua mente. Em vez disso, cada pequeno incômodo se transformava em um lembrete constante de que ele estava percorrendo mais um dia em sua jornada espiritual; uma jornada interminável de aprendizado e evolução, tanto da mente quanto da alma.
Enquanto sua mente vagava livremente, aprofundando-se cada vez mais no fluxo espiritual e alcançando um estado primitivo do nirvana, seus ouvidos apurados captaram um grunhido de sofrimento, que parecia vir de algum lugar próximo.
“Há alguém ou algo em sofrimento…” Ele abriu os olhos com lentidão, após tê-los mantido fechados por tanto tempo. A luz natural que invadiu sua retina foi como um choque, como se tivesse dormido por muitas horas. O desconforto fez com que ele colocasse a mão à frente do sol, projetando uma sombra que suavizava o brilho intenso sobre seu rosto.
Levantou-se com cuidado, esticando-se lentamente. Cada músculo, após um longo período de inatividade, se esticava e se ajustava com relutância, enquanto cada articulação lembrava o movimento com um estalo surdo. Ele respirava profundamente, sentindo a rigidez ser substituída por uma leve sensação de renovação.
Com uma expressão serena que parecia fazer parte de sua essência, Jie Ming começou a avançar pelo bosque, guiado pela melodia sutil da natureza. As árvores imensas, com troncos antigos cobertos de um espesso manto de musgo, se erguiam como sentinelas silenciosas, formando um teto verdejante que filtrava a luz do sol em padrões de sombras dançantes. Flores de cores vibrantes, em tons de lilás e vermelho, entrelaçavam-se com arbustos densos, criando uma tapeçaria viva de formas e matizes que pareciam mudar a cada passo.
Com o passar do tempo, a caminhada de Jie Ming, antes leve e fluida, começou a se tornar mais árdua. Cada passo que dava parecia resistir ligeiramente, como se a floresta estivesse se fechando ao seu redor, tentando ocultar um segredo antigo e profundo. Pequenos animais, inquietos e curiosos, espreitavam pelos arbustos e corriam ligeiramente próximo à sola de seus pés, fugindo ao menor sinal de intrusão.
Após avançar por algum tempo, Jie Ming encontrou algo que fez seus olhos se abrirem um pouco mais.
— Oh… Pobre criatura — murmurou, seus lábios quase movendo-se imperceptivelmente. À sua frente, uma entidade colossal revelava-se entre as sombras das árvores.
Com duas cabeças e um corpo imenso que lembrava um lagarto, mas em uma escala mil vezes maior que um pequeno lagarto comum, a criatura era ao mesmo tempo imponente e majestosa. No entanto, a imponência estava mais na sua presença imensa do que em qualquer esplendor físico, pois a pobre besta parecia completamente incapacitada. Suas pernas estavam imóveis, e faltava metade de cada uma delas, como se um predador cruel tivesse deixado marcas profundas na sua carne.
— Algum outro ser deve ter te caçado… O ciclo natural da vida. O que Buda deseja que eu faça? — perguntou ao universo, sua voz carregada de um lamento quase reverencial.
Seus estudos e ensinamentos haviam-lhe ensinado que tirar a vida de qualquer ser vivo por motivos egoístas era um erro grave e impensável. Por isso, Jie Ming jamais caçara uma criatura; por isso, sua pontuação permanecia imutável, um solitário zero. Embora isso pudesse parecer paradoxal, alguém que evitava a morte por motivos triviais, participar de uma competição cujo propósito era eliminar seres para acumular pontos… Isso não o perturbava. Para Jie Ming, tais contradições eram meros detalhes.
Ele acreditava firmemente que Buda lhe proporcionaria as circunstâncias necessárias para resolver seus dilemas e descobrir suas próprias respostas, assim como a situação que se desenrolava diante dele agora.
Ao observar a criatura, seu coração se enchia de um pesar profundo. Ele buscava uma maneira de salvar aquele ser indefeso, mas, após examinar cuidadosamente a situação, compreendeu que não havia alternativas. A dor da criatura não deveria ser prolongada; o sofrimento não era algo que ele poderia permitir. O único caminho que restava era o de um fim rápido e misericordioso.
Com mãos um pouco trêmulas, mas resolutas, ele retirou a faca da bolsa lateral e se aproximou com extremo cuidado. O ambiente ao redor parecia silenciar em respeito à gravidade do momento.
— Seu sofrimento não será eterno… Você irá descansar em paz — murmurou ele, sua voz carregada de um lamento silencioso. Seus dedos, suaves como uma brisa, tocaram a cabeça da criatura. O animal fechou os olhos, como se o toque fosse um convite para a paz que ele estava prestes a oferecer. O monge deslizou sua mão pela pele do ser, sentindo o calor e a textura, enquanto procurava o local ideal para a ação final. Seu coração palpitava, mas sua mente estava clara e centrada.
Fechou os olhos e, com um profundo senso de conexão espiritual, percebeu o ponto exato onde o golpe deveria ser dado.
Acariciou o ser com a delicadeza de quem oferece ternura pura, mantendo um contato suave e respeitoso. Em seguida, começou a recitar o mantra com uma voz cheia de reverência:
— Que todos os méritos acumulados por mim e por outros seres sencientes, pela prática do Dharma, pela geração de mérito e pela realização de ações virtuosas, sejam dedicados à paz e ao bem-estar desta pobre criatura, para que sua mente encontre serenidade e liberdade do sofrimento… — Enquanto proferia essas palavras, seu movimento foi rápido e preciso; com um gesto firme, cravou a faca. O animal morreu instantaneamente, e em seu semblante permaneceu uma expressão de serena paz. A morte, embora repentina, trouxe consigo uma tranquilidade definitiva. — Que ele encontre uma reencarnação auspiciosa e que todos os seres possam alcançar a iluminação… Que Buda cuide de sua alma até sua próxima reencarnação, — sussurrou com uma suavidade reverente, deixando o silêncio preencher o ambiente.
Embora a ideia de tirar uma vida fosse um ato gravemente ponderado, ele sabia que essa não era uma morte motivada por egoísmo. Era uma decisão nobre, destinada a poupar a criatura de um sofrimento interminável. Enquanto o sofrimento é uma lição que todos devem aprender para compreender o desapego e a verdadeira liberdade, uma criatura não possuía a capacidade para tal compreensão. Portanto, a única opção era encerrar sua dor terrena, permitindo-lhe encontrar a paz e o alívio.