Volume 2

Capítulo 133: Brutalidade Gratuita

A reunião com o líder da Tríade Xué Lián, Duo Chuan, havia chegado ao fim. Com a aceitação de Dalian como colaborador, um desfecho que ele já antecipava, o ambiente estava mais leve. Dalian não dava um passo sem preparar o terreno meticulosamente; qualquer movimento seu era calculado, e não havia dúvida de que ele possuía algum plano ou estratégia por trás de sua postura aparente.

Após a reunião, os dois saíram da sala, mergulhando no corredor suavemente iluminado pelos lustres pendentes do teto alto. As paredes, adornadas com quadros e tapestries elaboradas, refletiam a luz dourada dos lustres, criando um jogo de sombras e brilhos que dançava suavemente ao longo do corredor. O som de seus passos ecoava, ritmado e firme, interrompido ocasionalmente pelos passos pesados dos guardas que patrulhavam o local.

— Espero grandes coisas dessa nossa união — comentou Duo Chuan, com um olhar fixo no caminho à frente, sua expressão imperturbável, mas com um brilho de expectativa nos olhos.

— Claro, digo o mesmo — respondeu Dalian, com um tom suave e ponderado. — Não é querendo me gabar, mas acredito que essa união tem o potencial de transformar o mundo como o conhecemos.

— Hah! Você é um homem de grande confiança — disse, um sorriso se formando em seus lábios. No entanto, o sorriso carregava uma nuance de incerteza, como se ele ponderasse sobre a real profundidade da confiança que depositava em Dalian. — Ah, e não me entenda mal, a confiança é a pedra fundamental de qualquer “empreendimento” bem-sucedido. 

Dalian observava-o com atenção e, ao terminar de escutar, deixou um sorriso calculado curvar seus lábios. Realmente, ele irradiava uma confiança quase tangível, uma confiança que muitas vezes flertava com a arrogância, senão a ultrapassava. No entanto, Dalian não se importava com isso. A prepotência ou a humildade não eram fatores que decidiam a eficácia de alguém; ser humilde não era útil e apenas serviria para que usassem você. No fim, o que realmente importava eram os resultados, e a confiança inabalável que ele tinha sempre garantia o sucesso. A soberba sempre foi a chave de tudo que ele havia feito até os dias atuais.

— Bem, Dalian — começou ele, com uma voz que carregava um tom casual, mas ao mesmo tempo pontuada de expectativas. — Me diga uma coisa: o que fará depois que sair daqui?

Dalian, com uma expressão pensativa, refletiu por um momento. A pergunta era simples, mas carregava um peso considerável, como se fosse um convite para revelar suas intenções mais profundas. Era um terreno perigoso; o mago não podia se expor demais e precisava manter certos segredos bem guardados. No entanto, também não podia simplesmente se calar; precisava falar o suficiente para satisfazer o outro.

— Hmmm… Ainda não pensei muito sobre isso — respondeu, mas era uma bela mentira. Contudo, ele conseguia passar uma credibilidade impressionante em cada sílaba, graças ao tom ameno e controlado. — Provavelmente retornarei aos meus domínios. Lá, começarei a elaborar alguns planos para alcançar meus objetivos. É um processo contínuo de adaptação e estratégia.

— Você disse exatamente essas palavras, não foi? "Quero derrubar reinos, tomá-los como meus, destruir aqueles que se opuserem, alcançar patamares que ninguém jamais imaginou..." — Ele inclinou a cabeça, como se tentasse recordar cada palavra com exatidão, e continuou: — "desejo superar deuses e demônios, conquistar uma força incomparável e silenciar todos que duvidaram de mim", não é isso?

Duo Chuan endireitou a cabeça, girando o pescoço para trás, revelando um lado da face a Dalian. Seus olhos escuros brilhavam com uma intensidade inquietante, como se penetrassem na própria essência do outro, avaliando-o com uma frieza calculista.

— Ora... Que memória impressionante você tem. Sim, são precisamente essas palavras, sem omissões nem adições.

Duo Chuan voltou o olhar para frente, abrindo um sorriso leve. Soltou um leve riso pelo nariz, quase imperceptível. Seus passos eram leves e serenos, um contraste com o som pesado das botas das guardas que passavam naquele momento, como um relógio marcando o tempo de uma marcha inexorável.

— Como eu havia dito naquele momento, isso ultrapassa os níveis pressupostos de insanidade. — Seus olhos escuros brilharam, como uma noite estrelada sem lua. — No entanto, isso despertou algo em mim... Uma vontade de ver você concluir cada sílaba dessas promessas. Por isso... — Ele fez um gesto com a mão, indicando para que Dalian o acompanhasse. — Me siga.

Dalian observou atentamente cada movimento e nuance do comportamento de Duo Chuan, sentindo o peso das palavras ressoando em sua mente. Uma curiosidade crescente começava a dominar seu semblante sereno, revelando a intensidade de seu interesse. Ele sabia que ainda tinha muito a aprender sobre aquele homem para não ser surpreendido no futuro. "Conheça seus inimigos tão bem quanto conhece a si mesmo" era o lema de Dalian, e ele estava determinado a aplicar essa máxima com precisão. Levando isso em conta, pelo que havia notado, Duo Chuan parecia do tipo entusiasta, que gostava do potencial das pessoas e ações. 

Ele seguiu Duo Chuan que caminhava com a confiança de alguém que já havia previsto cada desdobramento, cada reação. Seus olhos, agora com um brilho intenso, refletiam uma determinação férrea, quase obsessiva.

Ao chegarem diante de uma porta robusta, de madeira escura e reforçada com ferro, a mesma porta que Dalian havia escutado grunhidos provenientes de dentro na primeira vez que percorreu o corredor, Duo Chuan fez uma pausa. Sua mão, firme e decidida, repousou sobre a maçaneta fria e envelhecida. Ele se virou ligeiramente para Dalian, e seus olhos, agora ainda mais penetrantes e carregados de um fulgor peculiar, pareciam sondar a profundidade da mente do outro.

— O que verá aqui, Dalian, provavelmente será a sua oportunidade — disse Duo Chuan, a voz carregada de um tom enigmático e desafiador. — É a chance de provar que suas palavras não são meras bravatas vazias, de concretizar aquilo que tanto almeja.

A porta se abriu com um ranger baixo e ameaçador, revelando uma sala ampla e sombria. De dentro, uma mulher mascarada, envolta em um manto escuro e com uma postura imponente, parecia estar em meio a algum trabalho. Dalian reconheceu-a imediatamente, lembrando-se da primeira vez que a viu quando chegou ao local. O líder, quebrou o silêncio opressivo ao chamá-la.

— Esta é a senhorita Lucita — revelou, fazendo um gesto de apresentação com a mão. Lucita virou-se lentamente, seus olhos, brilhando por trás da máscara, fixaram-se em Dalian com uma curiosidade fria e analítica. — E, senhorita Lucita, este é nosso novo colaborador, senhor Dalian.

Duo Chuan observava atentamente a reação dos dois, enquanto Lucita se aproximava de Dalian com passos calculados e silenciosos. O manto dela deslizava suavemente sobre o chão de mármore polido, seus movimentos pareciam meticulosamente orquestrados para intensificar a tensão que já pairava no ambiente. Dalian sentia o peso do olhar dela, como se estivesse sendo escrutinado com uma precisão quase cirúrgica. 

Essa sensação de estar sob um exame minucioso era desconfortável, mas ele a mascarava com uma expressão gentil e controlada. Era irritante, mas não havia alternativa; ele precisava manter essa fachada por um tempo, assumindo o papel de alguém que não era tão perspicaz quanto realmente era.

— Dalian, não é? — A voz de Lucita, apesar da postura imponente e da máscara que cobria parte seu rosto, era suave e envolvente. Ela estendeu a mão, que parecia envolver-se em uma luz tênue, em direção ao mago. — Muito prazer, e seja bem-vindo à organização.

Dalian estendeu a mão, sentindo a leveza do toque dela. 

— O prazer é meu — disse ele, após o aperto, recuando a mão para trás do corpo.

Lucita então voltou sua atenção para Duo Chuan, uma curiosidade evidente em seus olhos.

— Bem, por que me retirou do meu trabalho?

— Na verdade, o motivo tem a ver com seu trabalho… — respondeu, um sorriso vil surgindo em seus lábios enquanto seus olhos se estreitavam ligeiramente. — Dalian, olhe por si mesmo, e me diga: acha que com isso, derrubaremos países?

Ele deu espaço para que Dalian pudesse adentrar o recinto. Lucita, embora confusa, não interrompeu, ficando de perfil na porta e observando o mago passar por ela com uma desconfiança crescente. Dalian, que até então considerava tudo aquilo um exagero, ao ver do que se tratava, congelou instantaneamente. Seus olhos se arregalaram e a boca se entreabriu.

— Isso é...

— É mais uma prova de nosso apoio incondicional… Você queria derrubar alguns reinos, não é? Fazê-los se ajoelhar perante nós... — Duo Chuan aproximou-se lentamente, passando o braço pelos ombros de Dalian. — Esta é a chave, a arma… Às armas…

— Então esse era o motivo daqueles pedidos absurdos ao rei Bartolomeu? — indagou Dalian, ao que não recebeu respostas. 

O mago olhou de soslaio, notando o sorriso maléfico de Duo Chuan confirmando qualquer suspeita, e não pôde evitar esboçar um sorriso igualmente sinistro. O que via ali poderia mudar tudo, fazer seus planos avançarem. Com aquilo, muitos países cairiam de joelhos aos seus pés.

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No meio da floresta, em uma região que parecia saída de um filme de terror, árvores retorcidas estendiam seus galhos como braços esqueléticos, criando um emaranhado sombrio que obscurecia o céu. Arbustos espinhosos e cobertos de musgo rastejavam pelo solo, enquanto um nevoeiro denso se arrastava pelo chão, conferindo ao ambiente um ar ainda mais macabro.

Xu Ying vagava sem rumo definido, a noite já havia caído, e ela sentia-se pequena e vulnerável naquele cenário assustador. Já havia se passado um dia desde sua chegada, e a cada passo dado, a floresta parecia mais densa e opressiva. Ela não havia conseguido acumular um único ponto na competição até agora, uma frustração constante que pesava em sua mente. O objetivo era claro: acumular o máximo de pontos possível. Contudo, a ausência de pontos, embora decepcionante, trazia um certo alívio. Significava que ainda não havia encontrado nenhuma criatura monstruosa que pudesse ameaçar sua vida.

“Isso é coisa de fraca… de uma medrosa…” Ela sabia que aquela conclusão era de alguém sem confiança, de uma covarde que não queria lutar. “Mas para quem eu quero mentir… realmente sou isso…”

Enquanto caminhava perdida na própria melancolia, que pensava já ter superado após a noite musical com Alaric, não percebeu alguns perseguidores sorrateiros atrás de si. Eram canídeos, criaturas de olhos brilhantes e focinhos úmidos, que a seguiam a uma distância segura. As salivas escorriam de suas bocas, formando filetes brilhantes sob a luz da lua, enquanto suas línguas rosadas lambiam os beiços famintos.

Os passos dela eram pesados, arrastando-se pelas pedras do caminho, cada um carregando o peso das suas dúvidas e medos. O som suave das folhas secas sendo esmagadas sob seus pés era abafado pelo som da respiração entrecortada. 

"Para quem eu quero mentir?", repetia-se, como uma canção fúnebre, cada sílaba um golpe em seu já fragilizado espírito. A lembrança da música com Alaric, que outrora parecia ter trazido uma faísca de esperança, agora parecia distante, quase irreal.

Os canídeos, com seus olhos famintos e movimentos furtivos, aproximavam-se cada vez mais, atraídos pelo cheiro da fragilidade. Seus corpos esguios e musculosos moviam-se com uma graça predatória, suas sombras alongadas pelo brilho pálido da lua. O som de um galho quebrando sob uma pata fez com que ela parasse abruptamente… Finalmente, seus sentidos despertaram para o perigo iminente.

— O que…?

Virou-se lentamente, o coração martelando no peito, a mente correndo em círculos de medo e autodepreciação. As criaturas estavam ali, esperando o momento certo para atacar, e ela, perdida em seus próprios pensamentos sombrios, havia se tornado um alvo fácil.

— Ah, merda! — Ela juntou as mãos ao peito, aterrorizada. — Fiquem longe!

Seu pedido ecoou inutilmente no ar noturno. As criaturas não hesitaram por um segundo sequer e avançaram com uma voracidade implacável. Eram pelo menos dez, uma matilha considerável. Seus passos ressoavam no chão como uma marcha mortal, jogando pedras para trás e levantando uma nuvem de poeira que dançava na luz pálida da lua.

“O que eu faço? O que eu faço?” O pavor tomou conta de sua mente, fazendo qualquer pensamento racional desaparecer num clarão angustiante. Seu corpo tremia incontrolavelmente, paralisado pela iminência do perigo, incapaz de qualquer reação que pudesse salvá-la.

Ela se tornou um alvo fácil, e um dos lobos saltou em sua direção com uma precisão mortal. Instintivamente, ela se jogou para o lado, sentindo o vento causado pelo movimento do animal passar rente ao seu corpo. O lobo errou o alvo e aterrissou no chão, mas não demoraria para atacar novamente. A esquiva foi desengonçada, e ela caiu no chão, à mercê dos predadores. Cada respiração era uma luta, cada batida de seu coração ressoava como um tambor de guerra.

Os outros se aproximaram, formando um semicírculo ameaçador ao seu redor, com olhares famintos que brilhavam na penumbra. Seus olhos refletiam uma fome primitiva, quase bestial, que a fez tremer ainda mais de medo.

— Não! Fiquem longe! — Ela gritou, a voz carregada de desespero, enquanto batia os pés no chão, tentando recuar o máximo possível. Seus movimentos eram frenéticos, como se tentasse afugentar os monstros com a mera intensidade de sua vontade. — Saiam daqui! Por favor!

Contudo, os gestos bruscos que ela fazia para assustar as criaturas eram em vão. Para piorar, os espíritos que sempre a protegiam pareciam tê-la abandonado, pois nenhuma alma pairava ao seu redor, nem mesmo a mais frágil centelha de luz. 

Os lobos rosnavam, uma ameaça constante e crescente, prontos para avançar a qualquer momento. Ela continuava a bater os pés com desespero, até que um toque áspero e duro interrompeu sua fuga. Suas pupilas dilataram ao perceber a textura rugosa e impenetrável de um tronco de árvore. Estava encurralada, sem possibilidade de escape.

— Acabou... eu vou... — Ela observou que no meio dos lobos, havia um mais novo, com um brilho diferente no olhar, como se não quisesse fazer o que estava fazendo. — O que...

De repente, suas reflexões foram interrompidas por um vulto negro que passou rapidamente por trás da matilha. Onde havia uma criatura, restava apenas um espaço vazio. Xu Ying desviou o olhar para o lado, percebendo o corpo do animal no alto, pressionado contra uma árvore. Uma faca ou punhal estava fincado sob seu queixo, atravessando até o outro lado, prendendo sua cabeça na árvore. O sangue fresco escorria sem impedimentos, banhando a mão da responsável pelo ataque.

Era uma mulher com uma presença fria e um olhar intenso. Seus movimentos eram precisos, e uma aura de escuridão a envolvia. Lara Fischer, do clã da escuridão.

Os canídeos levaram alguns segundos para processar o ocorrido e detectar a presença da moça. Ela retirou o punhal com um movimento brusco; o aço reluzente, coberto de carmesim rubro, brilhou à luz filtrada pelas copas das árvores. Lara balançou a lâmina no ar, espalhando o sangue no chão à sua direita. Os lobos se voltaram para ela, rosnando com ódio, os pelos arrepiados como se estivessem vendo algo além de uma simples humana.

Ela nem se dignou a verificar Xu Ying com o olhar. Retirou outro punhal de uma bainha na cintura, próximo às costas, e se posicionou, curvando ligeiramente o corpo. As criaturas não aguentaram mais esperar e avançaram. Lara os encarou com intensidade, mas mantendo uma tranquilidade aparente. O primeiro lobo chegou e sua boca se abriu, revelando presas imensas.

Lara não hesitou nem por um instante. Com incrível destreza, jogou a perna para um lado e, em um movimento fluido, a retornou para o outro, desferindo um golpe de calcanhar no lobo que ainda estava no ar. O impacto foi seco e ressoante, atingindo o focinho do lobo com um estrondo agudo. O golpe lançou o lobo fora de seu curso, girando descontrolado pelo ar antes de colidir violentamente com o solo à esquerda. O grito de dor que a criatura emitiu soou como o lamento angustiado de um cão ferido.

Aproveitando o impulso gerado pelo movimento, Lara manteve o pé direito firme no chão, girando sobre o próprio eixo com uma maestria impecável. Com um movimento fluido, sua mão direita se abaixou, e o punhal que segurava brilhou sob a luz do ambiente. Em um corte rápido, deslizou a lâmina pelo rosto de um lobo que avançava ameaçadoramente em sua direção. O brilho metálico da lâmina rasgou o ar, e o sangue jorrou em um arco sinistro. O animal soltou um grunhido agudo, sua trajetória desviando abruptamente enquanto um talho profundo surgia logo acima de seu nariz, com o sangue escorrendo livremente e ensopando o chão.

Lara não teve nem tempo de retornar a postura; imediatamente outro lobo, feroz e impiedoso, saltou na tentativa de mordê-la. Com agilidade, ainda um pouco sem jeito, posicionou o punhal à frente das presas. O animal conseguiu apenas abocanhar a lâmina, fazendo o sangue inundar o paladar. Sentindo a lâmina cortar cada centímetro dentro da boca, ele tentou recuar em meio à dor lancinante.

No entanto, Lara não demonstrava misericórdia. Com um movimento decidido, cravou o segundo punhal com força no centro da testa da criatura. O lobo cessou os movimentos instantaneamente. Sem hesitar, Lara empurrou o corpo do animal para o lado, liberando o espaço necessário para continuar. Os olhos da criatura, arregalados e já sem brilho, foram a última testemunha silenciosa de sua vida que se esvaía.

Os outros chegaram, passando indiferentes pelos corpos inertes de seus companheiros que jaziam sobre o chão úmido da floresta. Lara não esperou por um momento sequer; não tinha intenção de deixar nada ao acaso. Com uma determinação feroz, ela se lançou ao ataque com uma intensidade implacável. Sua presença parecia comprimir o ar ao seu redor, e seus olhos, profundos como o abismo, brilhavam com uma intensidade selvagem, refletindo o fogo da batalha.

Os punhais cortavam o ambiente com uma precisão letal, traçando arcos de destruição que pareciam desafiar o próprio céu. Cada golpe, veloz e certeiro, era um contraste brutal entre a força e a delicadeza. O sangue espirrava em jatos sinistros, manchando a paisagem com marcas vermelhas, como se a própria terra estivesse sendo esculpida pela violência. O cenário lembrava um campo de batalha primordial, onde a força bruta se fundia com a agilidade felina.  

Xu Ying, encostada em uma árvore, observava a cena com olhos arregalados, incapaz de desviar o olhar do espetáculo bizarro que se desenrolava diante dela. O confronto era simultaneamente brutal e hipnotizante. Lara movia-se como uma sombra, uma figura ágil, quase etérea que deslizava entre as árvores, ceifando vidas com facilidade. Sua agilidade parecia transcender qualquer coisa que Xu Ying já tivesse testemunhado, como se fosse uma dança mortal em um palco natural.

Cada movimento era calculado com uma eficiência quase artística, transformando a floresta em um palco para sua performance macabra. Todo aquele sangue derramado era o preço pago por sua exibição de brutalidade. A ausência de compaixão em Lara era palpável, quase tangível, como o cheiro nauseante das vísceras ou o líquido carmesim espalhado pelo ambiente, pintando a tela florestal. Uma aura de crueldade envolvia tudo ao seu redor, intensificando o sofrimento dos lobos, que não sabiam como prosseguir. O desamparo se apossou das criaturas. 

Xu Ying sentia o peso de cada golpe e a intensidade de cada movimento, como se a própria floresta estivesse sendo engolida por um turbilhão de sombras, tamanha velocidade da outra.

Enquanto Xu Ying assistia àquela cena de massacre, uma torrente de sentimentos conflitantes a consumia. O espetáculo de atrocidade era excessivo, e o desdém absoluto de Lara despertava nela um profundo repúdio. A cada nova explosão de violência grotesca, Xu Ying desviava o olhar para o chão, incapaz de suportar a brutalidade desenfreada que se desenrolava diante de seus olhos. O nó na garganta se apertava a cada lobo dilacerado que caía ao solo, e a ânsia se manifestava a cada cabeça aberta, expondo vísceras e miolos.

De repente, os sons horrendos dos corpos sendo perfurados e eviscerados cessaram abruptamente. Xu Ying, com o coração acelerado e a mente perturbada, procurou por Lara. Seus olhos se fixaram na figura da garota, que agora exibia um cadáver de lobo em suas mãos. Lara segurava o animal pela garganta, que ainda estava vivo, debatendo-se freneticamente e emitindo gritos desesperados na tentativa de escapar. O contraste entre a vida que lutava desesperadamente.

Lara, fria e impiedosa, havia guardado um dos punhais e, com o outro ainda firmemente empunhado, cravou-o no peito da criatura. Seu olhar permanecia fixo no lobo, como se estivesse sorvendo cada instante de sofrimento do animal, saboreando os últimos momentos de vida com um prazer sinistro. O silêncio que se seguiu, interrompido apenas pelos últimos gemidos fracos da criatura, acentuava a frieza da cena, tornando o momento ainda mais perturbador e implacável.

Xu Ying estava profundamente enojada, suas pálpebras pesadas quase não conseguiam se manter abertas. A visão diante dela era um turbilhão de emoções cruéis e desoladoras. Apenas um lobo permanecia, menor que os outros, que havia demonstrado relutância em atacar antes, com um olhar peculiar que parecia irradiar uma estranha bondade. Agora, porém, seus olhos estavam repletos de pavor.

À medida que Lara se aproximava, o lobo recuava freneticamente, seus olhos arregalados e o corpo encolhido como se buscasse desesperadamente uma saída que não existia. O pânico da criatura era visível até para cegos, sua respiração rápida e irregular contrastava com a calma apática de Lara. A moça observava o desespero do lobo com um sorriso que misturava satisfação e desprezo. Em seguida, seus lábios se curvavam em um sorriso frio e calculista, que mal tocava seus olhos, que permaneciam sombrios e distantes, como se estivessem alheios à angústia que se desenrolava diante dela.

Então, no instante em que a tensão parecia atingir seu ápice, a visão de Lara foi abruptamente bloqueada por uma nova figura que surgiu entre ela e o lobo. Era Xu Ying, com os braços estendidos de forma protetora, como se erguesse um escudo invisível entre o animal e o que ela percebia como uma ameaça iminente. 

Sua postura era firme e decidida, os ombros retos e a postura rígida, evidenciando uma determinação inabalável. O olhar de Xu Ying, penetrante e resoluto, transmitia uma força interior que contrastava fortemente com o cenário de brutalidade que a precedia.

— O que pensa que está fazendo? — indagou Lara, interrompendo seus passos com uma firmeza inabalável. Seu tom estava impregnado de uma mistura de curiosidade fria e desaprovação.

— Eu... eu... — Xu Ying hesitou, desviando o olhar para trás e fixando-se no lobo que estava a poucos metros atrás dela. O animal, com a pelagem desgrenhada e os olhos trêmulos, parecia ainda mais pequeno e vulnerável em meio ao ambiente hostil. — Deixe-o ir. Ele nunca quis me machucar.

Desde o momento em que avistou o lobo, Xu Ying sentira que ele não era uma ameaça real. O olhar indeciso da criatura e sua postura defensiva, mesmo durante o confronto com Lara, revelavam sua verdadeira natureza. O lobo havia se mantido à distância, evitando qualquer confronto direto, como se sua única intenção fosse escapar.

— Ah, é? — Lara arqueou uma sobrancelha e balançou o punhal no ar, a lâmina refletindo a luz de forma ameaçadora, como se fosse uma extensão de sua própria frustração. — Ele pode ser apenas um lobo jovem agora, mas estava na matilha. Um dia, crescerá e se tornará tão perigoso quanto os outros. — Lara girou a lâmina, apontando-a para Xu Ying com uma expressão endurecida. — Apenas saia do meu caminho. Deixe-me terminar o que comecei.

— Não... ele não fará nada. Apenas fugirá, sozinho. Talvez aprenda a fazer as coisas de outra forma... — Xu Ying tentava convencer Lara, embora soubesse que suas palavras eram pouco mais do que uma ilusão de esperança. — Como eu disse, ele não me atacou. Isso deve significar algo... Por favor...

— Ahhh… Vamos esclarecer algumas coisas, está bem? — Lara ergueu uma sobrancelha, com uma expressão que misturava irritação e indiferença. — Não me importo se ele te atacou ou não. Se ele é apenas um lobinho diferente dos outros, que vai abandonar a merda da vida predatória dele… O que realmente me importa é se ele vale pelo menos cinco pontos, talvez vinte se for raro. Só isso. Entendeu? Ou preciso desenhar?

O olhar de Xu Ying se endureceu instantaneamente. Lara não estava ali para salvá-la; sua presença era movida por um motivo mais egoísta: a ânsia de ganhar pontos fáceis. Toda aquela brutalidade gratuita, aquela cena grotesca, era motivada unicamente pela contagem de pontos. Xu Ying desviou seu olhar severo para o lobo pequeno e aterrorizado sob sua proteção. Tremendo visivelmente, com o medo estampado em cada movimento. Xu Ying foi tomada por uma única vontade: proteger aquele ser.

— Você… — Ela girou abruptamente, seu movimento brusco fez o lobo se encolher, buscando desesperadamente uma rota de fuga ao redor dela. — Fuja! 

— Ora sua! — Lara, tomada por uma raiva instantânea, preparou-se para avançar, o punhal em sua mão brilhava com uma ameaça silenciosa. Mas assim que deu o primeiro passo em direção ao lobo, sentiu algo a prender com força. — O que está fazendo, sua maluca!? 

Xu Ying estava agarrada a Lara com todas as suas forças, seus braços firmes como aço, enquanto Lara lutava para se desvencilhar, empurrando a cabeça e torcendo-se desesperadamente. A batalha de força era desajeitada e intensa, uma luta frenética que mal deixava espaço para respirar. A determinação de Xu Ying era palpável; suas mãos, firmes e resolutas, impediam Lara de avançar, enquanto o suor escorria e o ambiente se tornava cada vez mais carregado.

Enquanto isso, o lobo, visivelmente aliviado, se lançou para a mata densa, desaparecendo na escuridão das árvores. O som de seus passos rápidos se perdeu no ambiente, e o silêncio tenso entre Xu Ying e Lara foi marcado pela luta e pela urgência do momento decisivo, onde apenas os grunhidos de força, se faziam presentes.

— Você deixou ele escapar, sua desgraçada! — Lara, em um acesso de fúria, desferiu uma cotovelada com precisão nas costas de Xu Ying, derrubando-a. O golpe fez a jovem tombar ao chão, com uma dor lancinante irradiando-se pelas suas costas. Lara se agachou, puxando os cabelos de Xu Ying com tenacidade e desumanidade, inclinando seu rosto para que ela ficasse totalmente à sua mercê. — Quem pensa que é para me impedir assim, humana?

— Humana? — A palavra soou estranha nos lábios de um membro da mesma espécie. Notando a confusão no rosto de Xu Ying, ela soltou os cabelos da jovem, fazendo com que a cabeça da coitada batesse contra o chão duro, e dolorosamente frio. — Argh! Droga…

— Ah, inferno, esqueça! — Lara se levantou, um movimento carregado de frustração, guardando o punhal restante na bainha com um gesto impaciente. — Apenas me diga: por que tanta compaixão por um ser como aquele? Consegue ao menos me explicar isso?

O ambiente estava carregado de tensão, marcado pelo som das respirações ofegantes e pelo eco distante de passos apressados. O ar estava saturado com o cheiro metálico do suor misturado ao odor pungente do sangue fresco que manchava o chão. Xu Ying, com um esforço visível, apoiou as palmas das mãos no solo e se ergueu lentamente. Cada movimento parecia um sacrifício, enquanto Lara observava com uma indiferença evidente.

— Por que eu não teria? — A voz dela estava fraca, mas havia uma determinação inflexível por trás. Ela tentou esboçar um sorriso, que exigia um esforço monumental para se manter no rosto. Com grande dificuldade, continuou a se levantar, apoiando-se nas próprias forças e na vontade de se reerguer. — Era uma vida, tinha coração, boca, língua como qualquer outro ser… E estava pedindo socorro. Como eu poderia simplesmente ignorar isso? Ignorar ele?

— Esse altruísmo me enoja… — Lara murmurou, sua voz carregada de desdém enquanto observava Xu Ying lutar para se erguer. Cada movimento da jovem era uma batalha visível contra o cansaço e a dor.

Com um suspiro profundo e relutante, Lara fixou o olhar nas mãos trêmulas de Xu Ying, buscando apoio. Com um gesto de descontentamento, ela se aproximou e estendeu a mão, ajudando a jovem a se levantar com um esforço contido, como se o ato fosse uma concessão difícil.

— Nem todos merecem ser poupados — completou Lara, sua frieza cortante permeando as palavras.

Xu Ying, agora de pé, encarou Lara com um olhar penetrante, percebendo que aquelas palavras carregavam um peso maior. Havia uma dureza na voz de Lara que sugeria experiências pessoais dolorosas, uma ferida aberta que moldava sua visão do mundo.

— Não sei, talvez todos, em algum momento, possam alcançar seu perdão, sua redenção… — comentou Xu Ying, levando a mão à lateral do corpo onde a dor pulsava intensamente, como se fosse uma chama cruel.

Lara, que até então mantinha uma expressão impassível, contraiu os lábios. Seus olhos, antes serenos, agora ardiam com um repúdio evidente, refletindo a tempestade que se formava em seu interior.

— Palavras de alguém que nunca teve que sofrer de verdade na vida — retorquiu Lara, o tom carregado de amargura. — Quando você perder alguém para outra pessoa, quando as pessoas fizerem coisas inimagináveis, ações que parecem impossíveis de serem cometidas por um ser humano contra outro… Essa sua inocência irritante se desintegrará como um galho solitário carregado pela correnteza de um rio revoltado. — O jovem virou-se, e começou a partir. — Eu só espero estar lá para ver, assim, pelo menos, terei alguma diversão nesta vida.

Xu Ying ouviu aquelas palavras cortantes como lâminas afiadas e, com um sentimento de desconforto, não era como se ela não tivesse perdido alguém, sofrido na vida. Desviou o olhar para a figura de Lara, que se afastava sem se dignar a olhar para trás. À medida que Lara se distanciava, sua figura se tornava cada vez menor, carregando um peso visível, como se um rancor profundo e uma carga emocional insuportável a envolvessem. Era evidente que Lara carregava um fardo pesado, talvez um que não soubesse como compartilhar ou buscar ajuda.

— Ei... eu... eu sei que pode parecer repentino, mas... — Xu Ying estendeu a mão na direção das costas de Lara, já afastadas, uma tentativa de conexão que não parecia ter muita esperança. — Se precisar de alguém para conversar, desabafar... uma amiga, pode contar comigo...

Lara parou abruptamente, e Xu Ying percebeu que suas mãos tremiam ligeiramente antes de se fechar com uma força quase dolorosa. Ela tomou uma respiração profunda, como se tentasse engolir algo inominável, talvez orgulho, lágrimas, ou simplesmente a própria dor.

— Não se comporte como uma moça puritana o tempo todo. Aprenda a ter a malícia necessária — Lara falou com uma frieza que parecia ter sido esculpida pela vida dura que enfrentara. — Há um limite claro para a compaixão. Isso é apenas um conselho de alguém que já vivenciou muito deste mundo. A inocência pode ser boa para conseguir a atenção positiva dos outros, mas não tem a mesma serventia para sobreviver no mundo real.

Lara deu um último olhar de desprezo para Xu Ying antes de se virar e continuar a seguir seu caminho.

— Mas Lara…

— Não — interrompeu Xu Ying, a voz firme e decidida, sem espaço para hesitações. — Não desejo ser sua amiga. Estou bem sozinha, como sempre estive. Não preciso de ninguém para desabafar o que não tenho. Agora, adeus. Nos veremos novamente na cidade — continuou Lara, sua voz agora carregada de uma frieza desoladora. — Se você sobreviver até lá.

Com essas palavras, Lara continuou seu caminho, sem olhar para trás, enquanto Xu Ying ficou ali, imóvel, com o peso das palavras dela ainda pairando no ar. O contraste entre a tentativa sincera de apoio de Xu Ying e a dura rejeição de Lara deixava no ar uma tensão palpável, uma lembrança de que nem toda oferta de amizade é recebida como se espera. A mão de Xu Ying recuou, levada ao peito, enquanto observava a outra sumir na mata escura.

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