Volume 2

Capítulo 132: Habilidades Antigas

Alaric fugira desesperadamente das criaturas que se assemelhavam a ursos evoluídos ou modificados, segurando Alice firmemente em seus braços. A cada passo, sentia o peso da batalha que acabara de enfrentar. A luta, inicialmente difícil contra uma única criatura, tornara-se um pesadelo quando outras surgiram, tornando a situação praticamente insustentável. A exaustão se fazia sentir em cada músculo de seu corpo, agravada pelos ferimentos que pulsavam como uma dor insistente. 

A fuga, embora urgente, não os levou muito longe. Alaric sabia que suas forças estavam se esgotando rapidamente, mas ele precisava garantir a segurança de Alice. Encontrou um local que parecia oferecer um refúgio temporário, longe do alcance das bestas. 

Com cuidado, ele baixou Alice até o solo, tentando ser o mais gentil possível apesar da urgência. Observou seu rosto pálido, os olhos arregalados pelo choque e medo. Ela estava fisicamente ilesa, mas a exaustão e o trauma eram visíveis. Seu peito subia e descia rapidamente, lutando para controlar a respiração. 

— Você está bem? — A voz dela tremia, misturando preocupação e pavor. Mesmo assustada, algo a impelia a cuidar dele. — Sua cabeça ainda está sangrando!

Ele ergueu a mão trêmula pelo cansaço e adrenalina até a testa, sentindo a viscosidade do sangue que escorria lentamente. O ferimento era de algum tempo atrás, mas ainda estava aberto e era doloroso.

— Relaxa, eu estou be... — As palavras morreram em sua garganta enquanto suas pernas fraquejavam. Cambaleou sem rumo, os olhos turvos, até encontrar apoio numa árvore próxima. — Merda...

— Alaric! — Ela correu até ele, a mão pequena e delicada tocou seu ombro com cuidado. — Você não está nada bem. Tem algum outro machucado?

Ela o examinava freneticamente, o olhar correndo pelo corpo dele em busca de mais ferimentos. O luxuoso hanfu, outrora símbolo de prestígio, agora estava sujo e rasgado, uma imundície que contrastava com sua figura habitual. Apesar da sujeira e do sangue, ela não conseguia ver feridas mais profundas, apenas alguns arranhões visíveis nos pulsos e mãos.

— É apenas cansaço, e algumas dores musculares... — Ele tentou se endireitar, girando o corpo para apoiar as costas na árvore, a respiração ainda pesada e irregular. — Vai passar, só preciso de uns minutos.

— Ah, aham… uns minutos? Você está achando que é algum deus ou sei-lá? — A incredulidade na voz dela era tangível, cada palavra carregada de um misto de descrença e sarcasmo. 

Seus olhos se arregalaram ligeiramente, refletindo a luz ambiente e tornando ainda mais evidente seu espanto. Observando-o, ela notava como ele parecia alheio ao cansaço e à exaustão que qualquer ser humano normal sentiria. Contudo, o jeito despreocupado com que ele falava, quase como se fosse uma divindade intocável, a irritava profundamente. Ela cruzou os braços, seu corpo inteiro em uma postura defensiva, como se estivesse se preparando para uma batalha de argumentos. 

— Como se você pudesse simplesmente parar por alguns minutos e, voilà, estar cem por cento de novo.

— Tsc… Que saco.  — Ele virou o rosto, emburrecido, enquanto a visão dela o perturbava, lembrando-o de alguém do seu passado. — Sim, alguns minutos e estarei perfeitamente bem, só me deixar em paz.

Ela respirou fundo, colocou uma mão na cintura e, com um olhar sério, começou a balançar o indicador da outra mão. 

— Nã-na-ni-na-não, irei preparar algum lugar para nos abrigarmos e… — O dedo parou de balançar bruscamente, apontando firmemente para ele. — Você vai descansar bastante, o suficiente para que seu corpo se recupere um pouco, entendeu?

Alaric observou aquele dedo fino e delicado quase tocando seu nariz, e torceu o rosto em desagrado. Resmungou audivelmente enquanto tentava afastar a irritação que a insistência dela causava.

— Nhg… Está bem, está bem. — Ele tocou o dedo estendido dela, envolvendo sua palma nele. — Vamos até meu abrigo. Já está pronto e não é tão longe daqui. Lá poderemos descansar melhor, está bom para você?

Ela puxou bruscamente o dedo da mão dele, refletindo sobre a oferta por um momento. Olhando ao redor, percebeu que montar um acampamento naquele local demandaria tempo, um luxo que não podiam se dar. Resignada, suspirou, abaixando levemente as pálpebras.

— Certo, faremos do seu jeito então — concordou finalmente. No entanto, seus olhos azuis como o mar se fixaram nele com intensidade. — Mas! Se você não descansar…

— Nossa… como você é irritante… — Ele balançou a cabeça, incomodado. — Farei como pede, se isso for fazer você parar de me encher a paciência.

Ela cruzou os braços, virando ligeiramente o corpo em relação a ele. Seus lábios curvaram-se em um sorriso vitorioso; ela havia conseguido o que queria, um triunfo evidente. Alaric desviou o olhar para o corpo dela, em busca daquele chicote. Não o encontrando, compreendeu que se tratava de uma arma marcada na alma. Parecia que todo competidor tinha uma, afinal.

— Ei, ei, ei… Ficar olhando assim para o corpo de uma dama não é muito cavalheiresco da sua parte.

Alaric subiu os olhos até o rosto dela, que o encarava com uma mistura de incômodo e curiosidade, o dedo batendo impacientemente no braço cruzado.

— Não é isso, eu só...

— Haha! Relaxa, eu sei o que você estava procurando. — Ela abriu um sorriso amplo, estendendo a mão. Acima de sua palma, um brilho dourado surgiu, tomando a forma do chicote. — Se chama chicote de Éfiro. Dizem que é indestrutível, e um tantão muitas outras coisas que eu não tive paciência para memorizar. Sendo verdade ou não, eu acredito nisso.

A arma era bela. O cabo, de aço emborrachado, parecia feito para proporcionar um manuseio confortável. A corda, de um material leve e com grande elasticidade, tinha talvez um ou dois metros de comprimento. Assim como apareceu, a arma desapareceu, dissipando-se no ar. Ela colocou os punhos na lateral da barriga, sua expressão demonstrando um leve descontentamento.

— Mas não fique olhando para o corpo dos outros assim, entendeu? — Alaric assentiu. Ela se inclinou, aproximando o rosto do dele. — Bom mesmo. Agora vamos, estamos perdendo tempo aqui.

Ela se virou e começou a andar, sem nem olhar para trás. Alaric ergueu uma sobrancelha, observando aquele jeito dela. Estava achando um pouco irritante. Falar pouco era um eufemismo; ele achava aquela atitude extremamente irritante, lembrando-o de Nadine, mas com uma intensidade ainda maior... ou talvez não. Já se fazia tanto tempo que não via ela, que ele nem se lembrava direito. Pensar nisso pesou em sua mente, as meras lembranças daqueles tempos doíam na alma. Ele balançou a cabeça, espantando as memórias, e começou a segui-la. Então, algo lhe veio à mente.

— Está indo para o lado errado. — Ela parou e, envergonhada, dirigiu sua atenção para ele. Ele apontou com o dedão para trás de si. — É para lá.

Ela passou por ele batendo o pé com firmeza, os passos ecoando pela floresta, como uma forma de expressar o constrangimento que a consumia.

— Tsc… por que não fala antes? Droga… — O vapor subia de seu rosto quente de vergonha, pairando no ar como uma neblina efêmera.

“Ela nem sabe para onde deve ir, por que está tomando a frente?” Alaric não conseguia compreender aquela garota. E, na verdade, não tinha a mínima vontade de tentar. Levou a mão à testa, sentindo a pele agora seca e o corte ligeiramente fechado. O sangue havia parado de escorrer, deixando uma crosta fina que começava a cicatrizar. Em seguida, ele abriu os braços como asas e girou o torso para um lado, depois para o outro. Como imaginava, não sentiu a dor excruciante de antes; como havia dito a ela, apenas alguns minutos foram suficientes para se recuperar minimamente. Até pensou em dizer a ela que estava bem, esticando a mão em direção às suas costas, mas recuou resignado. Não iria adiantar, ela não acreditaria.

Suspirando, Alaric percebeu que qualquer tentativa de explicar ou argumentar resultaria em mais uma discussão irritante. A melhor escolha seria simplesmente fazer o que ela estava pedindo e evitar a fadiga desnecessária. Ele começou a segui-la, eventualmente a ultrapassando para guiá-la. 

As árvores se estendiam infinitamente, transformando o caminho em um labirinto sem fim. O sol do meio-dia penetrava pelas copas densas, desenhando feixes de luz dourada que dançavam sobre o solo coberto de folhas. Pequenos e médios animais cruzavam seu caminho de vez em quando, mas eram raros.

A floresta, geralmente viva com sons de criaturas menores, estava estranhamente silenciosa, como se seus habitantes estivessem amedrontados. Alaric notou a ausência desses animais como um alerta, reconhecendo que a presença de predadores maiores e mais poderosos estava causando essa mudança. Essas criaturas, verdadeiros titãs da floresta, caçavam com uma ferocidade implacável, inspirando medo até nos mais bravos moradores da mata.

Aqueles ursos, pelo tamanho descomunal e força bruta, provavelmente precisavam de muitas presas diariamente para se manter. As florestas deveriam temer sua presença, e os rastros de devastação que deixavam eram um testemunho silencioso de sua fome insaciável.

— Ei, aqueles bichão eram classificados como raros? — indagou Alice, mantendo o olhar fixo à frente, enquanto sua mente fervilhava com a pergunta.

— Talvez sim, pela força e até pela estrutura deles, eu apostaria que sim… aliás — Alaric respondeu, passando a mão pelo anel no dedo indicador. Em um movimento fluido e quase mágico, uma tela feita de raízes vivas se formou no ar diante dele. — Como imaginei.

Alice observava com curiosidade. Ela já conhecia aquele artefato, pois o vira em ação antes. O que realmente prendia sua atenção eram os pontos que surgiam na tela, especialmente o de Alaric, que havia saltado de zero para vinte. Isso só podia significar uma coisa: ao matar aquele urso monstruoso, Alaric havia eliminado uma criatura de classificação realmente rara.

Os olhos azuis de Alice varreram os nomes e pontuações na tela cintilante, até pararem em Patrick, com seus impressionantes sessenta pontos. Era um feito inacreditável, quase mítico.

— Sessenta pontos... — Alice murmurou, quase para si mesma, enquanto seus olhos refletiam a luz esverdeada que emanava das raízes entrelaçadas. — Isso é impressionante.

Alaric apenas assentiu, seus olhos fixos na tela, absorvendo cada detalhe. Nada havia mudado muito desde a última vez que ele havia verificado a tela; Xu Ying ainda estava com zero pontos, assim como Alice. Sem mais nada para ver, a tela de raízes desfez-se em um brilho etéreo, retornando ao formato simples de um anel em seu dedo.

— Eram quantos ursos mesmo? — indagou ele, desviando o olhar para Alice.

— Acho que cinco — respondeu ela, erguendo uma sobrancelha enquanto refletia. — Não, eram seis, seis ursos.

— Cento e vinte pontos nos esperando então — comentou ele com convicção, sua expressão endurecida.

— Espera, espera… Você está pensando em...

— Acabar com cada um deles. — Alice parecia relutante, e não era para menos. Aqueles monstros eram incrivelmente poderosos; a última luta contra eles comprovava isso. — Precisamos dos pontos de qualquer maneira. Se não conseguirmos sequer derrotar aqueles bichos, como iremos enfrentar os outros?

Era uma verdade irrefutável: aqueles seres eram fortes, mas não os mais fortes. Naquela floresta, habitavam criaturas igual ou tão poderosas. Se não conseguissem derrotar os ursos, como enfrentariam esses outros desafios? Estavam ali para acumular pontos, e isso significava enfrentar desafios e batalhas extraordinárias. No entanto, a hesitação de Alice era visível, seus lábios apertados denotando seus pensamentos, até que sua mão abaixo da cintura se cerrou em determinação.

— Ahhh… Odeio admitir, mas… É você está certo — ela murmurou, o olhar azul endurecendo, semicerando. — Não viemos aqui para nos esconder como covardes. Mesmo com medo, não vou recuar. Não vou me esconder…. Só não estou afim de morrer. Compreensível, não é?

Alaric assentiu, a observando com orgulho. Sempre era gratificante testemunhar alguém superando seus limites e medos. Outra vez, igual a momento que ela havia se apresentado na sala do trono, ele sentiu algo intrigante nela, como se houvesse uma conexão ancestral, laços estabelecidos há tempos.

— De qualquer forma. — Ele tentou ignorar essa sensação estranha, sabendo que não era o momento para divagações. — Devemos ir...

Antes que pudesse concluir, um grito de alerta cortou o ar.

— Cuidado!

Assustado, Alaric se virou abruptamente, mas foi tarde demais. Alice se lançou com vigor contra ele, empurrando-o para o lado com uma força surpreendente. Quando caiu no chão, virou seu olhar na direção dela, seu coração apertando com o pior dos presságios: os ursos que pensava ter deixado para trás, haviam reaparecido.

As seis... Não, para desespero dos jovem, o número havia aumentado... Agora, eram ao menos dez imponentes criaturas que, emergiram silenciosamente das sombras das árvores. O ranger de seus passos pesados ecoava pelo ar tenso da floresta. Em um movimento repentino e brutal, a custo de salvar Alaric, um dos ursos desferiu uma patada devastadora na jovem, lançando-a pelos ares. Seu corpo frágil voou sem controle, e uma nuvem de sangue escarlate se espalhou pelo ar.

Ela girou no ar como uma folha ao vento até encontrar o impacto abrupto de uma árvore. O som seco do choque reverberou pela clareira, enquanto seu corpo desabava inconsciente, recostado contra o tronco áspero.

— Alice! Droga! — Alaric tentava se mexer, mas seu corpo não respondia. Ele não sabia se era por algum ferimento ou por… — Medo... Não! Não é isso! Maldição!

Ele não queria acreditar que estava com medo, que seu corpo não respondia por estar travado de terror. Não podia ser isso, não devia ser isso. Tentava se debater, fazer algum movimento, qualquer reação. Nada acontecia, nem um mísero tendão se tencionava. De repente, parou e lançou o olhar de volta para a garota. 

As pupilas se dilataram em horror, pois observaram as bestas se aproximando do corpo surrado e imóvel de Alice. O sangue, um rio vermelho e viscoso, manchava seu hanfu, escorrendo de seu peito até a terra, onde encharcava o solo com uma coloração sinistra. Cada segundo que se passava era um tormento, uma tortura mental onde ele quase podia ouvir o lamento silencioso do destino iminente. Se demorasse mais um momento, a imagem que ele temia, a jovem que havia arriscado a vida por ele sendo devorada por aquelas criaturas monstruosas, se tornaria uma realidade cruel.

O desespero crescia dentro dele como um inferno em expansão. Seus músculos estavam tão rígidos quanto se correntes invisíveis o prendessem ao chão, e a cada tentativa frustrada de movimento, uma dor lancinante atravessava seu corpo, como se o próprio chão estivesse o punindo. Mas, não podia se render.

Ele podia ouvir a respiração pesada das criaturas, um som baixo e ameaçador que se misturava ao estalar ocasional do solo ensopado com sangue. Cada passo das bestas fazia o solo vibrar levemente, como se a própria terra tremesse com a aproximação do mal. O medo e a frustração tumultuavam seu peito, criando um furacão de emoções que quase o afogava. O gosto amargo da impotência estava em sua boca, uma sensação que ele conhecia muito bem e que desprezava com cada fibra do seu ser.

Ele sabia que precisava agir, que precisava encontrar uma maneira desesperada de salvar a garota que havia demonstrado tanto valor e altruísmo. Com um último esforço, ele concentrou toda a sua força de vontade em um único pensamento: proteger Alice. Ignorando a dor e o medo que ameaçavam consumi-lo, ele tentou mais uma vez mover-se, determinado a lutar até o fim. E, neste momento crítico, algo há muito tempo adormecido em seu interior despertou.

Ele conseguiu sentir a mana divina que permeava seu corpo como uma corrente suave e poderosa. Instintivamente, redirecionou toda essa energia para um único ponto: seu coração. A mana se concentrou intensamente, formando uma estrela de mana em seu órgão. O corpo, antes pesado e inerte, se tornou leve como uma pena e se ergueu com uma agilidade renovada. Imediatamente, invocou a lança 

Seus olhos claros brilharam intensamente, como a lua cheia no céu. Com uma tenacidade renovada, Alaric levou a lança até atrás da linha do corpo com vigor; seus músculos foram se enrijecendo até o máximo imaginável, eram como pedras maciças; os tendões se tencionaram ao extremo. Finalmente, em um instante, liberou toda a tensão acumulada, arremessando a lança com voracidade. A arma cortou o ar com uma velocidade impressionante, transformando-se em apenas um borrão. 

O urso mais próximo da garota não teve sequer chance de se defender; a lâmina atravessou a lateral de sua cabeça, rompendo pele e crânio com facilidade, como se nada fossem. A criatura tentou grunhir instintivamente, mas nem tempo para isso teve; seu corpo simplesmente desligou, tombando ao solo com um estrondo poderoso, fazendo as folhas secas ao redor rodopiarem no ar.

Alaric sentia o poder fluir por suas veias a cada batida de seu coração; cada batida veloz enviava uma dose alta de mana pelo seu corpo, acelerando as reações e melhorando as percepções. No entanto, essa sensação de poder parecia efêmera, e ele sabia disso; tinha plena consciência de que não aguentaria manter por muito tempo. Anos haviam se passado desde a última vez que usara essa habilidade, e o peso da urgência o pressionava. Além disso, seu coração ainda estava frágil, relativamente sedentário; uma parada cardíaca não era impossível. Não havia outro modo; precisava encerrar a luta rapidamente para evitar as consequências adversas dessa habilidade.

Com convicção, invocou a lança mais uma vez. A arma parecia diferente do comum, como se carregasse algo a mais. Havia algo de enigmático nela, uma aura que ele não conseguia definir. O tempo para ponderar sobre o mistério da arma era escasso, pois estava diante de uma ameaça urgente: as criaturas monstruosas ainda avançando em direção ao corpo de Alice, com a saliva escorrendo por suas bocas grotescas e olhos inflamados de voracidade.

Sem hesitar, Alaric arremessou a lança com uma determinação feroz. O projétil cortou o ar com uma precisão letal, e a lâmina cravou-se no coração de um dos ursos monstruosos antes que ele pudesse sequer se mover ou quiçá perceber. O impacto foi brutal, e o corpo da criatura caiu pesadamente ao chão, inerte.

As criaturas restantes, agora possuídas por uma fúria cega, rugiram em resposta à perda de dois de seus companheiros. Seus olhos brilharam com um ódio primal e suas garras foram erguidas em um grito de desafio. Sem mais nada a perder além de sua própria selvageria, elas redirecionaram seu foco. havia alguém que representava o verdadeiro perigo, irradiando uma presença intimidante: o jovem que ousara interromper sua matança, aquele que se mostrava capaz de ferir suas peles, aparentemente Impenetráveis.

Determinados a vingar a morte de seus aliados e a consumir o que restava de seu ódio, o bando avançou em direção a Alaric com uma ferocidade desesperada.

Alaric não titubeou. O receio não mais encontrava espaço em seu coração; ele havia se tornado uma força implacável, tomado de uma coragem inexplicável. A lança parecia quase uma extensão de seu próprio corpo, invocada repetidamente com uma precisão quase sobrenatural. Cada arremesso era um espetáculo de perfeição; a arma cortava o ar com um zumbido suave e letal, mal tocando a pele das criaturas antes de desaparecer e reaparecer, como se obedecesse a uma vontade divina. A cada uso, a cada invocação, a mana escorria como um recurso efêmero, mas Alaric não se importava com o sacrifício, movido pela urgência e pelo foco.

O campo de batalha transformou-se em um cenário de pura carnificina. Sangue jorrava e corpos mutilados se espalhavam pelo chão, criando uma tapeçaria macabra de destruição. A velocidade, agilidade e força de Alaric haviam atingido um patamar superior. Cada movimento era uma dança mortal, cada golpe, uma sentença de morte. As criaturas, uma vez ameaçadoras, agora eram nada mais que vítimas de uma força que parecia ser de outro mundo.

A habilidade "Estrela Divina" se manifestava com uma beleza cruel, como um vestígio de um passado onde Alaric não tinha dificuldade em dizimar seus inimigos com facilidade. Ele piscou com força, tentando afastar essas lembranças. Relembrar o passado não ajudava; era necessário focar no presente, manter a mente clara e a determinação firme. 

Com um último esforço, Alaric invocou sua lança com um gesto rápido e decidido. A lâmina brilhou sob o sol declinante, cortando o ar de forma certeira. O último dos ursos, que por alguma intervenção divina havia conseguido se aproximar, caiu pesadamente ao chão, seus olhos perdendo o brilho da vida. O rugido furioso que antes ressoava pela batalha deu lugar a um silêncio sepulcral, quebrado apenas pelo sussurrar do vento entre as árvores e o estalar dos galhos sob os corpos caídos.

Alaric, com o peito ofegante e o suor escorrendo pela testa, sentiu o peso esmagador da batalha e a intensidade esmagadora da vitória. O campo de batalha, agora coberto por um tapete de folhas e sangue, era um testemunho silencioso de sua força e determinação. A paisagem ao seu redor, antes marcada pela fúria e pela destruição, agora refletia a calmaria tensa que seguiu o confronto.

— Acabou… — Ele lançou um olhar de alívio para o horizonte e, com um movimento brusco, a lança desapareceu de suas mãos, como se nunca tivesse existido. — Alice! Preciso ajudá-la!

Seus passos apressados ecoavam sobre o solo macio enquanto ele corria em direção à jovem ainda imóvel, encostada na árvore.

— Alice! Por Luna, como você está?

Ele se ajoelhou suavemente à sua frente, seu toque no ombro dela era ao mesmo tempo carinhoso e firme, uma mistura de ternura e segurança. 

— Eu... — Ela levantou o olhar para ele, os olhos cheios de lágrimas e as pupilas tremendo entre o medo e o alívio. — Acho que estou bem... eu...

— Relaxa, acabou, eles estão todos mortos — disse, com uma voz suave, mas com uma firmeza reconfortante. Sem esperar uma resposta, ele a ergueu nos braços, sentindo o peso leve e frágil dela contra o peito, como uma pena delicada. — Vou te levar para um lugar seguro. Segure-se firme.

Ela não pronunciou uma palavra, apenas encostou a testa contra o peito dele, e envolveu os braços em seu pescoço com uma força que, apesar de frágil, era cheia de necessidade e desespero. Ele podia sentir a respiração dela, rápida e irregular, esquentando sua pele, um ritmo apressado que contrastava com a calma que ele tentava transmitir. O dia, finalmente, estava chegando ao fim, trazendo consigo uma vitória amarga e pesada, seja para os humanos ou talvez, divindades. Cada passo que ele dava carregava o peso das batalhas travadas, mas também carregava a tênue esperança de um novo amanhecer, uma promessa de que a tormenta finalmente chegou ao fim, pelo menos por hora.

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Em uma região remota da floresta, onde o verde intenso das árvores se mistura com o dourado das vinhas que serpenteiam pelos troncos, a paisagem se assemelha mais a uma savana do que a uma floresta densa. Nesse cenário exuberante, um jovem caminhava com cautela. Vincent Frankenstein, com cabelos que se confundem com a mata ao seu redor, mas que revelam um tom mais claro, avançava lentamente, cada passo uma mistura de hesitação e vigilância.

Sua expressão era de apreensão. Os olhos, inquietos e sem foco definido, vasculhavam o ambiente ao redor, como se tentassem descobrir um segredo escondido entre as folhas e as sombras. A cada estalo de galho ou farfalhar de folhas, ele se sobressaltava; a tensão no ar, provocada por sua própria mente, era quase tangível.

Quando um som repentino surgiu dos arbustos próximos, Vincent parou abruptamente, o coração acelerou no peito. Seus sentidos estavam em alerta máximo, o medo e a expectativa se misturando em um torvelinho dentro dele. 

— Quem está aí!? — exclamou, sua voz tremendo ligeiramente enquanto fixava o olhar no arbusto agitado. A expectativa o envolvia, como se ele esperasse um monstro ou uma presença ameaçadora surgir daquele esconderijo verde.

O balançar dos arbustos parecia se intensificar, os ruídos crescendo em volume e criando um suspense que parecia alongar o tempo. O medo quase se tornava insuportável até que…

— Isso é um… lagarto?

Com um salto inesperado, um pequeno lagarto verde emergiu de dentro dos arbustos. Vincent soltou um suspiro profundo de alívio, seus ombros relaxando enquanto ele observava o lagarto se afastar apressadamente, desaparecendo na vegetação. 

O medo que havia tomado conta dele agora dava lugar a uma leve risada nervosa, um alívio inesperado em meio à vasta e silenciosa imensidão da floresta. 

— Não há razão para tanto medo assim — murmurou Vincent, dirigindo as palavras a si mesmo, com a cabeça baixa e os olhos fixos no chão. Sua voz era uma mistura de desdém e tentativa de autoafirmação, mal percebendo a sombra que começava a tomar forma à sua frente. — São apenas animais pequenos, nada demaaais!!!

A floresta, antes imersa em um silêncio sepulcral, de repente se encheu de gritos angustiados que ecoavam entre as árvores. O som de folhas sendo brutalmente esmagadas e galhos se partindo gerava um tumulto ensurdecedor. Animais próximos fugiam desesperados, como se tivessem avistado um monstro. Pássaros alçavam voo em um frenesi caótico, suas asas criando um borrão de movimento no céu. No meio desse turbilhão, Vincent, o culpado por tal tumulto, corria com todas as forças que podia reunir, seu coração martelando no peito como um tambor frenético.

Atrás dele, uma criatura colossal o perseguia. Parecia com um tigre em seus contornos básicos, mas tinha o corpo duas vezes maior e muito mais musculoso. Suas garras imensas rasgavam a terra com uma força avassaladora, deixando sulcos profundos e uma trilha de destruição. Cada passo da besta fazia o chão tremer, e seu rosnado ecoava como um trovão distante, intensificando o terror que se apoderava de Vincent.

O jovem possuía habilidades e técnicas de combate notáveis, mas o desespero havia eclipsado qualquer pensamento racional sobre utilizá-las. Sua mente estava obcecada por uma única ideia: fugir, e fugir com a maior rapidez possível.

O crepúsculo começava a se desvanecer, e a cena que, de fora, poderia parecer quase cômica, se prolongava enquanto a noite tomava conta do céu. A perseguição parecia interminável, uma dança frenética entre o caçador e a presa, até que, finalmente, Vicent encontrou refúgio. Após horas de uma fuga angustiante, ele se abrigou dentro de uma árvore oculta, que, apesar de sua aparência robusta e sólida por fora, escondia um espaço grande e oco no interior. Sua respiração era irregular e ofegante, e cada músculo de seu corpo parecia ter sido estraçalhado por um esforço que beirava o insuportável.

De repente, um estrondo seco e violento cortou o silêncio da floresta, ecoando como se algo estivesse sendo brutalmente despedaçado. Vincent, que estava mergulhado em sua própria ansiedade, sentiu o pânico tomar conta de seu corpo, outra vez. Seu coração disparou e ele se colocou em alerta máximo, ou talvez nunca tenha saído. O som dos passos se aproximando se tornou um ritmo sinistro que pulsava no fundo de sua mente. Seus olhos, alvos de uma expectativa aterrorizante, se fixaram na entrada da árvore onde ele se escondia. A tensão no ambiente era quase palpável, uma pressão que fazia seus músculos se contraírem involuntariamente.

Ele prendeu a respiração, as mãos suadas se agarrando desesperadamente às suas vestimentas. O sussurro do vento parecia quase zombar de sua inquietação, aumentando a sensação de que algo inevitável estava prestes a acontecer. Então, dois pés humanos apareceram à entrada da árvore, emergindo da penumbra com uma naturalidade sinistra. O rapaz que se revelou tinha cabelos vermelhos como sangue seco, contrastando de forma chocante com o ambiente sombrio. Ele se ajoelhou com um cuidado quase clínico, espreitando para dentro do esconderijo, seus olhos ávidos e alertas, mas rígidos capturando cada detalhe da cena, enquanto Vincent se encolhia na escuridão, seu corpo tremendo de medo e expectativa.

— Então, você deve ser o Vincent — disse uma voz com uma severidade que arrepiava qualquer espinha. O tom era frio e implacável. — Acho que você já me conhece, mas, de qualquer forma, meu nome é Patrick. Então, vamos trabalhar juntos?



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