Volume 2

Capítulo 129: Honra

O sol se erguia lentamente no horizonte, derramando seus primeiros raios sobre a cidade, anunciando a chegada de um novo dia. A luz dourada iluminava as ruas e os telhados, criando um espetáculo de cores e sombras. No palácio, a expectativa pairava no ar como uma presença palpável, carregada de nervosismo e antecipação.

Os competidores levantaram-se de suas camas ao romper da aurora, alguns com olheiras profundas, resultado de uma noite de insônia. A ansiedade e o medo do desconhecido haviam roubado-lhes o sono. Caminhavam pelas amplas avenidas do palácio, cujas paredes adornadas de tapeçarias e estátuas contavam histórias de um passado glorioso. Chegaram aos pés da escadaria que levava ao trono do imperador, onde se aglomeraram em silêncio reverente.

O imperador Jian estava em pé, imponente em sua postura, diante de seu trono majestoso. Sua expressão era uma máscara de serenidade austera, os olhos escuros observando atentamente cada rosto entre os presentes. Ao seu lado, um elfo de pele amarelada permanecia igualmente sereno, os olhos brilhantes e atentos varrendo a multidão com um olhar perscrutador.

— Meus competidores, antes de levá-los à Floresta, gostaria de apresentar-lhes alguém — disse Jian, sua voz ecoando pelo salão com uma autoridade inquestionável. Ele pousou uma mão firme no ombro do elfo. — Este é Lyar, um elfo da floresta. Ele será nossos olhos durante toda a prova.

Lyar inclinou a cabeça em cumprimento, seu olhar firme e enigmático prendendo a atenção de todos.

— Como druida, Lyar possui a habilidade de se comunicar com os animais e controlá-los — continuou Jian. — Cada inseto, cada pássaro na Floresta será uma extensão dos olhos dele. Ele observará seus movimentos, suas estratégias e suas reações. Nada passará despercebido.

O elfo deu um passo à frente, suas vestes fluindo como água ao seu redor. Ele levantou uma mão delicada, e um pequeno pássaro pousou em seu dedo, como se entendesse o comando silencioso. Os competidores observaram, fascinados e inquietos.

Alaric notava a ausência das princesas com certa desconfiança, esperando vê-las ali como era de costume, era estranho não estarem. A falta delas o intrigava, assim como a ausência notável de uma imperatriz, que até aquele momento o jovem não havia avistado.

O sol agora se erguia majestosamente, lançando seus raios dourados pelo salão, tingindo tudo com uma luz quente e reconfortante. Era o momento esperado, o instante em que enfrentariam uma prova que, sem dúvida, alteraria seus destinos para sempre.

Conduzidos com os olhos vendados e amarrados, eles foram levados em carruagens, sem ter ideia do destino. A incerteza pairava sobre todos, pois poucos sabiam onde exatamente a temida Floresta da Dor se encontrava ou que criaturas espreitavam entre seus arbustos e bosques.

O tempo parecia distorcido, enevoado pela privação sensorial que confundia a percepção de horas e minutos. Alaric sentiu um toque em seu ombro, indicando que era hora de se mover. Ele se levantou obedientemente, guiado para fora da carruagem em que estava confinado.

O som metálico de uma faca sendo retirada da bainha fez seu coração gelar instantaneamente, batendo descontroladamente. Incerto do que esperar, a suspeita inquietante martelava em sua mente. A tensão só se dissipou quando as mãos que o haviam amarrado finalmente o soltaram e a venda foi removida. A luz que irrompeu da escuridão foi quase cegante, inundando seus olhos, que gradualmente se ajustaram à claridade.

À sua frente, o homem que segurava a faca estendeu-lhe um mapa rudimentar e uma bolsa de couro. Alaric aceitou os objetos, passando a alça diagonalmente sobre o corpo, do ombro direito até a cintura esquerda.

O homem, após o serviço estar concluído, partiu,  abandonado o jovem sozinho no coração da vasta floresta. Cada competidor parecia ter sido transportado para locais distintos em carruagens separadas. Ele desdobrou o mapa, mas a falta de pontos de referência tornava difícil a orientação pelo papel. Em todos os lugares que olhava, via apenas árvores e arbustos. Decidiu que a melhor opção seria caminhar um pouco, buscando um local que pudesse servir de referência. Após guardar o mapa na bolsa, remexeu dentro dela e encontrou uma faca.

Sentiu um alívio ao tê-la consigo; afinal, uma faca era mais prática do que uma espada para abrir animais e cortar carne. Observando o sol no céu, que ainda brilhava intensamente, calculou que era por volta do meio-dia. Isso significava que tinha o restante do dia para explorar, encontrar um local seguro para montar um abrigo e garantir uma noite mais protegida.

Guarda a lâmina antes de continuar, caminhando com passos leves, buscando minimizar o ruído ao pisar sobre folhas secas e galhos quebradiços. A floresta, conhecida por abrigar uma variedade perigosa de monstros e criaturas, demandava cautela. Embora sua missão envolvesse eliminar esses seres para ganhar pontos, preferia fazê-lo em dias planejados, com controle, evitando ser pego desprevenido e arriscar sua vida.

"Não posso vacilar, nem você Xu Ying...", pensou, preocupado com a jovem que, como ele, estava sozinha, perdida em algum canto da floresta. Sua próxima meta, depois de montar um abrigo seguro, seria encontrá-la ou localizar algum competidor confiável. Apesar de contraditórias em circunstâncias normais, essas palavras faziam sentido agora. Conhecia alguns que poderiam ser confiáveis, como Xu Ying, Galean, Jie Ming e até Graug, dependendo de como o jovem fosse avaliado por ele.

Sacudiu a cabeça para afastar esses pensamentos. Era crucial focar no presente; o resto poderia esperar. Observando ao redor sem interromper seu passo, notou que as árvores pareciam ancestrais, com troncos enormes que emitiam uma aura de sabedoria milenar. A floresta parecia transbordar com uma magia sutil; até as flores brilhavam, emanando uma luminosidade encantada. Era como se estivesse em outro mundo, embora ainda estivesse em Donfang, pelo menos, era o que ele presumia.

A jornada não parecia ter sido tão extensa a ponto de deixar os limites do país. Ele continuou a mover-se com precaução, e percebeu algo incomum no tronco de uma árvore à sua frente e se aproximou com cuidado.

— Marcas... — murmurou ao examinar o tronco centenário marcado por cortes profundos, como se um monstro voraz tivesse afiado suas garras ali recentemente. — Ele deve estar por perto...

Virou a cabeça para olhar ao redor, mas não viu além de árvores e mais árvores. Não parecia haver presença de outros seres além de alguns mosquitos zumbindo e borboletas coloridas dançando aleatoriamente. No entanto, as marcas frescas no tronco o colocaram em alerta máximo.

Decidiu avançar sem hesitar, buscando um abrigo imediato ou, pelo menos, planejar sua posição estrategicamente para enfrentar qualquer eventualidade.

Alaric avançava pela densa floresta, seu olhar atento buscando algo que pudesse indicar sua localização. Cada passo era cauteloso, seus sentidos aguçados pela expectativa, pelo que viu a alguns momentos atrás. 

O ar fresco e úmido que de repente envolveu sua pele trazia um bom sinal e altas expectativas, indicando que ele estava próximo de algum corpo d'água. Cada respiração parecia carregar umidade e o cheiro terroso das margens, criando uma sensação de antecipação.

“Que seja um lago… Aqui” Para sua extrema alegria, esse pressentimento se confirmou quando, ao afastar um grupo de arbustos densos, ele finalmente avistou o lago à sua frente.

Um suspiro de alívio escapou de seus lábios ao contemplar a serenidade das águas refletindo os raios de sol filtrados pelas copas das árvores. Querendo confirmar sua posição, se aproximou de uma árvore e retirou o mapa cuidadosamente dobrado de sua bolsa. Com um gesto preciso, desdobrou-o sobre seus joelhos e estudou os detalhes meticulosamente desenhados.

No mapa, três lagos estavam marcados, cada um em extremidades diferentes da vasta floresta. A tarefa de identificar exatamente onde estava seria desafiadora se não fosse por um ponto de referência crucial: uma árvore imponente, destacada por sua altura monumental. Alaric deixou o olhar vagar ao seu entorno e ao longe, a alguns bons metros, observou a árvore, comparando-a com a representação no mapa. Um novo suspiro de confirmação escapou dos seus lábios.

No entanto, existia uma nova preocupação que agora dominava a mente dele, tão densa como a própria floresta que o envolvia. A árvore gigantesca à sua frente se destacava como um farol silencioso, visível de quase qualquer ponto da vasta floresta. Isso significava que qualquer outro competidor que estivesse usando-a como ponto de referência inevitavelmente cruzaria seu caminho. Um encontro potencialmente perigoso, especialmente considerando que as regras para tal situação não haviam sido estabelecidas. Alaric não era ingênuo o suficiente para acreditar que esses encontros seriam amigáveis, não com todos os competidores, particularmente com Patrick que parecia nutrir um ressentimento injustificado contra ele.

Além desse dilema, havia a questão do lago em si, um ponto d'água singular na região, já que os outros estavam consideravelmente distantes. Isso o tornava uma fonte vital não apenas para ele, mas para todas as criaturas da área. Era uma vantagem estratégica para armadilhas e acumulação de pontos, mas também um foco de potencial perigo.

Decidindo que precisava de um momento para pensar, Alaric endireitou-se e fechou o mapa, guardando-o novamente na bolsa. O suor escorria por seu rosto devido ao clima úmido da floresta enquanto considerava suas opções. Decidiu que seria prudente refrescar-se no lago antes de prosseguir. Caminhou até a beira da água e agachou-se, levando as mãos à água cristalina.

Foi quando estava perdido em seus próprios pensamentos, envolvido pela sensação renovadora que a proximidade da água lhe proporcionava, que um ser estranho e imenso saltou do lago em sua direção, com a clara intenção de abocanhá-lo. Ele mal teve tempo de reagir, atirando-se para trás instintivamente e caindo sentado, atordoado e sem compreender o que estava acontecendo. As águas, antes calmas, agora estavam agitadas, e o coração de Alaric batia descontrolado enquanto tentava processar o ataque repentino.

Perdido em seus pensamentos e na sensação revigorante da água, Alaric foi abruptamente interrompido por um ser estranho e colossal que saltou do lago em sua direção, tentando agarrá-lo com sua mandíbula. Alaric mal teve tempo de se esquivar instintivamente para trás, caindo sentado, atordoado e sem compreender o que estava acontecendo. As águas, antes calmas, agora estavam agitadas, e o coração do jovem batia descontrolado enquanto tentava processar o ataque repentino.

A criatura era como uma enguia gigantesca, com escamas brancas reluzentes que refletiam a luz do sol de maneira quase hipnotizante. Uma barbatana se estendia da testa até o meio das costas, e dois longos bigodes de peixe projetavam-se de seu rosto em direções opostas, como antenas sinistras. Seus olhos, fixos em Alaric, brilhavam com um desejo voraz, claramente desejando devorá-lo. 

Por sorte, Alaric havia se afastado o suficiente da água, e a criatura, apesar de sua imponência, parecia limitada à beira do lago, incapaz de alcançá-lo facilmente. O ser se limitou apenas a perscrutá-lo, com ferocidade nas íris.

"Ele é um... Herafundite," pensou Alaric, recordando o pouco que estudara sobre os monstros daquela região selvagem. Os Herafundites eram criaturas raras, conhecidas por sua formidável força e a extrema dificuldade em serem derrotadas. A tentação de atacar imediatamente passou por sua mente, mas Alaric decidiu que precisava de mais informações antes de arriscar um confronto.

De repente, como surgira, a criatura voltou a emergir na água com um movimento sinuoso, suas escamas reluzindo à luz do sol. Era majestoso e assustador ao mesmo tempo, suas barbatanas se movendo graciosamente enquanto ele deslizava de volta para as profundezas escuras do lago. Alaric conjecturou que aquele lago escondia cavernas marinhas enormes, um labirinto subaquático que servia de lar para o Herafundite. As águas se acalmaram lentamente, mas o coração de Alaric ainda batia acelerado.  

Ele se ergueu, ainda atordoado pela surpresa, e começou a vagar pelas imediações, à procura de um abrigo onde pudesse por os pensamentos em ordem. Não demorou muito para avistar uma caverna não muito distante. Um leve receio inicial o invadiu, temendo que a caverna pudesse pertencer a alguma criatura, mas ao se aproximar, percebeu que ela estava desabitada há muito tempo. Aquela seria a melhor opção para se estabelecer: discreta e segura contra possíveis competidores, com a vantagem de estar a uma distância razoável do lago, onde poderia se refrescar e estudar o comportamento das criaturas locais.

Caminhou alguns metros além da caverna e desembainhou sua katana. Usou-a habilmente para cortar árvores e dividir os troncos caídos, repetindo o processo diversas vezes até acumular material suficiente para construir uma parede improvisada na pequena entrada da caverna e também para alimentar o fogo. No caminho de volta, carregando mais de setenta quilos de madeira em cada braço, um feito impressionante, mas que para ele era normal. Encontrou alguns cipós e trepadeiras que enrolou para uso futuro. Repetiu essa jornada várias vezes até trazer toda a madeira necessária.

Embora as longas viagens fossem cansativas e irritantes, ele calculou que era melhor fazer o trabalho longe de seu novo abrigo. O barulho ao derrubar as árvores poderia atrair atenção indesejada se estivesse mais próximo, mas afastado, apesar do incômodo das viagens, ele se sentia mais seguro.

Com tudo pronto e guardado dentro da caverna, que surpreendentemente não era tão profunda quanto ele esperava, apenas alguns metros de profundidade, Alaric começou a construir sua parede improvisada. Amarrando as madeiras robustas com cipós e trepadeiras entrelaçadas, ele trabalhou até o fim do dia. Quando o entardecer tingiu o céu de laranja e púrpura, a parede estava concluída e seu abrigo preparado para a noite.

Dentro da caverna, enquanto girava um graveto sobre uma placa de material inflamável para acender a fogueira, Alaric refletia consigo mesmo: "Quem diria que um ano vivendo sozinho, vagando em busca de vingança, me ensinaria tanto sobre sobrevivência na floresta.” 

Durante esse ano perdido de sua vida, nas densas florestas orientais, ele aprendeu a se virar completamente sozinho. Construir e caçar eram habilidades que já possuía, mas acender fogueiras tornou-se uma das muitas habilidades novas que adquiriu. E, olhando para a pequena chama que agora brilhava, ele podia dizer que não tinha esquecido como fazê-lo.

Com a pequena chama acesa, ele a levou até o monte de finas madeiras cortadas, facilitando assim o início da fogueira. As chamas rapidamente tomaram conta das madeiras, lançando um brilho acolhedor que iluminava a caverna. Quando o crepúsculo do entardecer se instalou no fim do dia, Alaric finalmente descansou contra a parede de pedra da caverna, sentindo uma onda reconfortante de satisfação. O crepitar das madeiras ecoava até seus ouvidos, tranquilizando o ambiente.

Ele fechou a porta improvisada com um estrondo surdo, sentindo o peso dos troncos robustos que a constituíam. Não eram ripas cortadas com cuidado, mas pedaços brutos, o que a tornava muito mais pesada do que uma porta comum. Recostou-se novamente na parede áspera da caverna, sentindo a rugosidade das pedras contra suas costas.

A fumaça da fogueira espalhava-se pelo local, preenchendo o espaço com um aroma amadeirado e quente. Apesar disso, ele sabia que o perigo do monóxido de carbono era minimizado pela abertura cuidadosamente planejada na parede de madeira, permitindo que o ar fresco entrasse enquanto a fumaça escapava para o exterior. Essa simples abertura era sua salvação, garantindo que pudesse viver ali sem o risco de intoxicação. Ainda assim, havia o desafio de dissipar a fumaça que permanecia na caverna, insuficiente para garantir um ambiente saudável. 

Alaric, que havia apenas tomado um café da manhã breve, sentia o estômago roncar, mas não havia nada que pudesse fazer naquele momento. Caçar durante a noite, envolta em seu esplendor sombrio, não parecia uma opção viável, muito menos sensata. Restou-lhe deitar-se sobre o chão duro da caverna e tentar dormir, ignorando a fome até o próximo dia.

No entanto, dormir não era fácil. Alaric nunca se sentia confortável em lugares desconhecidos, e a constante presença de monstros apenas complicava mais as coisas. Embora não fosse dado ao medo, a tensão constante ampliava cada pequeno ruído ao seu redor: passos ao longe, grunhidos estranhos ou simplesmente ruídos sinistros. Seu coração acelerava a cada estalido de galho do lado de fora, sua respiração se prendia involuntariamente com os sons bizarros.

A noite arrastou-se assim, com Alaric em alerta máximo, sentindo suas entranhas se torcerem de fome. Finalmente, quando um raio de sol invadiu a fresta na parede de madeira, um suspiro de alívio escapou de seus lábios. Seus ombros, antes tensos como pedra, relaxaram. Um novo dia começava.

Ele saiu cautelosamente da caverna, examinando os arredores com atenção. Não havia sinais visíveis das ameaças da noite anterior; os ruídos haviam provado ser apenas isso: ruídos. Com a inquietação finalmente dissipada, chegou o momento crucial de planejar. Ele caminhou até uma pedra próxima e sentou-se, buscando clareza de pensamento. Segundo o que lhe foi informado, os competidores passariam uma semana na densa floresta. O dia anterior não seria considerado; o desafio verdadeiramente começaria a contar a partir daquele momento.

Durante esse período, o objetivo seria caçar o máximo possível de criaturas para acumular pontos. As criaturas eram classificadas em diferentes níveis: lendárias, raras, comuns e insignificantes. Era uma classificação simplificada, mas funcional. As criaturas insignificantes rendiam dois pontos; entre elas estavam os animais comuns que mal tinham capacidade de se defender.

Depois vinham as criaturas comuns, animais encontrados em qualquer lugar da floresta, mas que possuíam habilidades de ataque e defesa. Essas rendiam cinco pontos. As criaturas raras eram seres místicos ou monstros não convencionais, muito mais perigosos, rendendo vinte pontos. E por último, as lendárias: bestas selvagens tão difíceis de encontrar e abater que enfrentá-las sozinho seria quase impossível. Essas valiam sessenta pontos.

O Herafundite, pensava Alaric, certamente se encaixava na categoria lendária. Era um monstro praticamente único naquela região. Se conseguisse matá-lo, garantiria sessenta pontos, mas enfrentá-lo sem uma estratégia seria suicídio. Lembrava-se do sentimento de temor que o envolvera ao avistar a criatura no dia anterior, um aviso instintivo de que não deveria desafiar o destino sem um plano sólido.

Alaric observava o anel em seu dedo indicador, enquanto também vislumbrava o espaço vazio onde costumava estar o anel na mão esquerda. Todos os seus pertences foram confiscados, pois certos itens mágicos poderiam conferir vantagens injustas. No entanto, o uso de armas vinculadas à alma era permitido sem restrições. Era uma contradição intrigante: embora qualquer competidor com uma arma excepcionalmente poderosa pudesse ter uma vantagem decisiva, Alaric não estava inclinado a protestar; ter sua katana já era um privilégio.

Refletindo sobre o anel no dedo anelar, ele recordou das instruções para passar a mão sobre a jóia azul incrustada. Com hesitação, acariciou-a, e a jóia azulada cintilou, liberando raízes retorcidas que emergiam como se fossem de um reino distante. Alaric sentiu um arrepio de surpresa, mas era tarde demais para interromper o que havia começado. Rapidamente, as raízes se entrelaçaram, formando uma superfície lisa onde nomes e números começaram a surgir organicamente.

A lista exibida à sua frente apresentava o nome de cada competidor seguido de seus respectivos pontos. Alaric estudou cada nome com cautela, ponderando sobre o significado de cada pontuação.

A maioria dos competidores tinha pontuação zero, indicando que não haviam conseguido abater nada ainda. Apenas alguns nomes exibiam números: Galean com dez pontos, indicando que ele havia eliminado seres comuns ou insignificantes. Lara ostentava vinte pontos, Graug quarenta, e o número mais alto fez Alaric franzir a testa em perplexidade: Patrick, com seus sessenta pontos. Isso significava que o rapaz tinha provavelmente abatido muitas criaturas ou até mesmo uma besta lendária.

Nesse instante, a urgência se fez sentir em Alaric. Ele percebeu a necessidade de começar a acumular pontos rapidamente. Se perdesse mais tempo, poderia acabar ficando significativamente atrás na competição.

Com fome, Alaric decidiu combinar o útil ao agradável ao se embrenhar na densa mata em busca de uma presa rara. Além de garantir vinte pontos, buscava carne para saciar sua necessidade de alimentação. Sua única esperança era que esses seres raros não tivessem forma humana, pois seria estranho e difícil para ele se alimentar de algo semelhante.

Entre as árvores densas e os arbustos silenciosos, Alaric avançava como uma sombra, seus movimentos cuidadosamente calculados para evitar qualquer ruído que pudesse quebrar o silêncio da floresta. Seus sentidos, afiados como as lâminas de adagas, captavam cada pequeno som ao seu redor. Foi então que ele percebeu, ao longe, passos leves ecoando entre as folhas secas.

Imediatamente, Alaric parou, imóvel como uma estátua de pedra, sabendo que qualquer movimento brusco poderia afugentar a presa, ou o predador, que se escondia ali.

Respirando lenta e profundamente, ele começou a avançar novamente, em um ritmo cadenciado que minimizava o contato com folhas e galhos. À medida que se aproximava, tentava discernir o que se movia entre as sombras. Poderia ser sua oportunidade de garantir uma caça valiosa... Mas ao chegar mais perto, a decepção foi imediata. Não era mais do que um simples esquilo, cuja captura ofereceria poucos pontos e carne insuficiente para suas necessidades.

— Merda... — murmurou Alaric consigo mesmo, frustrado pela falta de sorte naquela manhã.

Enquanto pensava em estratégias para encontrar algo mais substancial, uma sombra sinistra começou a se insinuar por trás dele, silenciosa como um espectro. A criatura, envolta em penumbra, revelou presas brilhantes e olhos vermelhos que pareciam faiscar de raiva enquanto observavam o jovem. Num movimento rápido e certeiro, a besta lançou-se em direção à cabeça de Alaric, buscando incapacitá-lo ou, pior ainda, decapitá-lo.

"Sério que pensou, que eu realmente poderia estar tão distraído?" Os pensamentos corriam como flashes, empurrando-o para frente em uma rápida movimentação. Seus braços se estenderam, prontos para o impacto iminente com o solo. Cada toque no chão quebrava galhos frágeis e amassava folhas secas, enviando uma dor aguda através de seu corpo em resposta ao terreno acidentado. Mesmo assim, não podia se deter; executou uma cambalhota ágil, já alinhando sua postura na direção da besta que se aproximava velozmente.

As sombras se dissiparam quando a luz do sol filtrada pelas copas das árvores iluminou a criatura. Diante de Alaric estava um ser colossal, semelhante a um urso negro, mas de tamanho descomunal. Suas patas eram robustas, e as garras, afiadas como lâminas perfeitas, pareciam ter o dobro do tamanho comum. Era uma visão rara e, ao mesmo tempo, intimidante, sugerindo um desafio que poucos conseguiriam enfrentar.

O jovem ergueu a mão ao céu, invocando a lança que pertenceu a Erne. Os ventos mudaram e, em um brilho suave, a arma materializou-se, caindo perfeitamente em sua palma. Ele envolveu o cabo com firmeza entre os dedos, sentindo o poder pulsar através do metal. O urso trotava em sua direção, cada passo fazendo o chão tremer, suas garras rasgando o solo com uma força aterradora, era tudo ou nada.

Alaric trouxe a lança próxima ao corpo, preparando-se para o ataque. Com um movimento preciso e decidido, lançou a ponta da arma em direção à criatura, esperando perfurar sua carne e enfraquecê-la com múltiplos golpes. Porém, ao atingir a densa pelagem do urso, a ponta da lança travou, incapaz de penetrar sequer um centímetro. 

Era como tentar atravessar uma placa densa de aço; só que, ao contrário do aço comum, a pele do urso não apresentava um único arranhão. A frustração crescia enquanto observava a criatura avançando implacavelmente, sem qualquer sinal de dor ou hesitação. Ele puxou a lança de forma desesperada e recuou, tentando ao menos manter uma distância segura entre eles.

O urso, no entanto, não dava trégua. Teve que saltar para trás várias vezes, sentindo o peso da exaustão aumentar a cada movimento, enquanto a besta continuava sua marcha incessante. Durante esse tempo, ele tentou perfurar a criatura repetidamente, mas todas as tentativas foram inúteis. A lança, que em qualquer outro ser teria sido mortal, mal fazia cócegas no urso.

Era uma sensação de impotência total. Cada investida parecia ser absorvida pela pele impenetrável da besta, que não diminuía o passo nem por um segundo. A visão do monstro, com seus olhos vermelhos e sanguinários, tornava a cena ainda mais complicada. Era como enfrentar um colosso invulnerável, uma força da natureza que não podia ser parada por meios comuns.

— Que saco! Nem com toda a minha força? — Ele murmurou entre dentes, sua frustração evidente. Reajustou a postura, sentindo o peso da lança em suas mãos suadas. Seus músculos se contraíram numa última investida desesperada.

A lança foi recuada lentamente, seus pés cravando-se no solo firme para obter o máximo de impulso. Ele respirou fundo, cada célula de seu corpo pulsando com a tensão acumulada. Em um movimento explosivo, disparou a arma com toda a força que possuía. O ar assobiou ao redor da arma, que voou com precisão letal em direção ao alvo.

Ele acertou a criatura, um golpe que deveria ser devastador. No entanto, o urso permaneceu impassível, seu enorme corpo peludo inabalado. Nem mesmo um flinch.

— O quê? Como isso é possível? — A incredulidade tomou conta dele, os olhos arregalados, a respiração ofegante. — Merda! Merda!

Alaric não era do tipo que se desesperava ou tinha sentimentos conflitantes durante uma batalha, mesmo nas mais difíceis. Ele sempre mantinha uma compostura quase inabalável, uma confiança que o diferenciava no campo de combate. Contudo, a constante insegurança de não ser forte o suficiente e a pressão incessante de acumular pontos começaram a afetar sua mente de maneira insidiosa. A sensação de fracasso em não conseguir derrotar uma simples besta que, embora amedrontadora à primeira vista, no fundo, era apenas um urso maior que os outros, desestabilizou Alaric profundamente.

Em meio a um momento de vacilo, o urso se aproximou ameaçadoramente enquanto Alaric, distraído e perdido em incertezas, não estava totalmente concentrado. A criatura, com seu porte imponente, pisou no solo uma última vez, elevando a pata pronta para desferir um golpe certeiro. Os olhos de Alaric, antes relativamente calmos apesar de tudo, se arregalaram com o perigo iminente. Recuar não o salvaria completamente, e qualquer ferimento mais sério poderia não ser fatal naquela luta, mas comprometeria seus dias restantes na floresta.

Os olhos claros de Alaric refletiram o terror que o dominava, observando a pata do urso se elevar com força avassaladora, as garras imensas prontas para rasgar sua carne. Ele se lançou para o lado, buscando minimizar os danos, aceitando que algum ferimento seria inevitável. Contudo, no mesmo instante em que tudo parecia levar ao fim, uma corda tensa estalou como um raio, atingindo a pata do urso e fazendo-o recuar com um rugido de dor. Respingos de água pairaram no ar, acertando as bochechas pálidas de Alaric, que se encontrava confuso em meio ao movimento de evasão.

Ao cair no chão, sem qualquer preparação, rolou alguns metros, embrenhando-se entre galhos e folhas. O impacto foi brutal, fazendo com que ele sentisse cada pedra e raiz em seu caminho. Ao parar, Alaric era o retrato da derrota, arfando e com o coração batendo freneticamente enquanto tentava entender o que acabara de acontecer. Suas roupas estavam rasgadas e sujas, e seu corpo doía em diversos pontos.

— Você está bem? — A voz doce soou próxima, acompanhada de um toque reconfortante em seu ombro. — Ei! Me responda!

Alaric lentamente se virou, encontrando o olhar azul profundo, que naquele momento era semelhante ao mar em tempestade, cheio de preocupação. Os cabelos azulados caíam desordenadamente sobre o rosto da jovem que o olhava, um contraste perfeito com a intensidade dos olhos.

— Eu estou... eu acho — murmurou, levando a mão à cabeça e sentindo a viscosidade do sangue. — Só devo ter batido a cabeça, mas vou ficar bem.

— Droga, então fique aí, eu te protejo — disse ela com uma ternura rara, levantando-se com determinação. — Eu vou arranjar tempo, você foge com isso.

O jovem ficou atônito com o altruísmo daquela garota, que nem o conhecia e mesmo assim se levantou para protegê-lo e dar-lhe tempo para fugir. Ela parecia resoluta, embora um leve tremor em suas mãos denunciasse seu receio quanto ao que poderia acontecer a seguir. Naquele momento, Alaric soube que havia encontrado uma boa pessoa, ou uma pessoa tola o suficiente para se arriscar pelos outros assim. Alaric não conseguia concluir com clareza o que achava daquela atitude. Talvez fosse uma inocência que seu coração não dispunha mais para decidir corretamente.

Ele a observava do chão, refletindo sobre suas palavras. Correr dali, abandoná-la e simplesmente esquecer de tudo isso, ideia de simplesmente fugir e deixá-la para trás, era tentadora, uma solução rápida para evitar o perigo iminente. Depois de algum tempo, ele voltaria e... Não, isso não parecia certo. Era coisa de covarde, de alguém que jogava as responsabilidades nas costas dos outros. Abandoná-la depois de um ato tão bondoso e benevolente era impensável, um egoísmo sem tamanho, algo que Alaric não era e não faria.

Alaric sentiu o pulsar da dor ecoando em cada movimento enquanto se erguia do chão, ignorando o sangue que escorria pela sua testa. O ambiente ao redor parecia estar em suspenso, carregado de uma tensão palpável que ele enfrentava com uma calma fria.

— Eu não sou de fugir — disse ele, com uma voz firme, enquanto a lança desaparecia magicamente de onde estava. Em sua cintura, a bainha negra surgiu como uma sombra, e com um movimento lento e deliberado, ele começou a desembainhar a katana. O metal cintilava, capturando e refratando a luz de maneira hipnotizante, seus olhos brilhando com uma determinação feroz. — Não enquanto ainda vislumbro a chance de vencer. Espero que não se importe.

Cada movimento era calculado, sua postura refletia a maestria com a arma e a decisão inabalável de enfrentar o que viesse pela frente. O jovem, com sua katana em punho, estava pronto para proteger aquela que, em um gesto de coragem, havia escolhido proteger a ele. 

— Nem um pouco — disse ela, com um nervosismo perceptível na voz. — Aquele bicho não parece brincadeira…

O urso os encarava com fúria ardente nos olhos vermelhos faiscantes. Sua pata machucada latejava, evidentemente dolorida, já que ele evitava apoiar-se nela com força. Cada passo que dava era vagaroso, mas carregado de ameaça.

— Como é seu nome mesmo? — indagou Alaric, segurando a katana com firmeza, os músculos tensos, prontos para a batalha.

— Alice — respondeu, firmando o chicote em sua mão, enquanto a água fluía pela corda com um brilho hipnótico. — O seu é Alaric, não é?

Ele balançou a cabeça em confirmação. Ela sorriu, ainda um pouco nervosa, mas agora com uma determinação renovada. Uma batalha iria começar, feroz e sangrenta, onde apenas um lado sairia vencedor.



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