Volume 2

Capítulo 126: Competidores

Da direita para a esquerda, um a um, os competidores iam se levantando para se apresentar a mando do imperador. O primeiro a erguer-se foi um jovem de estatura mediana, cuja postura não exalava a mesma confiança dos demais. Seus cabelos verde-claros balançavam suavemente enquanto ele se erguia, e seus olhos, da mesma tonalidade, hesitaram por um breve instante antes de se fixarem no imperador. As vestimentas que usava, adornadas com padrões que evocavam o caos de uma tempestade, indicavam sua afiliação ao clã da Tempestade, Yu.

— Eu... me chamo Vincent Frankenstein — anunciou ele, curvando-se formalmente. Seu tom de voz carregava uma evidente mistura de receio e medo. — Venho de uma área isolada... — A dificuldade em pronunciar essas palavras era notável, como se houvesse um peso emocional por trás dessa revelação. — Em Felizia. Irei lutar no torneio representando o clã da tempestade, Yu.

Terminado sua apresentação, o imperador assentiu com um sorriso gentil. As princesas o saudaram da mesma forma, cada uma à sua maneira. Mei Fang, mantendo uma postura imponente, não exibia sorrisos; seu semblante era dominado por feições austeras que transmitiam autoridade e seriedade. Por outro lado, Wei Xin, provavelmente a princesa Fang, não conseguia conter sua animação. Seu sorriso radiante contrastava com a sobriedade de sua irmã, quase a levando a descer até as escadarias para apertar a mão de cada competidor.

Alaric, observando de relance, teve a certeza de que Wei Xin era a mesma garota que havia encontrado anteriormente. Havia algo inconfundível em seu entusiasmo e alegria contagiante que não deixava margem para dúvidas.

Enquanto isso, Vincent Frankenstein voltou a tocar com o joelho no chão, demonstrando uma reverência profunda e respeito incontestável. Alaric, com um olhar furtivo e atento, percebeu um leve tremor na mão do rapaz, que ele tentava em vão disfarçar. A tensão que emanava de Victor era possível de se sentir, quase como um espectro que se insinuava pelas frestas da sala.

O próximo a se apresentar ergueu-se lentamente. Era um jovem de estatura mediana, similar a Vincent, mas com uma presença distinta. Enquanto o nervosismo do rapaz anterior era evidente, ele parecia envolto em uma aura de serenidade imperturbável, como se estivesse em comunhão com uma paz interna impenetrável. Seus olhos, tranquilos e focados, fixaram-se no imperador com uma firmeza quase reverencial.

Ele era o único entre os presentes que não usava um hanfu típico de um clã. Em vez disso, vestia um manto de cor açafrão, que envolvia seu corpo de maneira elegante e austera, reminiscente de um monge. Sua cabeça raspada completava o quadro, evidenciando um hábito monástico.

— Muito prazer, me chamo Ming Jie — disse ele, juntando as mãos em um gesto de oração, curvando-se ligeiramente. — Cresci e fui criado no templo budista do Monte Emeishan — continuou, sua voz suave e agradável, quase como uma melodia reconfortante. — Enfrentarei os desafios que vierem, em nome do clã da luz, Guāng, e mais ainda, em nome de Buda.

Ao som de suas palavras, pesados suspiros ecoaram pela sala, acompanhados por olhares perscrutadores de avaliação fixados sobre ele. A menção ao clã da luz, Guāng, com sua conexão direta com a casa imperial, não passou despercebida. Embora a afiliação a um clã específico não determinasse o resultado das disputas, a expectativa em torno de alguém ligado tão intimamente à casa imperial era grande. 

Ao concluir sua apresentação, Jie Ming recebeu acenos e sorrisos cordiais do imperador e suas filhas, antes de voltar-se e ajoelhar-se ao lado de Vincent.

A luz que invadia pelas enormes janelas laterais iluminava os presentes, projetando suas sombras no chão de mármore polido. Era como uma bênção sagrada que engrandecia cada apresentação, conferindo uma aura quase divina ao ambiente. Ao lado de Jie Ming, um ser colossal se ergueu, dominando a atenção de todos.

Era o giganoide que, momentos antes, havia abalado a sala com seus passos pesados. Ele facilmente alcançava 2,40 metros de altura, um verdadeiro titã. Sua pele, levemente azulada, brilhava de maneira peculiar sob a luz do sol, dando-lhe uma aparência etérea. Os olhos escuros eram profundos e intensos, parecendo perfurar a alma de quem ousasse encontrá-los. Cada olhar emitido por ele parecia quase tangível, como se pudesse empurrar fisicamente qualquer um.

Seus cabelos curtos, cortados em um estilo quase militar, complementavam perfeitamente a cor dos olhos, reforçando sua presença imponente. O hanfu que ele vestia parecia ter sido meticulosamente adaptado para seu tamanho gigantesco, um feito notável considerando que os humanos daquela região eram geralmente mais baixos. A costura do traje não deixava nada a desejar, parecendo que desde o início foi feito para ser assim, não apenas adaptado. Ostentando símbolos que remetiam a pedras, montanhas e outros elementos sólidos da terra, era uma bela peça.

A presença do giganoide preenchia o espaço, não apenas por sua imponente estatura, mas pela aura de poder e respeito que emanava de sua figura colossal. Sua pele, de uma textura singular, refletia a luz de forma sutil, realçando os contornos musculares que pareciam esculpidos por forças ancestrais. Cada movimento seu, por mais simples que fosse, fazia o chão vibrar ligeiramente, como se a própria terra respondesse ao seu comando. 

— Graug, se chama Graug Stronick — disse, sua voz reverberando com um poder bruto que parecia ecoar pelas paredes do salão. Algumas pessoas ficaram intrigadas pela maneira peculiar como ele falava, mas igualmente impressionadas pelo impacto retumbante de sua voz. — Graug nasceu em uma tribo, mas Graug estava em uma caverna em Lulunica antes de vir para cá. Graug representa o clã da terra, Dìqiú.

A dificuldade em pronunciar certas palavras era evidente, mas isso só tornava seu discurso mais intrigante. 

O imperador e suas filhas assentiram com respeito. Wei Fang, não conseguiu esconder um brilho peculiar no olhar. Era como se a visão de Graug, com toda a sua força e singularidade, despertasse nela uma curiosidade intensa, quase uma fascinação. Graug voltou a ajoelhar-se ao lado de Jie Ming. 

O próximo a se erguer era um jovem que Alaric já havia avistado em outra ocasião, de estatura semelhante à sua e cabelos vermelhos quase idênticos, embora os do rapaz fossem de um vermelho escuro, reminiscente de sangue coagulado. Diferenciando-se dos demais, ele carregava um semblante severo, desprovido de qualquer traço de alívio, parecendo controlar cada músculo facial com perfeição. Seus olhos cor olivas pareciam capazes de penetrar o concreto, mantendo-se firmes e focados. Cada passo que dava ecoava pela sala, imbuído com uma aura de dignidade quase real, embora não ostentasse um título régio. Vestia um hanfu magnífico, ornado com símbolos que evocavam chamas, enquanto o sol destacava seus músculos definidos, lançando sombras intrincadas pelo ambiente.

― Me chamo Patrick. — Sua voz ressoava grave, impregnada pelo peso da severidade que emanava por cada poro de seu corpo. — Venho de Astot, lutarei pelo clã do fogo, Huo.

Ele inclinou-se com leveza, enquanto seu gesto de respeito se desdobrava, um colar de prata adornado com um pingente de ursinho escapou discretamente do colarinho de sua roupa. À medida que ele se endireitava, o colar dançava suavemente no ar, captando a luz do ambiente palaciano, emitindo reflexos brilhantes. 

Embora não tenha mencionado seu sobrenome, não era obrigado a fazê-lo. Os competidores não precisavam nem usar seus nomes verdadeiros; podiam se identificar por títulos, uma descrição concedida pelo imperador. Sem mais palavras, Patrick se moveu, voltando de onde havia saído, sua postura rígida e metódica como a de um militar, cada passo parecendo calculado e firme. Ao alcançar o espaço onde estava antes, ajoelhou-se diante da imponente escadaria que conduzia ao trono do imperador.

Em seguida, uma garota de feições amigáveis se levantou. Cada movimento em seu erguer, parecia trazer consigo um ar gentil, seus passos era delicados, apesar de possuir uma determinação que não se continha em se espalhar pela sala. Os cabelos azuis cintilavam a cada balanço, como um riacho que fazia curvas descendo até às costas. Os olhos que pareciam emitir compaixão no mero ato de observar eram do mesmo tom sereno da água, um azul belo, que enfeitavam um rosto já esculpido e encantador. Os brincos nos ouvidos balançaram pela última vez, quando ela parou. E a pulseira em seu braço brilhou a luz solar, quando usou a mão para jogar algumas mechas de cabelo para trás. 

— Prazer, me chamo Alice Beatus. — Sua voz era suave, carregada de um tom maternal que envolvia todos ao redor. Os cabelos azulados caíam como cachoeira de safira ao redor dos ombros, refletindo a iluminação da câmara com um brilho sereno. — Venho de Danterion, para lutar em nome do clã da água, Shuí.

Com uma reverência grácil, Alice se curvou perante o imperador, cujas às filhas observavam com curiosidade educada. Alaric, do seu assento, notava algo intrigante naquela jovem, uma presença que despertava um instinto ancestral, como se houvessem laços inexplicáveis entre eles. Após sua apresentação solene, Alice retornou ao seu lugar com a mesma serenidade com que chegara.

Chegou então a vez de Galean Vandever, um jovem que Alaric conheceu nos becos da cidade. Ele vestia um hanfu com os símbolos e insígnias do clã das estrelas com orgulho discreto. Apesar de representar a uma casa menor e menos conhecida, sua postura revelava uma confiança tranquila. Seus cabelos cinzentos, como fumaça em um dia de neblina, e seus olhos do mesmo tom, mantinham-se impassíveis. Após se apresentar de maneira formal, Galean retornou ao seu lugar com a aura de mistério que o envolvia.

Por fim, era a vez de Xu Ying, cujo nervosismo mal disfarçado se dissipou ao finalmente se levantar. Escolhida pelo clã dos espíritos, sua seleção foi um feito notável, pois ela fora uma das últimas a ser escolhida, chegando quase no último momento, graças a ajuda de Alaric e informações passadas pelo próprio Galean. Seus passos hesitantes foram substituídos por uma voz firme ao se apresentar diante do imperador e dos presentes, a determinação ressoando pelo salão.

Alaric se apresentou com a mesma discrição que lhe era característica. Com uma breve inclinação, anunciou seu nome diante do imperador e suas filhas. Evitou deliberadamente olhar diretamente para a princesa Wei Fang, temendo qualquer deslize que pudesse causar má impressão, apesar de estar curioso sobre ela.

Após ele, uma jovem que chegou junto a eles em outra carruagem momentos antes, ergueu-se. Seus cabelos negros fluíam suavemente enquanto ela avançava, seus lábios delicadamente contornados. Vestida com um hanfu que refletia as profundezas da escuridão, ela parou sem hesitação diante da majestosa escadaria do imperador.

— Meu nome é Lara Fischer. — Sua voz era firme, destituída de qualquer traço de informalidade. — Represento o clã da escuridão, Hēiàn.

Os presentes aguardaram, antecipando uma reação do imperador além da habitual formalidade. Considerando a lógica básica, o clã da escuridão seria um rival direto do clã da luz, mas não havia indícios de tensão no ar. O imperador manteve seu semblante amistoso e simplesmente assentiu. Com um leve movimento de retorno, Lara voltou ao seu lugar, mas não antes de lançar um olhar peculiar a Alaric. Parecendo levemente surpreendida, franzindo as sobrancelhas. Logo em seguida, apenas pareceu ignorar isso.

Por último, uma figura destoante entre todos os presentes, ocultava o rosto por trás de uma máscara branca adornada com símbolos vermelhos. A pessoa ergueu-se. Os cabelos negros, eram semelhantes com os da princesa Wei Fang. Passo a passo, avançou em direção à escadaria. Seu hanfu exibia um tom azul gélido, ornado com símbolos que evocavam o próprio elemento gelo.

— Podem me chamar de Chiriu — sua voz soava ligeiramente distorcida, como se intencionalmente modificada para evitar reconhecimento. — Lutarei em nome do clã do gelo, Bing.

Havia uma tensão palpável entre ela e a princesa Wei Fang, evitando-se mutuamente com olhares discretos. Após a breve apresentação, Chiriu retornou ao seu lugar, deixando uma sensação de que aquele não era seu verdadeiro nome, mas sim um título significativo. 

— Agora que todos estão devidamente apresentados — começou Jian, estendendo os braços com um gesto de grandiosidade que preencheu a sala com sua presença imponente. — Devo lhes dizer como o torneio irá funcionar, mas antes… — Ele ergueu a mão ao queixo, seus dedos se perdendo na vasta barba que fluía como uma cascata de fios claros. — Acho que seria uma excelente ideia mostrar-lhes os prêmios primeiro, não é?

Seus olhos brilhavam com uma intensidade que ecoava suas palavras. Os campeões, ajoelhados diante dele, cada um representando um clã distinto, observavam com alta expectativa. Com algumas batidas de palmas, ele desceu os degraus majestosos, passando pelos campeões, ladeado por suas duas filhas. Guardas imponentes se posicionaram atrás deles em formação impecável.

— Me sigam! — exclamou animado, avançando em direção às portas. — É uma oportunidade única de vislumbrar o que os aguarda em caso de vitória.

As portas se abriram com um ranger solene. Os campeões se ergueram e seguiram os passos do imperador, um por um, saindo da sala do trono. Desceram a escadaria e, logo abaixo da sacada, avistaram uma porta. Alaric havia notado a porta quando entrara no palácio, supondo que levasse à cozinha ou a algum lugar semelhante. No entanto, estava prestes a descobrir que estava enganado.

— Majestade — disse o homem que os recebera à chegada, aparecendo ao lado do imperador que encarava a porta. — Deixe-me abrir.

— Finn, o que eu faria sem você? — Jian riu descontraidamente, cedendo espaço para Finn alcançar a porta. — E a todos vocês, lembrem-se de nunca tocarem nesta porta sem permissão.

O aviso do imperador pairava no ar como uma sombra ameaçadora, suas palavras um lembrete velado carregado de consequências severas para qualquer transgressão. Finn moveu sua mão suavemente em direção ao centro da porta de madeira maciça. Uma runa embutida na madeira começou a brilhar sob sua palma, girando como uma engrenagem enquanto o mecanismo de segurança começava a se desativar. O som metálico das trancas sendo liberadas ecoou do interior do cômodo, e a porta começou a se abrir lentamente, revelando um vislumbre do espaço guardado além. Antes de avançar, o imperador lançou um último olhar severo sobre todos, seus olhos velhos estreitados com autoridade.

— Nunca toquem nesta porta sem permissão, ou enfrentarão uma prisão eterna para suas almas — advertiu solenemente.

Esse era o motivo dos avisos anteriores. Os intrincados mecanismos de segurança garantiam que os tesouros imperiais permanecessem intocados, fazendo os imprudentes se arrependerem de sua curiosidade. Quando a porta finalmente se abriu, Xu Ying, posicionado ao lado de Alaric no fim do grupo, sentiu uma onda de sensações arrepiantes.

— Desespero... gritos… — murmurou ela, como se estivesse em transe, seus olhos fixos na passagem escura à frente. — Alaric… eu…

— Deve ser suas habilidades despertando — comentou Alaric, compreendendo rapidamente a situação.

Xu Ying era, sem dúvida, uma médium, alguém capaz de interagir com o mundo espiritual, e se as advertências de Jian fossem verídicas, muitas almas atormentadas estavam presas naquele local. 

Avançaram pela passagem estreita, seguindo de perto o caminho iluminado pelas tochas que Finn, à frente do grupo, acendia nas paredes de pedra apenas ao passar por elas. Não demoraram a se deparar com uma escadaria íngreme que se estendia para baixo, desaparecendo na escuridão profunda.

Finn, Jian e as princesas não hesitaram em começar a descer os degraus, decididos. Os demais, ao verem isso, não tiveram alternativa senão segui-los. O ar estava carregado com o odor de séculos presos, alcançando os narizes de Alaric e Xu Ying enquanto continuavam a descida sem olhar para trás.

O murmúrio dos lamentos das almas penadas cresciam em intensidade à medida que desciam mais fundo. Xu Ying sentia como se dedos gelados a roçassem, arrepiando-a a cada nova sensação inexplicável. Os lamentos etéreos ecoavam incessantemente em seus ouvidos, fazendo-a encolher-se ainda mais, dominada pelo medo, pela inquietação.

Alaric percebeu a insegurança da jovem atrás dele e, com um gesto discreto, trouxe à vida a pequena fada que residia no anel em seu dedo. O anel, aparentemente simples, escondia o ser mágico que Alaric havia encontrado há algum tempo. Com um leve toque, a fada despertou, flutuando confusa ao lado do rosto do jovem.

No fim do grupo, estavam em um local estratégico, fora da vista dos demais, ideal para convocar a fada sem despertar atenção indesejada. Alaric sempre evitava chamá-la em público, ciente dos riscos de ser descoberto. A reação das pessoas à presença de uma fada era imprevisível. Com um aceno discreto em direção a Xu Ying, que caminhava logo atrás com uma expressão abatida e os braços cruzados, como se estivesse se protegendo do frio intenso, a fada compreendeu imediatamente o propósito de sua chamada.

Com um sorriso gentil, voou silenciosamente até se aproximar de Xu Ying. Seus movimentos eram graciosos e quase imperceptíveis, como se dançasse pelo ar. A fada irradiava uma aura reconfortante, como um pequeno farol de tranquilidade em meio ao ambiente tenso. Pairando próxima ao rosto de Xu Ying, transmitia uma sensação de calma e apoio silencioso.

Alaric observava atentamente, assegurando que a interação entre Xu Ying e a fada fosse sutil e não atraísse a atenção dos outros.

"Silf?" Xu Ying mal podia acreditar que estava vendo a fada novamente, fazia tanto tempo desde a última vez. A pequena criatura voou graciosamente até a cabeça da moça e, com carinho, acariciou seus cabelos, em uma tentativa de confortar a jovem.

— Você é realmente uma fofa… — murmurou Xu Ying, tocada pela ternura da pequena criatura.

Apesar dos sons amedrontadores e das sensações perturbadoras ao seu redor, Xu Ying ignorou-os, focada na presença reconfortante de Silf. A fada sorriu satisfeita por ter conseguido ajudar, e juntas continuaram a descer as intermináveis escadarias, cujos degraus pareciam desafiar a gravidade ao se estenderem para o infinito.

Após mais alguns passos, alcançaram o limiar do último degrau. Silf, havia se transformado novamente em anel por precaução, evitando ser vista. Todos atravessaram o arco que servia de entrada para a sala e foram recebidos por uma vista deslumbrante. Era uma imensa câmara repleta de pedestais dispostos ao redor, cada um com preciosidades resguardadas por vitrines de vidro reluzente. As paredes eram adornadas com estantes igualmente protegidas, exibindo uma vasta coleção de artefatos mágicos e mundanos.

Para onde quer que se voltassem, havia objetos de beleza e valor incomparáveis. Alguns pareciam pulsar com uma energia própria, enquanto outros brilhavam suavemente sob a luz dos lustres. As vitrines e estantes criavam uma paisagem de maravilhas, um testemunho da riqueza e do poder do imperador.

— Permitam-me lembrar a todos — começou Jian, os olhos percorrendo cada rosto na câmara com seriedade solene. — observem, questionem, admirem, mas em hipótese alguma toquem. 

Depois do aviso, os campeões ficaram livres para andar pela câmara, observando os possíveis prêmios. Havia uma infinidade de itens de todos os tipos imagináveis. Alaric estava próximo a uma parede com inúmeras espadas expostas, admirando cada uma com fascinação.

— Então espadas são seu vício? — indagou Galean, aproximando-se com um sorriso.

— São minhas armas favoritas. Deve ter a ver com minha classe — respondeu Alaric, mantendo o olhar fixo nas lâminas reluzentes.

Galean ficou ombro a ombro com ele, também observando as espadas. Eram tantas e tão diferentes uma das outras que seria difícil descrever cada uma.

— Classe? Então você é espadachim? — Galean perguntou, curioso.

— Hmmmm… É, pode dizer que sim — a resposta de Alaric soou meio vaga.

E realmente era. Alaric não sabia ao certo qual era sua classe. Muitos sempre o haviam considerado um espadachim devido à sua habilidade excepcional com espadas. No entanto, ultimamente, começava a duvidar disso. Apesar de preferir espadas e sentir-se mais à vontade com elas, ele notara que tinha uma habilidade surpreendente com outras armas também. Isso não era típico de alguém que deveria ser focado em apenas uma classe específica.

— E você? Tem alguma classe? — perguntou Alaric, desviando o olhar de esguelha para Galean.

— Não sei se seria uma boa ideia revelar minha classe a um possível adversário… — Ele repousou uma mão na lateral da barriga, enquanto a outra coçava os cabelos cinzentos, um pouco indeciso. — Ah, mas você já me revelou a sua, não é mesmo? — Ele parou de coçar os cabelos e abriu um sorriso resignado. — Sou um assassino. Foi por isso que me livrei daqueles delinquentes tão rapidamente naquele dia.

Alaric ergueu o cenho rapidamente, compreendendo. Então era por isso que, como Galean mesmo disse, naquela vez em que enfrentaram os delinquentes no beco para resgatar Lucian, Galean conseguiu dar conta de três ou quatro deles em um piscar de olhos. A classe assassina era focada em velocidade e agilidade. Alaric desviou o olhar para a cintura de Galean, mas não encontrou nenhuma adaga visível, concluindo que Galean era um portador de armas marcadas na alma.

Enquanto olhava para Galean, o jovem vislumbrou pelo canto do olho uma espécie de altar no centro da câmara. O altar parecia exibir um livro, colocado com reverência. Deixando Galean e as espadas para trás, caminhou em direção ao altar, a curiosidade pulsando em cada passo. A sala era iluminada por lustres de cristal que pendiam do teto de mármore branco, espalhando uma luz suave e uniforme. Essa luz refletia nos metais dos expositores, fazendo-os brilhar com uma aura quase mágica.

Alaric passou por uma série de vitrines contendo armas antigas, objetos mágicos e outros itens que nem era possível categorizar, cada um parecendo contar uma história esquecida. Ao se aproximar do altar, conseguiu distinguir melhor o objeto sobre ele.

"Realmente um livro… espera… este livro…" Alaric já havia visto esse livro antes, mas suas memórias falhavam na tarefa de relembrar onde e que livro era aquele.

— O livro que tudo sabe, Equitiliun — Galean outra vez se aproximou do jovem, desta vez com um brilho diferente no olhar, enigmatico. — Já o conhecia, Alaric?

— Lembro de tê-lo visto em algum momento da minha vida. — O jovem franzia o cenho, em um esforço atroz em busca de cada neurônio que pudesse relembrá-lo, mas de nada adiantava. — Ah, esquece… Então, você conhece essa coisa?

Galean sorriu, observando o livro com um misto de reverência e temor, mas mantendo aquele brilho peculiar no olhar, quase um olhar frio.

— É mais do que apenas um livro. Equitiliun é dito conter o conhecimento de eras passadas e futuras, respondendo a qualquer pergunta que lhe seja feita. Mas é bom ter cuidado, pois dizem que seu poder tem um preço. Muitos que tentaram usá-lo foram consumidos pela verdade que descobriram ou pelo remorso do preço que pagaram.

Alaric reforçou o olhar, desviando para o livro. Algo naquele volume parecia chamá-lo, como se uma voz sussurrasse seu nome. Ele nunca havia ouvido sequer passagens vagas sobre o Equitiliun, mas o livro parecia famoso o suficiente para gerar histórias e lendas sobre seu preço. O jovem lutou contra o impulso, que fazia sua mão mover-se lentamente em direção ao vidro que o protegia. Lembrou-se dos alertas do imperador para não tocar em nada, e do medo do desconhecido que poderia emergir caso entrasse em contato com o livro. Puxou o braço de volta, entrelaçando os dedos na outra mão, como se acabasse de levar um choque.

— Se esse livro é tão famoso, como o imperador o tem aqui? — indagou, ainda sentido uma vontade estranha de tocar no livro.

— O imperador deve tê-lo achado em alguma incursão — disse Galean, desviando a atenção para Jian. Próximo às suas filhas, ele exibia com orgulho alguns de seus tesouros. — Acho que não é surpresa ele ter isso aqui. Olhe em volta... Existem objetos aqui tão impressionantes quanto.

Alaric olhou ao redor e sentiu-se como se estivesse dentro de uma caverna de um dragão ancestral, repleta de riquezas inimagináveis. Havia itens de uma beleza arrebatadora e poder inimaginável, cada um mais fascinante que o outro, até mesmo o Equitiliun parecia perder um pouco de seu brilho em meio a tanto esplendor. 

No entanto, um objeto em particular capturou toda a sua atenção, o verdadeiro motivo que o levou a aceitar participar do torneio. Na parede central da câmara, exposto com toda sua glória, estava o Coração de Buda. O jovem avançou em direção ao órgão, sentindo a pulsação da promessa, da expectativa.

Galean observou Alaric ir em direção ao Coração de Buda. Ele, por sua vez, voltou sua atenção para o livro na vitrine, com um olhar novamente peculiar. Sua mão se estendeu, quase tocando o vidro protetor, mas então hesitou. Seus dedos tremeram ligeiramente antes de recuarem, e ele sorriu de maneira resignada, abaixando o olhar e soltando um suspiro pesado, como se carregasse um fardo invisível ou estivesse satisfeito por enquanto.

Alaric aproximou-se do órgão exposto na parede, seus passos ressoando levemente no chão de mármore polido. O coração, situado em um nicho cuidadosamente esculpido na parede, parecia um artefato venerável. A princípio, era apenas um coração comum, semelhante aos outros, mas, para sua surpresa, ainda batia com um ritmo constante e vivo, como se nunca tivesse sido removido do peito de seu portador.

Ele parou ao lado do monge, Jie Ming, que, com as mãos cruzadas atrás das costas, observava o órgão com um misto de zelo e nostalgia. A luz suave do ambiente iluminava o rosto sereno do monge, revelando uma expressão de profunda admiração.

— Alaric, não é? — perguntou Jie Ming, sem desviar o olhar do coração, recebendo um aceno afirmativo do jovem. — Tem interesse no coração de meu senhor? 

Alaric franziu levemente a testa, intrigado pelo termo "meu senhor", mas decidiu não insistir em questionar naquele momento.

— Sim, é o principal motivo da minha participação no torneio — respondeu Alaric, com a voz firme, mas carregada de curiosidade.

— Oh, é o meu também — respondeu Jie Ming, abrindo um sorriso gentil, sua voz calma e serena ecoando na sala silenciosa. — Preciso levá-lo novamente ao templo de Buda.

Alaric arqueou uma sobrancelha, comprimindo os lábios enquanto seu olhar se estreitava. Estava claramente confuso sobre o motivo do outro revelar suas intenções com tanta facilidade, como se os dois fossem velhos amigos, sendo que tinham acabado de se conhecer. Alaric não era do tipo que saía revelando tudo a um desconhecido, nem se aproximava das pessoas com facilidade. Na verdade, achava tolo quem fazia isso.

— Por que está me contando isso? Seria mais seguro ocultar suas motivações e os fatos da sua vida…

— Hah! Você é engraçado, Alaric — Ele abriu um sorriso radiante, parecendo observar o coração exposto com novos olhos, como se fosse realmente o seu senhor Buda ali. — Quer saber o porquê falei? É simples. Guarda isso como um segredo seria apenas uma motivo egoísta, no qual o único beneficiado sou eu. Agora porque agir com tal invertude? Qual a razão para isso? Buda nos ensinou a prezar pela honestidade, e não ocultar por motivos que não sejam bons. Cultive a verdade se deseja colhê-la em um futuro próximo, como dizia meu mestre. — Ele desviou o olhar de soslaio para Alaric. —  E além do mais, não era algo que poderia me prejudicar de qualquer maneira, é até bobo.

Alaric sentiu um leve estremecimento percorrer sua espinha. As palavras do monge reverberavam com uma serenidade tão rara que ele se viu cativado, algo dentro dele tocado pela profundidade das convicções expressas com tanta clareza. Uma admiração relutante começou a brotar em seu peito, enquanto refletia sobre suas próprias práticas de ocultar intenções. Questionava-se se poderia haver uma alternativa viável. Contudo, após um breve momento de contemplação, Alaric balançou a cabeça, afastando tais pensamentos. Para ele, não havia retorno possível. O peso do que vira e vivera tornava qualquer mudança uma ilusão distante.

— Entendo — murmurou Alaric, a voz carregada de respeito. — Mas tenha cuidado ao revelar demais sobre si mesmo. Às vezes, isso pode ser usado contra você.

Não querendo prolongar a discussão filosófica naquele momento, mas Alaric sentia uma pontada de preocupação genuína pelo monge. Ainda que divergissem em muitos aspectos, desejava sinceramente o melhor para aquele monge que agora encontrava-se ao lado dele. Jie Ming, ainda com um sorriso afável, balançou a cabeça assentindo.

— Você mencionou algo sobre levar de volta? — perguntou Alaric, curioso.

O monge respirou fundo, um vislumbre momentâneo de frustração cruzando seu olhar sereno.

— Sim — respondeu, a voz calma, mas carregada de significado. — O coração… ele pertencia ao templo onde cresci, antes de…

Alaric escutava atentamente, mas uma dor de cabeça súbita o atingiu, angustiante. Seus pensamentos se nublaram, seus ouvidos zumbiam, incapazes de captar qualquer som além do pulsar violento em sua cabeça. Cambaleou, a mão buscando apoio na testa latejante. Ao longe, Xu Ying observava um globo de cristal com interesse, pois achava o objeto estranhamente familiar, mas então percebeu o mal-estar do jovem e correu em sua direção.

— O que aconteceu? — Ele chegou rapidamente, apoiando Alaric pelos ombros.

— Eu não sei... Ele estava bem até agora, de repente... começou a vacilar — explicou Jie Ming, preocupado, ajudando a segurar o jovem.

— Alaric, o que está acontecendo? Alaric!

O jovem sentia-se perdido, a visão turva, a cabeça latejando como se marretas a atingissem. O equilíbrio o abandonava, suas pernas vacilavam.

— Você está perdendo o controle.

A voz surgiu do nada, e Alaric sentiu o mal-estar dissipar-se como se nunca tivesse existido. A câmara agora parecia vazia, exceto por uma figura reclinada contra uma das vitrines: Rancor, com os braços cruzados e um sorriso convencido estampado no rosto.

— Rancor... O que você fez? — questionou o jovem, vendo tudo ao seu redor retornar ao normal, embora uma sensação estranha de amortecimento ainda persistisse.

Rancor se desencostou da vitrine e começou a se aproximar lentamente, cada passo calculado, quase ameaçador.

— Nossa, por que sempre assume que a culpa é minha? — ele respondeu com um tom irônico, enquanto se aproximava. 

— Porque toda vez que você aparece, algo estranho acontece.

Alaric piscou, e a figura que se aproximava desapareceu como um fantasma entre a névoa. Ele girou a cabeça freneticamente, seus olhos procurando algo que não podia ver claramente, até sentir um toque quente em seu pescoço, envolvendo-o suavemente.

— Pode até estar certo... — Rancor sussurrou ao seu lado, sua voz sibilante no ouvido de Alaric. — Mas desta vez, acredite em mim, não tenho culpa alguma... Na verdade, a culpa é dessa espada.

Alaric desviou o olhar em choque para a bainha da lâmina negra em sua cintura. Ele não a havia invocado, não desta vez.

— A espada reagiu a algo, não sabemos o que… — comentou ele, quase didático. — No fim, invés de me culpar deveria me agradecer, te salvei de passar um vexame. Se cuide e preste atenção a sua volta Alaric, até mais…

Antes que pudesse perguntar mais alguma coisa, Rancor já havia desaparecido, e o mundo ao seu redor voltou ao normal.

— Alaric! — Ele virou o rosto ao som de seu nome, encontrando o rosto preocupado de Xu Ying. Ela parecia desesperada, uma expressão que ele não gostaria de ver em um rosto tão belo. — Você está bem?

Ele tentou esconder sua própria perturbação, afastando-se suavemente dela e de Jie Ming.

— Estou... Estou sim — respondeu ele, sua voz soando mais tensa do que pretendia.

As coisas estavam estranhas, mais do que ele poderia ter imaginado. Quando olhou para baixo, percebeu que a bainha de sua espada já não estava mais lá. O desaparecimento repentino da lâmina era mais do que um simples contratempo; era um aviso, uma ameaça velada que pairava sobre ele. Seja lá o que fosse, Alaric teria que descobrir, pois não se sabia como as coisas poderiam se desenrolar e sair do controle.



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