Volume 2

Capítulo 118: Chegando na reunião

Depois de um dia praticamente perdido, parados no acampamento dos rebeldes Espinhard, a comitiva retomou a viagem rumo à reunião da liga. O reinício da jornada trouxe um sopro de esperança aos corações cansados, e, naquele momento, já haviam se passado quatro dias desde o ataque vampírico. A maior parte do terreno nórdico havia sido percorrida, e eles agora se aproximavam do imponente forte fronteiriço de Ciantenfel, prestes a deixar para trás as gélidas terras nórdicas e adentrar a vibrante Lulunica.

Como era de se esperar de uma comitiva liderada por um rei como Endrick, tudo estava meticulosamente planejado. A passagem pelo forte foi tranquila e rápida, marcada apenas pelo som abafado das armaduras e as saudações formais dos guardas. Ao atravessarem os portões da fortaleza, a comitiva se deparou com uma visão de tirar o fôlego: Uma terra que, a primeiro momento, levando em conta só a beleza e descartando os distúrbios políticos, se estendia diante deles em toda a sua glória, uma terra onde o inverno parecia uma memória distante.

As estradas, livres da neve que dominava o norte, guiavam-os através de campos intermináveis de algodão. O vento leve fazia as plantas dançarem em um balé silencioso, criando padrões hipnotizantes. O algodão, ao ser acariciado pela brisa, se desprendia ocasionalmente, flutuando no ar como pequenos flocos de neve, mas com uma suavidade que lembrava um sonho. A cena, digna de um conto fantástico, preenchia os olhos de Harald, que parecia nunca ter visto algo igual. 

Córregos abastecidos pelos rios formados pelo derretimento das geleiras nas terras nórdicas serpenteavam por campos de linho. As carruagens avançavam suavemente, até alcançarem uma ponte de pedra, bela em sua simplicidade, que atravessava um dos braços do rio. No topo e no centro da ponte, Aldebaram, com um brilho encantado no olhar, avistou peixes nadando tranquilos na correnteza cristalina abaixo.

Alguns quilômetros adiante, uma pequena vila surgia no horizonte, cercada por plantações de algodão. Lulunica era verdadeiramente a terra dos tecidos, um reino que abastecia outros com suas finas produções têxteis. Mais à frente, os olhos de Harald brilharam com uma intensidade rara ao se deparar com uma sucessão de estufas imponentes, cuja função ainda era desconhecida para ele.

— Eles criam os bichos-da-seda nessas estufas — informou Endrick, com um brilho de admiração nos olhos enquanto observava as construções. — O único país, além das terras orientais, a produzir seda da mais alta qualidade. Lulunica… é de se orgulhar.

Aldebaram notou a admiração na voz de Endrick, quase uma contemplação. A viagem prosseguiu sem interrupções significativas. Durante cinco dias, eles atravessaram Lulunica, fazendo paradas estratégicas para descansar

Evitando passar diretamente por Aldemere, situada logo abaixo da nação têxtil, eles tomaram um desvio para a esquerda, rumo ao reino que Endrick se orgulhava em governar. Assim, adentraram Felizia, uma das maiores nações costeiras do continente.

As primeiras coisas que avistaram foram os fortes, imponentes e aparentemente impenetráveis, erguidos como guardiões eternos nas fronteiras. Depois, viram vastas plantações, uma miríade de culturas se estendendo até onde a vista podia alcançar, preenchendo o olhar. Felizia era um reino belo, que não se destacava em um único aspecto, mas era competente em todos. 

Endrick olhava pela janela da carruagem com um sorriso satisfeito, claramente orgulhoso de seu reino. Ele se voltou para Aldebaram e perguntou:

— O que acha de Felizia, rei Aldebaram?

Aldebaram observou pela janela por um momento, absorvendo a paisagem. Ele viu pessoas trabalhando nos campos, crianças brincando nos vilarejos, uma sensação de prosperidade pairando no ar. Quando finalmente falou, sua voz estava carregada de uma tristeza que ele não podia esconder.

— É um belo país. As pessoas parecem felizes... —  Hesitou, sentindo um aperto no peito ao pensar em seu próprio reino. — Existem plantações em abundância, parece que ninguém aqui passa fome... — Cada palavra era como uma faca em sua alma, sabendo que, ao contrário do país de Endrick, o seu enfrentava escassez e sofrimento. — É um reino que não parece ter grandes problemas, grandes preocupações...

Endrick notou a melancolia no olhar de Aldebaram, mas, a princípio, escolheu não comentar. Virou-se para a janela, observando o horizonte com um olhar que antes era suave, mas agora se estreitava levemente, carregado de preocupação.

— Todos os reinos têm seus desafios, Aldebaram. Felizia não é exceção — começou ele, com a voz tingida de uma tristeza resignada. — Sofremos com ataques piratas dia e noite. As pessoas que moram nas regiões afastadas das costas talvez não sintam tanto, mas as que lá vivem conhecem bem o receio das invasões, dos roubos, dos saques...

Ele voltou sua atenção para o guerreiro, que o observava atentamente. Endrick fez uma pausa, tomando fôlego, antes de continuar.

— Mas fazemos o mais importante: não nos deixamos abalar. Lutamos por um dia melhor, um dia de cada vez. Mesmo que pareça distante, nunca perdemos as esperanças.

Um sorriso iluminou seu rosto, um sorriso que parecia transcender a dor e o medo, inundado por uma esperança genuína. Astrid, que os observava atentamente, sentiu um misto de tristeza por seu pai e encantamento pelo altruísmo de Endrick. Nunca imaginara que o rei pudesse ser uma pessoa tão boa e dedicada.

— Esperança... — Aldebaram murmurou, a palavra saindo quase como um suspiro. — É uma palavra bonita, mas para mim, para meu reino, sempre pareceu tão distante...

Ele deixou a cabeça cair levemente, a mente acabava se perdendo em pensamentos sombrios.

— Me diga, Endrick, como faz para ser tão próximo dessa palavra?

Endrick respirou fundo, o olhar brilhando de emoção.

— Não existe segredo, eu acho... — disse, com um sorriso nostálgico. — Ter esperança é um direito de todos os seres que vivem neste mundo. Como meu pai sempre dizia… — A voz grave, mas sabia de seu pai ecoou em sua mente, trazendo de volta as exatas palavras que ele havia dito, com a mesma serenidade e convicção de sempre: — A esperança vive em todas as coisas, em todos os cantos. Ela está sempre pronta para servir de suporte a quem necessita, se oferecendo nos momentos difíceis. Basta você querer aceitá-la ou não.

As palavras de Endrick ecoaram pela carruagem, trazendo um momento de silêncio carregado de significado. Aldebaram sentiu uma nova admiração crescer por ele, um rei tão jovem que já possuía tanta experiência, maturidade e controle emocional. O guerreiro sentiu até um pouco de vergonha por precisar receber conselhos sobre esperança de alguém uma década mais jovem que ele.

Enquanto refletia sobre isso, sentiu um toque suave e reconfortante sobre seu braço. Ao virar o rosto, notou que era a mão de Astrid, seus olhos amarelados transmitindo uma calma profunda, apesar de ainda parecerem carregar o peso da melancolia que a afetava. Aldebaram percebeu então qual era sua verdadeira esperança, aquilo em que depositava as forças e o coração.

"Minha esperança..." pensou, sentindo as palavras ressoarem em sua alma. Abrindo um sorriso contente com a conclusão, permitiu-se relaxar, deixando-se levar pelo clima leve e reconfortante que envolvia a carruagem.

Enquanto passavam pelas terras de Endrick, Aldebaram não pôde deixar de notar a intensa movimentação de soldados. Era quase como se eles estivessem se preparando para algo grande e iminente. As estradas estavam cheias, e o som de botas marchando ecoava pelo vale.

— Por que tantos soldados nas estradas, ruas e lugares? — perguntou Aldebaram, sem maldade, apenas com a curiosidade natural. No entanto, ao ver o olhar estranho de Edgar, percebeu que talvez tivesse feito a pergunta errada. — Ah, me perdoe, se for algo que não pode comentar...

Edgar suspirou, o cenho franzido revelando uma preocupação profunda. Ao contrário de Endrick, que por alguns instantes sustentou um sorriso no rosto, mas eventualmente deixou o sorriso esvair-se, adotando um semblante igualmente preocupado.

— Hm? Claro que não. Desculpar-se por isso é tolice... — disse, pausando como se algo sério passasse pela mente. Ele encarou Aldebaram com uma intensidade que o fez sentir um calafrio. — Na verdade, é bom você estar por dentro...

Aldebaram franziu a testa, confuso com a seriedade do tom de Endrick.

— Por dentro? — perguntou, sua voz um pouco mais baixa, quase hesitante.

— Aldebaram, não acha que o mundo está estranho? Como se estivesse à beira do caos?

Todos os presentes na carruagem ficaram confusos, encarando Endrick. Apenas Edgar manteve a compostura, já não se importando muito com o que seria dito.

— Uh? Estranho? Caos? — O guerreiro franziu o cenho, tentando entender aonde o rei queria chegar. — Pode explicar isso melhor?

O rei suspirou, fitando pela janela como se procurasse as palavras certas no horizonte.

— As coisas parecem estar colapsando lentamente… Hum, diga-me, há quanto tempo não havia uma grande guerra neste continente que não tivesse sido provocada por algum país extremista?

Aldebaram, sentado à frente, murmurou que há séculos. E realmente era, já se faziam séculos que nenhum país considerado normal, declarava guerra a outro.

— Exatamente, séculos — continuou o rei, num tom moderado. — Apenas pequenas disputas ocorriam, envolvendo poucos homens. Mas de repente, Re’loyal atacou Aldemere. Você pode argumentar que Re’loyal é extremista, mas, mesmo assim, é uma guerra de outras proporções quando comparada a pequenos conflitos. E isso não é tudo, infelizmente. As tensões estão aumentando em todo o continente. Muitos países, antes pacíficos, estão entrando em divergências, ameaçando batalhas. A falsa paz que durou por séculos parece prestes a desmoronar.

O silêncio que seguiu parecia pesar mais do que qualquer palavra. Harald, sentado no canto, apertava os punhos, tentando conter a inquietação. Finalmente, ele falou, a voz trêmula mas determinada.

— Isso não é natural? Uhg! — Ele engoliu seco, esperando uma reprimenda, mas o rei fez um gesto encorajador para que continuasse. — B-bem, reinos não se mantêm neutros, pacíficos para sempre. Novas gestões sobem ao poder diariamente neste continente, mudando as políticas internas.

— Você pode ter razão, conselheiro… — admitiu Endrick, mas então adquiriu um olhar confiante. — Mas não é estranho tudo isso estar ocorrendo de uma só vez? E não são só as ameaças de guerras, é todo o resto que está acontecendo ao mesmo tempo: demônios poderosos vindo à terra, deuses reencarnados surgindo…

— Vampiros estranhos atacando… — sussurrou Aldebaram quase para si mesmo, fitando fixo o além.

A carruagem balançava suavemente, o ar se tornava denso. Aldebaram encarou Endrick, sua expressão séria, mas os olhos revelavam uma preocupação profunda.

— Eu chamo isso de era do caos… — compartilhou Endrick, a voz grave, a expressão tensa. — E temo que estejamos apenas no início dessa era.

A carruagem continuou seu caminho, o som das rodas sobre a estrada de terra misturando-se com o suspiro coletivo dos que estavam dentro. O horizonte começava a se tingir de laranja enquanto o sol se punha, prenunciando noites sombrias e incertezas pela frente.

A viagem continuou, e logo eles já haviam atravessado toda Felizia. A jornada, que durou pouco mais de sete dias, foi marcada por poucas paradas e breves momentos de descanso, pois o tempo era escasso. As paisagens de Felizia, com seus campos verdejantes e vilarejos pitorescos, passavam rapidamente pelos olhos cansados dos viajantes. 

Ao deixarem as terras de Endrick, chegaram a Elaria, um reino costeiro menor que Felizia, mas ainda assim de grande importância no continente. Elaria, com suas praias de areia dourada e portos movimentados, parecia acolhedora, mas a pressa os impediu de aproveitar suas belezas.

De Elaria, seguiram até Germandia, um reino à direita que fazia fronteira tanto com Elaria quanto com Aldemere, onde os campos de trigo dourados e as colinas suaves se estendiam até onde a vista alcançava. Germandia era um reino robusto e fértil, seus habitantes orgulhosos e trabalhadores, e as aldeias fervilhavam de atividade. A tensão na região era palpável, e cada olhar trocado entre os habitantes e os viajantes carregava um peso de preocupação, muito pela rivalidade declarada entre Aldemere e a própria Germandia.

Pouco abaixo de Germandia, dividindo a fronteira com Aloria, estava o reino neutro de Caled. Este pequeno reino, escondido entre florestas densas, era o local escolhido para a reunião. Caled, com sua neutralidade cuidadosamente mantida, era um refúgio de paz em meio à crescente inquietação. As bandeiras de Caled, com seu símbolo de equilíbrio, balançavam suavemente ao vento, lembrando a todos a importância do diálogo e da diplomacia.

Enquanto o grupo se aproximava da capital e única cidade de Caled, a tensão no ar era palpável. Aldebaram sentia seu coração bater acelerado, ciente da importância do encontro que se aproximava. Cada decisão tomada ali poderia alterar o destino de seu reino, talvez a esperança que tanto precisava. 

A comitiva de Endrick se dispersou ao se aproximar do palácio, restando apenas três carruagens: uma à frente, outra atrás e, no meio, a que levava os soberanos. Graças aos imprevistos, ele já estavam em cima do horário, quase se atrasando. Então, não pararam mais. 

Ao se dirigirem à entrada do palácio, Aldebaram olhou pela janela da carruagem. O cenário que se desenrolava diante de seus olhos era de uma luxuosidade estonteante. O piso era meticulosamente cortado, os portões dourados brilhavam sob a luz do sol e os blocos que compunham as estruturas pareciam incrivelmente caros. Plantas ornamentavam o local, conferindo um ar de sofisticação. Ao ver as várias carruagens já estacionadas ali, indicando a chegada de outros monarcas, um arrepio subiu pelas costas do guerreiro.

A carruagem parou suavemente em frente aos degraus de mármore do palácio. Aldebaram respirou fundo, tentando acalmar os nervos enquanto um lacaio abria a porta com suavidade. Edgar foi o primeiro a descer, estendendo a mão para auxiliar Endrick, um gesto que parecia um cumprimento de normas sociais.

Por este motivo, Harald foi o próximo a descer, oferecendo a mão a Aldebaram. Logo depois, Harald estendeu a mão para Astrid. Ao sentir o toque da jovem, mesmo por trás das luvas, acabou se perdendo momentaneamente. 

Retornando rapidamente aos sentidos para não fazer papel de bobo, ajudou Astrid a descer completamente. 

As vestimentas da jovem haviam mudado: um vestido branco descia até os pés, cobrindo o corpo por completo. Apenas um decote suave no busto permitia ver um pouco de pele, enquanto os braços estavam cobertos por mangas longas, e delicadas luvas adornavam suas mãos. Na cabeça, um chapéu elegante protegia seu rosto do sol, que tanto a incomodava e lhe causava queimaduras, que ela iria retirar ao entrar no palácio.

Endrick tomou a dianteira, subindo os degraus de mármore, cumprimentando os presentes com uma habilidade inata para a diplomacia. Ele parecia ser excelente em fazer média, sendo amigável com todos. Aldebaram se esforçava para fazer o mesmo, mas o nervosismo o impedia de manter uma expressão simpática o tempo todo. Por vezes, ele ouvia as pessoas comentando que ele parecia estranho.

Sua estatura também era um desafio. O guerreiro, sendo um dos únicos giganoides presentes, se destacava entre os humanos mais baixos. Essa diferença de altura fazia com que ele se sentisse ainda mais deslocado e chamasse muita atenção, aumentando sua ansiedade.

Ao se aproximarem das imponentes portas do palácio, os guardas as abriram com um rangido suave, revelando a opulência do interior. O chão laminado refletia a luz dos lustres de cristal, enquanto as paredes de mármore branco exibiam obras de arte emolduradas com esmero. Aldebaram sentiu-se pequeno diante da grandiosidade, acostumado como estava aos salões modestos de seu castelo.

Dois homens com coroas nas cabeças se destacavam à frente, imersos em uma acalorada discussão. Um deles, de cabelos cinzentos, parecia exasperado.

— Ora, se não é o ladrão de territórios... — ele murmurou, os olhos faiscando desdém.

— Ainda chora por isso, Falizeu? — interrompeu o outro, de cabelos amarelados como a areia, com um sorriso sarcástico. — Por Athenas, Supere. Aquelas terras nunca foram de Germandia.

— Não venha com essa desculpa! — retrucou Falizeu, as sobrancelhas franzidas em frustração. — As terras de Andalas sempre foram nossas!

Endrick passou por eles em silêncio, sem sequer lançar um olhar lateral. Aldebaram seguiu seu exemplo, deixando os dois monarcas a discutir para trás.

— Acostume-se. Aqui dentro, discussões como essas são mais comuns do que gostaríamos — murmurou Endrick, continuando a caminhar sem olhar para trás. — Mas se está curioso sobre o cerne dessa disputa, é mais complexo do que parece...

Então, Endrick explicou uma história antiga: um príncipe de Germandia casou-se com uma princesa de Eloria em um matrimônio arranjado para forjar uma aliança entre os reinos. Eles tiveram um filho. Esse filho, porém, mais parecia um Eloriano do que um Germânio, e acabou governando as terras de Andalas, que antes pertenciam a Germandia, sendo sua única saída para o mar. Quando o príncipe-rei de Germandia faleceu, a união entre os reinos desmoronou. O filho assumiu como príncipe de Eloria, mantendo Andalas sob seu domínio. Germandia, contudo, nunca aceitou a perda e continuou exigindo a devolução das terras, desencadeando um conflito que já se estendia por décadas, se não séculos.

Aldebaram permaneceu em silêncio, imerso em pensamentos sobre a complexidade da questão envolvendo as famílias reais, que refletia a intricada teia dos próprios reinos. As portas do imponente salão de reuniões finalmente se abriram para eles. Endrick entrou primeiro, seguido de perto pelo guerreiro, cada passo ecoando suavemente.

Dentro do salão, um ambiente de tensão e formalidade imperava. Alguns monarcas já aguardavam, sentados em suas cadeiras ornamentadas com ouro e pedras preciosas. Bartolomeu, rei de Aldemere, estava entre eles. A expressão serena contrastava drasticamente com a memória recente de sua ordem para explodir a própria cidade, um plano que beirava, senão ultrapassava, a insanidade. 

Além dele, outros reis e três rainhas esperavam pacientemente, os olhares revelando uma mistura de monotonicidade e desconfiança, típico de monarcas. Logo atrás de cada um, existia um ou até dois indivíduos, que pelas vestimentas e tipos de armas, dava para saber que eram guardiões. 

Algumas pessoas fixaram o olhar no novo convidado, enquanto outros o ignoravam deliberadamente. No entanto, todos sabiam quem Aldebaram era e temiam como essa reunião poderia terminar.

— Fique ao lado desta porta — disse Endrick em voz baixa para o guerreiro. — O anfitrião já está ciente de sua presença e do motivo dela. Ele o chamará assim que for discutir sua admissão, então seja paciente.

O guerreiro assentiu em silêncio, posicionando-se ao lado da porta com uma postura firme e vigilante. Endrick e Edgar, sem perder tempo, dirigiram-se a uma das cadeiras, posicionadas ao redor de uma imponente mesa semi-circular. A mesa, com seu espaço aberto no centro, brilhava com a luz que refletia em sua superfície de madeira escura e luxuosamente polida, demonstrando um artesanato de altíssima qualidade, que fazia Harald sentir inveja, quando comparado aos móveis de Estudenfel.

Pouco depois, as portas ao lado de Aldebaram se abriram novamente, revelando os dois reis que estavam discutindo do lado de fora. Sem sequer trocar um olhar entre si, e muito menos com o guerreiro, os dois monarcas entraram no salão. Ignorando solenemente a presença um do outro, caminharam em direção às suas cadeiras, estrategicamente posicionadas longe uma da outra, talvez por questões de segurança.

Pouco tempo depois, outros monarcas com seus guardiões começaram a chegar. Por último, um homem de cabelos louros e olhar escuro, porém determinado, passou ao lado de Aldebaram. O clima no salão, que antes era de um burburinho descontraído, pareceu pesar uma tonelada. Os monarcas, antes indiferentes uns aos outros, de repente se ajeitaram nas próprias cadeiras, assumindo uma postura altiva. Cada passo desse homem era firme e decidido, como se ele carregasse uma aura de autoridade incontestável. Sem dizer uma palavra, ele se dirigiu até a frente da grande mesa, quase no centro do semi-círculo.

Sua expressão séria e pouco convidativa deu lugar a um semblante tranquilo. Ele abriu os braços amplamente em um gesto de apresentação, a tensão no ar era palpável.

— Queridos reis e rainhas aqui presentes, a reunião irá começar — anunciou ele, com uma voz que ressoava pelo salão, carregada de dignidade. — Eu sou Lindolf, o anfitrião, e antes de iniciarmos, irei apresentar cada um dos presentes.

Lindolf começou da ponta direita para a esquerda, apresentando um a um:

Elyroi, Senhor de Elandor, o Rei Puro. Elyroi era um elfo de postura arrogante, com olhos que pareciam perfurar o espaço à frente e o queixo sempre erguido em um gesto de desdém. Seus cabelos brancos, puxados para o amarelo real, caíam em cascata, refletindo a luz suave do salão.

Nyxar, Soberana das terras de Nymoria, A Magnificência. Nyxar era uma elfa que exibia uma postura igualmente altiva, mas com um toque muito sutil de humildade velada, perceptível apenas nos momentos em que seu sorriso deslumbrante se fazia presente. O rosto, esculpido com perfeição, carregava um título que dispensava apresentações, capaz de acelerar o coração até do mais frio e apático dos homens. Seus cabelos dourados, cor de ouro na sua forma mais pura, estavam presos em um coque elaborado, com algumas mechas soltas emoldurando seu rosto, acrescentando um charme etéreo à sua já impressionante figura.

Selundi, Monarca de Nyverel, O Indescritível. Selundi parecia ser o mais velho do trio élfico. Sua presença exalava uma aura de sabedoria que realmente justificava seu título. Mesmo com a aparência esbelta de um jovem de trinta anos, típica do sangue élfico com sua alta longevidade, os longos cabelos prateados fluíam como os de Astrid. Imóvel e sereno, sem sequer piscar, ele emanava uma autoridade que todos na sala pareciam respeitar profundamente. 

O trio élfico na ponta direita havia sido devidamente apresentado. Seguindo a na direção para esquerda, era agora a vez dos humanos comuns.

Bartolomeu, Soberano de Aldemere, O Irredutível, recebeu uma apresentação que ecoou pelos salões opulentos do palácio real. Conhecido por sua inflexibilidade e por honrar seu título sem hesitação, Bartolomeu não recuava diante de suas decisões, mesmo as mais controversas. Com quase cinquenta anos, seu olhar cínico refletia a experiência acumulada ao longo dos anos. O cálice de vinho em sua mão denotava um vício adquirido nas longas noites de realeza, enquanto sua postura altiva afirmava sua posição como o governante de um dos reinos mais poderosos do continente, tornando-o o monarca quase supremo de toda a região.

Edmares, Rei de Danterion, O Pacífico. Edmares era um dos mais velhos entre os presentes na sala. Seus cabelos já prateados pouco volumosos, e olhar cansado contavam a história de décadas de liderança serena. Aos cinquenta anos, ele representava a estabilidade e a prosperidade que seu reino desfrutava sob seu comando. Apesar das rugas profundas, havia uma bondade serena em seu olhar, como faíscas suaves em um mar calmo ao entardecer.

Mereck, Senhor de Eloria, Soberano Costeiro. Mereck era o homem que discutia acaloradamente com Falizeu no corredor anteriormente. Seus cabelos amarelados como a areia, não como o ouro, brilhavam sob a luz dos lustres, emitindo um tom suave, que contrastava com sua presença desafiadora. Mantinha um sorriso confiante e levemente sarcástico dançando nos lábios, uma expressão que denotava um prazer sutil em provocar conflitos.

Endrick, Monarca de Felizia, O Inquestionável. Endrick em sua apresentação provocou murmúrios entre alguns dos reis presentes. Ainda havia quem duvidasse de sua capacidade de liderança, mas ele permanecia sereno, indiferente aos julgamentos alheios. Cada traço de seu rosto expressava uma determinação tranquila, como se as críticas não conseguissem abalar sua confiança.

Caz, Rainha de Cascia, A Imperatriz Cristal. Caz era uma mulher de presença imponente. Seu rosto, belo mas marcado por uma cicatriz pronunciada, acrescentava uma aura intimidante à sua figura. Não havia espaço para sorrisos em sua expressão séria e seu olhar concentrado, que nunca se desviava do objetivo por um segundo sequer. Algumas de suas feições remetiam aos povos orientais, uma lembrança de que Cascia, apesar de ser considerado um país central, compartilhava raízes profundas com seus vizinhos orientais. Comandando um reino quase tão vasto quanto Aldemere, Caz era uma das mulheres mais poderosas do continente.

Falizeu, Soberano de Germandia, O Rei Cinzento. Falizeu compartilhava muitos traços com Bartolomeu: o olhar severo e uma expressão endurecida que refletiam a gravidade que emanava de sua presença rígida. Seus cabelos grisalhos eram cortados curtos, adicionando um ar ainda mais austero à sua figura.

Masako, Imperatriz de Takeshima, Sol Oriental. Masako exibia uma face amigável que mal escondia uma profundidade de emoções mais complexas, como uma leve inclinação a sadicidade. Cuidadosamente produzida, suas feições eram adornadas por uma maquiagem elaborada, destacando os cabelos castanhos-claros que balançavam suavemente conforme abanava um leque decorado com símbolos solares. 

Jian, Imperador de Donfang, O Supremo, ostentava seu título com a dignidade que apenas o líder do maior país em extensão territorial poderia ter. Suas feições envelhecidas revelavam uma vida de sabedoria acumulada, destacada pela barba que caía do queixo como a de um sábio ancião. Fios ralos adornavam sua cabeça, testemunhas de sua idade avançada, mas seus olhos permaneciam afiados, um mistério quanto aos seus sentimentos internos, um homem a se temer e respeitar.

Sutran, Rei de Lidenfel, O Próspero, era um giganoide de corpo roliço, longe de qualquer figura atlética, porém isso não diminuía o respeito que emanava. Uma leve ansiedade pairava sobre ele, perceptível apesar do respeito que inspirava. Seu cabelo negro permanecia impecável sobre a cabeça, e a barba mantinha-se inalterada desde a última vez que fora visto.

Por fim, Survik, Monarca de Ciantenfel, conhecido como Rei Gigante, justificava seu título mesmo entre os giganoides, destacando-se pela altura que herdara da linhagem real, tão próxima dos antigos gigantes. Sua mera presença emanava respeito; seu olhar cirúrgico analisava tudo e todos, como se buscasse uma oportunidade oculta.

— É isso, as apresentações estão concluídas. Infelizmente, não podemos contar ainda com o rei de Lulunica, nem de Helsia — lamentou o anfitrião.

Aldebaram notou que nas apresentações, apenas os primeiros nomes foram utilizados. Era uma norma talvez para garantir imparcialidade, evitando que algum monarca parecesse mais importante que outro, embora fosse evidente para todos o nível de importância de cada um. Entre devaneios, um arrepio subiu-lhe pela espinha, e ao sentir um par de olhos sobre si, voltou a atenção na direção da sensação desconfortável.

— Acho que para começar esta reunião, devemos tratar de um assunto emergente primeiro — disse o anfitrião, olhando diretamente para Aldebaram, seu olhar firme e inabalável. — A admissão do reino de Estudenfel na Liga das Nações.

Nesse instante, o coração de Aldebaram disparou como nunca antes. Era a hora. Agora ou nunca.



Comentários