Volume 2
Capítulo 117: Despedida
Nadine havia acabado de sair da tenda de Philip Espinhard, satisfeita com a conclusão da reunião. Decidiu então refletir melhor sobre tudo que estava ocorrendo, longe de olhos curiosos e vozes estridentes, indo caminhar em meio às árvores. Mesmo que vampiros fossem uma ameaça e que os sons da floresta escura fossem inquietantes, Nadine se considerava forte o suficiente para não se importar com nada disso. Tocar um dos braceletes dourados enquanto andava era uma prova de que confiava naqueles objetos e no poder que forneciam.
Contudo, sua aventura relaxante pela mata teve um fim rápido ao escutar duas vozes baixas próximas. Olhando melhor ao redor, notou que elas pertenciam a Harald e Astrid, que, observando de onde estava, pareciam bem próximos sentimentalmente.
“Será que eles…” Ela os observava, fazendo um leve bico com os lábios, curiosa sobre o que exatamente estavam fazendo ali. Sua mente navegou pelas possibilidades, algumas delas a fizeram corar de vergonha. Ela balançou a cabeça veementemente. “Não! Não! Não! Não é nada disso, Nadine!”
O balançar de cabeça foi forte o suficiente para lhe tirar o equilíbrio momentaneamente. Cambaleou, tonta, até tocar com o braço em uma árvore salvadora, na qual se apoiou. Tendo negado de todas as formas que eles estavam fazendo coisas impróprias ali, decidiu se aproximar. Quando próxima o suficiente para discernir, ficou aliviada e tocou o ombro de Harald, que se assustou. Após isso, ela pediu que ele as deixasse a sós, para que Nadine e Astrid pudessem botar os assuntos em dia.
— Acho que devemos esclarecer alguns assuntos, Astrid.
A pequena dragonoide assentiu, com um sorriso incerto que pouco refletia felicidade.
— Posso começar? — perguntou Astrid, ao que Nadine consentiu. — O que você fez após partirmos de Lidenfel?
— Boa pergunta... Bem, Alaric e Gideon estavam tão consumidos pela sede de vingança que partiram sem olhar para trás, abandonando o corpo de seu avô. Não os julgo por isso; eles não estavam raciocinando direito. Mesmo assim, deixar o corpo dele lá, abandonado em um campo de batalha, não me parecia correto, não era respeitoso. Eu não podia conviver com isso, e isso me levou a cuidar do corpo do velho Dolbrian, dando-lhe um enterro minimamente digno — Astrid pareceu abalada por aquelas palavras. Nadine notou que havia algo mais escondido, mas decidiu continuar a história: — Depois disso, já não havia muito que eu pudesse fazer na cidade. Eu poderia ficar lá e tentar começar uma nova vida; recebi propostas tentadoras, mas isso me faria feliz? Acho que não, seria apenas uma acomodada... Me transformaria em alguém sem perspectiva de futuro, sem algo a alcançar. Esse medo ou melhor receio acabou me lavando a deixar Lidenfel, traçando meu próprio caminho, buscando meus objetivos. Você se lembra da vez em que o idiota do Alaric perguntou sobre nossas ambições? O que queríamos?
Astrid assentiu lentamente, lembrando-se do momento em que Alaric reuniu todos numa caverna, ainda no domínio de Fuxi, questionando sobre seus desejos mais profundos. Naquela época, ainda acreditavam que poderiam alcançar tudo juntos. Mas, no fim, aquelas aspirações ficaram apenas nas palavras, jamais transformadas em ação, agora perdidas nas brumas do passado.
— Eles haviam falado sobre a revolução Espinhard. Eu já tinha ouvido falar deles antes, e foi nisso que depositei minhas esperanças… Sem vocês, sem ninguém… Sozinha, mais uma vez… — Ela deixou a cabeça cair, os olhos tristes fixos no solo. Após um momento, ergueu o olhar, a voz carregada de emoção: — Me apeguei a isso, à promessa de encontrar pessoas que pudessem me ajudar com meus objetivos, ou ao menos me dar uma razão para lutar, para viver… Por isso, fui até Lulunica, onde encontrei alguns deles se refugiando, e me encontrei com o líder, Philip. — Ela deu um sorriso fraco, mas que ainda assim refletia bem o que ela sentia. — Depois disso, enfrentei uma história de provação atrás de provação, até me tornar uma das líderes deste local.
Ela respirou fundo, recordando os desafios e os rostos daqueles que a acompanharam nessa jornada. Cada obstáculo superado, cada nova aliança firmada, haviam moldado não apenas sua trajetória, mas também seu coração, fortalecendo a determinação que a mantinha em pé.
— Se eu tivesse que resumir tudo, seria isso que eu disse... Mas há muito mais, é claro. Cinco anos de histórias acumuladas, daquelas que eu provavelmente passaria noites em claro contando... — Nadine riu suavemente, seu rosto iluminado pelo brilho prateado da lua, parecendo ainda mais encantadora.
— Então você se tornou alguém importante por aqui? Uma líder? — perguntou Astrid, mantendo-se sentada, as costas apoiadas no tronco robusto da árvore.
A resposta veio pausada, como se cada palavra exigisse um peso especial. Ela suspirou suavemente antes de responder:
— Hmm... Chamar de líder é um exagero... Estou apenas tentando seguir em frente, tentando ser alguém forte. E sinceramente? Estou conseguindo aos poucos. É gratificante ver como estou ganhando o respeito e a admiração de todos por isso. Apesar de algumas desavenças… — Ela hesitou por um momento, os olhos refletindo um misto de orgulho e vulnerabilidade. — Ah, aí é problema de quem me acha um incômodo, não é? Claro que é!
Um sorriso enorme deixou o rosto já belo da jovem Nadine, ainda mais majestoso. Astrid percebeu desde o primeiro momento que viu Nadine que algo havia mudado, não apenas em sua aparência, mas também em sua essência. A garota parecia outra pessoa, embora sua personalidade provocativa, confiante, sarcástica e indulgente continuasse inabalável; a mesma de sempre, como o próprio Alaric era. Apesar de parecer algo ruim, uma personalidade um pouco difícil de lidar, para Astrid, era um alívio caloroso no coração estar perto de alguém tão autêntico novamente, fazendo-a rememorar os tempos antigos.
— Acho que, entre todas as coisas que você quer saber, o que mais te interessa são as histórias de Gideon e Alaric... Não é? — Astrid olhou para o rosto de expectativa de sua amiga, percebendo a mistura de curiosidade e ansiedade. Ela sabia que era hora de compartilhar, de deixar os segredos serem revelados. — Bem, acho que você merece saber. Não sei como meu pai vai reagir a isso, mas não acho justo esconder isso de você. Não depois de tudo que passamos juntos…
Astrid respirou fundo antes de continuar, sentindo o peso das palavras que estavam prestes a sair.
— Está bem, vamos começar... Assim que partimos na loucura de vingança daqueles dois, nos envolvemos em algumas batalhas complicadas — Astrid decidiu pular toda essa parte das lutas; era demasiado para explicar de uma só vez. — Resumindo, eles descobriram quem havia invocado aquele demônio que matou Dolbrian... — Falar tanto para alguém como Astrid era desafiador; ela se esforçava a cada segundo para continuar, mas já podia sentir a voz embargando. — E... Uhum! Desculpe. Onde eu estava? Ah, sim. Fomos atrás dos culpados, mas quando chegamos lá, não posso realmente chamar aquilo de luta... porque no final...
Astrid sentiu as palavras travarem na garganta, mesmo com todo o esforço para expressá-las, não conseguiu articular sequer uma letra. Seus olhos, outrora inexpressivos, agora refletiam um brilho de dor profunda.
Nadine caminhou com passos decididos até a frente da jovem, ajoelhando-se suavemente para ficar à altura dela. Ela colocou uma mão reconfortante sobre o ombro de Astrid, oferecendo-lhe um sorriso encorajador.
— Você consegue, eu sei que consegue — murmurou com um sorriso encorajador, sua voz suave, como uma âncora de apoio.
Astrid hesitou por um momento, tentando encontrar as palavras certas, enquanto as lembranças dolorosas inundavam sua mente. Finalmente, ela começou, seu tom vacilante refletindo a intensidade da dor:
— Hmmm… No final de tudo, algo ruim… Não, algo terrível, inimaginável. Algo que eu queria apenas apagar da minha mente para sempre. Algo que assombra minha vida, que eu sempre vejo como um pesadelo interminável! — ela olhou profundamente nos olhos de Nadine, vendo a imagem de Gideon caído, lutando por suas últimas palavras. — Ele se foi, Nadine. Gideon... ele...
Os olhos de Nadine, que antes refletiam compaixão, se transformaram em confusão. O rosto de Astrid já não se via mais refletido naqueles olhos; apenas um vazio opaco.
— Não pode ser... — Nadine sussurrou, sua voz tremendo com a possibilidade do que Astrid estava dizendo, quase ecoando o vazio que se encontrava a mente atônita.
— É verdade, Nadine. Ele se foi… Ele morreu… — murmurou Astrid, suas palavras sufocadas pelas lágrimas que agora brotavam incessantemente. Ela não podia mais conter a dor.
Nadine sentiu seu coração se apertar ao ver Astrid tão vulnerável. O que começou como uma dúvida cruel se transformou em uma realidade dolorosa diante de seus olhos. O brilho nos olhos de Nadine se misturou com lágrimas, não de tristeza, mas de angústia pela amiga que sofria diante dela, pela perda de um amigo que era especial, de alguém que acompanhou sua jornada.
— Não pode ser… É uma brincadeira, não é? Me diz que é… Por favor… — implorou, mesmo sabendo a resposta. As lágrimas de Astrid, uma torrente de emoções incontroláveis, eram prova suficiente.
Astrid não conseguiu dizer mais nada. Ela se deixou levar pela dor avassaladora, incapaz de encontrar consolo imediato. Nadine segurou sua mão com firmeza, compartilhando silenciosamente sua dor enquanto juntas enfrentavam a triste realidade que agora as envolvia.
— E o Alaric… — Ela encontrou forças para perguntar, ainda que temesse profundamente pela resposta.
Astrid hesitou por um momento, os olhos marejados refletindo a dor que transbordava em seu peito. Ela se esforçava para falar, as palavras parecendo se perder entre soluços contidos.
— Ele viu tudo... — sua voz vacilou, o peso da tristeza ecoando em cada sílaba. — Acho que se sentiu culpado, fugiu... Nunca mais o vimos...
Era como se cada palavra fosse um eco da desolação que havia se instalado desde aquele fatídico dia.
Após essas notícias, qualquer vestígio de leveza para que elas pudessem compartilhar suas histórias havia se dissipado. Mas, ironicamente, isso teve um lado positivo: aproximou-as ainda mais.
No centro do acampamento, entre os rebeldes reunidos em torno da fogueira, Aldebaram, já banhado, com um cheiro bem melhor do que sangue e vísceras, estava sentado. Era sorte que alguém, neste caso Harald, tivesse pensado em trazer roupas extras para o guerreiro, considerando o desafio de encontrar vestimentas que coubessem em um corpo tão imponente quanto o dele.
— Você ouviu? O rei de Aldemere simplesmente enlouqueceu, explodindo Citra! — disse um rebelde próximo para o companheiro, com um tom carregado de indignação e incredulidade.
— Vi sim, é uma loucura completa. Como pudemos confiar em um rei assim? — respondeu o companheiro, sacudindo a cabeça em desaprovação.
Aldebaram, absorto na conversa dos rebeldes, deixou de prestar atenção no enorme pedaço de carne que tinha em mãos. A notícia mexeu com ele, despertando uma mistura de curiosidade e choque.
— Não sabia disso, rei Aldebaram? — indagou Endrick, aproximando-se por trás. O guerreiro, ainda processando a informação, balançou a cabeça negativamente. — Às vezes esqueço que as notícias demoram a chegar ao seu reino... Como escutou, Bartolomeu decidiu que explodir uma de suas cidades era a melhor opção para deter uma invasão…
Junto dele estava Edgar, sendo sua sombra como sempre.
— Espera, então é verdade? Ele realmente explodiu a cidade? — Aldebaram estava atônito, incapaz de conceber que um rei pudesse tomar uma decisão tão brutal.
— Sim, mandou-a pelos ares... É até bom você estar ciente disso, especialmente porque essa reunião da liga será muito mais tensa agora... — Endrick olhou para o céu, como se contemplasse a lua, mas seu olhar refletia preocupação. — O rei de Germânia certamente irá capitalizar sobre isso. Mas aconselho a nós dois não nos envolvermos neste assunto.
— Mas... O que ele fez é imperdoável. Como posso simplesmente ignorar que ele sacrificou tantos de seus próprios súditos? — Aldebaram perguntou, sentindo um aperto no peito ao confrontar a brutal realidade das ações do rei Bartolomeu, sentindo uma irritação que não iria passar com facilidade.
Rei Endrick, com seu manto real, assentou-se ao lado do Rei Aldebaram, contemplando a fogueira alta cujo crepitar da madeira queimada ecoava suavemente na noite serena. O calor das chamas dançava sobre seus rostos, lançando sombras que pareciam dançar ao redor deles.
— Aldebaram, quando ascendemos ao trono, assumimos a responsabilidade por um povo inteiro. São milhares de vidas, cada uma com seus próprios sonhos e esperanças — começou Endrick, suas palavras carregadas de um peso profundo, refletindo no brilho das chamas que se erguiam. — Mas quando nos envolvemos em guerras ou em conflitos, mesmo as mais sutis desavenças com reinos como Aldemere, afundamos essas vidas na lama da incerteza. Trocamos sonhos por pesadelos e quebramos as esperanças de prosperidade...
Enquanto ele falava, uma fagulha escapou da fogueira, flutuando suavemente pelo ar antes de se dissolver em cinzas incandescentes. A cena era um reflexo vívido do peso das palavras de Endrick, cada chama dançante e cada faísca fugaz ecoando a fragilidade das decisões tomadas por reis e os destinos de seus povos.
— Você realmente acredita que simplesmente condenar suas ações poderia desencadear uma guerra? — perguntou Aldebaram, com uma expressão de dúvida clara em seu rosto. Para ele, uma guerra parecia um desfecho muito extremo, algo que não deveria acontecer tão facilmente.
— Oh, Aldebaram, não subestime os monarcas. Não somos nós que empunhamos espadas, arriscando nossas vidas nos campos de batalha. Para nós, reis, é fácil declarar guerra e esperar enquanto outros lutam. Muitas vezes, nem sequer damos ordens; as estratégias ficam a cargo dos generais, entende? — respondeu, enquanto observava as pessoas ao redor, todas felizes e envolvidas em suas conversas, o que lhe arrancou um leve sorriso. — Mas às vezes não é necessário uma guerra para que minhas palavras se tornem realidade. Basta ser mal visto por países como Aldemere para que um reino seja arruinado. Isso pode gerar histeria, paranóia...
Aldebaram ponderou as palavras, olhando ao redor com um ar pensativo enquanto absorvia o peso das consequências que poderiam surgir de um simples deslize político.
— Ah, a política parece tão complexa quanto uma luta contra demônios… — refletiu em voz alta o guerreiro.
Endrick assentiu, um olhar distante nos olhos enquanto continuava:
— Pense na política como uma fina linha ou corda que sustenta algo pesado; está sempre em tensão, cumprindo sua tarefa. Basta um simples erro de cálculo, um peso a mais, ou um pequeno vacilo, para que arrebente e cause problemas inimagináveis... — Ele colocou os antebraços sobre as coxas. — Registros, histórias e lendas de reinos que sucumbiram devido à perda de simples acordos comerciais ou por serem mal vistos, desperdiçando oportunidades cruciais, não são raros; diria que são quase a norma.
— Eu entendo, realmente compreendo... — Ele lutava para não se deixar afetar, para distanciar-se emocionalmente, mas seu coração compassivo resistia. — Mas simplesmente ignorar? Desculpe, Endrick, não consigo...
Endrick suspirou, seus olhos refletindo a preocupação sincera.
— Bom, não posso te impedir. Você é um adulto, um rei acima de tudo, deve trilhar o próprio caminho, decidir por conta própria. Mas saiba que decisões errôneas podem afastá-lo dos seus sonhos ou ambições. Aldemere é um país a cultivar laços, assim como Germânia…
Ele se levantou, deixando Aldebaram imerso em seus pensamentos, e começou a afastar-se lentamente. Antes de partir, porém, ele voltou-se para Aldebaram, com um olhar pesaroso.
— Só peço que reflita cuidadosamente, rei Aldebaram. Lembre-se de sua posição. Não pense como um simples cidadão, mas como um monarca. E ao adotar essa perspectiva real, será necessário priorizar os interesses de seu povo, mesmo que isso signifique deixar de lado as preocupações de outras nações. Mesmo que isso signifique sacrificar outros povos para o bem do seu.
Endrick finalmente começou a se afastar, deixando Aldebaram para trás, com aquelas palavras ecoando em sua mente. Realmente, era mais fácil brandir um machado do que navegar no complexo jogo da política, mantendo suas emoções sob controle.
Com o tempo, as pessoas ao redor da fogueira foram se dispersando, dirigindo-se para suas tendas ou se ocupando com outras tarefas. Aldebaram, porém, permaneceu imóvel, perdido em pensamentos, indeciso sobre como agir. De repente, à sua esquerda, sentou-se Astrid, os olhos inchados de tanto chorar, e ao lado dela, Nadine, com o semblante igualmente abatido.
— Me sinto tão mal quanto vocês… mas, sério, o que aconteceu? Foram atropeladas por uma tropa de cavalos? Hahaha!
Ele já sabia o motivo daqueles rostos sombrios; era impossível não saber. Mas de que adiantaria ser sentimental? Fazer com que chorassem novamente? O melhor era manter seu jeito de sempre, um idiota que soltava bobagens para fazer os outros rirem. E, desta vez, como das outras, funcionou: de rostos débeis, surgiram sorrisos tímidos, trazendo um toque de alegria para duas almas que pareciam entregues ao lamento.
— Aldebaram, posso te perguntar uma coisa? — indagou Nadine, com um olhar curioso e um tom suave. Ele assentiu, os olhos fixos nela. — Se algum dia reencontrar Alaric, o que fará?
— Hm… Penso nisso todos os dias — respondeu, levando a mão ao queixo, imerso em pensamentos. — Devo recebê-lo com um abraço? — Seus olhos brilharam por um instante, refletindo a indecisão. — Ou talvez alguns tabefes por agir como um idiota egoísta? — Um sorriso empolgado iluminou seu rosto. — Ou como da primeira vez que nos vimos, com uma luta? …Essa é a melhor alternativa, haha!
O riso de Aldebaram ecoou, e Nadine não pôde deixar de sorrir, sentindo a tensão se dissipar enquanto observava o guerreiro perdido em suas memórias e dilemas.
— Só quero vê-lo outra vez... — murmurou Astrid, seus olhos fixos no chão, como se buscasse ali alguma resposta que a confortasse.
— Eu também, filha. Aquele moleque idiota... — respondeu, a voz carregada de uma mistura de preocupação e afeto. — Onde já se viu? Carregar o mundo nas costas e achar que está tudo bem?
Astrid suspirou, um som quase imperceptível, e ao seu lado, Nadine esboçou um sorriso melancólico, seu olhar se perdendo ao relembrar momentos passados.
— Ele sempre foi assim — comentou Nadine, com um brilho de compreensão nos olhos. — Sempre se achou responsável por tudo... Mas sabe, agora que estou em uma posição quase de liderança, onde as pessoas dependem de mim... meio que entendo ele...
As palavras de Nadine pairaram no ar, preenchendo o silêncio com um misto de admiração e saudade.
— Nossa, foi só as duas choronas sentimentais chegarem que jogaram o clima lá embaixo — zombou o guerreiro, levantando-se com um espreguiçar amplo, os braços estendidos. — Falando em chorão, onde está o Harald?
— Chorão, majestade? — Como uma aparição, Harald surgiu diante de Aldebaram. — Que imagem ruim você tem de mim...
— Quando foi que... Ah, esquece — respondeu Aldebaram, aproximando-se do conselheiro, envolvendo o braço ao redor do pescoço dele. — Ser chorão não é algo ruim. Numa luta, você fugiria com o rabinho entre as pernas? Sim. Numa situação difícil, mijaria nas calças de tensão? Sim. Mas ser sentimental é bom para um conselheiro, hahaha!
Apesar de praticamente humilhar o pobre conselheiro, Aldebaram parecia estar elogiando-o. Com alguns tapas nas costas do companheiro, ele se afastou, caminhando em direção à saída. Nadine deu um último abraço em Astrid, envolvendo-a em um gesto caloroso, antes de seguir Aldebaram.
— Vão dormir. Amanhã continuaremos nossa longa viagem — aconselhou Aldebaram, acenando com a mão, o cansaço visível em seu semblante.
Nadine passou ao lado de Harald, parando ombro a ombro. Com um sussurro, disse:
— Ah, e Harald, dormir com princesas costuma custar vidas ou, pelo menos, partes que vocês homens consideram importantes... — Ela deu um leve tapa no ombro dele, seus olhos brilhando com um toque de ironia. — Por isso, há uma tenda ao lado da dela para você. Mantenha sua vida e as partes importantes intactas... Não faça bobagem, rapazinho.
Ela começou a se afastar, o passo firme e decidido, deixando Harald com um nó na garganta. Ele colocou a mão na parte que não queria perder, sentindo a ausência iminente. No fim, percebeu que Nadine podia ser intimidante, o que aumentava sua admiração pela delicadeza de Astrid.
Mais à frente, caminhando lado a lado, Nadine invadiu o pensamento de Aldebaram:
— Como é ser rei? Deve ser complicado, mas, no entanto, parece que você está conseguindo...
— Vou levar isso como um elogio — ele estreitou os olhos, suavizando-os em seguida. — É difícil, e "conseguindo" talvez não seja a palavra certa. Estou empurrando com a barriga, e as coisas estão acontecendo, mas não tão bem quanto deveriam...
— Isso não me parece algo agradável... Ainda bem que aqui eu só preciso ser forte; liderar e tomar decisões ficam com o Philip...
— Forte? Ficou fortinha? Quem diria, hahaha! Fico tentado a testar essa força... — Aldebaram quase salivava; o desafio estava em seu sangue e nunca o deixaria. — Mas é melhor não... Hum… uma coisa que não entendo, e não quis perguntar a eles, é como vieram parar aqui?
Nadine, caminhando ao lado dele, pareceu relembrar, levando uma mão ao queixo e cruzando o outro braço sobre o peito.
— Quando os encontrei, estavam desesperados por abrigo, tentando sobreviver. Lembrei então do domínio de Fuxi; lá seria um bom lugar. — Ela deixou as mãos caírem, desanimada, enquanto suspirava. — Mas, como pode ver, não conseguimos encontrar. Exaustos e sem opções, acabamos nos estabelecendo aqui.
Exaustos da árdua caminhada pelas terras centrais rumo ao norte, voltar não era uma opção viável para o grupo. Seria seu fim. Assim, procuraram um lugar seguro em Windefel, até encontrarem a clareira acolhedora.
A noite já avançava, o céu salpicado de estrelas, e a hora de descansar tinha passado. O guerreiro, sentindo o peso da jornada e da batalha antes travada, retirou-se para sua tenda, deixando Nadine sozinha na escuridão silenciosa. Ela permanecia desperta, uma sentinela solitária.
Nadine caminhou pela floresta, os passos ecoando suavemente no solo coberto de folhas e neve. Galhos se intrometiam em seu caminho, e ela os afastava, deixando cair a neve acumulada que cintilava à luz da lua. Chegou à beira de um precipício, onde avançar parecia impossível. No entanto, não era o abismo que buscava, mas uma grande rocha ao lado, imponente e desafiadora, que seria difícil escalar para uma pessoa comum.
Ela então invocou seu lobo negro. A criatura mística circundou-ac. Com um gesto suave, tocou seu pelo. Em um instante, o lobo desapareceu, infundindo-a com uma agilidade sobrenatural. Com essa nova força, escalou a rocha com facilidade, como se desafiando a gravidade.
No alto da pedra, sentou-se pensativa, contemplando a dança lenta das nuvens que dividiam o céu. O abismo escuro abaixo contrastava com a serenidade da noite, onde apenas os sons suaves das criaturas noturnas quebravam o silêncio. O dia havia sido intenso para a jovem, repleto de eventos e revelações que deixaram sua mente um verdadeiro tumulto.
Ela não teve tempo de absorver tudo, precisando manter-se firme por Astrid. Para ela, aquela jovem era mais importante do que si mesma, assim como Aldebaram ou qualquer um que considerasse significativo.
Quando disse que compreendia Alaric, não mentia; sabia bem o que era carregar nas costas o peso de outra pessoa ou outras pessoas, uma responsabilidade que escolheu para si mesma, de maneira tola, mas praticamente involuntária.
A brisa leve acariciava-lhe o rosto, trazendo consigo o cheiro fresco da noite, enquanto os pensamentos flutuavam entre a realidade e as memórias recentes. Cada detalhe noturno parecia amplificar sua introspecção, tornando o momento ainda mais profundo e significativo.
Os cabelos roxos ondulavam suavemente ao relento gelado da penumbra, enquanto finalmente permitia-se processar o que tinha evitado por algum tempo: a morte de alguém importante.
Entre soluços contidos e lágrimas que já tinham encharcado seu rosto por vezes sem conta, agora era a hora de enfrentar a realidade. Uma lágrima solitária formou-se nos cantos dos olhos vermelhos, seguindo seu caminho pela pele macia e clara da bochecha, até finalmente cair no queixo e ser levada pelo vento gelado, perdendo-se na vastidão do ar.
— Alaric... Gideon... Sinto tanto a falta de vocês… — murmurou, com a voz embargada, as palavras saindo entre soluços dolorosos. — Até você, Fuxi... Quando poderemos nos reunir novamente?
Uma pergunta embargada nas lágrimas, banhada nas dúvidas e revirada nas incertezas, uma indagação que talvez não obtivesse respostas.
A noite se desvaneceu lentamente, deixando para trás lembranças nostálgicas e um amargor de oportunidades perdidas. O sol ergueu-se majestosamente no céu, substituindo a lua com seus raios dourados. O canto suave dos pássaros ecoava pelas tendas agora vazias, onde apenas Endrick, Aldebaram e seus companheiros se reuniam na entrada da floresta, prontos para continuar sua jornada em direção às carruagens.
Philip, visivelmente tenso mas determinado, enfrentou os dois reis com um misto de nervosismo e gratidão.
— Espero sinceramente que possamos nos encontrar novamente — murmurou, seus olhos encontrando os de Endrick e Aldebaram, que o observavam com respeito mútuo.
— Quando retornarmos da reunião da liga, planejo me encontrar com Aldebaram. Gostaria que você nos visitasse no reino dele, em Estudenfel — declarou Endrick, sua voz carregada de promessa e esperança. Ele dirigiu um olhar a Aldebaram, que sorriu calorosamente em concordância. — Se, por algum motivo, eu não puder ir pessoalmente, vá ao reino dele do mesmo jeito. Se os deuses abençoarem e tudo der certo, discutiremos juntos os assuntos e acordos que possam fortalecer nossos laços.
Philip assentiu, sentindo um aperto no peito ao perceber a sinceridade nas palavras dos reis. Era uma chance de construir algo duradouro, algo que ele sabia que não poderia desperdiçar.
— Vou acompanhá-los até a saída da floresta — afirmou Nadine, seu olhar denotando o cansaço de uma noite mal dormida, os traços levemente sombreados pela preocupação.
Aldebaran teve um impulso de humor para aliviar a tensão, mas ao lembrar-se da presença do rei Endrick ao seu lado, conteve a piada. Esforçava-se para manter uma imagem séria e distante, uma máscara que era estranha para alguém tão espontâneo como ele. Por vezes, na presença de Endrick, parecia que Aldebaran tinha se transformado, até sua respiração era contida e solene, evitando até mesmo falar, algo tão incomum para ele.
Nadine seguiu à frente, sem olhar para trás. Cada passo apertava seu coração, consciente de que logo estariam separados novamente. Juntos, seguiram pelo mesmo caminho por onde haviam vindo, emergindo na estrada que contornava a borda da floresta. Edgar foi verificar as carruagens junto a Harald, garantindo que tudo estivesse em ordem para a jornada à frente.
Finalmente, as carruagens estavam posicionadas corretamente. Endrick foi o primeiro a entrar, seguido por Edgar. Para permitir um momento mais íntimo de despedida entre os outros três, Harald quebrou o protocolo e entrou antes de sua majestade.
Fora da carruagem que agora estava fechada, permaneciam Aldebaram, Astrid e Nadine, trocando olhares desconfortáveis.
— Ah, eu nunca sei como lidar com despedidas... — admitiu o guerreiro, coçando a barriga com uma mão e a nuca com a outra, visivelmente sem jeito. — Vamos acabar logo com isso.
— De acordo... Majestade... — Nadine tentou fazer uma despedida formal, ajustando as bordas de suas vestes e inclinando-se levemente, o que fez o guerreiro franzir o cenho, sem saber o que dizer. Ela então sorriu maliciosamente e se endireitou. — Brincadeira, brutamontes! Haha!
Avançando em sua direção de braços abertos, Nadine foi acolhida pelos braços fortes e calorosos do guerreiro. Ele era conhecido por seu coração duro, então não prolongou o abraço. Abriu a porta da carruagem e entrou, deixando Astrid e Nadine sozinhas.
— Adeus, Nadine... — murmurou Astrid, sem jeito, olhando para baixo.
— Faça isso direito, garota! — provocou Nadine.
Surpreendida, Astrid ergueu os olhos e encarou a amiga, mas antes que pudesse reagir, foi envolvida nos braços seguros de Nadine.
— Isso é “direito” para você, doida? Me esmagando assim? — Astrid devolveu o abraço com carinho, seus braços envolvendo Nadine com ternura.
— Idiota, isso é mais do que “direito”... — Nadine murmurou com a voz abafada, encostando o rosto no ombro da dragonoide. — Vou sentir sua falta… Sei que não passamos tanto tempo juntas, mas o que compartilhamos foi suficiente para eu te considerar minha irmã... Minha família...
— Idiota... Também sentirei sua falta... — Astrid respondeu suavemente.
O abraço terminou e Astrid entrou na carruagem. À medida que as rodas começavam a se mover, Nadine acenou para trás com uma promessa silenciosa entre elas de se reunirem novamente.