Volume 2

Capítulo 115: Acordos

Na profunda quietude das florestas congeladas de Windefel, Nadine emergiu subitamente do nada, como uma aparição destinada a surpreender até os mais destemidos. Aldebaram e Astrid reconheceram-na imediatamente, mas para os demais, sua chegada foi um enigma intrigante.

— Vocês a conhecem? — perguntou Edgar, mantendo-se alerta, espada apontada em direção a garota.

— Sim, é uma antiga companheira nossa — respondeu o guerreiro, ainda atônito diante da presença da jovem.

O guardião abaixou a arma, relaxando a postura. Os soldados seguiram o exemplo ao perceberem a reação passiva do líder.

— E esse lobo? É seu? — Edgar apontou para o animal, que passou de agitado a tranquilo sobre a carruagem.

— Sim, ele é o Hati — respondeu Nadine, desviando o olhar para o lobo com um sorriso discreto. — Apesar da aparência assustadora, ele é um lobinho amável...

— Lobinho? — O guardião interrompeu, surpreso e desconfiado. Chamar aquela criatura de "lobinho" indicava que Nadine era alguém digna de atenção, perigosa no mínimo.

De repente, uma brisa leve passou ao lado dele, e percebeu apenas um vulto negro se movendo. Cabelos escuros como a noite flutuaram pelo ar. Ao se virar, viu Nadine já próxima de Astrid, e ao subir o olhar, já não avistava mais o lobo acima da carruagem.

O mistério ao redor de Nadine parecia se adensar, envolvendo a floresta gélida em um suspense inquietante, especialmente para ele, que se sentia mergulhado na escuridão total.

— Hm! O-o que você quer...? — Astrid mal conseguia enxergar além do rosto maduro da antiga amiga, tão próximo ao seu próprio. Os olhos de íris roxas brilhavam com uma intensidade rara. — Na-nadine?

Ignorando as perguntas, a recém-chegada envolveu Astrid em seus braços fortes, num gesto que denotava uma emoção descontrolada, apertando o corpo da amiga contra o seu. Astrid se sentiu praticamente compelida, mantida firmemente nos braços da jovem, enquanto a encarava com desconforto.

— Como eu senti sua falta… — A voz de Nadine carregava um tom reconfortante, genuíno. — Eu...

Astrid finalmente se deixou levar, envolvendo a outra nos próprios braços, retribuindo o abraço, um gesto que arrancou um sorriso emocionado do guerreiro ao lado.

— Eu também senti sua falta… — Sua voz, meiga e aveludada, ecoou enquanto repousava a testa no ombro macio da amiga. — Senti tanto que você não faz ideia...

O encontro delas naquela floresta isolada era um momento de reunião entre almas afastadas pelo destino, um contraste vibrante com a frieza ao redor.

— Aham! — Forçou uma tosse Aldebaram, levando a mão à boca.

As duas mulheres se sobressaltaram com a ação, voltando à realidade abruptamente e sendo obrigadas a se separar. Mas era como se os anos de distância tivessem criado laços tão fortes que as mantinham presas uma à outra, tornando difícil o rompimento desse abraço prolongado. Após algum esforço, finalmente conseguiram se afastar.

Nadine então sorriu sinceramente, fitando o guerreiro que aguardava suas palavras, embora tentasse disfarçar da maneira mais cômica possível.

— Também senti sua falta, Aldebaram. — Ela se aproximou do alto guerreiro e abriu os braços, encontrando aceitação em um abraço entre os dois. — Senti muito a sua falta...

Aldebaram tentou responder, mas sentiu um nó na garganta, as palavras pareciam embargadas, prestes a se desmancharem em lágrimas. No meio de tantos soldados desconhecidos e diante do guardião de outro reino, ele decidiu se conter para não demonstrar fraqueza, mantendo-se em silêncio.

O momento era carregado de emoções reprimidas, revelando laços profundos que o tempo e a distância não conseguiram desfazer completamente.

— Me perdoem a intromissão no reencontro de vossa majestade e sua amiga — começou Edgar, transmitindo seu habitual ar austero. — Mas como porta-voz do rei Endrick, necessito saber quais são suas intenções neste local, nesta comitiva.

Os dois interromperam o abraço carinhoso, e Nadine tomou a dianteira, enfrentando o guardião que aguardava pacientemente sua resposta. Os soldados ao redor mantinham-se alertas, ainda desconfiados quanto à presença dela. Alguns lançavam olhares temerosos para a floresta, onde a sombra imensa parecia se mover ligeiramente.

— Não se preocupem com ele. — Nadine ergueu o braço direito, onde um bracelete dourado reluzia em seu pulso. O artefato começou a emitir uma luz própria, e a ameaçadora figura que antes habitava as sombras das árvores simplesmente desapareceu como se nunca estivesse lá. — Pronto, acho que não há mais nada a temer por aqui... Agora, se deseja saber minhas intenções, preciso conversar com seu rei.

A demonstração de poder deixou os soldados momentaneamente atônitos, enquanto Edgar processava a resposta de Nadine com um olhar calculista. A presença dela havia trazido consigo não apenas perguntas, mas também uma aura de mistério e habilidades que despertavam respeito e cautela. 

Por este motivo o guardião estava indeciso sobre as verdadeiras intenções por trás de Nadine, e permitir sua aproximação ao rei representava um risco desconhecido. No entanto, algo lhe dizia que confiar nela poderia ser a melhor decisão. No final das contas, restou-lhe perguntar a Aldebaram:

— Vossa majestade, o senhor tem plena confiança na madame... Nadine?

A atenção da jovem se voltou para o guerreiro atrás dela, inclinando levemente a cabeça devido à sua estatura imponente. Aldebaram observou discretamente o semblante gentil de Nadine e, então, desviou o olhar para Edgar, assentindo sutilmente.

— Pois bem, venham, levarei-os até o rei. — Ele virou-se na direção contrária e começou a afastar-se. — Aos soldados, cuidem dos feridos e organizem os corpos dos nossos camaradas em fileiras. Trarei novas ordens posteriormente.

Assim que as ordens foram dadas, os homens não esperaram que ele repetisse. Cada um tomou seu rumo, dispersando-se para cumprir as tarefas designadas. Havia muitos feridos que, com cuidados adequados, poderiam voltar a servir ao rei sem problemas, mas alguns não resistiriam aos rigores da floresta congelada sem tratamento adequado. 

Aldebaram e as outras duas seguiram o guardião. A carruagem de Endrick permanecia no centro da comitiva, protegida tanto na dianteira quanto na traseira.

— Vossa majestade… então é verdade que se tornou rei? — indagou Nadine, caminhando logo atrás do guerreiro.

— Fui forçado a assumir o trono, e agora estou cumprindo esse papel — respondeu, seus olhos percorrendo as carruagens ao lado enquanto avançava.

— Forçado? — A jovem ergueu uma sobrancelha, perplexa. — Quem teria o poder ou a audácia de depor um rei de seu país e obrigar outra pessoa a assumir seu lugar?

— Existe apenas uma pessoa neste continente, talvez até em todo o mundo, capaz disso… — A luz da lua brilhava sobre a carroça, criando reflexos cintilantes. O guerreiro observou as mãos calejadas do jovem que colocara tal fardo sobre seus ombros se formarem nos reflexos, pousando em seu próprio ombro. Isso o fez sorrir, nostálgico. — E você o conhece muito bem…

Um lampejo de reconhecimento, uma imagem, uma voz e uma personalidade se formaram claramente na mente da jovem. Todas essas características apontavam para uma única pessoa. A pessoa que poderia ser capaz de uma façanha tão audaciosa, um jovem que outrora não se importava em fazer o que lhe desse na telha.

— Alaric… — Ela abaixou a cabeça, permitindo que seus olhos se umedecessem em meio a um sorriso melancólico. — Só ele seria capaz de algo assim… Aquele idiota…

— Sim, aquele garoto idiota, hahaha!

Astrid caminhava ao lado da jovem, observando-a com pesar enquanto tentava reunir coragem para dizer algo, mas sem sucesso. Um medo paralisante a impedia de falar, receosa de que suas palavras desencadeassem um desabamento emocional, que as lágrimas acabassem brotando como uma correnteza sem fim. Foi então que as próximas palavras fizeram a espinha gelar, o coração disparar:

— E como ele está? E o Gideon? — perguntou sem malícia, apenas curiosa. — Depois que me aband… deixaram para trás, vocês quatro partiram juntos…

Um silêncio constrangedor, quase opressivo, seguiu-se à pergunta. Astrid olhava fixamente, carregando um temor evidente no rosto, rígida como uma estátua. Aldebaram parecia lutar internamente, resistindo ao impulso de revelar demais, sua expressão tensa revelando apenas dor. O ar ao redor pareceu ficar pesado para ele, quase tornando os passos difíceis.

— Ele… — O guerreiro quebrou o silêncio, mas cada segundo de pausa parecia uma eternidade. — Ele… eles, hum… Vamos deixar isso para depois, tudo bem? Espero que não se importe, Nadine…

— Hã? Claro que não… — Nadine percebeu o clima pesado que se instalara, olhando para o rosto atônito de Astrid ao lado dela, murmurando para si mesma: — O que está acontecendo...?

A tensão pairava no ar, carregada com segredos não ditos e emoções reprimidas, enquanto o grupo continuava sua jornada através da noite escura e gelada, finalmente chegando à carruagem do rei Endrick.

— Me esperem aqui, irei avisar o rei — orientou Edgar, abrindo a porta da carruagem e adentrando-a.

Os três ficaram parados, ainda envolvidos no clima nada amigável que se instalara, aguardando. Harald logo se juntou a eles, inicialmente surpreso com a presença de Nadine, mas rapidamente lhe foi explicado o que estava acontecendo. Após alguns minutos de espera ansiosa, a porta da carruagem se abriu novamente, primeiro Edgar emergiu, seguido por Endrick.

O rei avaliou cada um dos presentes, buscando brechas que pudessem lhe fornecer respostas não ditas, algo que Aldebaram conhecia bem, já que Endrick tinha o hábito de ler as pessoas como se fossem livros.

— Rei Aldebaram, me alegra vê-lo bem — Endrick comentou, enquanto o odor forte e penetrante do sangue e vísceras e a visível sujeira nas roupas do guerreiro contavam toda a história da luta. — Sem dúvida, o título de Rei Guerreiro lhe cai muito bem. Deveria usá-lo mais.

— Lisonjeado, rei Endrick. É um título que, com certeza, utilizarei com mais frequência.

Nadine observou Aldebaram, surpresa. Nunca imaginara vê-lo tão contido e digno. Agora, ele não era mais uma figura de lendas ou brincadeiras, mas sim um verdadeiro rei. Antes que pudesse ponderar mais sobre isso, uma estranha sensação percorreu-lhe as veias, vibrando o corpo. 

Notar a causa e origem desse tremor foi rápido, quase instintivo: os olhos esmeraldinos do rei fixos sob ela, quase a desafiando a recuar diante da intensidade que emanavam. Nadine sentiu-se momentaneamente desestabilizada, pouco faltou para vacilar os joelhos, mas não era do seu feitio se acovardar, nunca foi.

Ela respondeu ao olhar do rei com uma expressão firme, suas sobrancelhas franziram levemente, seus olhos castanhos-escuros emitindo uma intensidade que rivalizava com a do rei. O ambiente ao redor tornou-se tenso de repente, todos sentiam a eletricidade pulsar no ar durante o impasse silencioso. 

Harald, percebendo a tensão, aproximou-se de Aldebaram, enquanto o próprio guerreiro deu alguns passos para se pôr parcialmente à frente da filha. Edgar, ao lado do rei, deslizou a palma, lavando a mão para perto da bainha de sua espada, pronto para agir se necessário. No entanto, foi o próprio Endrick quem quebrou o silêncio, soltando um riso suave, abdicando-se da disputa de olhares.

— Então esta é a convidada inesperada. Um prazer conhecê-la, madame. Rei Endrick ao seu dispor.

— O prazer é meu, majestade Endrick — respondeu Nadine, curvando-se ligeiramente. — Me chamo Nadine.

O ar pareceu ter sido ventilado, dissipando a densidade opressiva que pairava sobre os presentes. Harald soltou o ar preso nos pulmões, em uma longa e aliviada expiração que relaxava os músculos tensionados. Aldebaram, por sua vez, verificava cuidadosamente se Astrid estava bem, enquanto Edgar retirava a mão do cabo de sua lâmina, embora permanecesse alerta a qualquer sinal de ameaça.

— Qual o motivo de sua vontade de reunir-se comigo? — indagou o rei, observando-a com olhos penetrantes.

— Meu desejo é ajudar meus amigos — respondeu, olhando primeiro para os companheiros exaustos ao seu lado antes de fixar seus olhos em Endrick. — Uma batalha fervorosa ocorreu aqui, e os dois estão sujos e exaustos. Gostaria de convidá-los a se juntar ao meu acompanhamento próximo, onde poderão encontrar descanso e segurança.

Todos ficaram momentaneamente surpreendidos pela proposta. Aldebaram, perplexo, não imaginava que o "posso ajudar vocês com isso" dito por Nadine, referindo-se ao cheiro dele momentos antes, significava algo assim. O rei, mantendo uma atitude amistosa mas enigmática, parecia ponderar profundamente, sem deixar transparecer suas verdadeiras intenções diante da inesperada oferta.

— Sabe, existe um ditado em meu país. Faz algum tempo que não o ouço, mas pelo que me lembro é assim: "O vermelho do vinho dilui o verde do veneno." — disse o rei, observando atentamente a reação dos presentes. Ninguém pareceu entender o ditado de imediato, exceto Edgar, já familiarizado com a expressão. — O que quero dizer com isso, senhorita Nadine, é que uma proposta como essa não é fácil de se confiar. Somos dois reis aqui; acho que você entende onde quero chegar.

O silêncio que se seguiu era denso, carregado de tensão e suspeita. Nadine sentia o peso das expectativas e das dúvidas pairando sobre ela.

— Eu confio nela, rei Endrick — intrometeu-se Aldebaram, a voz cortando a densidade como uma lâmina de serenidade.

Todos se voltaram para Aldebaram, alguns rostos exibindo surpresa, outros alívio. O rei lançou um olhar além de Nadine, observando seus homens exaustos, carregando os corpos moribundos dos colegas brutalmente mortos. Outros guerreiros, feridos de forma permanente, mostravam cicatrizes que jamais se curariam. Por fim, o rei voltou sua atenção para o guerreiro que, com um sorriso confiante, transmitia uma segurança inabalável, e então olhou novamente para a jovem à sua frente.

— Vocês me colocaram em uma situação complicada — disse ele, abrindo um sorriso resignado. — Pois bem, se um rei confia, não vejo motivos para negar uma proposta tão caridosa.

Edgar permaneceu em silêncio, não demonstrando questionar a decisão do rei. Harald, ainda tenso, estava mais concentrado em controlar sua tremedeira do que em tirar conclusões. Nadine, por outro lado, curvou o canto dos lábios em um sorriso aliviado. A tensão acumulada em suas juntas se dissipou gradualmente, permitindo-a relaxar. Astrid, observando a amiga, também se sentiu contente com seu sucesso.

Mas enquanto fitava Nadine com alegria, não podia deixar de refletir sobre o quanto a amiga havia mudado, evoluído. Algo nela parecia diferente; não era apenas o corpo mais maduro ou o rosto marcado pelo tempo. Nem as cicatrizes que adornavam seu corpo contavam toda a história. Era o ar que ela exalava, um ar de alguém que havia enfrentado situações transformadoras, que a haviam moldado em uma pessoa diferente, alguém com uma responsabilidade pesada e misteriosa sobre os ombros.

— Esperarei que se preparem — afirmou Nadine, deslizando uma mão até a lateral da barriga enquanto observava a lua cheia no céu. — Mas façam isso rápido, a noite já não durará muito.

Cada um concordou de seu jeito, dispersando-se para concluir os preparativos para a partida. Edgar e Harald foram vistoriar os soldados e organizá-los de maneira eficiente. Eles formavam uma dupla singular: enquanto Edgar, com seu espírito militar, focava na proteção e defesa, Harald pensava na eficiência geral, alheio a questões bélicas. Era uma parceria peculiar, mas surpreendentemente eficaz.

Aldebaram permaneceu próximo de Endrick, tanto para discutir sobre tudo que havia ocorrido, o ataque vampírico e a própria proposta inusitada quanto para assegurar a proteção do rei. Endrick, como muitos monarcas, não era um lutador habilidoso. A maioria dos reis não tinha a capacidade de se autodefender, uma consequência natural de sua posição: rodeados de guardiões e exércitos, raramente precisavam lutar. Além disso, seria insensato e perigoso para uma majestade assumir a linha de frente e arriscar sua vida, pois sua morte poderia desencadear uma catástrofe no reino.

Enquanto os outros seguiam com os preparativos, Nadine subiu ao teto de uma das carruagens e se sentou, contemplando a noite estrelada. A serenidade do céu contrastava com os gemidos e grunhidos dos feridos que transitavam abaixo, proporcionando uma sensação paradoxal de libertação.

— O céu escuro é lindo, não é? — comentou ela, percebendo a presença de uma certa dragonoide atrás de si.

A jovem dragonoide, em pé, surpreendeu-se com a perspicácia de Nadine em notar sua presença. Sem dizer muito, Astrid se aproximou e sentou ao lado dela, de pernas cruzadas, também observando o céu estrelado.

— É… uma beleza superior a tudo — murmurou, lembrando-se de quem governava os céus quando a lua ocupava o alto. — Semelhante a sua à criadora...

Nadine sorriu, o olhar ainda fixo nas estrelas, apesar de não gostar de falar sobre deuses. No entanto, a tranquilidade do momento a impedia de expressar suas objeções.

— Tenho medo do dia em que não verei mais o céu — disse, com um toque de melancolia na voz. — Do dia em que fecharei meus olhos e nunca mais os abrirei, presa na escuridão eterna...

— Aí, Nadine, que coisa triste e horrível de se falar... — respondeu Astrid, lançando-lhe um olhar incomodado.

— Você tem razão, desculpa — Abaixou a cabeça, fitando o teto escuro da carruagem, ainda parecendo frágil. — Mas as coisas na minha vida começaram a tomar rumos inesperados demais. O medo da morte acabou se tornando real, graças a isso.

Astrid não sabia como responder àquilo, mas como suspeitava, Nadine carregava algo pesado nas costas. Contudo, perguntar naquele momento não parecia adequado, muito menos certo. As próprias estrelas e a lua, que Astrid agora fitava, pareciam cintilar, como se dissessem para não perguntar nada sobre isso, pelo menos ainda não.

— Então aproveite para vislumbrar cada detalhe do céu até lá. Olhe para cada estrela, note as imperfeições no solo lunar. Cace as constelações — aconselhou Astrid com uma firmeza aparente, embora soubesse que suas palavras eram hipócritas, já que a própria não conseguia seguir o próprio conselho. — Viva até o dia em que não enxergar mais, e então em seu último suspiro você poderá pensar: “Ah, já não me importa, eu já vi tudo que tinha que ver.”

Nadine virou o rosto na direção da jovem, a expressão que parecia serena lutava para esconder a maré de ansiedade que fervilhava no peito. Os olhos, embora calmos na superfície, atraíam uma sombra de receio.

— Você é realmente a melhor amiga que eu já tive… a única… — disse, a voz entrecortada pela emoção. De repente, envolveu a outra nos braços, apertando-a com um fervor inesperado. — Como senti sua falta…

A jovem hesitou, surpreendida pela intensidade do abraço. 

— Nadine… — murmurou, sentindo-se estranhamente comovida. Ela não era fã de abraços, mas neste momento, parecia cruel não retribuir. — Idiota… você já disse isso antes…

As palavras foram ditas com um sorriso leve, tentando disfarçar a própria vulnerabilidade que o momento havia despertado.

—-----------------//—-----------------— 

Aldebaram e Endrick estavam sentados na carruagem real parada, o silêncio pesado refletindo a gravidade da conversa. O guerreiro havia relatado minuciosamente os eventos da batalha, incluindo o comportamento inquietante e incomum dos vampiros.

Endrick, com uma expressão de choque e descrença, quebrou o silêncio:

— Está querendo me dizer que esses vampiros, meras marionetes sem alma, criaturas desprovidas de qualquer consciência... demonstraram algum tipo de raciocínio lógico? — Sua voz carregava uma mistura de dúvida e temor.

Aldebaram, com um olhar firme e penetrante, respondeu sem hesitação:

— É exatamente isso que estou dizendo.

O rei recostou-se no banco de veludo, ainda incrédulo. Refletir sobre aquilo, só fazia a incredulidade aumentar. Era ilógico conceber tais informações. Seres como esses vampiros animalescos não possuíam pensamentos baseados em ponderações; apenas agiam por puro instinto, como verdadeiras bestas.

— Não foi apenas uma impressão gerada pelo calor da batalha? — Endrick tentava desesperadamente trazer alguma lógica àquela situação. — Ou talvez tenham agido por instinto, afinal.

— Pode descartar a primeira hipótese. Nunca, em todos os meus anos de combate, me deixei enganar pelo frenesi da batalha — respondeu Aldebaram, a voz seca e firme. A insinuação do rei o irritara levemente. Ele então ponderou sobre a segunda hipótese. — Instinto? Só se eles de repente evoluíram. Mas não acredito que tenha sido apenas instinto… Eu vi um deles adquirir um brilho no olhar, como se pedisse piedade. E o outro... parecia sentir raiva, uma vontade feroz de proteger o companheiro. Não acho que foi apenas a sede pelo meu sangue que causou isso. Foram humanos demais para serem simples bestas.

— Rei Aldebaram, sabe os precedentes que isso abre? — Endrick arqueou as sobrancelhas, a voz carregada de uma preocupação crescente. — Um ser desses tomando consciência? Eles são mais fortes, ágeis e vorazes que simples vampiros comuns.

O guerreiro cruzou os braços fortes, o peso da situação refletido em seu olhar fixo na janela. Do lado de fora, soldados passavam carregando membros decepados, corpos mutilados de seus companheiros, uma visão sombria que agravava ainda mais as preocupações, e desmontava de forma prática o que isso significava.

— Lidamos com eles com certa facilidade, por não pensarem em batalha, não terem estratégias ou formas de lutar especializadas… Mas quando eles conseguirem isso… — comentou Aldebaram.

— Ficaremos à mercê de ataques planejados, serão devastadores… — Endrick suspirou pesadamente, a gravidade de um ataque como esse se desenrolando em sua mente. — Isso é impensável… Mas como? Como eles simplesmente passaram a dar sinais de consciência?

— Também não sei… E eles não eram simples marionetes? Vlad normalmente os controla, mantendo-os presos em seu reino…

O rei franziu o cenho, tentando entender a magnitude do problema. Esses vampiros nunca eram vistos fora do domínio de Vlad Drácula, onde ele os mantinha encarcerados e os usava apenas em ataques esporádicos, ataques que não ocorriam há séculos.

— Eu realmente não sei, estou tão perdido quanto você, Aldebaram… — Pela primeira vez, o guerreiro viu o grande rei Endrick hesitar, admitindo sua confusão. — Quando voltar da reunião da Liga, iniciarei uma investigação. Espero contar contigo, rei Aldebaram.

Ele lançou um olhar firme ao guerreiro, estendendo a mão em um gesto de aliança.

— Irá contar. Também estou curioso sobre tudo isso. Não sei o que é, mas tenho a sensação de que algo grande está por vir…

Aldebaram descruzou os braços e apertou a mão estendida de Endrick, selando um pacto de ajuda mútua em meio à crescente ameaça que se avizinhava. 



Comentários