Volume 2

Capítulo 109: Pesos

Depois de passar pela loja de objetos religiosos e aprender um pouco sobre os deuses e objetos de adoração, Alaric, Zhi Fēng e Eian Liu continuaram a caminhar pelo distrito comercial. Espremiam-se entre as milhares de pessoas de diversas raças que iam e vinham, obrigando-os a se manterem muito próximos para não se perderem.

O dia resplandecia em seu auge, quase meio-dia, e o sol começava a castigar o corpo de Alaric. Apesar da região de Dong ter um clima mais ameno, com temperaturas não tão altas e menos umidade, o calor ainda era incômodo.

Mesmo sentindo o desconforto, Alaric não reclamava; não era de seu feitio. Apenas seguia os dois. De repente, Zhi Fēng virou-se e seguiu em outra direção, chamando Alaric, que prontamente foi atrás.

Em poucos passos, Alaric entendeu qual era o objetivo de Zhi Fēng: uma loja de tecidos. A fachada era imponente e, ao entrarem, Alaric confirmou que o interior era ainda mais impressionante, com centenas de mostruários de tecidos e cabides com roupas já confeccionadas.

— O que viemos fazer aqui? — indagou Alaric, sem expressar muitas reações.

— Sempre que venho para essa parte da cidade, passo por aqui. É sempre bom estar de olho nos tecidos novos que chegam — respondeu Zhi Fēng. Ele colocou uma mão na frente da boca e se aproximou do ouvido de Alaric. — E também é mais barato se os estoques estiverem cheios…

Nas últimas palavras de Zhi Fēng, um rapaz se aproximou, aparentemente o dono da loja ou um funcionário. Imediatamente, Zhi Fēng tentou disfarçar o que havia dito da maneira mais desajeitada que Alaric já havia visto nessa vida. 

No entanto, as palavras de Zhi Fēng ficaram ecoando na mente de Alaric. Ele refletiu sobre aquilo... O clã Fēngyì não era, afinal, extremamente rico?

— Sr. Fēng, a que devo a honra de sua presença? — cumprimentou o rapaz, vestido com roupas elegantes típicas da região e um olhar perspicaz.

— Ah, nada demais, Sr. Ighil. Apenas estava dando um passeio pelo distrito e decidi passar por aqui — respondeu Zhi Fēng, lançando um olhar para Alaric e estendendo a mão como se o estivesse apresentando. — A propósito, este é meu convidado de honra, Alaric. Outra razão pela qual estou aqui é por causa dele.

Ighil dirigiu sua atenção para Alaric, parecendo analisá-lo minuciosamente, como se tentasse desvendar cada detalhe do jovem. Ao aparentemente completar seu propósito, abriu um amplo sorriso.

— Alaric, não é? Pelo modo como está vestido, imagino que não tenha vindo a Dong apenas a passeio — disse Ighil, fazendo Alaric sentir o fôlego escapar. Simplesmente olhando-o, Ighil parecia ter deduzido algumas coisas com precisão. Em seguida, o dono da loja voltou seu olhar para Zhi Fēng. — Ah, e claro, não me chame de senhor. Estamos em posições bem diferentes aqui, Sr Fēng. Me chame pelo meu nome, Lian, por favor.

— Sendo assim, não me chame de senhor também. Apenas Zhi. — respondeu, abrindo um enorme sorriso gentil.

Alaric percebeu que mais uma vez Zhi Fēng tentava estabelecer uma conexão com alguém, mas ele optou por permanecer em silêncio e observar como a conversa se desenrolaria. Parecia que Eian Liu também compartilhava dessa ideia, mantendo um sorriso amigável sem alterações na expressão.

— Lamento dizer, mas não posso. Como falei, estamos em posições muito diferentes...

— Apenas Fēng então... — A voz dele pareceu pesar, como se invadida por uma ansiedade. — Pode ser assim…?

Lian Ighil o encarou por alguns instantes, como se estivesse prestes a negar mais uma vez, mas ao observar o olhar determinado do jovem, percebeu que não adiantaria resistir. Respirou fundo e assentiu com a cabeça.

— Tudo bem, então, Fēng...

Alaric observou atentamente a interação entre os dois e ponderou se essa conversa era habitual ou se era a primeira vez que ocorria. Afinal, Zhi Fēng havia mencionado que frequentava a loja com frequência, o que sugeriria que ele e Lian Ighil já haviam se encontrado antes. Essa seria uma pergunta sem resposta, pelo menos por enquanto.

— Bem, se veio até aqui — continuou Lian, parecendo querer dissipar o clima estranho, abrindo um belo sorriso. — Arrisco dizer que deve estar interessado nos novos tecidos, estou errado?

— Nem uma grama de erro! — Zhi Fēng pareceu captar a intenção e também sorriu. — Só espero não estar atrapalhando, a loja parece estar um pouco movimentada...

Realmente, a loja estava relativamente cheia, o suficiente para as pessoas às vezes terem que esperar para examinar algumas roupas, ou se espremerem para passar em certos pontos. Lian, no entanto, não parecia se incomodar com isso, apenas adotou um semblante simpático, e virou-se andando.

— Nunca é um incômodo atender um cliente tão especial. Venham, tenho alguns tecidos raros para lhes apresentar. 

Os três assentiram em silêncio e começaram a seguir Lian, passando por alguns mostruários. Alaric notou como os tecidos pareciam finos, verdadeiramente de qualidade nobre, talvez até adequados para a realeza de alguns países, algo que certos reis nem cogitariam possuir. No entanto, para Alaric, aquilo tudo parecia mais do que necessário, era excessivo demais.

— É um exagero, não acha? — comentou Eian Liu, chamando a atenção de Alaric. — Digo, parece muito mais do que alguém realmente precisa, não é?

O jovem o observou por um momento, verificando se os dois a frente estavam ouvindo, e percebeu que estavam absortos em suas próprias conversas, então adotou um olhar crítico.

— Sim, é demais. De onde venho, as pessoas se vestiam com muito menos...

— Por quê? Eram econômicas? — questionou Eian.

— Não, era uma questão de sobrevivência. Ou se vestiam com roupas baratas ou passavam fome.

A resposta foi proferida com uma secura que atingiu Eian como uma pedra, e uma verdade tão amarga que mal conseguia ser digerida. Eian Liu não conseguia sequer imaginar o que era passar fome; embora sua vida não tenha sido isenta de desafios, ele desfrutava de certos privilégios, mas também nunca experimentou os extremos de nenhum dos lados. No final, tudo o que ele pôde expressar foi o pesar em seu olhar.

— Mas ainda assim, não posso negar que são bonitas — comentou Alaric, retirando o guardião do próprio alento.

— Concordo, são belas.

Depois de percorrerem mais alguns corredores, chegaram à área que parecia ser a mais luxuosa da loja, embora toda ela já tivesse esse ar. Ali, era como entrar em um espaço exclusivo, com uma variedade de tecidos verdadeiramente caros em exibição. Lian caminhou até um mostruário onde um tecido roxo estava pendurado e o pegou, trazendo-o até Zhi Fēng.

— Se estiver interessado em algo excepcional, permita-me apresentar este tecido. — Ele era tão belo, tão luxuoso. — Diretamente de Lulunica.

Zhi Fēng segurou o tecido entre os dedos, esfregando-o levemente como se quisesse sentir cada fibra daquele pedaço de pano, cujo valor era tão alto quanto o ouro. Alaric não sabia ao certo o que ele estava tentando testar, mas pelo sorriso no rosto do rapaz, parecia que tinha o agradado.

— Como sempre, os tecidos vindos de Lulunica têm algo de especial... — comentou Zhi Fēng, abrindo o tecido roxo e olhando para ele com admiração. — Olhe, Eian, é magnífico!

Ele se aproximou de Eian com um sorriso animado nos lábios. Eian, por sua vez, não sorria tanto. Como havia mencionado a Alaric, achava aquelas coisas um tanto exageradas. Contudo, para não desapontar o jovem, fingiu ter o mesmo interesse genuíno.

Lian se aproximou de Alaric, com os braços cruzados, e comentou satisfeito:

— É o que se espera da nação dos tecidos.

— Nação dos tecidos? — indagou Alaric, observando-o com uma expressão de leve confusão.

— Não conhece sua fama? — Percebendo a falta de resposta, Lian concluiu que não. — Bem, Lulunica é conhecida como a nação dos tecidos, pois é praticamente responsável por grande parte da produção de tecidos do continente... De linho a algodão, passando pela seda. — Ele observou o jovem atentamente, seus olhos analíticos percorrendo cada detalhe. — No entanto, sua aparência sugere que você é originário de um dos países centrais. É curioso que alguém vindo dessas terras não esteja familiarizado com a fama daquele reino.

Alaric engoliu em seco, mais uma vez impressionado pela perspicácia do homem diante dele. De fato, ele havia nascido em Aldemere, um país central que fazia fronteira com Lulunica. No entanto, não era como se ele tivesse tido aulas de geopolítica, na verdade, infelizmente, sua educação tinha sido limitada a rudimentos de leitura e escrita, cortesia de Dolbrian, que sempre se esforçara para oferecer o melhor que podia. Dolbrian sempre almejou proporcionar-lhes uma educação que lhes permitisse sobreviver nesse mundo impiedoso, sabendo que um dia Alaric e Gideon teriam que seguir seus próprios caminhos, pois ele não viveria para sempre.

Essa reflexão levou Alaric a adotar uma expressão mais melancólica e séria; os olhos claros se estreitaram e abaixaram, o que surpreendeu Lian, que temeu ter dito algo inadequado. Eian Liu, mais perspicaz do que Zhi Fēng no momento, percebeu a situação e agiu rapidamente, avançando na direção de Alaric.

— Alaric, talvez seja bom darmos uma volta lá fora. — Sua voz era gentil, preocupada.

O jovem assentiu, ainda um pouco confuso com o pedido repentino. Ele nem havia percebido o impacto de suas expressões inconstantes na conversa.

— Jovem mestre, estou levando-o para tomar um ar.

— Huh… Está bem… — Zhi Fēng ficou confuso, mas decidiu não questionar.

Os dois saíram da loja e encostaram-se na fachada, observando o incessante movimento de pessoas. Longos minutos se passaram em um silêncio constrangedor. Alaric não iniciaria uma conversa por conta própria, e Eian Liu temia incomodar o rapaz.

— Às vezes, me impressiono com a quantidade de pessoas que passam por esta cidade diariamente… — comentou Eian Liu, finalmente quebrando o gelo.

— Sim, são muitas. Acho que nunca vi tantas pessoas juntas na minha vida.

Eian Liu lançou-lhe um olhar de soslaio e abriu um pequeno sorriso, percebendo que havia quebrado a barreira de silêncio entre eles com sucesso. Neste momento, vislumbrou uma oportunidade de conhecer melhor o rapaz.

— De onde você vem não havia tantas pessoas?

— Provavelmente havia. Reven era uma cidade enorme, mas as ruas não ficavam tão lotadas como aqui. Acho que era porque Reven não era exatamente uma cidade comercial, ou algo assim. — disse, deixando escapar um tom de nostalgia, como se recordasse com carinho do passado.

O guardião não conseguiu evitar perceber a melancolia subjacente em suas palavras e decidiu abordá-la com delicadeza.

— Sente saudades da sua cidade natal? — perguntou, adotando um tom compassivo.

Alaric suspirou, seu olhar caindo para o chão enquanto rememorava o passado.

— Já se passou muito tempo desde que deixei Reven para trás. Então, meio que a fase de sentir falta já tenha passado... — Ele hesitou por um momento, como se ponderasse suas palavras. — Mas, às vezes, estaria mentindo se dissesse que não tenho vontade de voltar lá…

— E por que nunca voltou? — questionou, adotando um tom gentil, quase paternal, enquanto seus olhos se fixavam no jovem ao lado. — Digo, imagino que você tenha tido muitas oportunidades para isso.

O jovem desviou o olhar por um momento, como se revivesse antigas memórias dolorosas.

— Reven já não pertence mais a Aldemere. Voltar seria como implorar para ser escravizado, ou algo do tipo — explicou ele, sua expressão endurecendo enquanto seus olhos se fixavam no horizonte. — E além disso, há ele... Colocar um pé lá seria o mesmo que me entregar de bandeja àquele desgraçado.

Eian Liu sentiu vontade de perguntar quem seria esse tal “ele”, mas temeu insistir demais e acabar estragando o progresso que havia feito até agora. Decidiu, então, ignorar por enquanto.

— Algum dia você deve voltar, para ao menos reviver alguns bons momentos.

— E por quê? Mesmo que eu sinta vontade de revisitar a cidade… já não tem mais nada para mim lá. O que existia foi reduzido a nada… A única lembrança que eu teria ao ver o estado em que as coisas ficaram seriam os traumas.

— Você parece carregar muito nas costas às vezes… — disse Eian Liu, escapando sem querer. — Ah! Me perdoe, só que…

— Não, tudo bem, você não está errado, infelizmente... — Ele olhou para sua mão, calejada e grossa, a mão de alguém que já enfrentou muitas batalhas na vida. — Mas, tudo bem, eu já aceitei esse peso, e me acostumei com ele. Tanto que carregar o mundo nas costas, já não faz mais qualquer diferença para mim.

— Ainda assim, carregar tanto peso sozinho não é saudável... Já pensou em talvez tentar diminuir ele ou dividir com alguém?

Alaric desviou o olhar para a frente e observou o movimento do outro lado da rua. Não havia nada de especial, apenas pessoas passando. No entanto, após um grupo atravessar e bloquear sua visão por um momento, ele viu Rancor, do outro lado, sorrindo com maldade. Alaric não se assustou nem teve qualquer reação. Apenas abaixou um pouco as pálpebras.

— E com quem? Desculpe ser honesto, mas não vejo ninguém capaz de aguentar um décimo desse peso. — Ele voltou a olhar para sua mão e a fechou com força. — Além do mais, esse é um fardo que apenas eu devo carregar. As pessoas confiaram em mim para isso. Mesmo que eu definhe até lá, é uma responsabilidade que eu devo cumprir sozinho.

Eian Liu ficou em silêncio após a declaração de Alaric. Não tinha o que dizer; qualquer palavra depois de uma fala tão convicta, sem um pingo de hesitação, pareceria desrespeitosa. Restou-lhe apenas voltar a atenção para a rua e reconstruir a barreira do silêncio entre os dois. No entanto, no fim, conseguiu, mesmo que apenas um pouco, descobrir mais sobre aquele jovem.

Depois de algum tempo em silêncio, Zhi Fēng saiu da loja, despedindo-se de Lian.

— Alaric, Eian… O que aconteceu? — Ele perguntou.

— Nada, jovem mestre — respondeu Eian, lançando um olhar para Alaric e esboçando um pequeno sorriso. — Já deve ser meio-dia. Por que não procuramos um lugar para comer?

— Oh céus, nem me dei conta disso... — disse Zhi Fēng, olhando para Alaric com uma expressão humilde. — Desculpe, Alaric, você deve estar com fome...

O jovem observou Zhi Fēng e ia negar, mas um ronco de seu estômago o entregou de maneira humilhante.

— Um pouco... — Ele se desencostou da parede e se alongou. — Mas não precisa se desculpar.

Zhi Fēng sorriu amplamente, seguido por Eian Liu, e o jovem ficou sem graça perante isso. Decidiram ir a um restaurante próximo, com o jovem mestre prometendo que seria uma das melhores refeições que Alaric teria na cidade. Ele não acreditou muito, pois às vezes Zhi Fēng parecia animado demais, contrastando com seu comportamento dentro da residência do clã. Era como se sair de lá o deixasse mais leve.

Chegaram ao restaurante e se acomodaram em uma mesa no interior do estabelecimento. Zhi Fēng assumiu a responsabilidade de fazer os pedidos, solicitando três Chow Mein. O jovem estava um tanto confuso com o nome, apenas esperando que não fosse algo muito diferente do habitual.

— Então, Alaric, o que está achando da cidade até agora? — perguntou Zhi Fēng, sentado a frente dele.

— Hm? Ah, é legal. — A expressão de Alaric não refletia o mesmo entusiasmo.

Zhi Fēng riu sem jeito diante da resposta monossilábica e ficou sem muito o que dizer em seguida.

— Haha! O jovem mestre esperava uma resposta mais animada — comentou Eian Liu, tomando assento em uma cadeira ao lado esquerdo de Alaric.

Às vezes, o jovem parecia meio desligado, e com tudo que havia passado na vida, acabou ficando ainda menos atento aos sentimentos dos outros, o que resultava em situações assim.

— É... Ah, não me interprete mal... — Alaric começou a mexer nos cabelos vermelhos. — Eu realmente gostei da cidade. Nunca vi um lugar com tantas pessoas... Pessoas diferentes, raças únicas, esse tipo de coisa.

Zhi Fēng o encarou e soltou um pequeno riso diante da resposta, que continuava pouco entusiasmada. Mas bem, ele sabia que esse era o jeito de Alaric, então, não havia muito o que fazer. Assim, ajustou-se no assento, pousou uma mão sobre a mesa e perguntou:

— Você fala como se nunca tivesse visto seres conscientes além de humanos… Hmmm, de onde você veio? Aliás, foi para algum lugar depois de Aldemere ou veio direto para Dongfang?

De novo tentando puxar assunto, contudo, Alaric já tinha esgotado sua cota de interação diária e estava pouco disposto a conversar mais. Ele só queria terminar o dia e se preparar para o próximo. Contudo, ao olhar para os olhos gentis de Zhi Fēng, que pareciam implorar por respostas, e depois para Eian Liu, que tinha a mesma expressão, era impossível ser rude e ignorá-los. Assim, piscou lentamente e recostou-se na cadeira.

— Depois de Aldemere... fui para o norte. Fiquei por lá algum tempo... até que... bem, não importa.

Tanto Zhi Fēng quanto o guardião sentiram que as hesitações de Alaric carregavam muito mais do que podiam entender. O clima ficou tenso, refletido tanto no olhar quanto na postura desfeita de Alaric. A simples menção de algo assim já o deixava para baixo.

— Norte, não é? Faz sentido, lá existem muitos giganoides, mas poucos de outras espécies — Eian Liu tentou resgatar o clima agradável que a conversa estava seguindo antes.

O jovem mestre observou-o por um momento, parecendo ponderar algo, antes de voltar sua atenção para Alaric, que ainda mantinha um olhar tenso.

— Nunca fui para o norte, como é lá? — perguntou, curioso.

— Nunca foi porque você é um friorento, jovem mestre... — comentou Eian Liu, provocando um leve rubor nas bochechas de Zhi Fēng.

— Eian... — Zhi Fēng sentiu-se constrangido, desviando o olhar para baixo. — Assim você me envergonha...

Foi então que o guardião percebeu que tinha falado demais e assumiu uma postura tensa, como alguém que cometeu um erro bobo, o que até era um pouco cômico de se ver.

— Desculpe! É só que... — Ele começou a coçar a nuca, olhando para baixo. — Você é tão sensível ao clima, então...

— Eian! — O jovem já estava todo vermelho, com os olhos arregalados. — Só pare!

Alaric observou em silêncio aquela interação, percebendo que pareciam um pai e filho conversando, ou até mesmo avô e neto. Era algo que certamente aconteceria entre Dolbrian e Gideon... Ele mudou o foco de seus pensamentos; pensar sobre isso só o deixaria ainda mais mal.

— O norte — começou ele, chamando a atenção dos dois, que voltaram ao estado normal. — É frio como podem imaginar. Não importa onde olhe, sempre verá neve. Mas é um lugar ironicamente acolhedor... Um lugar que carrega mais do que se pode enxergar...

Mais uma vez, o tom melancólico permeou suas palavras, trazendo consigo respingos de nostalgia. Até Alaric estava estranhando como estava mais sentimental naquele dia. Estaria ele começando a confiar mais nos dois? Não fazia sentido; Zhi Fēng parecia esconder tanto, não era alguém que aspirava à confiança com tanta facilidade. Para cortar o clima que novamente se encaminhava para o campo mais sentimental, chegaram os garçons com os pratos pedidos.

Para os três, o mesmo prato típico da região: Chow mein. A apresentação era bela de se ver: dentro de uma panela redonda e funda, que Zhi Fēng chamou de Wok, havia um tipo de massa, o macarrão. Ao meio, parecia ter várias tiras suculentas de frango e porco entrelaçadas aos fios de macarrão, junto com uma mistura de diversos vegetais. O vapor fumegante emanava da panela, trazendo consigo o delicioso aroma do molho de tomate por cima. Alaric estava prestes a começar a comer, mas notou os outros dois parados, então decidiu esperar.

Após alguns segundos, Zhi Fēng pegou seu talher e levou-o até seu prato, enrolando um pouco do macarrão antes de levá-lo à boca. Instantaneamente, o prazer se refletiu em seu rosto, manifestando-se nos olhos semicerrados, nas bochechas coradas e na leve inclinação de cabeça, uma reação estranha para Alaric, mas que decidiu não julgar com o olhar, como fazia às vezes.

Então chegou a vez de Alaric. Ele pegou habilmente o talharim com a panela, enrolando os fios junto com os vegetais frescos e os suculentos pedaços de carne que emanavam um aroma irresistível. Levando a garfada à boca, foi envolvido por uma explosão de sabores que acariciaram seu paladar de maneira sublime. 

Nem muito salgado, nem muito picante, mas um equilíbrio perfeito que o fez salivar por mais. A carne derreteu na língua, a massa tão macia que era difícil até descrever a sensação ao mastigar, e os vegetais acrescentaram um toque único à perfeição do prato, e olha que Alaric nem era fã de vegetais em geral. Por fim, o molho adocicado completou a experiência, adicionando mais uma camada de perfeição. Sem dúvida, Alaric estava encantado, embora controlasse suas reações para não ser tão extravagante quanto Zhi Fēng.

A refeição se estendeu, cada um saboreando meticulosamente cada detalhe dos pratos até o final, deixando o restaurante com estômagos satisfeitos. O passeio estava chegando ao fim, após terem percorrido longas distâncias e contemplado diversas atrações. Enquanto caminhavam entre a multidão, aquele que havia aconselhado a cuidar dos pertences deixou sua bolsa de moedas exposta, sendo rapidamente subtraída por uma mão leve.

— Droga! — exclamou Zhi Fēng, atraindo a atenção de todos.

Eian Liu considerou perseguir o ladrão, mas abandonar o jovem no meio de estranhos era algo que um guardião não podia fazer. Assim, por fim, a responsabilidade recaiu sobre Alaric, que ameaçou avançar sem proferir uma palavra. No entanto, sentiu uma mão delicada segurando-o; ao se virar, viu Zhi Fēng com olhos ansiosos.

— Não se preocupe com isso... É apenas um pouco de dinheiro, nada demais…

— Considere isso como um gesto de agradecimento pelo dia de hoje, se isso o confortar — respondeu, soltando-o suavemente e seguindo pelo meio da multidão. — Não se preocupem, eu volto logo!

Logo, Alaric desapareceu em meio ao mar de pessoas, deixando os dois para trás. Enquanto o jovem adotava uma expressão preocupada, Eian Liu parecia orgulhoso. O dia realmente havia começado a ficar agitado.



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