Volume 2

Capítulo 107: Norte, Sul e Sudeste

Após fazer uma proposta que foi prontamente aceita pelo demônio primordial azul, Bleu, Dalian saiu do cômodo onde a criatura se encontrava. Acompanhado por Delilian, e se dirigiu a um dos quartos onde poderiam acomodar Mani, a deusa que estava desmaiada.

Depois de andarem por algum tempo em silêncio pela vasta mansão, encontraram um quarto. Como todos os cômodos da casa, este também estava completamente mobiliado, com um guarda-roupa, uma escrivaninha, suportes diversos e, o mais importante, uma cama grande o suficiente para acomodar duas pessoas.

Delilian, carregando a deusa desmaiada nos braços, se aproximou da beirada da cama e, com cuidado, a depositou confortavelmente. Dalian observava em silêncio. Embora não tivessem trocado palavras por um bom tempo, ele podia sentir a tensão no ar entre ele e seu irmão. Com isso em mente, decidiu comentar:

— Teremos que marcar esta porta, para não a perdermos nesta casa gigante...

— Sim... você tem razão...

Sua tentativa de aliviar o clima foi recebida de forma fria. Não era surpreendente; Dalian nunca fora conhecido por suas habilidades em levantar o ânimo das pessoas. Na verdade, poucos gostavam de estar perto dele. Além disso, após a conversa com o demônio primordial, não era de se esperar que alguém tão ansioso e preocupado como Delilian estivesse de bom humor.

Dalian nunca foi de se preocupar muito com as reações dos outros. Se seu irmão não estava interessado em conversar, ele simplesmente seguia em frente. Assim, ele virou-se para sair do quarto, mas antes que pudesse abrir a porta, ouviu o chamado de Delilian:

— Dalian... Você tem certeza do que está fazendo?

O mago parou, prestes a tocar o trinco da porta, mas não se virou para responder.

— Está falando do meu acordo com o demônio? — Dalian suspirou. — Você sabe que sempre sei o que estou fazendo.

— Mas... ele é um primordial. Não há estar certo ou errado quando se trata de um ser como ele!

— É uma lógica simples, Delilian. — Ele encarou a porta com olhos frios e prosseguiu: — Ele precisa de mim e eu preciso dele; é uma troca mútua de interesses. Qualquer traição nessa troca resultaria em perdas para ambos. Ele é um demônio, não um animal incapaz de entender isso.

Isso soou como uma ofensa velada para Delilian, que sentiu o golpe e se calou por um instante. Dalian então prosseguiu em abrir a porta, baixando o trinco.

— Eu... — Delilian deixou a cabeça cair pesadamente. — Eu só não quero te perder por algo tão incerto... Apenas isso...

Dalian baixou o trinco totalmente e sorriu ao ouvir essas palavras, mas não era um sorriso gentil de alguém feliz por ouvir tais palavras de uma pessoa próxima como seu irmão. Era um sorriso maligno, um sorriso que apenas seres desprovidos de bondade dariam.

— E não vai... — Delilian ergueu a cabeça ao ouvir essas palavras. — Eu nunca arriscaria minha própria vida com base em achismos. Por isso digo que sempre sei o que estou fazendo.

— Sabe mesmo? Dalian, você disse a mesma coisa quando entregamos Reven! Lembra? Por essa sua certeza, eu abandonei o local onde vivi minha vida toda, abandonei nosso pai, tudo para te seguir! E o que aconteceu? Fomos traídos. Re’loyal, que você tinha tanta certeza de ter sob controle, escapou por entre seus dedos, e quase fomos mortos por isso! 

— Controle esse seu tom, irmão... 

Delilian sentiu a ameaça nas palavras, uma promessa implícita de alguém disposto a matá-lo sem hesitação, e calou-se imediatamente. Dalian então abriu a porta e começou a atravessá-la.

— Tudo o que aconteceu até agora... — Dalian continuou, sem parar de falar. — Foi planejado por mim. Uma coisa ou outra podem ter saído do controle, mas apenas isso... Então, irmãozinho, se é tão medroso para agir, sente-se e me observe... Mas tenha cuidado...

Ele então atravessou completamente a porta e começou a fechá-la, terminando sua fala.

— Se demorar demais, pode acabar ficando para trás...

E a porta se fechou, deixando Delilian praticamente sozinho com aquelas palavras enigmáticas, mas que já tinham significados claros para ele. Ainda assim, tudo parecia incerto em sua mente, que entrou em colapso, fazendo-o perder o equilíbrio e sentar-se na cama.

— Irmão... O que você se tornou...? — Seus olhos, outrora cheios de brilho, agora se esvaziaram e se fixaram em um ponto distante. — Você ainda é meu irmão…?

Dalian, já fora do quarto, caminhava pelo corredor, visivelmente pensativo. No entanto, seus pensamentos não estavam na recente "discussão" com seu irmão; estavam voltados para o que faria a seguir. O acordo com Bleu abria diversas possibilidades para o futuro. Naturalmente, tudo dependia de quão eficaz ele seria em restaurar o poder do demônio.

E falando no diabo, literalmente, Bleu apareceu diante do mago, encarando-o.

— Bleu, deseja algo? — Dalian perguntou.

O demônio analisou o mago, aparentemente curioso.

— Não, apenas senti uma alta concentração de mana próxima e vim investigar... — respondeu.

Bleu estava em seu canto, quando subitamente detectou uma concentração incomum de mana no ar. Embora os demônios não fossem capazes de usar mana natural como outras criaturas, tinham um excelente senso para detectar tal energia, algo que apenas magos humanos com anos de experiência possuíam.

Observando a origem dessa concentração estranha, o demônio tirou algumas conclusões. A primeira era que Dalian havia discutido com seu irmão, e a segunda, mais preocupante, era que ele estava realmente concentrando mana com a intenção de atacar. Se fosse o caso, Dalian era alguém que não hesitaria em matar o próprio irmão.

— Pior que demônios... — murmurou Bleu ao chegar a essa conclusão, mas o mago não pareceu perceber. — De qualquer forma, você me disse que precisaria da minha ajuda. Posso saber para quê?

— Oh, que prestativo... Hum... Sabe, um amigo meu ficou preso pelos reinos centrais, e com nossa fuga acabamos nos separando... Queria sua ajuda para encontrá-lo e trazê-lo para cá.

— Amigo? — Bleu perguntou com desdém. — Alguém como você tem amigos?

— Oh, que rudeza... Saiba que tenho muitos amigos, ou tinha… até trair todos ao entregar Reven…

O demônio quase riu diante disso, mas decidiu manter sua expressão séria, mantendo-se centrado. Ignorando o comentário, continuou:

— Bem, tanto faz. Mas me diga, como posso encontrar esse humano? E, em segundo lugar, será necessário lutar? — Ele hesitou em terminar a frase, mas reuniu sua determinação e continuou: — Você já está ciente das minhas limitações. Meus dias de glória ficaram para trás...

Bleu estava tão enfraquecido que provavelmente uma luta contra um humano mais poderoso seria suficiente para pôr fim à sua vida. Era difícil para um demônio admitir fraqueza, especialmente alguém como Bleu, que outrora fora um dos seres mais poderosos do inferno e valorizava a força acima de tudo.

Dalian, no entanto, apenas sorriu e começou a andar, com as mãos nas costas.

— Se tudo correr como planejado, muito provavelmente não. Mas antes, preciso saber de uma coisa. Você ainda tem a capacidade de assumir a forma de um humano? Ou de outro ser terrestre?

O demônio observou Dalian passar ao seu lado e começou a segui-lo.

— Apesar de estar fraco, ainda consigo usar essa habilidade.

— Ótimo, ela é crucial para evitar que te descubram. — De repente, uma dúvida surgiu na mente de Dalian. — Ainda assim, essa sua fraqueza é muito estranha. Existem outros demônios na Terra, não é mesmo? E nem todos estão enfraquecidos. Há algo mais, Bleu...?

O primordial hesitou por um instante, parecendo incapaz de formular uma resposta adequada. O mago parou e o encarou, aguardando. Após alguns segundos, Bleu cedeu:

— Tsc... Não é só a barreira que me enfraqueceu. Ela é uma das causas, mas não a única... — Ele parecia relutante em continuar, mas o olhar penetrante de Dalian o forçou a falar. — Foi aquele maldito velho! Dolbrian, não é? Na luta contra ele, meu corpo foi levado ao limite, fui despedaçado e moído em tantos pedaços que minha regeneração quase não conseguiu me reconstruir. Tive que sacrificar parte do meu poder para conseguir isso.

— Hummm... nos registros humanos, consta que sua regeneração é uma das mais poderosas. Então, como? Os registros são falsos?

— Os registros humanos estão corretos. Minha regeneração é provavelmente a mais poderosa, beirando a imortalidade, mas... — Bleu levou a mão à cabeça, visivelmente constrangido. — Quando meu corpo começou a se reconstruir, foi tão difícil que algumas partes ficaram assimétricas... Eu não podia permitir isso!

Dalian franziu o cenho, levando a mão à testa e balançando a cabeça. Por um motivo tão trivial, aquele ser havia sacrificado grande parte do seu poder. Parecia uma piada de mau gosto.

— Inacreditável...

Bleu então apontou para seus músculos e outras partes do corpo, inquieto.

— Veja isso, e isso, e mais isso! — Ele se movimentava freneticamente, cobrindo cada parte do corpo vermelho, decorado com símbolos azuis. — Está vendo como são perfeitos? Nem uma linha fora do lugar, nem um maior que o outro. Você realmente queria que eu deixasse tamanha perfeição disforme? Nunca!

No fim, esse era o motivo da fraqueza de Bleu: a barreira "remendada" e as sequelas da batalha contra Dolbrian, o antigo escolhido. Dalian refletiu sobre o quão poderoso Dolbrian devia ser para conseguir causar tais danos a um primordial, mesmo quando este estava com grande parte de seu poder, graças ao enfraquecimento da barreira na época.

— Me diga, esse homem... Dolbrian, ainda vive?

— Não. Em minha luta com ele, perfurei-o próximo ao coração com a katana e lancei pequenos cortes dentro de seu corpo, despedaçando quase todos os órgãos.

Dalian, no fundo, sentia-se aliviado por esse homem já estar morto. Seria uma complicação enorme lidar com ele no futuro, semelhante ao que ele imaginava que o jovem de cabelos vermelhos, Alaric, poderia se tornar.O mago virou-se para continuar a andar, e o primordial voltou a segui-lo.

— Acho que tudo o que precisávamos conversar foi dito — afirmou Dalian. — Já sabe quando irá partir?

— Amanhã cedo. Se meus cálculos estiverem corretos, andando o dia inteiro, chegarei à cidade mais próxima ao anoitecer, um ótimo momento para me esgueirar.

— Vejo que não é só músculos... — comentou Dalian em tom ameno, e continuou: — Aproveite para devorar almas no caminho. Será uma boa oportunidade, acho eu.

— Não é uma ideia ruim. Provavelmente conseguirei umas dez ou mais, dependendo de quantos viajantes e pessoas fracas eu encontrar sozinhas. — Bleu arqueou uma sobrancelha, observando o mago à sua frente, que era mais baixo que ele. — E você, mago, o que fará?

Dalian virou-se para uma janela e começou a observar o nada, fora da mansão.

— Eu? Bem, digamos que tenho assuntos a tratar em um lugar mais temperado... — Ele sorriu, olhando o horizonte. — Especificamente no Oriente, ou melhor, em Donfang. Portanto, estarei fora por alguns dias, talvez semanas. Trate de cuidar deste lugar e se fortalecer ao máximo. Entendeu, demônio primordial, Bleu?

— Compreendo, mago e meio-demônio, Dalian — respondeu Bleu.

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Em um local de ar mais delicado, dentro de um dojo ou área de treino decorada com quadros evocando o elemento vento, dois rapazes estavam no chão. O mais velho, de cabelos negros, estava sentado com uma postura vigorosa, como se pudesse continuar indefinidamente. O mais jovem, de cabelos vermelhos, estava jogado no chão, parecendo exausto ao ponto de parecer morto.

— Não acredito que já se cansou... — disse o homem mais velho.

— Já? — Alaric parecia indignado, com suor escorrendo pelas têmporas. — Estamos nisso há umas duas horas! Fala sério...

O corpo ensopado do jovem, parecendo ter tomado um banho de roupa, não deixava mentir; eles realmente haviam treinado intensamente por duas horas.

— Hahaha! Devo admitir que você tem muito vigor — o homem mais velho deu uma palmada no chão e se levantou. — Mas isso não se converte em técnica, infelizmente...

— Desculpa se não consigo cumprir as expectativas de... Quem é você mesmo? — disse Alaric com desdém, afinal, o homem não era alguém que ele precisava impressionar. — Mas que seja, vai me deixar finalmente ir embora?

Alaric deu um impulso e se pôs sentado, sem forças para ficar de pé. O homem, Shin Kensuke, sorriu diante da resposta e da pergunta do jovem.

— Nunca te segurei aqui, apenas sugeri que treinássemos juntos.

— Nem vem com essa! Você praticamente me obrigou a ficar aqui treinando sem parar!

Shin começou a gargalhar, enquanto Alaric o olhava indignado. A cena permaneceu assim até que a porta do dojo se abriu, revelando Eian Liu.

— Então, aí está você, jovem.

Alaric o olhou confuso e não respondeu. Aproveitando a pausa, Shin disse:

— Velho Eian! Finalmente veio me fazer uma visita?

— Que exagero, Shin. Nem faz tanto tempo assim, umas duas semanas, talvez?

O homem se aproximou de Eian, e os dois se encararam por breves instantes antes de abrirem um sorriso caloroso um para o outro.

— Foram umas duas semanas bem chatas. Os caras daqui ainda não são tão amigáveis comigo — respondeu Shin, coçando a cabeça. — O que não é muita novidade.

— As coisas realmente não mudam... Sinto muito por isso, Shin.

— O quê? Por que está se desculpando, velho? Desse jeito você faz eu me sentir mal. — Ele sorriu mais amplamente e colocou as mãos na cintura. — Mudando de assunto, veio buscar ele, é?

Alaric os observava ainda sentado, com um olhar perplexo. Poucas vezes via Eian sorrir daquele jeito. Não imaginava que aquele velho pudesse ser tão descontraído, e acabou se pegando refletindo sobre a frase de Shin. As pessoas não eram amigáveis com ele? Por quê? Será que o olhavam estranho, assim como estavam olhando o jovem pouco antes?

— O jovem mestre está o chamando — afirmou Eian, dirigindo o olhar para Alaric. — Pelo visto, vocês tiveram um treinamento proveitoso aqui.

— Pode-se dizer que sim.

Só de observá-los, já era evidente que o tempo não foi desperdiçado naquele dojo. Ao ouvir o motivo da presença de Eian, Alaric levantou-se e seguiu na direção dele, passando por Shin.

— Jovem — chamou o guardião, em um tom seco, mas firme. — Fique aqui. Preciso ter uma conversa com Shin.

Alaric permaneceu em silêncio, apenas assentindo com a cabeça enquanto Eian conduzia Shin para dentro da sala de treinamento e fechava a porta atrás deles. Conduzindo Shin até um canto, o homem parecia confuso com as precauções do guardião.

— Por que tanto mistério, velho?

— Apenas precaução. — Alaric lançou um olhar para a porta antes de voltar sua atenção para Shin. — Mas não importa. Diga-me, qual é o desempenho dele?

— Hm? Desempenho? Você se refere às habilidades? — Eian assentiu, e Shin prosseguiu: — Bem, ele não é ruim... Mas foi uma péssima decisão trazê-lo para este clã.

O guardião franziu a testa, erguendo uma sobrancelha em confusão.

— Seja mais específico, por favor.

— Ahhhh... — Shin franziu ainda mais as sobrancelhas, coçando a nuca enquanto inclinava a cabeça para o lado. — Seus golpes se alinham com as técnicas, dogmas, conceitos, chame-os como quiser... Do clã da Terra ou até mesmo do clã do Fogo.

Durante o treinamento com Alaric, Shin experimentou em primeiro mão cada golpe, cada técnica usada pelo jovem, e analisou tudo, sem mesmo que Alaric pudesse perceber. 

— Seus golpes são firmes, sólidos, e a movimentação é estável, como ensina o clã da Terra. Mas também têm vigor e voracidade, como as chamas vivas que o clã do Fogo prega. Contudo, falta-lhes fluidez; não são maleáveis, leves ou delicados como nosso clã exige.

— Isso é terrível de se ouvir. — Eian cruzou os braços e balançou a cabeça em negação. — O problema é que não fomos nós que o escolhemos.

— Como assim? Você e o jovem Fēng não saíram para procurar um campeão?

— Sim, mas foi por ordens diretas do imperador. Ele já sabia o nome e a localização de cada um dos escolhidos. Imagino que essa escolha foi feita com base nas previsões de alguém.

Shin não sabia disso; era uma informação completamente nova. Mas, sendo assim, cada campeão foi escolhido com perfeição para cada clã.

— Velho, você vive me colocando em situações assim... — Shin voltou a coçar a cabeça. — Já que não há o que fazer, eu o treinarei pessoalmente.

— Faria isso, Shin?

— Claro! Não é como se eu não tivesse treinado outras "causas perdidas", haha! — Apesar da piada, Shin ainda parecia preocupado e decidiu expor: — Eian, há mais uma coisa que quero falar com você...

O guardião o encarou, ainda de braços cruzados, e ergueu uma sobrancelha enquanto escutava os passos do lado de fora. O horário de treino parecia estar chegando ao fim.

— E sobre o que seria?

— Aquele rapaz... Pelo que ele passou? Seus golpes carregavam algo além de força; havia um tipo de “rancor” reverberando neles.

Eian abaixou a cabeça ao ouvir, ciente de todo o rancor, raiva e tristeza que Alaric carregava.

— Infelizmente, é uma resposta que não tenho... O passado dele permanece uma incógnita para nós...

Alaric pouco falava com eles, especialmente sobre seu passado. Mas fosse o que fosse, era algo tão pesado que o transformou naquele poço ambulante de rancor.

— Hum... É uma pena. Ele precisará superar isso para ser leve como o vento — disse Shin de forma zombeteira, mas depois firmou o olhar no guardião. — E você, velho? Por que o trata diferente? Não é muito justo da sua parte.

— Bem... É exatamente por não saber o passado dele. Não sei o que ele fez ou do que é capaz, só estou protegendo o Jovem Mestre... — Eian abaixou o olhar, chateado consigo mesmo. — Mas admito que me dói fazer isso. Ele parece ser um bom rapaz...

— Esse é o vovô coruja que conheço — comentou Shin, rindo alto enquanto se dirigia à porta. — Seja mais legal com ele. O rapaz está em um lugar desconhecido, com muitos olhares estranhos em sua direção...

Essa última parte foi dita em um tom baixo e melancólico, quase como uma auto-observação.

— Ele precisa de apoio, de conexões, talvez alguém que lhe dê um norte, sul ou sudeste... — murmurou, percebendo o quanto suas palavras o afetavam. Então, colocou um sorriso no rosto. — Haha! Às vezes eu falo bonito, não é, velho?

— Às vezes sim, mas é tão raro que me impressiona toda vez. — Eian começou a caminhar em direção à porta, refletindo sobre aquelas palavras. — Mas acho que você está certo, Shin. Ele precisa de pessoas, não de isolamento... Veja só, um homem de cinquenta anos recebendo um conselho sentimental de um fedelho de trinta... Hahah! A vida às vezes é injusta.

— Fedelho? — Shin pareceu focar apenas nessa parte, abrindo a porta do dojo e encontrando Alaric esperando. — Você é um cara bem paciente, num é.

Alaric lançou um olhar desanimado na direção de Shin, encarando-o por alguns instantes até que Eian saiu pela porta, passando pelos dois e se despedindo de Shin.

— Escute, rapazinho corajoso, amanhã quero você aqui no mesmo horário que treinamos hoje.

— O quê? Está achando que vou ficar treinando com você todo dia? — Alaric começou a andar em direção ao guardião. — Não estou afim, nem espere por mim amanhã.

— Oh, é tão covarde que tem medo de apanhar mais amanhã? — Shin abriu um sorriso provocativo.

— Não vou cair nas suas provocações.

Alaric se afastou até que não pudessem mais conversar sem gritar. Shin observou as pessoas passando pelo jovem e fazendo caretas de reprovação.

"Você está certo, velho... As coisas parecem nunca mudar." Com esse pensamento, ele fechou a porta do dojo e desapareceu da vista de todos.

Alaric e Eian caminharam pela residência do clã. Pela primeira vez, Alaric notou Eian sorrindo para ele, o que foi estranho, mas ele não comentou. Eles viraram corredor após corredor até se depararem com Zhi Fēng.

— Alaric, me alegre vê-lo outra vez — Sempre corte como sempre, e sempre com um sorriso gentil no rosto. — Deve estar se perguntando do porquê te chamei, sendo que acabamos de ter uma longa conversa…

— É... Sim, quero saber.

— Bem, como você é novo na região, provavelmente não está acostumado com a cultura e com os costumes locais. Gostaria de te levar para um passeio pela cidade, mostrar os pontos mais importantes e compartilhar algumas curiosidades. Claro, só se você quiser...

Alaric estava inclinado a recusar. Ele já havia tido uma longa conversa com Zhi Fēng naquele dia, seguida de um treinamento exaustivo com Shin. No entanto, ao ver a expressão quase suplicante do jovem à sua frente, e ao notar o olhar esperançoso de Eian Liu, que parecia implorar para que ele aceitasse, era quase impossível dizer não. Por fim, soltou um longo suspiro e respondeu:

— Tudo bem, não vejo problemas nisso.

Zhi Fēng quase pulou de felicidade. Parecia haver mais do que simples vontade de mostrar a cidade a Alaric. Talvez fosse preocupação? Alguma razão que o levava a querer tirar o jovem da residência do clã.

— Ótimo! Você vai chamar a Xu Ying?

— Acho melhor deixá-la quieta por enquanto.

Após receber a notícia de que não poderia participar do torneio devido às vagas já estarem preenchidas, Xu Ying ficou consternada e se isolou em seu quarto. Provavelmente, era melhor deixá-la refletir sozinha por um tempo, pelo menos essa era a forma como Alaric preferia lidar com a situação.

— Entendo... Bem! Vou preparar algumas coisas e saímos. Tudo bem para você?

— Sim, pode ser — respondeu Alaric.

Com isso, Zhi Fēng saiu, e Alaric foi para fora respirar um ar fresco. As coisas pareciam prestes a ficar mais agitadas. No fundo, ele não podia negar que sentia uma certa vontade de explorar a cidade. O que ele veria? O que aconteceria? Só o tempo iria dizer.



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