Volume 2

Capítulo 104: Estratégias Falíveis

Com o esboço da estratégia formado em sua mente, Dorni, seguido por Jarvan, retornou ao agrupamento. Reuniu os homens mais experientes, aqueles capazes de repassar o plano aos demais, e pegou um graveto, agachando-se.

— Agora que estão todos aqui, vou explicar o plano — disse Dorni, olhando para o grupo, que assentiu em silêncio. Ele continuou: — Como sabem, há cinco mil soldados acampados nas planícies que antecedem Reven. Um número muito grande para enfrentarmos diretamente; qualquer ação com esse objetivo seria suicida.

Era uma certeza absoluta: poderiam usar a noite para tentar um ataque surpresa. Nos primeiros minutos, poderiam causar estragos significativos, mas assim que os reforços chegassem, a superioridade numérica esmagaria qualquer vantagem. Isso resultaria na morte de todos, algo que Dorni desejava evitar a todo custo. Com o graveto na mão, ele tocou a terra e começou a rabiscar.

— Este é o acampamento deles, grande o suficiente para abrigar cinco mil — Ele desenhou uma simulação do acampamento inimigo e apontou com o graveto. — Provavelmente atravessá-lo demandaria muito tempo. No entanto, não precisaremos fazê-lo. O acampamento foi montado no meio do campo, ou seja, as laterais estão a quase um quilômetro de distância. É por lá que iremos passar.

— Senhor — disse um dos homens ao redor, e Dorni o observou, dando-lhe permissão para falar. — Entendo o que quer dizer, mas ainda assim seríamos vistos pelos sentinelas...

O jovem sorriu e apontou para o indivíduo com o graveto.

— Você tem toda razão.  — Os outros homens pareceram confusos, não era o que esperavam ouvir, mas Dorni prosseguiu: — É por isso que usaremos táticas de distração. Hum… Percebo que isso despertou a curiosidade de vocês. Vou explicar com calma.

Dorni pegou o graveto e desenhou parte da floresta onde estavam, apontando para ela.

— Estamos aqui, a uma distância segura, mas não por muito tempo. Se partirmos a cavalo em direção ao acampamento, levaríamos cerca de três minutos a toda velocidade. — Ele desenhou uma linha da floresta até o agrupamento. — Ou seja, teríamos três minutos para nos prepararmos... uma contagem regressiva.

— Contagem? Preparar? O que está planejando, senhor? — indagou outro dos homens, cruzando os braços.

— Atiçar o vespeiro, é isso que planejo. Enviaremos alguns homens a cavalo até o acampamento para causar tumulto e incendiar algumas tendas — explicou, enquanto os soldados começavam a compreender seus intentos. — Depois, partiremos para outra tática de distração. Mais precisamente, daremos trinta cavalos a trinta cativos e os faremos galopar na direção oposta.

Como era de se esperar, essa parte gerou resmungos e reclamações; muitos fizeram caretas de aborrecimento. Dorni já imaginava algo assim. Muitos tinham grandes problemas em libertar prisioneiros pelos quais seus colegas morreram para capturar, mesmo que fosse algo totalmente distorcido; eles achavam que tinham esse direito. Além disso, quanto aos cavalos, muitos deles foram criados desde filhotes pelos cavaleiros. Eles eram como animais de estimação, às vezes até parte da família. Pensar em simplesmente abandoná-los ao acaso não seria aceito tão facilmente.

Mas, neste momento, outra voz se fez ouvir. Era Jarvan, tomando a frente:

— Do que estão reclamando? É isso ou a morte! Se não pelas mãos dos inimigos, será pelo frio, que já podem sentir na pele — disse, dirigindo um olhar confiante a Dorni antes de voltar sua atenção para todos ali presentes. — Esta é a única alternativa, e mesmo sendo um bando de caipiras idiotas, devem ao menos reconhecer isso!

Palavras duras, porém sinceras. Não havia um grama de falsidade nelas, até a referência aos caipiras, já que muitos ali eram simples fazendeiros convocados para a guerra. Essa observação final até gerava uma certa nostalgia, pois muitos prefeririam estar cuidando de seus animais do que enfrentando aquela situação.

Com isso, Dorni se levantou, e os que anteriormente reclamavam passaram a adquirir olhares determinados. Estava decidido. Uma estratégia estava formada e aceita pela maioria. Ainda havia pontos a serem discutidos, e isso foi feito com calma, enquanto o tempo passava e a noite caía completamente, trazendo consigo a escuridão pela qual tanto esperavam.

E conforme o planejado, selecionaram três jovens corajosos para iniciar o tumulto no acampamento. Era uma missão suicida, e eles estavam cientes disso, mas aceitaram o desafio pelo bem dos outros quase seiscentos homens que dependiam deles.

— Foi uma honra servir ao lado de vocês... — disse um deles, já montado em seu cavalo, dirigindo um olhar pesaroso ao jovem general. — Não consegui ter muito tempo de serviço ao seu lado, pouco recebi suas ordens, mas agradeço por cuidar de nós, general… 

— Saibam que vocês e os outros serão lembrados como heróis. Mandarei erguer estátuas em seus nomes, mas elas pouco irão importar. O que vale é o aqui, é o agora, o testemunho destes que viverão por seus atos — respondeu Dorni.

O rapaz deixou os olhos marejarem. Depois de tantas provações, talvez encontraria descanso. Não era otimista em relação ao paraíso, mas mesmo assim, não estava arrependido. Virou-se para partir e acrescentou:

— Se me permite um pedido egoísta...

— Claro, o que quer que seja, será providenciado pessoalmente por mim — assegurou.

— Entregue isso aos meus pais... — Ele jogou um amuleto, que Dorni agarrou no ar. — E diga a eles que sempre os amei... mesmo que talvez não tenha sido um bom filho.

O jovem general consentiu, observando o rapaz partir para o que parecia ser sua morte iminente, acompanhado por outros dois corajosos. Assim que emergiram da floresta, deu-se início a uma contagem regressiva de três minutos, o tempo necessário para chegarem ao local, causarem o tumulto e permitirem que Dorni libertasse os prisioneiros montado em seus cavalos.

Os jovens galoparam através do campo, alcançando as imediações do acampamento. O som dos cascos dos cavalos alertou os guardas, que se apressaram para investigar. E assim, a batalha irrompeu, e os jovens lutaram com todas as suas forças, cercados por inimigos por todos os lados. Seus cavalos se moviam freneticamente, até que o primeiro deles sentiu uma dor aguda no peito e, ao olhar para baixo, viu a flecha fincada em sua carne.

— Por Dorni! — exclamou, arrancando a tocha acesa presa ao cavalo. Com a boca manchada de sangue, avançou em direção a uma das tendas, jogando-se sobre ela e iniciando um incêndio que se propagou rapidamente. — Eu irei primeiro, meus amigos...

Por Dorni, não por Re’loyal. Esses homens nutriam mais respeito por um único indivíduo do que por uma nação inteira; essa era a influência que o jovem exercia sobre seus soldados.

— idiota... — murmurou o outro companheiro, ainda lutando contra os ataques inimigos. — Em breve estarei aí, onde quer que você esteja...

Seu olhar percorreu o campo até onde alcançava, encontrando apenas as fileiras de armaduras de Aldemere se aproximando como uma maré de pessoas. Desmontou do cavalo, já não havia necessidade de permanecer no alto, e agarrou a tocha, preparando-se.

— Vá, garoto, fuja... — ordenou ao cavalo, mas o animal não o obedecia, parecia relutante em deixá-lo. — Corra! Fuja agora!

O animal não se movia, como se fossem amigos íntimos aceitando seu destino juntos. Determinado a não permitir isso, aproximou a tocha da pele do cavalo, assustando-o o suficiente para fazê-lo galopar para longe.

Com isso feito, se viu despojado de opções, então correu em direção ao meio dos soldados inimigos, um sorriso largo estampado no rosto. Lançando a tocha em outra tenda, seu corpo foi trespassado por lanças, a morte chegando de forma lenta e dolorosa. Mas no fim, sob todo o sangue, permanecia um sorriso.

Por fim, restava apenas o terceiro, aquele que havia conversado com Dorni antes da partida. Sua última missão era correr até uma área onde seria visível para o jovem general, sinalizando o momento para ele ordenar a libertação dos cativos.

Assim o fez, cavalgou com a tocha erguida, sinalizando que tudo estava preparado. Naquele momento, sua única e última tarefa era reter os inimigos pelo máximo de tempo possível e apenas isso.

— É hora! Libertem os escravos, agora! — ordenou Dorni.

Os soldados acataram o comando, e os cativos foram libertados, correndo para longe, montados em cavalos que disparavam na direção oposta. Para evitar problemas com possíveis rebeldes, o jovem não libertou todos os escravos, deixando claro que qualquer sinal de traição resultaria na morte implacável dos que permaneciam sob custódia.

O destino do pobre rapaz permaneceu desconhecido, mas sua missão estava concluída, evidenciada pelo surgimento de homens correndo em direção aos cavalos. Dorni e seus homens aproveitaram o momento para passar despercebidos pela lateral do acampamento, avançando cautelosamente e inclinados.

O plano parecia ter sido executado com mais sucesso do que o esperado, já que não havia nenhum sentinela vigiando os arredores. Tudo transcorria conforme o planejado, avançando de forma coesa na escuridão da noite, embora muitos tropeçassem devido ao manto escuro que protegia suas ações dos olhos inimigos, ao mesmo tempo que limitava sua própria visão.

Quando finalmente conseguiram contornar o acampamento, depararam-se com a parte mais arriscada da missão: atravessar o centro para alcançar os portões. Com poucas alternativas além dessa, avançaram.

Inicialmente, tudo parecia correr conforme o planejado. Passaram despercebidos, os portões estavam à vista, a apenas um quilômetro de distância, talvez menos. A perspectiva de sucesso os impelia; a sobrevivência estava ao alcance, se não fosse pelo grito que ecoou:

— Inimigos! Inimigos!

Ao virarem-se, avistaram um sentinela e vários soldados emergindo das tendas, evidenciando que não todos haviam sido atraídos pelas distrações.

— Corram! — ordenou Dorni.

Sem hesitar, partiram em desabalada corrida em direção aos portões. A distância não era tão grande, talvez fossem capazes de alcançá-los, se não fosse pelos…

O solo tremia sob seus pés, e seus ouvidos eram assolados pelo estrondo dos cascos que se aproximavam. Ninguém ousava olhar para trás, mas todos sabiam o que estava por vir.

A situação era desesperadora; nunca conseguiriam superar a velocidade dos cavalos. Continuar correndo em desespero só os levaria a uma morte certa, perfurados pelas lanças inimigas pelas costas. Dorni talvez tivesse uma chance, sua agilidade era superior, mas, por algum motivo, seus passos vacilaram quando ouviu o primeiro gemido agônico.

Num movimento trêmulo, virou-se para trás, deparando-se com um de seus soldados sendo transpassado por uma lança, das costas ao peito. Testemunhou a vida esvaindo-se pelos olhos apavorados do homem, até que não restar mais brilho.

Dorni havia se desligado das emoções há muito tempo, mas algo dentro dele o instigou a agir, e assim o fez. Passou por entre seus homens na direção oposta. A ação deixou muitos confusos a princípio, mas logo entenderam.

Enquanto corria, observava a morte passeando impiedosamente pelo campo; os aldemerianos não demonstravam piedade. Os cavalos se infiltravam entre os soldados desesperados, separando-os antes de desferir golpes fatais, ceifando vidas em um banho de sangue incessante.

Era uma cena de terror, um inferno para os fugitivos, mas um paraíso para os atacantes, que sorriam enquanto o sangue escorria de suas lâminas e os cascos de seus cavalos pisoteavam os corpos.

Se havia seiscentos, agora provavelmente mal restavam quatrocentos, tal era a carnificina que se desenrolava diante deles.

Um dos desafortunados corria desesperadamente pela vida, sentindo seu coração acelerar à medida que o som dos cascos se aproximava. Em um ato instintivo, virou-se para trás, apenas para se deparar com o cavaleiro próximo o suficiente para sentir o frio gélido da lâmina de sua espada, já manchada com o carmesim maldito.

Ali, naquele momento fatídico, ele se resignou ao seu destino, fechou os olhos e aguardou, preparado para a dor lancinante e o amargo sabor do sangue subindo-lhe pela garganta.

Mas não veio, a dor não se fez presente; em vez disso, foi recebido por uma suave brisa reconfortante. Ao abrir os olhos, deparou-se com a espada de seu carrasco detida pela lâmina de seu salvador, Dorni.

— Rápido! Fuja! — ordenou o jovem, ainda envolvido em um duelo de força com o adversário. — Não fique me olhando como um idiota! Corra, inferno!

Foi então que, ao prestar atenção no aliado, Dorni não percebeu o perigo iminente vindo pelo flanco. Mas quando finalmente notou, já era tarde demais; o cavalo estava tão próximo que podia sentir as bufadas quentes do animal.

"É assim que vou morrer? Depois de tudo o que passei... É assim mesmo? Um fim tão patético... como sempre deveria ter sido..." Esses eram os pensamentos de alguém dividido entre aceitar seu destino iminente e desejar continuar vivendo para vingar aqueles que um dia chamara de família.

No final, querendo ou não, o destino já estava traçado, restando-lhe apenas observar…. Observar e, testemunhar aquele ao qual havia acabado de salvar, travar a lâmina que o levaria deste mundo, em um ato recíproco.

— Que tipo de homem eu seria se abandonasse aquele que me salvou? — indagou o rapaz, com um sorriso misturando desespero e coragem. — O segurei até a morte, general; por favor, guie-me, e não morra antes de mim!

Há quanto tempo Dorni não experimentava o conforto de ter alguém preocupado com ele? Há quanto tempo não tinha um companheiro ao seu lado, pronto para lutar e protegê-lo? Dalian jamais faria isso; na primeira oportunidade, o abandonaria para salvar a própria pele. Era isso que Erne sentia ao ser respeitado e admirado por seus homens? Dorni não sabia a resposta, mas pouco importava; tudo o que realmente importava era a batalha que estava por vir, as vidas que prometera proteger.

Utilizando sua força naturalmente superior como giganoide, venceu o duelo de força contra o cavaleiro, derrubando-o do cavalo sem piedade antes de cravar a espada em seu peito.

Então, correu em direção ao segundo cavaleiro, engajando-se em um combate mortal e, num movimento rápido, ceifou sua vida também. Foram duas mortes, mas ao olhar na direção do acampamento, compreendeu que isso significava o mesmo que nada.

— Se é assim — começou a dizer ao rapaz. — Venha comigo nessa nossa última missão, soldado.

— Se me ordena matar, matarei... Se me ordena morrer ao seu lado, morrerei.

O jovem assumiu posição ao lado de Dorni. Apesar de estarem diante de uma força muito superior, enfrentando mais de quinhentos inimigos, a certeza da morte iminente não os abalava. Em seus rostos, não havia desespero ou medo; apenas sorrisos confiantes e olhos determinados.

— Me entristece muito, o senhor cogitar que eu o abandonaria. — Surgindo ao lado do jovem general, Jarvan empunhava sua espada. — Se esta é sua última missão, também é a minha.

— E a minha também, general.

— Faço das palavras deles as minhas.

— Sim! Se vamos para o inferno, vamos juntos, levando alguns malditos, haha!

Um por um, os soldados do batalhão de Dorni se posicionaram ao seu lado, cada um exibindo uma determinação distinta em seus rostos. Todos estavam prontos para morrer pela causa, inspirados por um líder que, mesmo com a oportunidade de escapar ileso, optou por retornar e proteger os seus.

Um ato impulsivo de Dorni serviu como combustível para as chamas internas de cada alma presente.

— Vocês... hah! Idiotas! Se é assim, então esta é a minha última ordem! Divirtam-se, matem o máximo que puderem, e me encontrem no submundo!

— Menos de dez, prefiro queimar na forja de Hefesto! Hahaha! — exclamou o mais animado, entre risadas estridentes.

— Ao meu comando! — Dorni ergueu a espada até o céu, invocando o espírito de luta dos corajosos ao seu lado. — Avancem!

A espada desceu com vigor e os soldados partiram, já não havia formação, apenas o desejo ardente de matar ou morrer. Contudo, ao se depararem com os primeiros cavaleiros inimigos, o esperado não aconteceu; as mortes não chegaram. Parecia que estavam imbuidos de uma força sobrenatural, derrubando os adversários com facilidade.

O som das espadas chocando-se, os gemidos agonizantes e as risadas estrondosas dos loyanos ecoavam pelo campo de batalha. Seus corpos eram perfurados, mas não tombavam, não demonstravam sinais de dor; estavam como que em êxtase, alucinados por uma força maior.

— Eles... enlouqueceram! — gritou um aldemeriano, que acabara de perfurar o olho de um loyano, que não emitiu um som sequer, apenas permaneceu parado, observando, rindo como um psicopata. — O que vocês são!?

— Eles... demônios!

— Não recuem! Eles podem morrer! Eles estão apenas mais duráveis!

Dorni travava sua própria batalha, matando indiscriminadamente, suas mãos calejadas já haviam ceifado pelo menos vinte vidas, e ele não mostrava sinais de parar. A cada golpe de espada, mais um inimigo caía diante dele. Observando o campo de batalha, viu seus homens ensandecidos e sorriu; embora isso não garantisse a vitória, ao menos infligiria muito sofrimento aos aldemerianos.

Foi então que lembrou do colar, um bom lugar para testar seus poderes. Mas, ao se distrair para removê-lo da armadura, não percebeu a aproximação perigosa de um grande número de inimigos que o miravam como líder.

Era óbvio que matar o líder faria os outros desistirem. Quando percebeu, parecia tarde demais para reagir, havia pelo menos dez deles se aproximando, sua vida parecia prestes a acabar ali.

Foi quando uma enorme parede de fogo, tão ardente quanto o fogo comum, ergueu-se diante dele, como uma muralha que se estendia por metros. Ao olhar para trás, deparou-se com alguém que jamais esperava ver, salvando-o.

— Dalian...

— Essa é a forma de receber alguém que acabou de salvar sua vida? — indagou, com sarcasmo. — Talvez deva te fazer aprender boas maneiras, além de técnicas de luta...

Dorni conhecia bem o irritante modo manipulador de falar de Dalian, que sempre o deixava profundamente enfurecido. No entanto, no fim das contas, aquela era sua salvação, e a salvação dos seus soldados sobreviventes. A moeda tinha caído mesmo em coroa, uma coroa ardente de fogo.



Comentários