Volume 2

Capítulo 103: Marcha Interminável

Dorni e suas tropas avançavam por entre as árvores densas da floresta, tentando chegar a Reven sem serem detectados pelos inimigos aldemerianos. A marcha era lenta devido à vegetação densa, que dificultava a movimentação livre e impedia a formação de se manter intacta. No entanto, isso já era previsto pelo jovem general que guiava os homens na dianteira, montado em seu cavalo, ladeado por Jarvan e alguns outros cavaleiros de segurança.

Apesar das adversidades, eles já haviam avançado vários quilômetros mata adentro. Com base em uma estimativa básica, comparando com o tempo necessário para chegar a Citra com um exército maior, Dorni concluiu que levariam de três a quatro semanas para alcançar seu destino.

Se pudessem utilizar os campos abertos e estradas, o tempo de viagem diminuiria drasticamente. O jovem general refletiu amargamente sobre a falta de guarnições nas fortalezas "conquistadas", o que teria facilitado a travessia, permitindo-lhes avançar de uma fortaleza para outra até chegarem a Reven.

Como invadiam as fortalezas, saqueavam as provisões e continuavam o avanço, provavelmente, neste momento, essas mesmas fortalezas estariam novamente protegidas. Foi uma decisão tola, mas não havia mais nada que Dorni pudesse fazer a respeito.

Perdido em seus pensamentos, Dorni ouviu o murmúrio calmo da água corrente logo à frente. Ele logo associou o som a um riacho. Desviando o olhar para trás, viu o semblante de derrota em cada homem, exaustos, com as línguas para fora.

— Há um riacho à frente — disse Dorni em um tom sereno, voltando sua atenção para a frente. — Vamos parar para reabastecer nossa água e descansar por alguns minutos antes de voltar a marchar.

— Sim, senhor — respondeu prontamente Jarvan. Ele se virou para um dos cavaleiros e transmitiu a ordem: — Avise os outros cavaleiros que vamos parar para descansar em um riacho à frente.

— Ah, peça para que um cavaleiro galope a toda velocidade para avisar os homens à nossa frente sobre esta parada.

Havia dez homens montados a cavalo cavalgando um quilômetro à frente, sob as ordens do próprio Dorni. Eles estavam posicionados ali para detectar qualquer sinal de inimigos e recuar imediatamente para alertar o contingente inteiro.

Jarvan obedeceu e delegou essa ordem a outro homem, que prontamente partiu. As boas-novas da parada logo se espalharam pelas fileiras, causando os esperados suspiros aliviados e sorrisos alegres. Após alguns minutos a mais de marcha, chegaram ao riacho mencionado pelo jovem.

Era um curso d’água com cerca de três metros de largura e pelo menos dois metros de profundidade. Era um bom local para uma breve pausa. Dorni desceu do cavalo e entregou as rédeas a um dos cativos para que cuidasse do animal.

O jovem seguiu até a margem, onde havia uma espécie de areia molhada. Pegou um graveto e começou a rabiscar.

Jarvan observou de longe, entregou seu cavalo a um cativo e se aproximou, apoiando as mãos nos joelhos.

— O que seria isso, senhor?

— Hm? Ah, um mapa da região — afirmou o jovem, continuando a desenhar na areia. — Vê? Estamos bem aqui, no meio da floresta. Se seguirmos em linha reta, daremos de frente com um forte. Por isso, precisaremos mudar de rumo algumas vezes…

— O senhor memorizou toda a trajetória até aqui? Mas espere, não passamos pela floresta em nenhum momento na vinda...

— Hah! Boa observação. Acontece que eu já havia estudado um mapa detalhado do país, no castelo de Reven.

Os olhos brilhantes do comandante já indicavam que, mais uma vez, ele estava admirado e, desta vez, com a memória de Dorni. Era incrível pensar que apenas observando um mapa por algum tempo, tudo ficava gravado em sua memória. Contudo, ao ouvir a palavra "mapa", uma dúvida surgiu na mente de Jarvan, que expressou-a:

— General, poderia me informar por que não nos entregaram um mísero mapa? facilitaria muito a marcha...

Dorni parecia imerso em seu próprio mundo, ainda desenhando, apagando e redesenhando enquanto analisava repetidamente. Mas mesmo concentrado, ele ainda prestava atenção ao que acontecia ao redor, e deu a resposta:

— Um mapa, você diz. Bem, tínhamos um... — Ele abaixou a cabeça, suspirando, parecendo aborrecido com certas lembranças. — Tsc! Mas infelizmente, o idiota do Túlio os levou consigo quando iniciou a invasão.

Mesmo após sua morte, aquele homem ainda causava problemas para o jovem, mas felizmente, ele tinha o mapa mental. Jarvan observou enquanto Dorni terminava de desenhar e traçar todo o curso; passaram-se alguns minutos e tudo parecia pronto.

— Este será nosso curso, então, senhor? — Era um mapa rudimentar, com poucos detalhes, mas que já dava uma boa ideia do que viria a seguir, se estivesse perfeitamente correto.

— Sim, como pode ver pelas linhas traçadas, faremos muitos desvios para continuar encobertos — Ele suspirou novamente, batendo com o graveto no solo. — O contra desse plano de ação é que, com tantos desvios, nossa viagem se estenderá por mais alguns dias.

— Se me permite perguntar, senhor, qual era sua estimativa inicial? 

— Inicialmente, com base no tempo que levamos para chegar até aqui, mesmo após invadir as vilas e fortes, estimei que levaríamos de três a quatro semanas. Achei uma suposição segura. — Ele se levantou, lançando o graveto no córrego. — Contudo, para minha infelicidade, não levei em consideração os desvios... Não era algo que me preocupasse muito. No entanto, com isso, agora imagino que a viagem durará de quatro a cinco semanas…

Jarvan levou as mãos aos olhos ao ouvir as notícias, exasperado. Podia parecer apenas alguns dias a mais, mas somando isso ao cansaço acumulado de semanas marchando com equipamentos pesados, frequentemente sofrendo de fome e sede, a privação regular de sono e o constante estresse de estar em alerta máximo, à mercê de ataques a qualquer momento, muitos homens se viam à beira do colapso. Alucinações, desmaios e surtos não eram incomuns nessas circunstâncias.

— Existe uma maneira de diminuir o tempo — afirmou Dorni, resgatando Jarvan de sua própria desesperança. — Mas não sei se seria aconselhável aplicá-la em uma situação como esta.

Observando o comandante em silêncio, aguardando a sugestão que viria, o jovem prosseguiu:

— Podemos prolongar o tempo de marcha; em vez de avançarmos até altas horas da noite e depois descansarmos, poderíamos marchar ininterruptamente por dois dias e então descansar, repetindo esse ciclo até estarmos em segurança.

Era uma medida arrojada, especialmente imposta sobre homens já submetidos a um alto nível de estresse. No entanto, essa estratégia prometia encurtar drasticamente o tempo de viagem, possivelmente até para apenas duas semanas e meia.

Depois de ponderarem sobre a proposta, ele e Jarvan concordaram com a ideia e compartilharam o plano com o batalhão. Não foi uma decisão prontamente aceita; muitos expressaram descontentamento, mas após Dorni explicar minuciosamente todos os detalhes sem omitir nada, todos acabaram por acatar as novas diretrizes.

Dessa forma, o período de descanso passou, e eles prosseguiram com a marcha. Avançando entre as árvores, cuidando para não tocá-las, os soldados seguiam as orientações de Dorni à risca, evitando acabar se envenenando, assim, como também dizimavam os insetos pelo caminho.

Essa rotina persistiu por vários dias, com marchas extenuantes que testavam os limites tanto dos homens quanto dos cavalos. Em muitas ocasiões, Dorni desmontava para liderar a marcha a pé, segurando as rédeas para incentivar seus soldados, demonstrando estar enfrentando os mesmos desafios que eles.

Contudo, o que eles não sabiam era que, ao contrário de muitos deles, que eram simples humanos comuns, alguns até de idade avançada e pouco preparo físico, Dorni era um jovem giganoide, dotado de um corpo atlético e grande resistência física.

Em certas ocasiões, ele simulava cansaço, respirando com dificuldade e fingindo alongar-se, o que contribuía para evitar queixas. 

Tudo corria bem, sem contratempos. No entanto, em marchas tão exigentes, desmaios eram inevitáveis. Nessas situações, os companheiros ao redor prontamente auxiliavam a carregar o indivíduo e o acomodavam nos cavalos. No final, tais incidentes fortaleciam ainda mais os laços de camaradagem entre os soldados. A coesão da unidade estava mais sólida do que nunca, algo que não estava nos planos de Dorni, mas que ele não podia deixar de valorizar.

Duas semanas de jornada já haviam se passado, e a chegada a Reven parecia iminente. Contudo, um obstáculo inesperado surgiu no horizonte: a densa floresta que margeava o caminho se estendia agora numa direção oposta à cidade, forçando-os a seguir por campos abertos, vulneráveis aos olhares vigilantes. E para complicar ainda mais a situação:

— Senhor, há um agrupamento adiante, parecem estar aguardando algo — informou um dos cavaleiros destacados à frente, trazendo notícias preocupantes.

— Quando estávamos tão perto, maldição! — praguejou Jarvan, exasperado.

Dorni, por outro lado, mantinha-se sereno, com uma expressão imperturbável, e indagou:

— Consegue estimar o número exato?

— Não consigo dizer exatamente, senhor, mas pelo que eu e os outros contabilizamos, a quantidade chega, senão ultrapassa, os cinco mil homens…

Jarvan quase caiu do cavalo, seu rosto empalidecendo. Dorni, por sua vez, manteve-se calmo, esboçando um leve sorriso. O restante do batalhão, sem ouvir perfeitamente a conversa, permanecia parado com expressões perplexas, interrompidos em sua marcha.

Cinco mil homens era um número imponente, algo que um pequeno reino dificilmente poderia mobilizar com facilidade. No entanto, para um reino como Aldemere, tal contingente era relativamente modesto. Dorni sabia que a força permanente de Aldemere era em torno de vinte mil soldados. Com uma convocação geral, esse número poderia subir para cerca de sessenta mil. Embora mobilizar um exército tão grande fosse logisticamente complexo, até mesmo reunir cinco mil homens já parecia uma tarefa árdua.

Em guerras, era comum enviar no máximo três mil soldados para cercos, reabastecendo as fileiras com novos homens à medida que os outros caíam. Manter um contingente maior do que isso gerava custos exorbitantes.

No entanto, Aldemere mobilizar cinco mil soldados significava que estavam preparados para essa oportunidade, acumulando recursos. Afinal, eles já haviam enviado cerca de três mil homens para Citra, e é provável que esse contingente estivesse marchando para Reven também, com a intenção de se unir ao batalhão e formar um exército de sete mil soldados.

Dorni se esforçava para manter o sorriso enquanto pensava nisso; o número era assustador. Se assim era, então Reven estava destinada a cair, já que praticamente toda a sua força de defesa havia sido dizimada.

No fim, explodir Citra fazia parte de um plano muito maior para enfraquecer a defesa de Reven. Com menos homens, seria praticamente impossível resistir por muito tempo, e com tantos soldados, Aldemere conseguiria cortar todas as linhas de suprimentos para a cidade e impedir que a notícia do ataque chegasse aos líderes de Re’loyal.

Dorni refletiu sobre tudo isso, mas, no final, nada disso importaria se eles não conseguissem chegar vivos à cidade. Ficar escondidos também não adiantaria; os suprimentos estavam acabando, e estavam tão próximos do inimigo que fogueiras não podiam ser acesas. Aldemere enfrentava o inverno, com noites frias o suficiente para causar hipotermia aos menos protegidos.

Com tudo isso em mente, Dorni desceu do cavalo e chamou Jarvan para acompanhá-lo. Juntos, foram até um canto isolado para discutir os próximos passos.

— Enfrentar cinco mil soldados está fora de cogitação, senhor — disse Jarvan, ainda pasmo, sentindo a pressão da situação pesar sobre seus ombros.

— Não posso discordar disso. Hum... o único dilema é que não há outra rota viável. Estamos encurralados, e a única saída é atravessá-los — respondeu, com um olhar preocupado, sua expressão refletindo a gravidade da situação.

— Chegamos tão longe... Nhg! Se tudo acabar assim, seria verdadeiramente uma piada cruel dos deuses! — exclamou Jarvan, o desânimo transparecendo em sua voz após toda a jornada árdua, que levou seus corpos ao limite.

Mas Dorni não estava pronto para desistir. A determinação que pulsava por suas veias não permitiria tal ato.

— Temos cinquenta prisioneiros, não é mesmo? — Dorni sorriu confiante, enquanto Jarvan assentia confuso. — Ótimo. Talvez tenhamos uma chance, por mais tênue que seja. Ela realmente é tão pequena que diria que precisaríamos da bênção de um deus para ter sucesso…

— Seja o que for, é melhor do que nada... pode me contar, senhor?

— Certo, vamos usar o fator surpresa a nosso favor. Afinal, eles nem imaginam que têm inimigos às costas.

Jarvan ficou confuso. Será que ele estava sugerindo um ataque surpresa? Parecia loucura, mesmo se pegassem os inimigos desprevenidos, logo seriam superados em número.

— Senhor — começou o comandante, em um tom hesitante. — Atacar seria o mesmo que cometer suicídio...

— Ataque? Você está tirando conclusões precipitadas, Jarvan — Dorni sorriu, confiante, deixando o comandante ainda mais perplexo. — Eu não seria idiota de adotar uma medida tão desesperada. Pensei que o tempo que passou ao meu lado tivesse lhe ensinado isso...

Dorni olhou fixamente para Jarvan, como se esperasse que ele compreendesse a verdadeira natureza do plano. Havia uma estratégia mais elaborada em jogo, algo que envolvia mais do que um simples ataque frontal. O comandante tentou decifrar a intenção por trás daquele sorriso enigmático, percebendo que Dorni tinha um trunfo oculto que revelou:

— O cair da noite se aproxima e usaremos a escuridão a nosso favor. Enviaremos alguns homens para atacar o acampamento sorrateiramente, incendiando algumas tendas. Esse ataque inicial causará uma grande comoção, alertando todos os guardas. Em seguida, daremos cavalos aos escravos e os instruiremos a fugir na direção oposta, fazendo o máximo de barulho possível. Com a atenção dos inimigos voltada para a fuga dos escravos, passaremos despercebidos pelo campo aberto. Entendeu? Como mencionei antes, é um plano que só terá sucesso, talvez, com um milagre divino. Mas se, por acaso, tudo correr bem... Jarvan, conseguiremos escapar em segurança.

— É um plano tão arriscado que só um maluco poderia propor, com todo o respeito, senhor… — disse Jarvan, fixando o olhar e abrindo um sorriso enigmático. — Mas combina bem conosco, haha! Se é isso que o senhor propõe, não vou contrariar.

Dorni sorriu de volta. Havia encontrado um bom companheiro, alguém que aceitava seus planos ousados, assim como ele aceitava as estratégias descabidas de Erne. Assim, uma moeda havia sido lançada ao ar. Se daria coroa ou cara, dependeria da sorte desses homens.



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