Volume 1

Capitulo 64: Problema Sociais

Após uma noite tranquila no acampamento improvisado do grupo de Alaric, eles partiram. Sua jornada foi marcada pela monotonia, o que acabou sendo benéfico, já que não enfrentaram contratempos que atrasassem sua chegada a Lidenfel.

Em apenas seis dias de caminhada árdua, com poucas paradas, encontravam-se nos arredores da grande cidade de Lidenfel. Seguindo o padrão nórdico, era a única cidade no reino, devido à escassez de espaço e recursos.

— Quantos arrozais... — Os olhos de Gideon brilhavam ao contemplar a vastidão dos campos. — Podemos...

— Contenha-se, Gi, não queremos arranjar problemas... — disse Alaric.

Os cinco observaram aquela vista de plantações extensas no flanco oeste da cidade; ali, eram tantos que parecia poder alimentar três reinos. Os enormes campos de arroz estendiam-se até onde a vista alcançava, formando um mar verdejante que ondulava suavemente ao sopro do vento. 

As fileiras de plantas de arroz alinhavam-se em perfeita harmonia, criando uma paisagem hipnotizante e tranquila. O reflexo do sol dançava nas águas calmas que circundavam os campos, criando um brilho dourado que conferia uma aura mágica ao cenário. 

— Que vista magnífica, e esse aroma... — elogiou Dolbrian, enquanto o frescor da terra úmida e do arroz maduro inundava o ar, enchendo os pulmões com vitalidade e serenidade. — Só me recordo de uma paisagem e fragrância tão agradáveis, nas terras orientais...

— Terras orientais... — murmurou Alaric, tocando o queixo e erguendo uma sobrancelha. — O Oriente deve ter um clima quente e propício ao cultivo de arroz... mas o Norte é frio, com o gelo predominando... como pode?

— A resposta está ali, meu jovem — Aldebaram apontou para frente, onde os trabalhadores curvados cuidavam meticulosamente das plantas, enquanto os Lycaions observavam, como se zelassem pelos campos.

— Como? Eu pensei que os Lycaions fossem contra ajudar qualquer um... — questionou Gideon, confuso.

— Acontece que...

Aldebaram explicou então a história por trás do crescimento do arroz em terras gélidas, uma narrativa ligada à criação dos Lycaions. Quando Inari derramou seu sangue na ferida do lobo, permitindo sua cura e a consequente evolução para a inteligência, criou-se o primeiro Lycaion. 

O sangue que acabou tocando a terra, a abençoou, permitindo o crescimento do arroz mesmo em condições extremas do Norte. E os Lycaions forneciam ajuda aos giganoides e suas plantações de arroz, por serem filhos de Inari Ōkami, mas ainda assim, não são sociáveis, agindo apenas por devoção ao seu pai.

— Entendo... — Alaric então dirigiu seu olhar para Nadine, que parecia encarar os campos de arroz como se fossem uma refeição em seus pés. — Nadine?

Ela ouviu o chamado e ajustou sua postura, voltando seu olhar para o jovem.

— O que foi? Comemos apenas carne durante o caminho até aqui — Sua boca começou a salivar, e sua barriga roncou. — Estou desejando alguns carboidratos...

— Alaric — iniciou Aldebaram. — Vamos logo, antes que esses dois devorem o arroz cru Hahah!

Apesar de ainda não encontrar graça em nada do que Aldebaram dizia, Alaric aceitou a sugestão e começaram a seguir pela estrada entre os campos de cultivo.

— Eles estão nos observando... — afirmou Astrid, escondendo o rosto e aproximando-se de Gideon.

— De fato, estão... — confirmou o jovem a abraçando.

Os trabalhadores dos campos paravam o que estavam fazendo para observá-los com olhos curiosos. Suas roupas de pano pobres, estavam todas rasgadas e sujas.

— Apenas estão curiosos com os estranhos que somos nós — murmurou Alaric, sem desviar o olhar para os lados, seguindo em frente até o portão. — Ignorem-nos e continuem andando.

Juntos avançaram mais alguns metros pelo solo de pedra, indicando um progresso e uma certa riqueza, visto que a maioria dos países tinha estradas fora de suas cidades feitas de terra compactada.

Ao se depararem com a entrada principal, todos ficaram abismados com a imponência do local. O muro de mármore branco reluzia como uma espada recém-forjada.

Uau… — exclamou Gideon, impressionado com a grandiosidade da estrutura. — Quantas pessoas teriam sido necessárias para erguer esses muros?

Hahah! Quando vi os muros de Aldemere, tive a mesma reação — comentou Dolbrian, relembrando o momento em que se deparou com os imponentes muros de Aldemere.

— É realmente grandioso, não é? Foram necessários cerca de três mil homens para construí-los — surgiu repentinamente um jovem de aproximadamente 25 anos, com cabelos cinzentos e olhos verdes, vestindo roupas luxuosas inteiramente pretas e leves, com um capuz, que adornavam seu corpo pequeno em comparação com os outros residentes do norte. Ele não parecia ser um giganoide.

— E quem seria você? — perguntou Alaric, assumindo uma expressão séria.

— Calma, calma — disse o rapaz, recuando e colocando as mãos à frente do corpo. — Me chamo Leon… vim apenas para acompanhá-los até a sala do trono.

— O que? Como sabia que… — Alaric ficou ainda mais desconfiado.

Ah, sério mesmo? Vocês estão andando por aí como se não se importassem com nada e achavam que nossos espiões não iriam notá-los?

Isso deixou Alaric em silêncio, sem uma resposta adequada, pois era verdade que eles haviam chamado a atenção de todos. Isso o levou a abaixar a guarda.

— Mas isso não justifica você saber que queríamos falar com o rei... — Um sorriso sarcástico apareceu no rosto de Alaric. — Ou vocês costumam trazer todos os estranhos para conhecer o seu rei?

— Você assusta, sabia? — Ele olhou para Aldebaram, que estava atrás de Alaric. — O grande guerreiro Aldebaram não estaria aqui se não fosse para ver o rei.

Alaric ouviu e virou o rosto na direção de Aldebaram, que parecia não saber como reagir. No final, Alaric voltou seu olhar para o jovem, que exibia um sorriso galanteador que irritava profundamente Alaric. Sem muitas opções, ele concordou.

— Ótimo, adoraria levar as damas... — Antes que Leon pudesse terminar de falar, sentiu o clima pesar. Ao olhar para trás, notou os olhares estreitos de Alaric, Gideon e Aldebaram. — Sem mencionar as damas... Anotado…

Enquanto seguia Leon, Alaric notou as pequenas espadas, ou melhor, adagas, cuidadosamente guardadas em duas bainhas cruzadas em sua cintura, na parte traseira. Seus pulsos eram envolvidos por faixas, revelando um pouco sobre ele.

"Assassino, será? Existe essa classe Apolo?", Alaric questionou, observando as armas de Leon. Apolo, na mente dele, respondeu prontamente: "Sim, a classe assassina existe. Pela escolha de suas armas e pela sua postura, ele se enquadra nessa categoria. Com esse tipo de classe, é preciso ficar atento a ataques rápidos e repentinos, muitas vezes fatais.”

"Ele parece ser habilidoso, escondendo suas verdadeiras intenções por trás daquele sorriso..." Alaric demonstrava sua perspicácia, capaz de analisar tanto a destreza na esgrima quanto as intenções de uma pessoa apenas pela postura.

Adentraram pelos imensos portões, encarando a grandiosidade da cidade de Lidenfel à sua frente.

— Sejam bem-vindos a Lidenfel. — Leon se virou para todos com os braços abertos, revelando uma cidade imponente. As casas, todas padronizadas em branco, variavam em tamanho e forma — Espero que apreciem o branco, pois é a preferência do rei...

— Parece bastante organizada — comentou Nadine, observando os diferentes bairros e áreas da cidade, com suas casas, lojas e fábricas — Deve haver uma divisão clara.

— São seis distritos ao todo — confirmou Leon.

Os distritos eram variados: o comum, situado nos cantos, era vasto e habitado por pessoas de renda mais baixa, com casas simples e modestas. O distrito médio abrigava residências maiores, muitas de dois andares, adornadas com flores e outros enfeites. E o distrito nobre, onde residia a verdadeira elite, ficava ao fundo, próximo ao palácio.

Além desses, havia o distrito industrial, próximo ao comum, onde se concentravam as fábricas e fundições de Lidenfel. O distrito comercial ocupava o centro da cidade, repleto de lojas e estabelecimentos comerciais. E o distrito de pesquisa, também próximo ao palácio, era o centro das inovações tecnológicas e científicas da cidade.

— Alaric... — sussurrou Dolbrian para o jovem, capturando sua atenção, antes de continuar: — Precisamos de um lugar para nos hospedarmos, qualquer que seja.

Depois de seis dias atravessando as florestas congeladas, seus corpos ansiavam por um descanso adequado. Por camas confortáveis e um pouco de calor.

— Também precisamos de um banho urgente... — acrescentou Nadine, fazendo uma careta ao cheirar seu próprio corpo.

Alaric compreendia a necessidade deles e aproximou-se de Leon, que ergueu uma sobrancelha, curioso.

— Antes de seguirmos para o palácio, gostaríamos de encontrar uma acomodação.

— Entendi. — Leon assentiu, virando-se para a frente. — Vamos lá! Eu os levarei para uma das melhores pousadas em Lidenfel.

Ehh... "Melhores"? Isso provavelmente será caro... — murmurou Astrid desanimada.

Leon começou a avançar, sem olhar para trás, e respondeu:

— Não se preocupem, vocês são convidados do rei, não lhes cobrarão nada.

Sem uma única queixa adicional, todos seguiram Leon. Enquanto caminhavam pelo confortável chão de pedra, avançaram pela rua principal da cidade. Era uma avenida larga, imponente, ladeada por uma variedade de lojas e estabelecimentos que se estendiam até próximo do palácio, em uma exibição de prosperidade urbana.

Após alguns passos, chegaram a uma imponente hospedaria, com uma fachada luxuosa adornada por portas de vidro polido. Leon conversou com a atendente, que fez algumas caretas ao observar o grupo surrado, sujo e malcheiroso. No entanto, o jovem logo se aproximou e conduziu-os aos quartos.

— Este é para as garotas — ele apontou para uma porta de madeira marcada com o número 4, no segundo andar.

As duas não disseram nada, apenas correram em direção à porta e a abriram, ansiosas para entrar.

— Estes dois são para vocês, então decidam como preferem se organizar — afirmou ele, apontando para os quartos 3 e 5.

Gideon e Alaric foram designados para o quarto 3, enquanto Aldebaram e Dolbrian ocuparam o quarto 5. Após um banho revigorante, perfumados, eles saíram dos seus aposentos e desceram para o saguão, onde encontraram Leon os aguardando, impaciente.

— Apenas os três vão? — indagou Leon, notando a ausência de Dolbrian e as garotas.

— Sim, os outros preferiram descansar — respondeu Alaric, sem nem ao menos dignar-se a olhar para Leon, e começou a se dirigir para a saída.

Leon percebeu a atitude brusca de Alaric e sentiu-se desconfortável, aproximando-se de Gideon e tocando-lhe o ombro.

— Parece que ele não vai muito com a minha cara...

— Não se preocupe, ele é assim com todos que não conhece — tranquilizou Gideon, seguindo os passos de Alaric.

Leon suspirou e juntou-se a eles. Juntos, os quatro deixaram a hospedagem.

— Que sol escaldante... — lamentou Aldebaram, erguendo a mão para proteger os olhos dos intensos raios solares.

— Deve ser meio-dia já. Vamos, nosso destino é aquele majestoso palácio ali no centro da cidade — indicou Leon, apontando para a imponente estrutura ao longe.

Ele tomou a liderança e os demais o seguiram, avançando pela avenida principal, ladeada por imponentes estabelecimentos. Gideon observava tudo com os olhos brilhantes, como uma criança diante de um espetáculo. Aldebaram parecia menos interessado, enquanto Alaric mantinha sua postura característica.

— O que eu disse para você?! — À frente deles, na entrada de um estabelecimento, uma mulher batia com uma vassoura em um homem de pele azulada. — Pedi para você varrer! Mas nem isso faz direito! Essa sua gentinha... Não serve para nada mesmo...

"Gentinha?" Essa palavra chamou a atenção de Alaric, que observava enquanto continuava seu caminho. Gideon pareceu pronto para intervir, mas foi contido por uma mão firme.

— Não, Gideon — disse Alaric, segurando seu pulso enquanto o homem continuava a ser golpeado pela vassoura. — Não podemos chamar a atenção...

— Mas Alaric! — Gideon tentava se libertar, mas seu irmão era mais forte. — Me solte!

— Acostume-se com isso — disse Leon, com voz inexpressiva. — Os de pele azulada não têm muitos direitos mesmo.

A observação de Leon deixou Aldebaram inquieto, seus olhos se fixaram no jovem e suas mãos se cerraram. Enquanto os gritos da mulher ecoavam em seus ouvidos, o deixando ainda mais tenso, mas tentando se acalmar, respirou fundo, fechou os olhos e relaxou os músculos.

— Vamos continuar — disse Alaric, percebendo a momentânea inquietação de Aldebaram.

"O que está acontecendo? Ele é um dos primeiros de pele azul que vejo... ele não tem direitos?" Essas dúvidas pairavam na mente de Alaric enquanto avançavam, deixando o homem sendo golpeado para trás.

O clima ficou pesado depois disso, sem troca de palavras. Eles fizeram um leve desvio para olhar o distrito industrial, na tentativa de acalmar os ânimos antes de irem falar com o rei.

O distrito industrial era um amálgama sujo de fábricas e fuligem, onde as construções eram sombreadas por uma atmosfera cinzenta. Entre os prédios, cercas altas delimitavam alguns terrenos, e em uma delas, um homem de pele azul estava encostado, perdido em pensamentos, exalando cansaço.

— Aldebaram, distraia o Leon — sussurrou Alaric para seu companheiro, que logo avistou o homem junto à cerca. Mesmo sem entender completamente, Aldebaram não questionou e chamou Leon para seguir adiante, o que prontamente ele fez.

— Alaric? — Gideon estava confuso, mas rapidamente seguiu o irmão em sua determinação, aproximando-se da cerca ao lado dele.

Assim, os dois avançaram em direção ao homem, que os observou com uma expressão confusa.

— Está cansado, amigo? — perguntou Alaric, aproximando-se dele.

— Muito trabalho... — respondeu o homem, ainda que intrigado com a presença dos jovens.

O homem exibia uma série de machucados na pele, alguns recentes. Suas roupas estavam em frangalhos, manchadas de sujeira e poeira.

— Eles te sobrecarregam muito? — indagou Gideon.

O homem não compreendeu bem a pergunta e, suspeitando de algum tipo de teste, retraiu-se e fechou a expressão.

— Não se incomode com meu irmão... Então, amigo, você sabe como consigo um trabalho aqui? — questionou Alaric, forçando um sorriso.

Hmmmm... aqui só estão aceitando giganoides de pele azulada... — murmurou o homem.

— Sério? E por que isso? — questionou o jovem, com uma expressão de surpresa genuína.

— Pessoas, giganoides com pele "normal" seriam menos produtivas, eu suponho...

Alaric captou o significado oculto por trás das palavras, mas precisava de mais informações para confirmar suas suspeitas.

— E quanto ao salário? Se eu me candidatar, mesmo sabendo que serei recusado, é bom saber se vale a pena... você me entende, não é mesmo? — Alaric estava jogando suas cartas na mesa, aguardando uma resposta reveladora.

— Se você está preocupado com o salário... esqueça. Recebemos apenas o suficiente para sobreviver e pagar... — O homem interrompeu-se abruptamente, percebendo que estava prestes a dizer algo que não devia. — Tenho que ir! Adeus!

À medida que o homem se aproximava da pequena porta para entrar na fábrica novamente, um outro homem de estatura maior e pele branca emergiu. Ele o encarou de cima para baixo, emanando uma aura de superioridade. O giganoide de pele azulada recuou com uma expressão temerosa. O outro ergueu a mão e a baixou na direção do rosto do desafortunado.

— Acha que te pago para ficar parado!? — O giganoide de pele azul acabou tropeçando e caindo, e o homem começou a chutá-lo. — Precisa aprender o seu lugar! Sorte sua que sua gente ainda não é considerada escrava!

— Alaric! Vamos! — Gideon avançaria, mas notou que seu irmão permaneceu imóvel, sem dar sinais de que iria ajudar. — Alaric? O que está esperando!? Vamos!

Alaric encarou seu irmão, cujas pupilas dilatavam-se e as sobrancelhas estavam franzidas. Ele dirigiu seu olhar para o homem apanhando, ergueu a cabeça para o alto e virou-se para sair. Porém, sentiu uma mão segurando seu braço.

— Vamos embora, Gideon. Não podemos chamar atenção negativa.

— O quê!? Do que está falando!? — Ele compreendeu o que seu irmão queria dizer e estreitou o olhar. — Você vai deixar alguém sofrendo para trás!? Alaric!

O jovem Alaric inspirou profundamente, franzindo o cenho, e puxou o braço com força, forçando seu irmão a soltá-lo.

— O que você quer!? Droga! Acho que estou gostando disso!? Óbvio que não! Mas o que posso fazer, bater no cara!? Matar!? E depois!? O que faço!? Fujo!? 

— Mas Alaric! — Gideon protestou.

— Estamos aqui para conversar com o maldito rei — Alaric respondeu, sua voz agora mais calma. — Matar os súditos dele só vai nos afastar dos nossos objetivos. Vamos ignorar isso e ir embora.

Gideon, sem muitas opções, deixou os ombros caírem e abaixou o olhar, tocando no ombro de Alaric antes de tomar a frente para sair dali. Não havia muito que pudessem fazer naquele momento; matar alguém do reino só os transformaria em criminosos. Era uma situação difícil, mas não havia outra escolha. Logo avistaram Aldebaram, que parecia estar mantendo Leon distraído de alguma forma. Gideon não disse nada e passou por eles, Leon o seguiu, assumindo a liderança.

— O que aconteceu? — Aldebaram perguntou a Alaric, percebendo o estresse em seu rosto.

— Coisas de irmãos, Aldebaram — Alaric respondeu, tocando no ombro do guerreiro com um gesto de camaradagem antes de começar a andar. — Coisas de irmãos…

Se a intenção era passar pelo distrito industrial para acalmar os ânimos, falhou miseravelmente. Mesmo assim, avançaram em direção ao palácio, percorrendo uma boa distância até se encontrarem diante dos imponentes portões dos muros do palácio.

— Chegamos — anunciou Leon, porém com um tom de advertência: — Daqui em diante, mantenham-se próximos a mim. Sigam-me.



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