Volume 1

Capítulo 63: Estrela Divina

No amplo pátio do castelo de Estudenfel, milhares de homens e mulheres se reuniram, todos vestidos com uniformes ou armaduras e expressões determinadas. À frente deles, destacava-se um imponente cavaleiro, acompanhado de seu leal escudeiro.

— Ouçam-me, bravos homens e mulheres reunidos aqui hoje! — gritava Erne, enquanto cavalgava com destemor diante das fileiras de soldados. — Hoje, estamos aqui para algo grandioso! Hoje, nos unimos para derrubar mais uma nação que ousa se considerar superior a nós! Hoje, estamos aqui para mostrar, com nossas próprias mãos, que a diferença em nossa pele não representa fraqueza, mas sim uma fortaleza indomável! Somos a prova viva de que a força e a perseverança são nossas armas contra o sistema opressor que tenta nos subjugar! Aqueles que se recusam a ser oprimidos, ergam-se! Gritem com toda a fúria de seus corações! Juntos, vamos fazer história!

As palavras de Erne foram levadas pela suave brisa que acariciava o local. Sua determinação ecoou e inflamou os corações dos soldados, deixando apenas uma resposta possível:

— Derrubaremos Lidenfel! Abaixaremos aqueles que se julgam superiores! Por Estudenfel! — Em perfeita harmonia, homens e mulheres, jovens e idosos, bradaram com fervor, seus corações pulsando com determinação enquanto se preparavam para a batalha.

A partir desse momento, Erne lideraria os soldados de Estudenfel em direção a Lidenfel, com uma única ambição em mente: derrubar o reino.

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Mais ao sul, seguindo a mesma rota dos bravos soldados de Erne, iniciava-se a marcha de Alaric e seu grupo. Todos mostravam sinais de cansaço, porém mantinham-se firmes em sua jornada.

— Ainda falta muito? — questionou Nadine, claramente exausta. — Minhas pernas...

Alaric, que havia soltado a mão dela e retomado a liderança do grupo, virou-se para caminhar de costas, e com um sorriso respondeu:

— Onde está sua força interior? Que foi, já tá cansada?

Nadine desviou o olhar, descontente, baixando as pálpebras. O jovem percebeu que não receberia resposta e voltou-se para frente.

— Alaric — começou Gideon. — Se me lembro bem, nossa primeira tarefa era forjar uma espada para você... então?

No início da jornada, a primeira missão do grupo formado por ele, Alaric e Aldebaram era fabricar uma espada para o jovem, para que não dependesse mais das lâminas de luz. Tinham até um acordo com o ferreiro, Zeck. Mas tantas coisas aconteceram pelo caminho que esse objetivo foi esquecido ou deixado de lado.

— Ele tem razão, garoto — concordou Aldebaram, caminhando ao lado de Alaric. — Você ainda precisa de uma espada.

— E o que sugere? Invadir Windefel cheia de soldados inimigos e procurar por aquele cara? — indagou Alaric, lançando um olhar sarcástico para eles. — Além disso, a forja de Hefesto, onde o ferreiro nos mandou buscar os materiais, está em território inimigo. Não temos chance de ir lá no momento.

— É... você está certo — admitiu o guerreiro, baixando o olhar por um momento, mas logo o erguendo com determinação. — Olha só, está agindo como um verdadeiro líder, Hahaha! Estou gostando de ver!

Alaric lançou um olhar de esguelha antes de continuar sua caminhada. Gideon se aproximou de seu avô e perguntou:

— Vovô, você já visitou Lidenfel em suas aventuras?

Hmmmm... Não, o norte nunca foi muito acolhedor para outras raças... — Ele acariciou o queixo, pensativo. — Embora algumas partes, como Ciantefel, costumem receber estrangeiros de braços abertos... Mas na verdade, teve uma vez em que precisei vir ao norte para enfrentar um dragão gigante que estava causando problemas…

A palavra "dragão" despertou o interesse de Astrid, que se aproximou sorrateiramente, com as mãos atrás das costas e um olhar curioso como o de um gatinho.

— Você também quer ouvir a história, Astrid? — perguntou Dolbrian, recebendo um aceno de cabeça como resposta.

Então o ancião começou a contar a história. Ele explicou que havia recebido uma carta que costumavam chamar de "Emergência para o Escolhido". Esta carta era enviada quando algo afetava um lugar ou uma pessoa, e o atual Escolhido era convocado para ajudar. Como às vezes a carta demorava meses para chegar devido às longas distâncias, existiam outros meios mais rápidos de transmitir informações, mas isso não importava naquele momento.

Ao ler a carta, Dolbrian descobriu que se tratava de um dragão gigante enlouquecido, causando estragos no norte. Ele viajou até Windefel e, em uma batalha feroz, derrotou o dragão chamado Dovakir, conhecido como o dragão de cristal.

— Dragões se nomeiam? — perguntou Gideon curioso. Mas então ele reconsiderou e reformulou a pergunta: — Dragões podem falar?

— Dragões não são exatamente minha especialidade. Mas pelo que sei, eles são divididos em classes ou categorias.

Os dragões eram classificados em diferentes grupos. Os Reais, ou dragonoides, eram a classe mais poderosa de dragões, conhecidos por sua inteligência e capacidade de assumir formas humanoides. Eles sempre nasciam com dois elementos primordiais, fogo e gelo, e um terceiro elemento aleatório; o de Astrid, por exemplo, era a cura. 

Os Dragões Anciões eram os mais antigos e de classe mais alta do mundo, atrás apenas aos reais. Eles possuíam inteligência comparável aos dragonoides e dominavam um único elemento, como Dovakir dominava o cristal. Focando em um único tipo de elemento, eram extremamente letais e especialistas nele. 

Por último, havia os dragões comuns, seres que geralmente não tinham poderes ou controle sobre qualquer elemento.

— O fogo deles é mais poderoso do que o de um mago de fogo? — questionou Gideon, com suas perguntas incessantes.

— Como eu disse, dragões não são minha especialidade, meu neto — Ele olhou para Aldebaram, que estava mais à frente. — Aldebaram, em Lidenfel, há livros sobre dragões?

O guerreiro ouviu a pergunta e ergueu os olhos, pensativo.

— Sendo um país altamente desenvolvido... é provável…

Com isso, Dolbrian concordou em procurar livros para mostrar a Gideon quando chegassem lá. Continuaram sua jornada, conversando, até que a noite chegou, o sol deu lugar à lua e os grilos começaram a cantarolar. Os seis montaram acampamento em meio à floresta de pinheiros.

Usaram madeira improvisada e gravetos para estruturar as barracas, entrelaçando folhas com vinhas ou qualquer material que pudessem encontrar para simular cordas. Construíram três barracas para abrigar duas pessoas cada.

Apesar de estarem lado a lado, organizaram-se em uma circunferência e acenderam uma fogueira no centro para cozinhar a carne que planejavam caçar naquela noite, ferver água e aquecer seus corpos.

"Estou pensando em testar algo", disse Alaric, afastando-se da fogueira. Ao redor dela estavam Dolbrian, Nadine e Astrid. Gideon e Aldebaram haviam saído para caçar.

"Apolo, você ainda está aí?" Desde que deixaram o domínio de Fuxi, Apolo não havia mais se comunicado com Alaric.

"Estou. Não falo muito porque não vejo necessidade e consome muita energia. Por isso, só vou responder quando me chamar", respondeu o deus. Ele explicou que conversar com Alaric consumia muita energia dele, como se algo estivesse sugando-a.

"Entendo. Quero sua ajuda para testar algumas coisas." Alaric se afastou do grupo e sentou no topo de uma grande pedra, abaixo havia um enorme penhasco, a visão não era nada menos que magnífica.

A brisa leve agitava seus cabelos vermelhos enquanto ele se sentava em posição de lótus, parecendo concentrado.

"O que planeja?" Indagou Apolo, e Alaric respondeu: 

— Pelo que entendi da mana divina, ela tenta a todos custo sair do meu corpo, né?

"Sim, a mana, não importa de qual tipo seja, sempre que estiver usando magias ou poderes buscará sair do seu corpo, fluir como em um curso de rio."

— Mas, e se eu reverter o seu fluxo igual naquela vez que me fortaleceu. E então, fazer ela ficar concentrada em um ponto, que abasteça todo meu corpo… — Alaric apoiou os braços nos joelhos e ficou em posição de meditação.

"O único local do seu corpo, ou melhor órgão, que pode fazer isso com maestria é... seu coração... espera, mas!"

Alaric começou a inspirar devagar, deixando o ar preencher completamente seus pulmões. Seus olhos estavam fechados, e um sorriso confiante surgiu em seu rosto.

— É perigoso? Eu sei, concentrar tanta mana em um ponto só, ainda mais no coração, parece arriscado. Só de usá-la em meus músculos aquela vez, senti dores excruciantes e os esgotei.

"A mana, quando envolta em seu corpo, não importa qual parte, irá exigir esforços triplicados dele. No coração, dependendo da quantidade que reunir em um único ponto, pode causar uma parada cardíaca, e quem sabe, até explodi-lo."

Alaric soltou o ar que havia inspirado em uma lenta expiração, esvaziando seus pulmões e relaxando seus músculos, que foram amolecendo.

— Agora só preciso querer usar algum poder, né? — Ele nem esperou a confirmação de Apolo e começou a desejar usar a mana divina. De imediato, sentiu-a fluindo para suas extremidades.

Como seu corpo estava relaxado, ela fluía com facilidade, já que seus músculos não eram empecilhos. No entanto, Alaric concentrou-se em direcionar a mana para dentro; o ar ao seu redor ficou mais pesado, dificultando suas longas inspirações, mas ele não desistiu. A mana reverteu seu fluxo, indo para o ponto que ele desejava.

Toda ela começou a subir por seus braços, pernas, torso, desceu de sua cabeça e, em um vórtice, reuniu-se em seu coração.

Argh!... Meu coração está...

"Está pressionado, ele está trabalhando três vezes mais. Você tem sorte de ter um físico atlético."

Se não fosse pelo físico robusto de Alaric, seu coração teria parado devido a uma parada cardíaca. A mana divina fluía para preencher seu coração, mas ele queria concentrá-la em um único ponto, então a focalizou em uma estrela na parte inferior de seu coração.

— Acho que está funcionando!

Alaric... como você...?” Apolo mal podia acreditar no que aquele jovem estava fazendo.

A mana, em forma de uma pequena estrela em seu coração, começou a usar sua corrente sanguínea para se espalhar pelo corpo, fluindo junto com o sangue.

— Como o sangue volta para o coração...

A mana divina sempre se renovará... Alaric, você é um gênio!” Apolo estava impressionado, nunca imaginara ver alguém dominar uma forma de energia tão complexa quanto a mana de forma tão sublime.

— Vou chamar essa técnica de “Estrela Divina” — uma técnica totalmente nova, com possibilidades além da imaginação. — Vou testá-la, apesar de ser algo semelhante ao que aconteceu na luta contra Mani.

Na batalha contra Mani, concentrar a mana divina em seus músculos proporcionou a Alaric um grande aumento de força, agilidade e um poder passivo de cura. Considerando que a técnica “Estrela Divina” era a mesma, só mais concentrada, ele esperava receber os mesmos benefícios, porém amplificados. Assim, decidiu não testar.

Já sabemos mais ou menos o poder da técnica, com apenas uma estrela. Mas lembre-se, se deixar a estrela estourar enquanto a estiver usando, a mana inundará seu coração e o explodirá de dentro para fora…

— Não posso usar nenhum outro poder seu? — perguntou Alaric, ainda sentado na pedra.

Você não pode usar meu domínio, acho que isso já responde a pergunta. Na verdade, descobri que tem algo em nossa, minha ou sua alma, bloqueando meus poderes. Como uma maldição”.

Ah, beleza, como se eu já tivesse problemas o suficiente… Sabe quem lançou, pelo menos?

Não… mas foi alguém muito poderoso. Estranho que mesmo restringindo meus poderes de deus do sol, ainda assim, você é capaz de usar a mana divina…” Considerando que a mana vinha de Apolo, era para Alaric não estar conseguindo usá-la.

Alaric escutou enquanto continuava a observar a floresta abaixo do penhasco. Estava escuro, mas a lua cheia iluminava com perfeição; o clima era gélido. O jovem ainda mantinha a posição de meditação, com as mãos nos joelhos, sua expressão era serena.

— Bom, não adianta ficarmos supondo motivos para isso — Ficar perdendo tempo caçando motivos era improdutivo, e havia outro assunto que Alaric queria abordar e receber informações: — Como funcionam os poderes dos deuses? Não me parece magia…

Isso é porque não são. Irei explicar.”

Os poderes dos deuses funcionavam de maneira diferente das magias convencionais. Cada deus tinha suas chamadas classes divinas, e cada classe conferia poderes baseados no que eles representavam. Por exemplo, Mani, como deusa lunar, tinha a classe Divina Lunar, que a dotava de poderes relacionados ao seu domínio. Vale ressaltar que, mesmo que dois deuses tenham a mesma classe, como Luna e Mani, que representavam a lua, eles terão alguns poderes diferentes, ainda que relacionados à lua.

— E não requerem mana? — Se não estavam ligados à magia, era lógico supor que não utilizassem mana.

"O conceito de mana foi introduzido para regular diversas práticas, e os poderes dos deuses acabaram se integrando a essa energia. Portanto, o uso desses poderes consome a chamada mana.”

— Pensei que só existia a mana, como forma de energia para poderes… —  O jovem, havia aprendido pouco sobre a energia batizada de mana, mas os horizontes dele estavam contidos, pois existia muito mais.

Ela é apenas uma das formas de energia, uma forma de humanos conseguirem chegar próximo aos poderes dos deuses. Mas como você sabe, classes físicas não podem manipular a mana, e aí entra outra energia que todo ser humano tem no corpo. Etirian foi esperto quando criou tudo…

— Quem é esse? — O jovem ficou confuso, sem reconhecer o nome mencionado.

Ele, jovem. É o criador de tudo, criador dos deuses, por assim dizer. Permita-me contar-lhe uma breve história sobre ele.”

Etirian, o primeiro dos deuses, criado pelos conceitos de Adan e Odut, recebeu a tarefa de dar vida ao universo e preencher o vasto vazio. Ele começou criando os deuses primordiais irmãos, Terrania e Aetherius, que embelezaram o vazio com planetas, estrelas e tudo mais que existe no universo. Em seguida, Etirian deu vida aos deuses primordiais irmãos, Cronos e Extensia, responsáveis por movimentar os planetas e introduzir o conceito de tempo-espaço, transformando assim a forma do universo.

Em resumo, toda vida e todos esses conceitos existem porque Etirian assim o quis. Ele é o pai de todos os deuses.

— Ele parece muito poderoso…. — Alaric ficou tão envolvido na história que mal percebeu o avançar das horas. Levantou-se rapidamente da pedra. — Vamos voltar logo!

Estou dentro de você, então estarei no mesmo ritmo. Desative sua Estrela Divina, pode acabar dando errado e matando…” 

Alaric seguiu o conselho, desativando a habilidade com cuidado e dissipando toda a mana concentrada. Rapidamente, dirigiu-se ao local onde todos estavam reunidos.

— Alaric! Onde você estava!? — Gideon, como uma mãe preocupada, gritou exigindo explicações.

— Calma, mãe Gideon, hahaha! — Aldebaram, já com um pedaço de carne na mão, provocou Gideon. — Vamos comer-

Antes de levar a carne à boca, recebeu um tapa na mão do ancião, que o encarava seriamente.

— Espere até todos estarem à mesa….

— Que mesa? — indagou Nadine, com fome, pronta para atacar a carne. 

No entanto, ao notar o olhar do ancião, engoliu em seco e recuou a mão. O guerreiro fez o mesmo, evitando enfrentar a ira do velho.

— Estava praticando na floresta, mamãe — zombou Alaric, passando por Gideon e tocando em seu ombro. — Vamos comer.

Gideon suspirou, soltando os ombros, e seguiu-o até a fogueira. Depois de Dolbrian rezar para Luna, todos atacaram a carne de alce com voracidade.

— Vô — começou Alaric, com um pedaço de pernil na mão. — Você já enfrentou algum demônio?

Dolbrian, pensativo, refletiu por um momento antes de responder.

— Se minha memória não me falha, sim….

— Não confie na memória de um velho, Alaric hahaha! — Aldebaram ria, mas cessou imediatamente ao notar o olhar furioso do ancião.

Dolbrian desviou o olhar e voltou-se para Alaric, sorrindo.

— Como eu dizia, meu neto. Sim, enfrentei demônios… Na verdade…

Ele explicou que os demônios não eram exclusividade do inferno; de fato, havia demônios no continente. Durante a última invasão do inferno à terra, muitos demônios foram deixados para trás, vivendo escondidos e ocasionalmente causando problemas.

— Os demônios são todos maus? — questionou Gideon, curioso.

— Não, meu neto. Eles têm um instinto para a maldade, destruição e assim por diante… Ou seja, estão mais propensos a cometer maldades. Mas existem aqueles que conseguem suprimir esse instinto e tentam viver em sociedade… Mesmo assim, são considerados perigosos.

— Como os demônios vivem em sociedade? — indagou Alaric, saboreando a maciez do pernil com seus dentes.

— Na verdade, eles têm a capacidade de se disfarçar entre os humanos. Fingindo ser humanos, mas os demônios que enfrentei eram orgulhosos demais para se disfarçar.

— Velho… quer dizer, Dolbrian, quais eram os nomes dos demônios que você enfrentou? — perguntou Aldebaram.

Hmmmm, enfrentei três… Azazel, Belzebu e Leviatã.

— Mas… Azazel é um dos príncipes do inferno, Belzebu é um dos reis do inferno e o leviatã é… um dos generais do inferno… São todos demônios poderosos, quase tão fortes quanto os primordiais! — Aldebaram estava chocado. — Dolbrian, qual é a sua verdadeira força?

— Quem sabe… — Uma resposta vaga… muito vaga… 



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