Volume 1
Capítulo 56: Passado do ancião (Parte 3)
Lá estava eu, na capital de Aldemere, no interior do palácio, ajoelhado, boquiaberto e com os olhos arregalados diante do rei. Por quê? Simplesmente porque ele me fez uma proposta, ou melhor, ordenou que eu me casasse com sua filha.
— Mas... senhor, sou apenas um humilde camponês — Esse era um dos obstáculos no caminho, um camponês nunca poderia nem sequer pensar em se relacionar dessa maneira com alguém da realeza.
O rei, ainda assentado em seu trono dourado, me encarava sem expressão após minha resposta, então seu olhar percorreu toda a sala do trono.
Vários homens e mulheres da nobreza estavam presentes, tão perplexos quanto eu, e aqueles que tinham entendido estavam repugnados com a proposta do rei. Seus olhares, no entanto, estavam fixos em mim, como se eu fosse o culpado, podia sentir aqueles olhares quase queimando minhas costas.
— Oh, é? — começou o rei. — Tudo bem então.
Eu sorri, pensando que ele havia reconsiderado a questão e mudado de opinião. Entretanto, meu sorriso durou pouco, pois ele se levantou do trono.
Ao ficar em pé, manteve a postura de um monarcas com as costas eretas e o olhar firme à frente, a atmosfera do ambiente mudou drasticamente, como se uma tempestade se aproximasse silenciosamente.
O ar ao redor parecia engrossar, tornando-se pesado e sufocante. Ele estendeu o braço com uma elegância imponente, como se estivesse prestes a proclamar um decreto real de grande importância.
— Ele se casará com minha filha! Se alguém tiver algo contra, que dê um passo à frente! — Seu olhar era tão firme quanto uma rocha, sempre fixo à frente, sem se desviar por nada. Cada traço de sua expressão denotava uma determinação inabalável. Sua declaração ecoou pela sala do trono, pesada e imponente, como o martelo de um juiz.
Todos os presentes, atrás de mim, trocaram olhares, buscando uma reação ou uma solução, mas o silêncio persistia. Nenhum passo foi dado, nenhum sussurro escapou de seus lábios; o respeito pelo rei mantinha todos em total obediência.
Enquanto o peso da decisão pairava sobre nós, o rei retornou à sua posição no trono, e dirigiu suas palavras a mim com uma serenidade aparente: — Como pode ver, ninguém é contra. Portanto, está decidido.
No fim, não me restou outra opção senão aceitar. Recusar significaria a minha morte, embora fosse uma tolice eliminar o escolhido. Se não fosse a morte, seria o meu banimento do reino, e de alguma forma isso traria sofrimento aos meus pais. Não podia permitir isso, então apenas abaixei a cabeça, aceitando tudo o que foi dito e ordenado.
Um pesado silêncio dominava a sala, apenas quebrado pelo eco das respirações. O conselheiro ao lado do rei exibia uma expressão imperturbável, sugerindo que já tinha conhecimento da proposta que se desenrolava diante de nós.
O rei, com sua postura majestosa, aparentava estar imerso em pensamentos profundos, sua fisionomia permanecia inabalável, refletindo uma mistura de apatia e seriedade. No entanto, a calmaria foi abruptamente interrompida quando as portas foram bruscamente abertas, quebrando a solenidade do momento.
Marcando a entrada de um jovem, seus passos eram firmes e decididos. Todos o encaravam, mas pareciam não se opor à sua forma irreverente de andar. Ele logo parou ao meu lado, enquanto eu permanecia ajoelhado por respeito, ele se mantinha em pé, com seus olhos fixos no rei.
De soslaio, observei as vestes reais azuis do jovem, tecidas em seda opulenta, resplandecendo em luxo. Seus cabelos loiros caíam em cascata até os ombros, enquadrando um rosto jovial de traços finos, realçados por seus olhos castanhos penetrantes.
Sua postura era imponente, como a de alguém de grande estatura e importância. No entanto, havia um lampejo de perturbação em seus olhos ao fitar o rei. Enquanto ele permanecia ali, imóvel diante do trono, um silêncio tenso e desconfortável pairou por breves segundos, até ser quebrado pela intervenção do ministro real.
— Meu príncipe, o que o traz aqui? — As mãos do primeiro-ministro repousavam relaxadas ao lado de seu corpo, transmitindo confiança em suas palavras e mantendo-se sereno em suas ações. — Ficar encarando vossa majestade dessa forma pode ser considerado desrespeitoso.
— Cale-se, Debth — O príncipe agia de forma indulgente diante do soberano, suas palavras eram rudes e sua expressão severa. Seu dedo indicador apontou para o rei com firmeza. — É com ele que desejo falar.
Eu permaneci em silêncio naquele momento, temendo como as coisas iriam se desenrolar. Ergui meu olhar até o rei, que aparentava certa calma, apesar do comportamento do príncipe. Mas seu olhar dirigia-se ao seu filho com um certo desdém.
— Filho, não te instruí a se portar adequadamente diante dos nobres? — Ele batia levemente com os dedos no trono. — Estás a tentar criar um espetáculo? — Seu olhar pouco expressivo se tornou penetrante, suas sobrancelhas se ergueram ligeiramente, e o som das batidas no trono ficou mais alto. Em um tom ameaçador, prosseguiu: — Ou estás pensando em manchar o nome da linhagem Stormax de nossa família!? É isso Bartolomeu Stormax Quinto!?
O impacto daquele olhar era palpável, mesmo que não fosse dirigido a mim. Senti minha espinha arrepiar-se inteira, meu corpo clamava por fugir dali diante da imponência que emanava daquele homem. Imagino que seu filho estivesse experimentando sensações similares.
Seja pelo poder do olhar ou não, suas mãos se abriram trêmulas e seu corpo recuou dois passos com hesitação, como se instintivamente quisesse se distanciar da aura dominante do pai. Contudo, ele parou e firmou o corpo, erguendo o olhar com confiança. Indagando ao rei:
— Eu quero manchar nosso nome!? — Ele olhou para mim com ódio, parecia já nutrir rancor de mim antes mesmo de me conhecer. — Você que deseja casar minha irmã com um plebeu, e sou eu quem está manchando o nome de nossa família!?
Foi então que compreendi o motivo daquele olhar tão carregado de rancor em minha direção. Ele era um dos que não aceitariam o casamento em silêncio. Mesmo já nutrindo certo ódio por ele, vi a oportunidade de talvez me ajudar, mesmo que sem intenção.
— Não que eu precise te informar, filho, mas este jovem é o escolhido, não um simples plebeu — respondeu o rei, mantendo-se calmo e centrado, com as mãos relaxadas nos apoios do trono.
— Não me interessa quem ele seja! Continua sendo um mero plebeu! — exclamou o príncipe dirigindo-se ao seu pai. — Desista dessa ideia idiota!
— Príncipe, mantenha-se respeitoso diante de nossa majestade — repreendeu Debth, avançando alguns passos à frente.
O príncipe, ainda avançando, encarou o conselheiro. Seus punhos se cerraram e ele disse com firmeza:
— Já não ordenei que você calasse a boca!?
Todos os presentes permaneciam em completo silêncio, sem coragem para proferir uma única palavra; até mesmo suas respirações eram controladas. Eu mantinha-me ajoelhado e com a cabeça baixa, decidido a não me intrometer em assuntos familiares, especialmente entre monarcas. Contudo, observei Debth avançar em direção ao príncipe, que se aproximava com passos firmes.
Parecia que uma batalha estava prestes a eclodir ali a qualquer momento. No entanto, o ministro tocou o ombro do príncipe e sussurrou algo em seu ouvido. Ninguém conseguiu ouvir o que foi dito, mas o que quer que tenha sido, transformou a expressão do príncipe de fúria para perplexidade em questão de segundos. Ele ouviu atentamente e então fitou seu pai com uma expressão de descrença.
— É por isso então? — indagou o jovem.
O rei assentiu com a cabeça, e o príncipe revirou os olhos antes de me observar com desdém e uma ponta de desconfiança.
— Se é assim, não irei me opor. Contudo, não pense que só porque terá um casamento arranjado com minha irmã, será considerado parte da família.
Eu o vi se virar e partir, e logo escutei as portas se fechando, marcando sua saída. Finalmente, recebi permissão para me levantar e sair, o que fiz sem hesitação. Avancei pelos corredores, mas mesmo saindo logo atrás do príncipe, não o avistei em nenhum lugar.
“Que maravilha, agora vou ter que casar com uma princesa. Falando nisso, onde ela está?” Fui obrigado a me casar com uma mulher que nunca vi na vida, e nem mesmo me foi apresentada. No fim, não sabia quem ela era, e duvidava que saber ajudaria em algo.
“Ah, vou treinar para esfriar a cabeça.” Já que minha opinião e decisões aqui não adiantariam de nada, preferi ir espairecer em um treinamento. Logo deixei o palácio, mas permaneci dentro do perímetro. Seguindo por um caminho de pedras à esquerda, cheguei a uma ribanceira, abaixo se estendia um enorme campo de treinamento de areia. Ao lado, havia uma espécie de galpão imenso, o local de treinamento fechado.
“Príncipes de muitas gerações treinaram aqui, assim como escolhidos.” Aquele campo tinha formado inúmeros reis poderosos, pessoas que se tornaram lendas no continente, heróis e, no final das contas, escolhidos que nasciam principalmente em Aldemere, por algum motivo.
"Como vou descer lá?" A ribanceira era íngreme demais. Olhei ao redor e notei uma escadaria. Caminhei até lá e comecei a descer. Em poucos segundos, já estava embaixo.
“Eita, já tem alguém treinando.” Saltando de um lado para o outro e desferindo golpes no coitado do boneco de palha, havia uma moça... belíssima. Seus longos cabelos brancos balançavam conforme seus movimentos ágeis, muitas vezes caindo sobre seus olhos.
— Amarre eles — disse, aproximando-me dela calmamente.
Ela estava no meio de um golpe e ao me ouvir, acabou se desconcentrando e errando. Então, me olhou, parecendo me analisar de cima a baixo, e deu um sorriso tão meigo que fez meu coração acelerar. Girou a espada e a fincou na areia.
— Acabei esquecendo de fazer isso... — Ela pegou um laço e começou a amarrar os cabelos, fazendo um rabo de cavalo. — Vai treinar?
Notei seu olhar fixo na Escolion ainda embainhada. Toquei-a e sorri ao sacá-la.
— Sim, sim. Treinar é o melhor método para espairecer a mente.
— Tenho que concordar. — Ela pareceu desviar o olhar por um instante, como se algo a estivesse incomodando. — Ehh... Hmmmm...
Percebi sua hesitação, havia algo que sua mente insistia para que ela dissesse. Logo notei como sua mão pressionava contra a guarda da espada.
— Quer treinar comigo? — perguntei.
— Sério? Posso? Posso? — Seus olhos azuis brilharam como a luz solar refletindo no mar. Compreendi que minhas palavras foram as certas. Ela notou que estava animada demais, e acabou corando. — Quero dizer… Ehh…
— Pufft! Hahaha! — Comecei a rir descontroladamente, com o punho cobrindo a boca, vê-la envergonhada acabou me fazendo gargalhar. Ela parecia confusa, incapaz de compreender a situação. — É que vê-la ficando vermelha é no mínimo engraçado, hahah!
— O quê!? Ehh… — Ela se encolheu entre os ombros, desviando o rosto para o lado, tornando-se ainda mais vermelha. — Seja como for! Vamos treinar!
Parei de rir e concordei com um aceno. Logo me pus em guarda, e ela fez o mesmo; estávamos frente a frente. Ela havia perdido o semblante envergonhado e estava centrada, séria. Fiz o mesmo, retirei aquela expressão boba do rosto e me mantive sério.
O sol do meio-dia estava forte, o calor era infernal, nossas respirações eram controladas, mas pesadas, e nossos olhares estavam fixos um no outro. Em um instante, avançamos.
No meio do percurso, ela saltou, pairando sobre mim. Sua queda em minha direção me obrigou a me defender com a Escolion, o som estridente do choque de aço ecoou e ela recuou. Não esperei e avancei; em segundos, estava próximo dela e desferi um golpe vertical para cima. Ela lançou sua lâmina à frente de seu corpo, e ao toque suas mãos foram ao alto. Quando estava prestes a estocá-la, ela desapareceu.
— Ahn? — Meu olhar vagou pelo campo, procurando-a, até que senti uma presença atrás e me virei. — Aqui!
— Como!? — Faíscas se ascenderam, espalhando-se por todos os lados, o choque resultou em um som agoniante. E com força, nossas espadas se encontraram em um cruzar poderoso. — Como sabia onde eu estava!?
— Mais importante que isso! — Forcei minha lâmina contra a dela, buscando o poder por trás de seus golpes. — Que poder é esse?
Ela retaliou com um solado em meu estômago e saltou para trás, aterrissando com elegância e uma postura ereta, sua espada alinhada à cintura, apontada para mim. Seu semblante sério, tingido de perplexidade, não escondia a confiança em suas habilidades.
— A linhagem Stormhearth herda essa habilidade — Um sorriso convencido surgiu em seu rosto, como se já visse a vitória à sua frente. — Vulto Tempestuoso.
Não pude conter uma leve risada diante do nome peculiar. Linhagem? Aquilo me surpreendeu.
— Você é da realeza!? — indaguei, perplexo.
— Sou, Vithória Stormheart — Ela cruzou as pernas com graça e inclinou o torso de forma cortês. — Muito prazer.
Quase desmaiei ao perceber que estive lutando contra uma princesa o tempo todo. Tudo poderia ter dado terrivelmente errado. Vithória, o nome da minha prometida... Era ela...
— Entendo — Tentei manter uma calma aparente, embora por dentro meus sentimentos estivessem em tumulto. — Se me permite uma observação. Você, como eu, parece querer espairecer os pensamentos.
— Não me chame de princesa, soa como bajulação — Seu rosto se contorceu em desagrado; receber bajulação nunca foi sua praia. — Mas bem, bela observação. Sim, estou enfrentando alguns desafios. — Ela baixou o olhar com melancolia por um instante, mas logo o ergueu em minha direção, com um brilho peculiar, quase como o de um gatinho pidão. — Por algum motivo, sinto confiança em você... Posso compartilhar meus problemas?
Com uma rapidez surpreendente, avancei em sua direção, movendo-me como uma sombra até estar diante dela. Num gesto ágil, desferi um golpe poderoso. Ela reagiu com agilidade, saltando e realizando um mortal para frente, passando por cima de mim e aterrissando suavemente em minhas costas. Senti a ponta de sua lâmina pressionar minha coluna. Virei meu rosto com um sorriso convencido para ela.
— Claro que pode — respondi com confiança. — Será como uma dança. A única diferença é que, em vez de passos elegantes, trocaremos golpes mortais. — Saltei para frente, afastando-me dela, e me virei para encará-la novamente. — E você poderá me contar tudo o que quiser, desde que consiga acompanhar meus passos…
Sua resposta veio em forma de um sorriso confiante, acompanhado de um movimento rápido de sua espada. Novamente ela assumiu sua postura de combate e se preparou. Ela desapareceu de minha vista mais uma vez, deixando apenas um vulto, e então compreendi o nome da técnica; embora ainda me parecesse ridículo, fazia sentido. Em questão de instantes, ela estava diante de mim.
— É que meu pai acha que pode controlar tudo na minha vida. — Ela estava abaixo de mim, trocamos olhares: o meu surpreso e o dela confiante, mas também carregando uma certa revolta pelo que acabara de dizer. Sua espada se ergueu em um golpe vertical. Eu só tive tempo de colocar minha lâmina na frente e permitir que meu corpo fosse lançado para trás. — Ele é o rei, não um deus…
“Que força...” foi o que pensei enquanto viajava pelos ares após aceitar o golpe. Caí e rolei para me colocar de pé novamente.
— Esse mundo sempre foi assim, né... — Bati a terra que estava em meus ombros e girei a Escolion. Em um piscar de olhos, cruzei a distância física entre nós e, em segundos, estava diante dela. A lâmina viajou em alta velocidade da direita para a esquerda. — Aqueles em posições mais altas acham que têm o direito de decidir tudo sobre a vida dos outros…
— Não deveria ser assim! — Ela defendeu-se, mas foi arremessada para o lado esquerdo, voando alguns metros e se levantando rapidamente. — Belo golpe. Afinal, decidir com quem irei passar o resto da minha vida deveria ser uma escolha minha!
Então, descobri o motivo de toda a sua frustração; provavelmente, ela já tinha conhecimento dos planos de seu pai. Baixei o olhar, sentindo uma tristeza profunda.
— O que foi? — Ela percebeu meu olhar triste, que se fixava apenas na areia do chão. — Disse algo errado...?
— Acho que não posso esconder isso de você... — Ela pareceu confusa, era óbvio, eu estava falando de maneira enigmática. No fim, precisava contar a ela. Finquei a Espada Escolion na areia e apoiei meu corpo nela. — Eu sou Dolbrian, o escolhido.
Ela arregalou os olhos, sua compostura foi desfeita e até sua respiração ficou descompassada. Mas foram minhas próximas palavras que a deixaram perplexa:
— E mais do que isso, sou sua maldição. Seu prometido.