Volume 1

Capitulo 37: Invasão ao clã

Acima das árvores, Alaric e Fuxi observavam de um galho; abaixo deles, em suas visões, uma clareira aparentemente vazia revelava, por meio de oscilações, a presença de uma barreira de domínio inerte ativo, acompanhada por três Lycaions patrulhando a área. 

— Então? — Alaric ainda montado em Fuxi, olhou para ele. — Qual o plano? Ou tá pensando que sou algum tipo de super-humano?

— Tecnicamente, tudo que acompanha sua alma te torna um. — Fuxi virou a cabeça um pouco para trás, deixando Alaric em seu campo de visão. — Contudo, tenho um plano. — Ele semicerrou o olhar. — Lycaions são seres inteligentes, mas precisam de um líder para manterem-se.

— Em outras palavras, cortamos a cabeça do líder…. E os outros irão ficar sem rumo.

— Exato.

Os Lycaions, apesar de sua inteligência quase divina, seguiam uma hierarquia pré-estabelecida: o mais forte assumia o poder e a liderança, enquanto os demais obedeciam. Contudo, essa dinâmica os tornava ao longo do tempo dependentes de um único indivíduo. Sua fragilidade era evidente, pois a morte desse líder os deixaria sem rumo.

— Ao doutrinar um povo, basta um simples deslize para desmantelar todo o sistema estabelecido.

— Grande lobo filosófico, já acabou? — Alaric cruzou os braços. — Então, a ideia é que eu infiltre o domínio de maneira discreta e elimine o líder também de forma discreta?

Fuxi concordou com um aceno de cabeça, enquanto Alaric revirava os olhos, mas aceitava a proposta. No entanto, uma dúvida persistia em sua mente. Ele virou seu olhar para o céu e apoiou a mão no queixo.

— E como vou fazer isso? O domínio não ia me detectar?

— Está correto em ter suas reservas — disse Fuxi, voltando o olhar para o domínio. — Contudo, aprendi algo naquela ocasião em que invadiu o meu…— Ele fixou seu olhar no jovem novamente. — Talvez, devido a algo divino em você, não consegui te detectar.

Os olhos de Alaric se arregalaram. Fuxi estava falando a verdade; ele não o detectou invadindo o domínio. Apenas o encontrou patrulhando os arredores naquele dia, vendo-o caído no chão e o levando para a caverna.

— Bom, antes temos resolver… Um… Não. — Olhou para os três Lycaions patrulhando. — Três problemas.

— Consegue soltar três flechas de uma vez? — perguntou Fuxi, esperando uma habilidade assim daquele jovem.

— Tá me achando com cara de que? Deus do arco? — Então lembrou de algo. — Bom, não custa tentar.

Alaric canalizou sua mana, transformando-a em um arco dourado, mirando no primeiro Lycaion à sua frente. Alaric se questionava sobre sua mira praticamente perfeita, já que nunca treinou. No entanto, não havia tempo para reflexões, pois agora ele tinha a certeza de poder acertar o que desejasse, o que, para ele, já era mais do que suficiente.

“Igual daquela vez” As lembranças inundaram a mente de Alaric, recordando do momento em que três lobos atacaram Gideon. Naquele momento crucial, Luna apareceu e lhe presenteou com o arco de Ártemis. Com habilidade recém-adquirida na época, o jovem conseguiu dividir as flechas mágicas em três, atingindo os três lobos de uma só vez. 

Alaric respirou fundo e, fechando um olho, concentrou-se ao máximo. O tempo pareceu desacelerar em sua percepção, enquanto o vento leve e gelado acariciava seu rosto, movendo seus cabelos vermelhos que, de vez em quando, cruzavam diante de seu olho aberto. Nada disso desviava sua atenção. Uma serenidade única envolvia-o, os sons se tornaram abafados até desaparecerem completamente, restando apenas o som controlado de sua própria respiração. O vento aumentou sua intensidade, e os cabelos de Alaric aumentaram o cintilar.

“Uma flutuação mágica intensa….” Fuxi observava impressionado, sentindo toda a mana do ambiente convergir em direção ao jovem. Era como se ele fosse um ponto singular, dotado de uma gravidade extraordinária, atraindo tudo ao seu redor.

“Está na hora” A flecha dourada, engatilhada no arco, brilhou intensamente. Em um milésimo de segundo, Alaric abriu os dedos, liberando a corda dourada. A flecha iniciou seu movimento, deixando o arco e voando em direção ao lobo. No entanto, desta vez, a flecha não se dividiu em mais duas.

— Falhei… — Seu olhar estava vazio, perdido. Alaric sentiu o peso da falha sobre si. — Não! 

“Alaric você nunca desiste né.” Fuxi podia não admitir, mas a obstinação inabalável de Alaric o preenchia de um orgulho profundo.

“Se eu fosse igual a você… Naquela época.” O lobo recordava o tempo em que seu clã fora invadido, e todos aqueles que ele considerava especiais foram cruelmente assassinados. Sem misericórdia, sem chance de revidar, foram simplesmente massacrados.

“Não falhe jovem” Alaric olhava para a flecha com intensa concentração, transmitindo a Fuxi uma mensagem silenciosa de determinação: "Nunca irei falhar". A flecha então adquiriu um brilho poderoso, semelhante ao sol, e... se dividiu em três. Cada flecha seguiu uma direção diferente, como se guiadas por uma força invisível, uma linha. Elas atingiram os três lobos simultaneamente, atravessando suas cabeças, cruzando os crânios e fazendo com que os miolos decorassem o ar, antes delas desaparecerem. Os Lycaions tombaram sem nem perceber, enquanto um deles ainda mantinha a consciência, como se a morte tivesse chegado de repente e sua alma ainda não tivesse compreendido, mas logo seu corpo decorou o solo.

— Consegui. — Acima do enorme lobo branco, estava Alaric de costas eretas, arco em mãos e uma firmeza no olhar.

— Conseguiu, agora você precisa ir logo antes que outro aparecessa. — Fuxi observava os corpos inanimados sem expressar qualquer sinal de tristeza.

Alaric percebeu a ausência de pesar no lobo, diante da morte de seus semelhantes. Ele então direcionou seu olhar para Fuxi, enquanto seu arco se dissipava. 

— Não sente nada? 

— Por que eu sentiria? Eles foram os responsáveis pela morte daqueles que eu amava. Meu único sentimento por eles é o ódio. —  Seu olhar estava estreito, sua determinação era apenas a de vingar aqueles que foram assassinados. 

Alaric talvez compreendesse esse sentimento, mesmo sem ter alguém por quem nutrir o desejo de vingança. Os irmãos magos tomaram a cidade onde ele vivia e feriram seu avô, mas, no final, não fizeram o suficiente para que Alaric investisse tempo e paciência em planos de vingança. Para ele, todos eram apenas obstáculos no caminho, pedras que um dia ele removeria da estrada. 

Contudo, havia algo que ele verdadeiramente entendia: o desejo de vingar aqueles que foram mortos, não por ter perdido alguém, mas pela angústia de imaginar essa perda, uma dor intensa apenas ao pensar na possibilidade de realmente perder alguém.

— Bom, que seja. — Alaric contemplou o céu. — O sol ainda raia, e eu não fico invisível, não é melhor esperarmos anoitecer?

— Lycaions preferem a noite, e como podemos controlar praticamente tudo dentro do domínio inerte, é bastante provável que para eles esteja de noite.

Alguns minutos depois Alaric, estava próximo a barreira do domínio, ele a tocou e uma onda originando-se do ponto do toque, espalhou-se por toda barreira até dissipar.

— Maleável. — Com um braço cruzado, apoiou o outro, permitindo que sua mão sustentasse seu queixo. — Mas nem tanto, será que posso simplesmente entrar? 

O jovem sentia certo receio. Na primeira vez que atravessou uma barreira de domínio, foi por acaso e saiu ileso. No entanto, pairava a dúvida se teria a mesma sorte novamente. E se esse domínio específico possuísse um sistema para eliminar convidados indesejados?

Hmmmmm…. — Permanecendo em sua posição pensativa, Alaric ponderava sobre todos os aspectos da situação. — Tsc, lobo lunático. 

Alaric, muito longe do que podia ser chamado de prudente, pelo contrário, sempre foi impulsivo. Sendo assim, ele colocou as mãos na barreira sem hesitar.

“É agora.” Forçou suas mãos, e elas começaram a atravessar. Ao perceber que ainda as sentia, Alaric compreendeu que talvez seu receio inicial fosse apenas bobagem. 

“Tranquilo por enquanto.” Começou a adentrar devagar, primeiro os braços, seguidos das pernas, torso e, por fim, a cabeça.

— Estou inteiro? — O jovem começou a se tatear por inteiro, verificando cada parte de seu corpo, e tudo parecia estar no lugar. — Ufa… — Alaric a investigar os arredores com os olhos. — Árvores, lua e frio.

O frio nórdico retornara, acompanhado pela neve e pelos pinheiros magros e pontiagudos. A lua brilhava no céu noturno. Fuxi permanecera do lado de fora, pois ele poderia ser detectado, tornando a missão praticamente solo para o jovem. Era uma tarefa relativamente simples: infiltrar-se nos aposentos do líder e eliminá-lo de forma rápida e silenciosa. Alaric ponderava sobre a melhor abordagem quando sentiu presenças próximas.

Rapidamente, ele correu e se escondeu em um arbusto. Ao observar, viu três Lycaions passando, pareciam estar com pressa. Foi então que Alaric lembrou de outra informação passada por Fuxi.

“Todo dia de lua verdadeiramente cheia, nossa raça vai até um ponto alto e uiva para a luz lunar, em homenagem ao nosso deus Inari Okami. Como já estamos próximos do entardecer, eles provavelmente estarão saindo”.

“Provavelmente estão saindo para realizar seu ritual”, Alaric refletia. Fuxi estava contando com isso para que o plano fosse bem-sucedido. Seria um momento em que o líder estaria sozinho, já que todos os outros saíam primeiro, seguindo o costume de o mais forte ser o último a partir.

Assim que os lobos saíram de seu campo de visão, Alaric começou a avançar lentamente. Um Lycaion surgiu entre as árvores, movendo-se devagar. O jovem se escondeu rapidamente atrás de um pinheiro, segurando a respiração.

O lobo passou por Alaric. "Droga!", praguejou Alaric ao fazer sem querer um barulho, chamando a atenção do lobo. Este avançou em direção ao ruído, farejando o chão enquanto se aproximava do jovem.

“O que eu faço? O que eu faço!?” Matar não era uma opção. O líder tinha ciência de todas as vidas de seus Lycaions dentro da barreira; a morte de um deles seria sentida por ele. Isso diferia das sensações quando saíam da barreira, eram experiências distintas.

Auuuuu!! — O lobo, atento ao som, desistiu de sua investigação inicial para se dirigir em direção ao chamado, afastando-se de Alaric.

Ufa..” Alaric passou a mão em sua testa úmida, recuperando-se, e continuou a avançar. Rapidamente, chegou às proximidades da residência do líder. Diferentemente do domínio de Fuxi, que era apenas uma enorme caverna, este era uma vila completa, construída com madeira.

“Como fizeram isso?” O jovem não compreendia como construíram todas essas casas, afinal, eles não tinham polegares opositores. A questão intrigava Alaric, mas ele não podia perder tempo. Observando a vila de dentro de um arbusto, notou um caminho largo com fogueiras ao meio, ladeado à esquerda e à direita por casinhas. Ao final desse caminho, destacava-se uma única habitação grande.

“É lá.” Dado que era o local mais chamativo, era possível afirmar que se tratava da residência do líder. Alaric contornou a vila por trás, percebendo que estava consideravelmente vazia. Alguns Lycaions adultos já seguiam em direção à saída do domínio.

O jovem invadiu a casinha, apesar de ser chamativa, era bastante básica, com um único cômodo e algumas tochas. Lá dentro, um lobo imenso residia. Alaric começou a avançar devagar por trás, materializando uma faca em sua mão. Seu plano era cravar a faca no pescoço do líder e espalhar sua mana por todo o corpo dele, matando-o de dentro para fora.

“Que bom que ele não pode ler minha mente” Fuxi havia ensinado um truque para o jovem: ocultar seus pensamentos dos Lycaions. Os pensamentos emitiam ondas, e os lobos absorviam essas ondas, decifrando cada pensamento. No entanto, se Alaric agitasse a mana do ambiente ao redor de seu corpo, as ondas psíquicas se perderiam. Como o jovem conseguia fazer isso, mesmo sem entender completamente, era perfeito para a situação.

Agachado, Alaric avançava meticulosamente. Cada passo era leve e vagaroso, sua respiração mantida o mais silenciosa possível, até mesmo sua pulsação havia diminuído. Era um verdadeiro assassino, seguindo um plano que estava meticulosamente traçado em sua mente, como um livro de ordens que ele seguia à risca. Chegou a um metro do lobo, que permanecia estranhamente parado, e então…

“Vejo que aquele lobo falante, te enviou” O lobo à sua frente o contatou mentalmente.

— Merda! — Alaric, percebendo a falta de tempo, lançou-se na direção do lobo. No entanto, o animal girou rapidamente, fazendo com que Alaric passasse reto. No final do giro, o lobo caiu sobre o jovem, com a pata em seu pescoço.

“Devia ter permanecido longe dos meus domínios, humano”.

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