Volume 1
Capítulo 3: Luna
Na antiga lenda do reino, um mago realizava experimentos com ratos, buscando conceder-lhes inteligência para criar um exército e marchar sobre Alexandria, o país dos magos e guardião da barreira dos deuses. Contudo, o experimento fracassou, levando o mago à morte. A dúvida persiste: ele se matou ou foi morto? A lenda narra que um dos ratos do experimento saiu de controle e o matou.
Eram apenas lendas urbanas, mas ao que parece, a lenda tornou-se real e se encontrava ali, na frente do “Escolhido”, com o garoto que ele havia acabado de conhecer em suas patas. Era uma criatura gigante com pelos rígidos, portando algum grau de especialidade em magia.
— Solte meu amigo, por favor... — implorou ele, a voz quase um sussurro desesperado. Seus olhos estavam arregalados e cheios de terror, enquanto seu corpo tremia visivelmente.
A mente dele era um turbilhão de pânico, incapaz de formar uma ideia clara ou um plano de ação, impossibilitada de sequer agir.
A criatura, imponente e ameaçadora, exibia suas fileiras enormes de dentes afiados, reluzindo sob a luz de uma lua pálida. Seu rosnado era um som cruel e gutural, que reverberava nas paredes do esgoto com um eco ameaçador. Em um movimento ágil e predatório, aproximou a pobre criança de sua boca aberta, as garras afiadas e sujas raspando no chão áspero. O garotinho, com os olhos arregalados e o corpo tremendo de pânico, sentia o hálito fétido da besta, quente e corrosivo, bater direto no seu rosto. Ele se debatia freneticamente, os gritos de desespero ecoando pelo espaço asqueroso, mas cada movimento parecia apenas aproximá-lo mais do abismo das presas, da escuridão da garganta daquele maldito ser.
A situação se deteriorava a cada segundo, como um pesadelo que se tornava cada vez mais real. O "Escolhido", paralisado e sem reação, observava em desespero a cena horrenda diante de si. Seu coração batia descompassado, como se tentasse escapar do peito. Contudo, sua mente, antes completamente dominada pelo medo, começava a clarear com um lampejo de coragem desesperada.
De repente, como se tivesse captado a intensidade da vontade do jovem e desejasse suprimir isso com urgência, uma rajada de relâmpago cortou o ar, dirigindo-se diretamente ao "Escolhido".
A besta, com sua cauda agora envolta em uma aura elétrica e pulsante, havia conjurado o feitiço de Afinidade Elétrica, que viajava em direção ao jovem.
Esse feitiço provavelmente era o resultado de experimentos sombrios realizados pelo mago, uma verdadeira monstruosidade de poder. A eletricidade serpenteava pela cauda da criatura, irradiando um brilho sinistro que iluminava o ambiente em flashes abruptos e intermitentes. O ar estava carregado com o som estridente de energia elétrica, que estourava e crepitava como trovões distantes.
O "Escolhido" estava encurralado, sem alternativas visíveis. Um golpe de sorte fez com que o raio passasse apenas a centímetros dele, poupando-o por um fio. Seus olhos, fixos na criatura monstruosa diante dele, se encheram de terror. A visão era de um pesadelo inimaginável: a cabeça do pobre garoto já estava parcialmente enfiada na boca aberta da besta, e a qualquer instante, ele seria engolido inteiro. O jovem, sem reação, sem amparo, sentiu um frio na espinha Indiscritivel.
Num instante de desolação, ele encarou toda aquela situação com uma fúria impotente e refletiu, em meio ao caos:
"Do que adianta ser o 'Escolhido'... se eu sou incapaz de proteger ou salvar aqueles que precisam? Ser o escolhido é apenas um título vazio... sem poder, é um peso inútil. Pela primeira vez na vida, eu desejava ardentemente ter o verdadeiro poder que o título prometia... um poder que, ao menos, poderia fazer a diferença agora..."
O "Escolhido", sem alternativas diante de si, deu um passo para trás e levantou o olhar para o céu com uma expressão de desolação. A lua brilhava intensamente, uma constante em seu mundo, sempre cheia para iluminar o caminho dos viajantes noturnos, uma dádiva da deusa da noite e da lua, Luna. Enquanto contemplava o céu, uma onda de memórias inesperadas invadiu sua mente. Lembranças que não deveriam ser dele, ou pelo menos, ele não deveria se lembrar, mas que surgiram de tempos em que a lua o acalmava, quando ainda era um mero recém-nascido sob a vigilância silenciosa de sua avô, com sua mãe morta na cama próxima.
De repente, a luz da lua intensificou-se de maneira quase sobrenatural, envolvendo-o em uma radiante aura prateada. Contudo, algo estava incomum; o brilho lunar parecia ter um propósito além do imediato, como se fosse destinado a outra entidade. Por um breve momento, o "Escolhido" sentiu uma clareza repentina, uma intuição que o guiava sobre o que precisava fazer. O vento, carregado de uma presença etérea, sussurrou palavras que pareciam ser ditadas por uma voz invisível: doce, mas imponente, como a de uma imperatriz. Um calor intenso e infernal começou a arder dentro e ao redor dele.
Impulsionado por tudo que o cercava no momento, começou a recitar palavras ancestrais, que surgiram como um murmúrio suave, evocando uma profunda conexão com a deusa da Lua, Luna. O brilho lunar ao seu redor tornou-se ainda mais resplandecente, formando uma aura deslumbrante ao redor do jovem. O Rei dos Ratos, impressionado e desconcertado pela energia que envolvia o "Escolhido", recuou instintivamente. E o jovem continuou a recitar, cada palavra carregada com a força de uma antiga invocação:
— Pela lua que ilumina o céu noturno, pelo vento que sopra ao norte, envio a luz que reside em mim para iluminar meu amigo. Ó deusa da noite, Luna, imploro-te com toda a minha alma…! — Assim que a oração foi proferida, o céu, antes brilhante sob a lua cheia, mergulhou em uma escuridão imprevista.
A luz que antes irradiava do "Escolhido" parecia intensificar-se, permanecendo isolada em torno dele.
O Rei dos Ratos, como se pressentisse um evento grandioso, paralisou. O vento, que agora soprava com força inusitada, direcionou-se para o norte, trazendo consigo uma sensação de peso, mas também de profunda serenidade. O jovem ajoelhou-se, sua postura exalando uma calma resignação. A luz que o envolvia tornou-se um brilho resplandecente, e uma voz, doce e ao mesmo tempo imponente, ressoou com uma autoridade divina:
— Oh, meu querido mortal, fui a luz que acariciou tua existência e aliviou tuas aflições quando ainda não compreendia o mundo. Agora, diante de tua prece sincera, respondo à súplica que emana de tua alma.
O "Escolhido", como se guiado por uma força superior, permaneceu em silêncio. A deusa continuou, sua voz imbuída de uma profunda compaixão e determinação:
— Com a outorga de poder que repousa sobre mim, eu, deusa da noite, atenderei às preces desta criança. Que os desejos da Lua se concretizem através de minhas mãos.
Ao concluir essas palavras, o brilho lunar que antes iluminava o "Escolhido" começou a se desvanecer lentamente, transferindo-se para o garotinho que ainda estava nas garras do monstro. A luz cresceu em intensidade até se tornar ofuscante. Era tão intensa que queimou a retina da besta, cegando-o temporariamente e forçando-o a soltar o garoto. O monstro, desesperado e aterrorizado, recuou e fugiu, correndo para longe em sua tentativa de escapar da luz divina.
Luna, como deusa da noite e patrona da caça, invocou, no ar, um arco etéreo que emanava uma luz suave e misteriosa. O jovem, ergueu-se com determinação, seus olhos semicerrados revelando uma seriedade resoluta. A divindade então entregou o arco nas mãos do "Escolhido", seus dedos envolvendo o instrumento com reverência.
Gideon posicionou-se, mirando na criatura fugitiva que serpenteava pelo túnel delineado do esgoto. Luna, com sua presença majestosa e voz profunda, falou: — No momento em que tua flecha alçar voo, os destinos de ambos serão entrelaçados e selados. Aceitas, Gideon Stormheart?
— Aceito — respondeu Gideon, com a voz firme, sentindo seu coração acelerar em um ritmo frenético. A tensão no ar era tangível.
O jovem puxou a corda do arco com precisão, tensionando o fio até que uma flecha mágica surgisse, cintilando com um brilho etéreo. No instante em que a corda atingiu o máximo de sua tensão, ele fez um movimento gracioso e calculado, soltando os dedos com uma destreza impecável. A flecha, com um brilho celestial, cortou o ar em uma trajetória firme e imutável em direção ao Rei dos Ratos.
A criatura, em um esforço desesperado para repelir o ataque, conjurou rajadas de energia, mas a flecha, com sua essência divina e inabalável, desafiava qualquer resistência. Enquanto a flecha se aproximava, o tempo parecia se estender, cada segundo se tornando uma eternidade. O Rei dos Ratos, com uma expressão de terror e desamparo, lançou um último olhar para trás, seus olhos turvos e desfocados capturando a visão dos dois garotos de apenas 13 anos: um caído ao solo e o outro segurando o arco em mãos, como se fosse uma extensão de seu ser... Mas algo o fazia prestar atenção no garotinho de cabelos vermelhos... Era como se estivesse vendo dois seres de presença divina ali.
Antes que pudesse reagir ou sequer grunhir, a flecha cravou-se no lado esquerdo de sua cabeça e, com um movimento lento e mortal, atravessou o crânio, saindo do outro lado. O corpo da criatura tombou ao chão, os olhos vidrados e cheios de lágrimas, enquanto o sangue se misturava ao barro, formando um amálgama macabro com a água suja ao redor.
Gideon desmaiou sob o impacto do poder que usou. Luna, então, desceu dos céus, sua presença era de uma deusa inefável; sua pele irradiava um brilho prateado, semelhante à luz da lua, enquanto seus cabelos, escuros como a noite, espargiam um brilho de estrelas. Seu olhar era penetrante, como o de uma caçadora, e sua postura emanava a majestade de uma divindade. A visão dela fez o garotinho desmaiar instantaneamente. Mortais sem grande poder não tinham a capacidade de contemplar os deuses e manter-se conscientes.
— Oh, meus amados filhos, descendentes da lua e do sol, vocês enfrentaram perigos inenarráveis, e uma jornada árdua se estende à frente de vocês. O destino que Gideon preparou será marcado por sofrimentos, especialmente para o garotinho. Não posso mais permanecer neste reino mortal, a maldita barreira... Bem, nos encontraremos novamente, mortais. — Ela ergueu o arco divino e, como havia aparecido, desapareceu num piscar de olhos, mas não antes de deixar um último eco de sua voz celestial: — Não cometa tolices, senhor da luz.
Com a partida da deusa, retornando aos seus domínios celestiais, a aura que ela emitia, que fazia qualquer mortal próximo desmaiar, dissipou-se. Assim, os dois garotos despertaram confusos, atordoados pela situação e sem entender exatamente onde estavam. No entanto, o chão gelado e o fedor insuportável de esgoto rapidamente os fizeram lembrar da realidade.
O céu ainda estava intensamente iluminado pela lua, cortesia de Luna. Gideon sentia seu corpo latejar com dores intensas; o uso de artefatos divinos causava efeitos devastadores, especialmente se a pessoa que os utilizasse não estivesse devidamente preparada.
O vento gelado chicoteava o corpo imóvel de Gideon, enquanto o sangue do Rei dos Ratos escorria pelo chão lamacento do esgoto, espalhando-se até alcançar o corpo do garotinho, ainda paralisado pelo medo. Gideon, com as últimas forças que lhe restavam, conseguiu dar um pequeno impulso e erguer-se. Cambaleou um pouco, mas logo encontrou seu equilíbrio. Sacudiu a poeira e a sujeira que cobriam seu corpo, respirou fundo e começou a caminhar lentamente pelo esgoto, determinado.
"O que foi tudo isso?" questionou a si mesmo, avançando na direção do garotinho. A cada passo, seu corpo implorava por uma pausa, e as dores em suas mãos eram intensas e agudas, as piores. Sua visão ficou turva e vermelha de repente. Assustado, esfregou os olhos e, ao olhar para suas mãos, viu sangue. Aparentemente, ele havia batido a cabeça após a queda ao usar o arco. Mas Gideon não podia parar. Precisava chegar até o corpo do amigo para ajudá-lo.
Quando chegou perto, Gideon ficou surpreso. O corpo do garotinho não apresentava nenhum hematoma ou ferimento visível. No mesmo instante, lembrou-se da luz que havia repousado sobre ele e fez a conexão. Concluiu que a deusa havia curado seu amigo. O alívio e a surpresa misturaram-se com a dor, enquanto Gideon observava o garoto, grato e perplexo.
“Deusa, como eu a invoquei? Como soube aquelas palavras? E o mais importante, quem era aquela mulher na cama morta em minha visão..." As respostas como um sopro vieram, assim que todas as peças de encaixaram "mãe!?” pensou ele, mergulhado em uma confusão total.
Seu avô nunca havia revelado o que havia acontecido com sua mãe, apenas que ela o abandonara quando ainda era um bebê. Agora, ele finalmente conhecia a verdade. Gideon também lutava para recordar o significado de ter aceitado seu destino, um detalhe que parecia ter escapado de sua mente.
— Aí...! — O garoto começou a ter reações visíveis. Ele não estava sentindo dores físicas, mas sim um turbilhão de emoções que o afligia, manifestando-se em gemidos de dor que ele não conseguia controlar.
— Ei, você está bem, amigo? Relaxa, vou te ajudar a levantar — disse, oferecendo uma mão amiga.
— Diga meu nome — exigiu, com um tom de seriedade que não admitia contestação.
— O quê!? Qual é... Não é hora para isso — respondeu, surpreso com o pedido.
O garoto olhou fixamente nos olhos de Gideon, e algo naquela expressão fez com que o jovem hesitasse por um momento. Então, cedeu, entendendo a profundidade do pedido.
— Está bem, está bem. — Gideon puxou o garoto para que ele se levantasse, e com um tom resoluto, disse: — Seu nome será... Alaric, que tal? Gostou?
Assim que Alaric ouviu essas palavras, seus olhos se encheram de lágrimas. Era a primeira vez que alguém demonstrava verdadeira preocupação em nomeá-lo. Após tudo que havia acontecido, Gideon se tornara para Alaric não apenas um amigo, mas um herói. O “Escolhido” havia agido conforme o seu papel, e para Alaric, isso significava mais do que palavras podem expressar.
"Para sempre irei te seguir." Essa era a certeza que martelava na mente de Alaric.
— Serei teu cavaleiro, e te protegerei de qualquer mal pelo resto de minha vida — afirmou Alaric com uma determinação que Gideon nunca havia testemunhado antes.
O olhar de Gideon se fez confuso, e sua expressão refletia um misto de perplexidade e incredulidade.
— O que é isso? — perguntou, a voz carregada de desorientação. — Do que você está falando?
As palavras de Gideon foram engolidas pelo silêncio que imediatamente se seguiu. O vento começou a soprar, trazendo consigo um frio cortante que parecia penetrar até os ossos. O único som que rompía a quietude era o murmúrio constante da água suja do esgoto, correndo sem pressa pelo canal.
De repente, uma brisa forte e inesperada varreu o local, e os cabelos vermelhos de Alaric foram levantados com força. Ele se ajoelhou, e o brilho pálido da lua banhou-o em uma luz etérea. Seus cabelos, agora ondulados e iluminados pela luz lunar, adquiriram um tom de vermelho intenso, quase como se fossem tingidos pelo sangue. A expressão de Alaric era grave e inabalável, e ele fixou seus olhos em Gideon, que parecia ainda mais perdido e confuso diante daquela cena surreal.
— Alar- — Gideon foi interrompido antes que pudesse terminar de pronunciar o nome completo por Alaric, que avançou com um fervor quase palpável.
— Em meu novo nome, dado por você, juro solenemente por minha vida que a dedicarei inteiramente a você. Se necessário, sacrificarei minha própria vida por sua causa. Você é meu herói, e a partir de hoje, este herói terá seu escudeiro e cavaleiro — declarou Alaric com uma convicção e dignidade que rivalizavam com a de um rei. Suas palavras ecoavam como um voto sagrado.
Gideon, tomado pela intensidade do momento, deu um passo para trás, atônito e ao mesmo tempo maravilhado. Nunca havia considerado a ideia de ter seguidores ou devotados, mas algo naquela cena lhe conferia uma clareza inesperada. Sentiu um peso e uma honra imensos ao perceber que sua presença inspirava tal devoção. E como um verdadeiro herói, seja ele um escolhido ou um monarca, aceitando seu novo aliado ou irmão, Gideon respondeu com um simples, porém profundo:
— Aceito.
Essas palavras eram tudo o que Alaric precisava ouvir. Não era necessário mais nada; eram suficientes para ele e mais do que adequadas para Alaric, que encontrou no reconhecimento de Gideon uma validação completa de sua lealdade.
O vento, agora mais forte, soprou em direção ao norte, como se transportasse uma presença divina que testemunhava e abençoava o acordo. Era como se a própria natureza estivesse celebrando aquele instante de entendimento. Entre os presentes, sorrisos se trocavam, enquanto emoções ferviam à flor da pele, uma mistura palpável de felicidade e receio diante do desconhecido.
Alaric, imerso em seus pensamentos, refletia com intensidade. “Para me tornar um escudeiro verdadeiramente valioso, preciso fortalecer-me imensamente. Não posso apenas enfrentar cem reis dos ratos; preciso estar pronto para enfrentar um reino inteiro, se necessário. E eu me tornarei capaz,” ele pensava, com uma determinação inabalável que se assemelhava à solidez de uma rocha. A figura do "Escolhido" incitava em Alaric uma resolução imperturbável, uma força interna que o impulsionava a superar qualquer obstáculo.
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Notas:
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