Volume 1
Capítulo 11: Melancolia Coletiva
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Elizabeth: Ponte de comando
Acabávamos de presenciar e testemunhar com nossos próprios olhos a destruição de um planeta, agora marcado por uma fenda que atravessava toda sua extensão. Junto a isso, a trágica morte de mais de um milhão de pessoas que não tiveram chance de escapar. Naquele dia, eu e todos os meus oficiais fomos sobrecarregados com um peso que teríamos que carregar nas costas pelo resto de nossas existências.
— Ezekiel, estou indo para o meu quarto... Se precisar de mim... — Poul dirigiu-me a palavra, visivelmente abatido, muito que provável culpando-se pela falha.
— Relaxe, vá descansar — respondi. Era melhor permitir que ele esvaziasse a mente.
Ele não disse mais nada e começou a se dirigir para a porta. O som de sua abertura e, em seguida, de seu fechamento, ecoou pelo ambiente.
— ...Zeke-san... — Suzuhara tentava consolar Sarah, que estava em prantos, suas roupas começava a encharcar com tantas lágrimas. No entanto, a própria Suzuhara começava a marejar seus olhos verdes, como uma floresta sendo inundada por torrentes. — Nós... somos assassinos…?
Nesse momento, fiquei sem respostas. Sempre fomos de alguma forma, eliminando aqueles que se mostravam como ameaças. No entanto, desta vez, tínhamos o sangue de inocentes em nossas mãos. Muitos inocentes.
— Não sei... — A única resposta que consegui encontrar. Estava confuso com tudo. Era minha primeira falha como comandante e resultou na morte de pais, mães e filhos. Meu olhar cansado virou-se para ela. — Suzuhara... Vá descansar. Leve a Sarah com você.
Ela estava visivelmente abatida. Pareceu-me sensato sugerir que ambos esvaziassem a mente. Deixá-las ali só pioraria seus estados emocionais já abalados.
Logo, restaram apenas Sofia, Victor e Vincent na ponte de comando. Eles pareciam mais centrados, menos abatidos.
— Victor, talvez seja melhor você ir descansar. Seu braço ainda está ferido — sugeri, meu tom desanimado refletia a falta de vontade em falar.
— Suave, tô vazando... — Ele me olhou com seriedade, mas havia melancolia em seu olhar. — Mas tu, não se culpe por tudo.
Receber um sermão dele era algo que eu poderia aceitar. Logo, ele deixou a ponte. O clima era sombrio, silencioso como num velório. Já era de se esperar, Vincent e Sofia não eram exatamente tagarelas.
— Não se culpe, comandante — a mulher de semblante gélido começou, mantendo seu olhar fixo na janela. — Fatalidades fazem parte do nosso trabalho.
Ela nunca fora conhecida por ser sentimental ou por se importar com os outros. Ainda assim, eu esperava detectar alguma tristeza nela. No entanto, tudo o que recebi foram aquelas palavras frias. Era o jeito dela, e naquele momento, não havia tempo nem paciência para discutir.
— Eu sei, Sofia... — respondi apenas isso, e lancei meu olhar cansado para o Vincent. — Trace o curso de volta para a Terra. É hora de voltarmos para casa.
Ele não respondeu, limitou-se a mexer em suas telas holográficas e a nave começou a se mover. Era hora de voltarmos para casa e lidar com todo esse problema em solo firme.
No entanto, fiquei imaginando como seria nossa recepção na Terra após toda essa tragédia. Seríamos odiados? Provavelmente sim. Muitos perderam seus entes queridos. E era bem provável que eu perdesse minha patente, minhas naves e tudo mais que havia conquistado.
No fim, enquanto olhava aqueles asteroides aproximando-se da nave, e passando por nós. As estrelas brilhando pelo cosmos, e os planetas que compunham o universo. Estava convicto em aceitar toda punição que merecesse.
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Elizabeth: Banheiro dos oficiais
Pov: Poul
— Urgh… — Lá estava eu, debruçado sobre o vaso sanitário, esvaziando meu estômago. Sempre acontecia isso quando passava por eventos como esse... Ah, deixa pra lá.
Terminei de expelir todo que havia comido e bebido naquela maldita festa de inauguração, e acionei a descarga. Agora meu vômito se aventuraria pela vastidão do espaço. Lavei as mãos e, ao tocar a maçaneta, abri a porta do banheiro.
Diante da porta, entre dois cômodos, havia um espaço circular com uma janela que oferecia vista para o espaço sideral. Circundando esse espaço, havia um sofá. Nele, estava Suzuhara, parecendo tão abatida... Não que eu não estivesse me sentindo da mesma forma.
— Suzuhara... — Me aproximei dela. Seu corpo estava recostado para trás, com o rosto virado para o teto. — Vendo algo interessante lá em cima?
Ela parecia estar perdida em seus próprios pensamentos, como sempre. Nunca vi alguém tão distraído quanto ela. Toquei seu ombro e finalmente ela percebeu minha presença.
— Poul-san? — Ela apoiou os cotovelos nos joelhos e juntou as mãos. — Desculpe, estava meio distante.
— Tudo bem... — Me sentei ao lado dela, mas estava tão para baixo que nem vontade de elogiá-la, eu tinha. — Como está se sentindo?
— ...Se eu dissesse que estou bem... — Ela baixou o olhar. — Estaria mentindo... Poul-san, estou tão...
Eu a entendia. Sentia o mesmo, mesmo que não deixasse transparecer. Joguei-me para trás no sofá, completamente desanimado.
— Te entendo… tudo escalou tão rápido... — Foi tão repentino, uma bomba surgiu do nada, a invasão começou e culminou nas bombas atômicas... — Será que poderíamos ter feito algo? Eu poderia ter feito algo...? Poderia, não é? Mas eu...
— Poul-san! — Ela me interrompeu, seu olhar sério e determinado era tão cativante, mas nem isso me animava... — Pare de se culpar. Isso só me deixa ainda mais triste... Ninguém tem culpa, absolutamente ninguém. Nem você, nem eu, nem o Ezekiel-san. Todos fomos vítimas das circunstâncias…
Queria ser como ela, mas... Eu era o responsável pela segurança, era meu trabalho, meus planos. E, mais uma vez, falhei. Assim como daquela vez, pessoas morreram...
— Como está a Sarah? Lembro de ter visto você a consolando — perguntei.
— Ela... Você sabe como ela se preocupa com os outros. Foi como perder pacientes para ela... — Ela começou a cheirar a própria roupa. — E agora estou impregnada com o cheiro de hospital dela... Odeio esse cheiro...
Suzuhara tinha aversão a hospitais e sempre dizia que o cheiro de Sarah lembrava um hospital, embora nunca tivesse usado isso para criticá-la e sempre estavam grudadas. No entanto, eu nunca tinha percebido esse suposto odor.
— Acho que só o Ezekiel consegue consolá-la — falei, levantando-me.
— Provavelmente... Eles estão bem próximos, né não? — Ela me olhou de pé, com uma expressão maliciosa.
— Sim, estão... — Aquela atmosfera entre os dois estava estranha, como se estivessem escondendo algo. Já suspeitava do que poderia ser. No final das contas, não importava muito. Eu precisava esfriar a cabeça e saciar meu estômago vazio. — Quer ir comer? Estou morrendo de fome.
— Hmmmm... Não... — Ela se levantou e começou a andar. — Vou dormir...
Era estranho vê-la recusar comida, mas eu entendia o motivo. Naquela noite, eu ouviria muitos soluços vindos do quarto ao lado, que era o dela. Seria uma noite melancólica.
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Elizabeth: Ponte de comando
Pov: Ezekiel
Viajavamos de volta para a Terra, ainda não tínhamos realizado nenhum salto com o motor de dobra, mas estávamos prestes a fazê-lo. O clima a bordo era confortável, graças aos aquecedores, e os únicos sons eram dos consoles e aparelhos eletrônicos ligados.
— Vincent, daqui a uns dez minutos, faremos o salto — afirmei, observando o espaço se aproximando diante de mim. — Sofia, sobre a prisioneira, descobriu algo?
Sofia tinha subido os degraus que levavam ao meu "trono" e estava parada lá, com postura ereta e os braços cruzados atrás das costas, olhando para frente.
— Não consegui muitas respostas. Como o senhor proibiu qualquer forma de tortura... — Seu tom era tão imperturbável, tão frio, que o clima confortável da nave logo parecia uma geladeira. — Ela não cedeu.
Havíamos capturado aquela mulher na festa, depois que ela tentou me drogar. Mesmo assim, proibi Sofia de torturá-la para obter informações. Se eu não tivesse feito isso, agora ela estaria sem alguns dentes, com unhas arrancadas e as orelhas cortadas. Às vezes, Sofia era assustadora. Vocês não fazem ideia do que ela é capaz.
— Entendo. Quando chegarmos à Terra, entregaremos ela aos oficiais de Londres. Eles saberão o que fazer.
Ela não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, mantendo o olhar fixo à frente. Bem, eu sabia o que os oficiais de Londres fariam com a moça, e não seria nada agradável.
— Senhor — chamou Sofia, ainda com o olhar à frente. Eu a encarei e ela continuou: — Você vai relatar tudo o que aconteceu?
— Por que a pergunta? É óbvio que sim. Esconder não faria sentido — respondi, sem entender por que ela perguntava isso.
— Incluindo o meu erro? — perguntou, mantendo sua expressão neutra.
"Ah, então era isso." Faria sentido alguém como ela querer esconder suas falhas e imperfeições. Desde criança, foi moldada para não cometer erros, para ser a garota ou soldado perfeita.
— Se for o seu desejo, posso omitir essa parte — ofereci. Aquilo não importava muito no grande esquema das coisas. E, ela já me ajudou tanto, que no fim, fazer isso era o mínimo.
— Ehh... — Raramente a via assim, sem palavras ou buscando-as, como se quisesse falar mas não conseguisse.
— Pode falar, Sofia. Você sabe que não me importo — Eu nunca me importei de ouvi-la. Era tão raro vê-la falar sem aquela expressão fria que me animava quando ela deixava escapar palavras carregadas de emoção. — E somos amigos, certo?
— É que... Se você contar tudo, do jeito que foi... Eles vão retirar sua patente, não é? — Seu olhar frio desceu suavemente.
— Acho que sim. Foi algo muito sério, não posso sair impune disso... — Respondi. Não havia como escapar sem consequências. Milhares de vidas foram perdidas por minha falha.
— É... E não são só vidas, não é? Também tem o dinheiro... — Ela estava certa. Podia ser triste admitir, mas se fossem apenas vidas, eu poderia receber uma punição mais branda. No entanto, para os magnatas, para a elite como um todo, o dinheiro perdido importava mais do que simples vidas.
Fiquei em silêncio, sem saber o que dizer. Qualquer resposta poderia soar rude naquele momento, enquanto meus sentimentos se misturavam em meu interior. Então, pela primeira vez, Sofia me olhou diretamente, encarando meu rosto. Seus olhos azuis, como o mar, pareciam brilhar como se ondas de emoções os invadissem.
— Sofia? — Nunca havia visto essa expressão nela. Pensei que nunca testemunharia algo assim: aqueles olhos normalmente frios tornando-se tão cheios de emoções, quase úmidos.
— Não é que... Quando você me tirou de lá, me deu a escolha entre viver eternamente presa, treinar incessantemente para nada, ou viajar pelo universo com você... — Uma única lágrima escapou de seus olhos úmidos. Sem pensar, saltei da minha cadeira e a abracei, e ela aceitou meu abraço, continuando: — E eu aceitei... aceitei viajar com você, não ser apenas uma ferramenta nas mãos dos meus pais... Mas... Se você partir, se não for mais meu comandante... Não fará sentido… Eu…
— Tudo bem, Sofia, tudo bem — Eu dava tapinhas nas costas dela. A garota mais fria que eu conhecia estava mostrando seus sentimentos mais profundos. Tudo o que eu podia fazer era abraçá-la, afinal, eu perderia minha patente de qualquer forma.
Depois de alguns minutos de abraço, a soltei e voltei a me sentar. Ela permaneceu em silêncio, parecendo refletir sobre tudo o que havia acontecido. Talvez estivesse confusa com tantos sentimentos.
— Comandante — chamou-me Vincent, seu olhar antes inexpressivo, exibia uma surpresa evidente. — Irei direcionar para a tela gigante.
Fiquei intrigado com a urgência em sua voz. O que poderia ser tão importante a ponto de ser transmitido na tela principal, que ficava à frente de todos, atrás das janelas? Mesmo assim, concedi a permissão e a tela holográfica apareceu diante de nós.
— Não pode ser... — murmurei, incapaz de acreditar no que meus olhos estavam vendo. Rapidamente, ativei o microfone e anunciei: — Todos os oficiais! Compareçam à ponte de comando imediatamente!
Eles precisavam ver aquilo com os próprios olhos. Passaram-se alguns minutos e todos já estavam reunidos, muitos ainda exibindo expressões abatidas. A tela holográfica permanecia desligada, e eu dei ordem para Vincent a ativar.
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[Aviso]
Intimação Judicial
Nos termos da lei e em nome de Sua Majestade, a cúpula de Londres, após a explosão de Prometeus, reuniu-se para considerar as acusações graves de traição, omissão de socorro, homicídio, genocídio e uso de armas nucleares sem autorização governamental contra Ezekiel Franco Rocha. Após uma deliberação cuidadosa, foi determinado que o acusado é culpado de tais crimes.
Portanto, a partir deste momento, Ezekiel Franco Rocha é oficialmente considerado um criminoso procurado, e toda a sua tripulação é acusada de ser cúmplice em seus atos. Como pena por tais crimes, foi emitida a ordem de execução do comandante e de todos os seus oficiais, em praça pública.
Em nome da cooperação, aqueles que não estiverem diretamente envolvidos com o alto comando da nave Elizabeth serão elegíveis para penas mais brandas, caso optem por cooperar com as autoridades e se entreguem voluntariamente.
Esta intimação é emitida com base nas leis vigentes e na autoridade da cúpula de Londres em representação de Sua Majestade. É ordenado que Ezekiel Franco Rocha e sua tripulação respondam a estas acusações e cooperem com as autoridades competentes. A não conformidade resultará em medidas rigorosas sendo tomadas de acordo com a lei.
Dado e passado sob a autoridade deste Tribunal, nesta data, [13/05/2242].
[Assinatura do Juiz: Albert Andrés]
[Nome do Juiz: Albert Andrés]
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— Ezekiel, isso quer dizer... — Poul estava incrédulo, passando a mão no rosto compulsivamente.
— Sim, Poul, agora somos considerados criminosos...
Sarah estava com uma expressão terrível, tapando a boca em choque. Suzuhara, sentindo suas pernas fraquejarem, se sentou no degrau mais próximo. Victor, com o olhar vazio, mexia no nariz distraído, sem qualquer brilho nos olhos. Sofia parecia imóvel, mas sua mente devia estar em turbilhão. Vincent permanecia em seu usual silêncio taciturno. E eu? Eu estava perdido, minha mente mergulhada em confusão. Até poucas horas atrás, eu era uma das figuras mais proeminentes de Londres, sem falhas em minhas missões. Agora, eu tinha o sangue de milhares de pessoas em minhas mãos, e num instante, passei de comandante a criminoso.
Diante da dura realidade que se impunhava, a questão ecoava em minha mente: iria me entregar e aceitar meu destino? A perspectiva de minha própria morte talvez não me assustasse tanto quanto a ideia de ver aqueles que me eram queridos sofrerem o mesmo destino. Meus olhos percorreram a sala, pousando sobre cada rosto que representava muito mais do que apenas tripulantes, mas sim companheiros de jornada, amigos e até mesmo família. Não importava o que acontecesse, eu não permitiria que nenhum deles caísse nas mãos de quem quer que se autoproclamasse autoridade.
Se o governo se colocava contra mim, eu me colocaria contra ele. Se insistiam em perseguir minha cabeça, então que viessem buscá-la. Essa era minha resposta a esse governo. Se ousassem tocar em algum membro da minha tripulação, estivessem preparados para enfrentar as consequências. Não hesitaria em usar todas as minhas forças para proteger aqueles que estavam ao meu lado, mesmo que isso significasse desafiar as próprias entidades que se julgavam detentoras do poder. A partir desse dia, as coisas começaram a tomar rumos inesperados.
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Notas:
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