Volume 1
Capítulo 10: Fardo Imposto
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Elizabeth: Ponte de comando
Estávamos na ponte de comando da nave, à beira de uma fuga iminente, pois não tínhamos mais opções. Uma bomba nuclear de Quantum estava prestes a detonar em poucos minutos. O tempo era escasso e não havia espaço para protocolos.
— Sem protocolos! Liguem todos os motores e partamos! — ordenei, ciente de que não tínhamos tempo a perder.
Aqueles que haviam sido afetados pelo gás sonífero já haviam recuperado a consciência. Na sala estavam presentes além de mim, Suzuhara, Poul e Vincent.
Sarah estava na sala médica, cuidando dos feridos, enquanto Sofia vigiava a prisioneira.
— Os motores estão iniciando o funcionamento — informou Vincent, que estava no controle da nave, ocupando o lugar de Victor, que estava ferido.
Ouvi rapidamente o som dos imensos motores entrando em operação. Franzi o cenho e mantive o foco à frente, pois estávamos prestes a deixar para trás inúmeras vidas inocentes.
— Vincent! Suba! — ordenei.
Ele obedeceu e começou a subir. Quando alcançamos certa altitude, os propulsores foram acionados em toda a sua potência, e fomos lançados para frente como se fôssemos um estilingue liberado, escapando por pouco da destruição iminente.
— Comandante... As pessoas... — Suzuhara murmurou, mantendo o olhar baixo, já antevendo o pior.
Tudo que pude fazer foi lançar-lhe um olhar vazio. Nada mais podia ser dito; no fim, as pessoas iriam morrer por minha incompetência.
— Não, você não tem culpa. Eu tenho, meus planos de novo falharam — Poul se culpava, largado em sua cadeira, com a mão em seu rosto.
Ergui-me do meu "trono", tronco ereto e olhar firme à frente, de queixo elevado. Não podia demonstrar hesitação, nem permitir que eles se culpassem. No fim, eu era o comandante:
— Vocês não têm culpa de nada. Eu sou o responsável por tudo. Eu, Ezekiel Franco Rocha, assumo a responsabilidade por todos os atos cometidos.
Todos dirigiram olhares tristes e perdidos para mim, compreendendo o que eu estava tentando fazer.
— Comandante, estamos a uma distância segura — avisou Vincent, indicando uma distância semelhante à da Terra para a Lua. Mesmo nessa distância, sofreríamos os efeitos da onda de impacto caso as bombas detonassem. — Devemos ativar o modo de defesa?
— Não vejo necessidade. — Poderia ser uma precaução sensata, mas não achei necessário. — Apenas manobre a nave e mantenha sua proa na direção de Prometeus.
— Tem certeza, comandante? — indagou Suzuhara, nem era por ela ver a devastação, mas sim por compreender meu estado emocional, sabendo que eu poderia me abalar mais do que o normal. No entanto, era um gesto necessário, um ato de respeito àqueles que estavam prestes a morrer. Assenti com a cabeça em resposta. — Tudo bem então, mas por favor, não se culpe tanto…
Era um pedido fácil de fazer, mas no fim, difícil de cumprir. Como não me culparia? Enquanto refletia sobre as palavras dela, me vi observando aquele planeta, apreensivo por uma única coisa: a nave de fuga.
— Suzuhara! Tente contatar a nave de fuga! — Não podia ser verdade, a única nave que poderia salvar algumas milhares de vidas não dava sinal de saída do planeta.
— Sim! — Ela se inclinou sobre sua mesa, tocando a tela holográfica. — Aqui é a Elizabeth, o que está acontecendo!? Por que não fugiram do planeta!?
Todos ficamos em silêncio, ansiosos por respostas. Gotículas de suor adornavam a testa de Poul. Eu observava atentamente a tela holográfica dela. Vincent mantinha seu semblante apático, olhando à frente.
Até que... Um chiado! Nenhuma voz por alguns segundos, apenas aquele ruído estranho.
— Tente sintonizar! A distância é grande! — exclamei, sabendo que a distância causava interferência e dispersão de sinais. Para piorar, o sol do sistema de Prometeus não estava tão distante, o que significava que sua radiação também interferia.
Ela começou a tentar sintonizar, e o chiado foi se tornando compreensível; não era mais um som estranho, uma voz começou a se formar.
— Aqui é Zaty! Estamos enfrentando problemas! As pessoas... elas estão enlouquecendo!
— Como assim!? Explique! — Poul saltou de sua cadeira com uma velocidade impressionante, dirigindo-se a Suzuhara e tomando as palavras da minha boca.
Tudo começou com apenas a elite sendo aceita na nave de fuga. As pessoas começaram a ficar impacientes, percebendo que seriam deixadas para morrer. Isso gerou desespero; humanos desesperados agem por instinto, e foi isso que ocorreu. Cruzaram as cercas de contenção e travaram uma batalha sangrenta por sua própria sobrevivência. Tudo ficou mais intenso quando nossa nave zarpou, levando consigo a única esperança.
— Por nossa culpa... — Poul, que já estava próximo a Suzuhara, com uma mão na cabeceira de sua cadeira e a outra apoiada na mesa, deixou sua cabeça cair em resignação. Em seguida, ergueu-a novamente para perguntar em tom desesperançoso: — E então?
Após a esperança fugir como covardes, os guardas da nave, que estavam se segurando para não machucar os civis, finalmente utilizaram suas armas e, sem piedade, começaram a disparar. Corpos e sangue inundaram o pátio, enquanto cápsulas de munição caíam no solo como gotas de chuva. Todos entraram na nave e a trancaram.
Ninguém mais podia entrar, mas a nave também não podia partir, pois as pessoas começaram a se pendurar onde podiam, em uma tentativa desesperada e falha de ir junto. Elas estavam condenadas desde o início, mas diante do desespero, as pessoas perdem a razão e a lógica básica. No fim, o peso dessas pessoas impediu a elevação da nave.
Isso foi o que fiquei sabendo depois, mas o que ouvimos naquele dia foi: "As pessoas começaram a ultrapassar as cercas. Assim que vocês partiram tudo ficou mais intenso e elas ficaram enlouquecidas. Atiramos para nos defender, e fechamos as portas, mas elas começaram a se pendurar, impedindo nossa subida pelo peso.”
— Vocês atiraram nos menos favorecidos sem nenhum motivo! Só esperaram nos sairmos! — Suzuhara gritava, suas mãos tremiam.
Ela tinha acessos de raiva ou tristeza ao ver os menos favorecidos sofrendo por culpa daqueles com mais poder financeiro, um dos seus traumas. Mas aquele não era o momento para isso.
— Suzuhara, acalme-se! — gritei num tom sério. Ela me olhou com seriedade, mas obedeceu, baixando a cabeça.
Poul ouviu minha repreensão a ela e tentou consolá-la, tocando seu ombro e balançando-o levemente.
— Comandante, o que faremos? — Ainda com a mão no ombro, Poul me lançou a pergunta, acompanhada de um olhar tenso.
Comecei a acariciar a testa, meu olhar semicerrou com um franzir de sobrancelhas. O que podia fazer? Não podíamos voltar lá, e voltar adiantaria de que? Não havia espaço suficiente em nossa nave.
— Não se- — Fui interrompido pela Suzuhara.
— Senhor! Eles estão tentando uma confirmação! — afirmou ela de olhos arregalados.
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[Nave]
Codinome: Zaty
Classe: Resgate | Geração: 6°
[Armas]
Impulso Mortífero
[Permite Disparo?]
Sim | Não
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Todos olhavam incrédulos, até Vicent, que mal reagia, ficou pasmo observando. As naves da classe resgate eram comuns entre civis; os governos as possuíam para situações exatamente como essa. Como não eram destinadas ao uso militar, seus armamentos eram escassos. Porém, entre eles, havia um tão poderoso que apenas comandantes poderiam permitir o seu disparo.
Esse era o “Impulso Mortífero”, como o próprio nome indicava. Ao ser disparado, um pulso era emitido em todas as direções. Esse impulso continha um reagente que, ao entrar em contato com a pele humana, a dissolvia junto a carne e os órgãos, deixando apenas os ossos. E isso acontecia quase instantaneamente.
Por isso, apenas comandantes podiam autorizar o disparo. Ao ativá-lo, o sinal de permissão era enviado, e a nave do comandante com a autoridade específica o recebia. Cabia ao líder da nave decidir se permitiria ou não o disparo. Se ele recusasse, o armamento ficaria bloqueado na nave de resgate e só poderia ser desbloqueado em um hangar militar oficial. Mas, caso obtivesse a permissão, o pulso seria emitido, reduzindo as vidas em um raio de cinquenta metros a pilhas de ossos.
— Esses desgraçados querem... — Suzuhara, que raramente xingava, amaldiçoava até a quinta geração das famílias daqueles "nobres".
Eu entendia como ela se sentia, especialmente considerando seu passado, onde os mais poderosos não estenderam a mão quando ela precisou. Seu ódio pela elite só cresceu desde então.
Mas eu não podia julgá-los. O desespero não faz distinção de classes sociais. Se fossem pessoas comuns, teriam chegado à mesma atitude, pois o desespero da situação os teria levado a isso.
No fim, seria eu quem daria a sentença final; somente eu poderia permitir ou negar. Firmei meu olhar à frente, minha visão atravessava as janelas e alcançava o planeta que estava prestes a deixar de existir, ou pelo menos ter sua geografia transformada.
— Como comandante da Elizabeth e a autoridade de maior patente neste setor, próximo à Prometeus, a responsabilidade final recai sobre mim.
Primeiro, fixei meu olhar em Vicent, que se recuperou após o choque inicial e agora mantinha uma expressão imperturbável.
Em seguida, virei-me para Poul, cujo rosto mostrava tensão e frustração. O peso do fracasso o abatia, apesar de sua tentativa de manter uma calma superficial.
Por fim, meus olhos encontraram Suzuhara, claramente a mais afetada na sala de comando. Seu olhar para mim era severo, mas sua natureza gentil a impedia de ocultar completamente suas emoções. Seus olhos úmidos suavizaram e um sorriso, ainda que forçado, apareceu em seu rosto.
Suspirei profundamente, cerrei os punhos e fechei os olhos por um momento antes de prosseguir: — E eu carregarei o peso desta decisão sozinho. Vocês não precisam suportar esse fardo.
Se a decisão era minha, o fardo seria inteiramente meu. Simples assim. No entanto, tratava-se da minha equipe, e foi Poul quem se adiantou.
— Para de tentar parecer durão. Somos sua equipe, sua família. Além do mais, se ficar nessa de "o fodão, lobo solitário", as madames são terão olhos para você…
— É, seu bobinho. — Suzuhara ergueu-se da cadeira e juntou-se a Poul, que a envolveu com o braço como um irmão ou amigo. — Somos uma família. Seus fardos são nossos fardos. — Algumas lágrimas escaparam de seus olhos, fazendo-a abaixar a cabeça brevemente, mas logo ela a ergueu com um sorriso terno. — Mas depois disso, quero ir ao melhor restaurante da galáxia…
Esses idiotas... meus olhos marejavam, lutando para conter as lágrimas. E para minha surpresa, assim como a de todos presentes, Vicent tomou a palavra:
— Sim, comandante, estamos com você… — Apoiu em tom baixo, aí ele percebeu todo mundo o olhando como se fosse uma anomalia, e corou. — Quero dizer, como equipe, o certo é tomarmos decisões juntos.
— É, Ezekiel, se até o caladão soltou algumas palavras... você não tem outra opção — interveio Poul, provocando um olhar mortal de Vicent.
Antes de eu dar uma resposta, ouvi as portas atrás de mim se abrindo e passos ecoando com firmeza. Dos meus flancos surgiram aqueles que faltavam: Sofia, Victor com o braço enfaixado e Sarah de braços cruzados.
— Isso é obra sua, Suzuhara? — perguntei, surpreso com a presença deles na ponte de comando e sem entender o que estava acontecendo. A resposta dela veio na forma de um sorriso sarcástico, um "talvez" que confirmou minhas suspeitas.
— Fala sério, meu comandante. Tu realmente acha que deixaríamos você tomar uma decisão assim sozinho? — disse Victor, parando diante de mim com um sorriso alegre.
— Ele está cerreto. Como oficiais, devemos estar a par de todas as decisões tomadas pela ponte de comando. — completou Sofia, posicionando-se ao lado de Suzuhara.
A única que faltava falar era Sarah. No entanto, ao contrário dos outros, que exibiam rostos confiantes para esconder seus receios (exceto Sofia, que permanecia inexpressiva, e Vincent, sendo Vincent), Sarah mantinha o olhar baixo, os braços cruzados apertados contra o corpo, emanando uma tristeza palpável.
— Então vamos votar. — Eu já entendia o motivo de todo aquele pesar, então optei por não comentar.
Já que não me deixariam carregar esse fardo sozinho, optei por uma votação. Aqueles a favor ergueriam os braços.
No final, houve 6 votos a favor e apenas 1 contra, sendo esse contra o de Sarah, que obviamente não queria deixar vidas serem ceifadas. Ninguém a julgou, nem a olhou diferente.
Suzuhara, inclusive, foi até ela para oferecer apoio, abraçando-a com firmeza enquanto Sarah desabava em lágrimas nos seus braços. Era um momento marcado pela melancolia, mesmo com os sorrisos falsos tentando aliviar o peso que pesava sobre nós. Todos sentíamos o ar gélido, com nossos corações inquietos e nossas palavras silenciadas. O silêncio era quase ensurdecedor, sem ser quebrado por nada além dos sons dos controles da nave, das respirações dos presentes e dos soluços chorosos de Sarah.
Sem proferir uma palavra, trouxe novamente a tela de confirmação à nossa vista.
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[Nave]
Codinome: Zaty
Classe: Resgate | Geração: 6°
[Armas]
Impulso Mortífero
[Permite Disparo?]
Sim | Não
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O clique mais pesado de toda a minha vida. Um botão tão pequeno, mas seu simples aperto condenou milhares de vidas à morte. Esse foi o pecado do qual nunca poderia me redimir, um pecado compartilhado por todos nós. Naquele dia, nos tornamos assassinos silenciosos. Tudo o que fizemos, após minha permissão, foi observar o planeta Prometeus.
O silêncio persistia, nossos olhos fixos na janela à nossa frente. Após alguns segundos, pudemos testemunhar um objeto escapando da fina atmosfera do planeta. Eles haviam conseguido, mas ninguém a bordo da Elizabeth comemorou; ninguém sequer esboçou um mísero sorriso. Não havia espaço para tal gesto; sorrir seria um desrespeito aos que perderam suas vidas.
Tempo restante: 00:00
Ao zerar do cronômetro, nossos corações saltaram e nossos olhos se mantiveram firmes na direção da destruição iminente. No início, testemunhamos um enorme clarão. A própria Elizabeth ativou o modo de escurecimento das janelas para proteger nossos olhos, mas mesmo assim, quase todos na sala de comando hesitaram em olhar diretamente. Eu, porém, permaneci firme. Não desviaria o olhar, mesmo que queimasse minhas retinas.
Em seguida, testemunhamos a onda de choque emanando do planeta. Ela escapou de suas fronteiras e viajou pelo espaço. Mesmo estando a uma distância segura, pudemos sentir o impacto contra a nave, que foi sacudida com violência.
Os alarmes soaram, ressoando como se tivéssemos sido atingidos por um tiro de canhão direto. Nossos rostos foram banhados pelo vermelho pulsante das sirenes, que giravam incessantemente.
Naquele momento, tudo ao redor de Prometeus já estava devastado. A onda de choque arrasou todas as estruturas presentes no planeta, proporcionando-nos a visão mais aterradora que nossos olhos já testemunharam. O imenso planeta se partiu ao meio, uma fissura colossal que se estendia por quilômetros de distância, abriu-se.
Por fim, ocorreu o desfecho final, para todo aquele inferno, uma explosão colossal, uma imensa bola de fogo que ascendeu aos céus, incendiando tudo em seu caminho. A temperatura extrema fez com que o planeta entrasse em ebulição, e tudo em sua superfície foi reduzido a cinzas ou simplesmente deixou de existir, sendo desintegrado. Assim, chegou ao fim o destino de Prometeus e de toda e qualquer forma de vida presente em sua superfície.
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Notas:
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