Volume Único
Capítulo 4: Busca
Movi o lápis atentamente. Partículas de chumbo aderiram ao papel. Curvas se sobrepunham umas com as outras e, gradualmente, o bloco de desenho branco começava a ficar preto. Mas ainda assim, não pude capturar totalmente a paisagem em minha mente.
Todas as manhãs, eu pegava o trem para a escola em meio a hora do rush. Assistia às aulas tediosas. Comia com Tsukasa e Takagi. Atravessava a cidade, olhava para o céu. Em algum momento, o azul do céu tinha começado a ficar mais escuro. As árvores à beira da estrada começaram a ganhar cor.
À noite, no meu quarto, eu desenhava. Minha mesa está enterrada em meio a enciclopédias emprestadas da biblioteca. Procurei imagens de montanhas de Hida no meu celular, à procura de uma que correspondesse à da minha memória. Tentando de alguma forma capturá-la no papel, eu movia meu lápis.
Nos dias em que o asfalto cheirava à chuva. Em dias claros, quando as nuvens brilhavam no céu. Nos dias em que a poeira amarela entrava com os fortes ventos. Todas as manhãs, eu pegava o trem lotado para a escola. Ia trabalhar. Alguns dias pego o mesmo turno da Okudera-senpai. Tento o meu melhor para olhá-la nos olhos, sorrir e falar normalmente. Quero ser justo e igual com todos.
Algumas noites são tão úmidas como se ainda fosse o pico do verão, e outras noites são frias o suficiente para usar uma jaqueta. Não importa que tipo de noite é, quando desenho minha cabeça fica quente, como se um cobertor a envolvesse. Gotas de suor caem no meu bloco de desenho, desfocando as linhas. Mesmo assim, a paisagem daquela aldeia que vi quando era Mitsuha tomou forma lentamente.
No caminho para casa eu andava, em vez de pegar o trem. A paisagem de Tóquio muda a cada dia. Shinjuku, Gaien, Yotsuya, perto de Benkeibashi, em Anchinzaka. Gruas surgiam de repente, construindo torres de aço e vidro que se elevavam no céu. Além dessas torres jazia a metade da lua.
Eventualmente, terminei alguns esboços da aldeia à beira do lago.
Este fim de semana, eu vou sair.
Quando me decidi, senti meu corpo tenso começar a relaxar pela primeira vez em algum tempo. Cansado demais para ficar de pé, repousei minha cabeça na mesa.
Antes de adormecer, fiz o mesmo desejo novamente.
Mesmo assim, como sempre, eu não se tornei Mitsuha no dia seguinte.
✧ ✧ ✧
Para começar, pus cuecas para três dias e meu caderno dentro da mochila. Imaginei que pudesse estar frio, então coloquei em uma jaqueta grossa com uma grande capa. Amarrei minha pulseira de sorte no pulso e saí de casa.
Porque saí um pouco mais cedo do que eu costumo ao ir para a escola, o trem estava vazio. Mas, como sempre, a estação de Tóquio transbordava de gente. Depois de esperar na fila atrás de um estrangeiro arrastando sua bagagem, comprei um bilhete de Shinkansen para Nagoya e me dirigi para a bilheteria Toukaidou Shinkansen.
Então, eu vi algo que me fez duvidar de meus próprios olhos.
— P-por que vocês estão aqui!?
Ao lado do pilar à minha frente estava Okudera-senpai e Tsukasa.
— Hehehe, nós viemos! — Senpai disse com uma risada.
...Quem é você, uma personagem de algum tipo de anime moe?
Olhei para Tsukasa. Ele devolveu o olhar com um rosto indiferente que parecia dizer “algum problema?”.
— Tsukasa seu maldito, te pedi para inventar uma desculpa aos meus pais e para cobrir meu turno no trabalho, não pedi!? — Reclamei com o Tsukasa, que estava sentado no banco ao meu lado, com uma voz tão silenciosa quanto possível. A área livre do Shinkansen foi inundada principalmente por empresários e seus ternos.
— Eu pedi a Takagi para cobrir você no trabalho — Tsukasa respondeu casualmente. Ele levantou seu celular para eu ver. “Deixe comigo!” Com um grande legal, de Takagi — mas você me deve comida.
— Que merda... — murmurei amargamente.
Confiar em Tsukasa foi um erro. Eu tinha planejado faltar a escola hoje, o que me dava três dias, hoje e o fim de semana, em Hida. Como desculpa, pedi Tsukasa para dizer a todos que eu tinha alguma necessidade urgente para visitar um conhecido.
— Eu vim porque estava preocupado com você, sabe? — Tsukasa disse. —Não posso deixá-lo sozinho agora, posso? E se você se meter em um esquema perigoso?
— Esquema perigoso?
Do que ele está falando? Quando levantei minha sobrancelha para Tsukasa, Okudera-senpai se inclinou do assento ao lado dele e me olhou.
— Taki-kun, você vai encontrar uma amiga da Internet?
— Hã? Ah, na verdade não... isso foi apenas um jeito fácil de explicar...
Ontem à noite, Tsukasa não parava de me incomodar até que contasse a ele o que eu estava indo fazer, então vagamente disse que era alguém que conheci em rede social.
Tsukasa se virou para senpai e disse em tom sério:
— Achei que poderia ser um site de namoro.
Eu quase cuspi o chá da minha boca.
— Não!!
— Bem, você tem agido realmente estranho ultimamente. — Tsukasa fez um rosto preocupado enquanto estendia uma caixa de Pocky para mim. — Vou vigiá-lo de longe.
— O que eu sou, um estudante do primário?
Olhando minha reação irritada, Okudera-senpai deu um curioso “hmm?”. Ela definitivamente tinha algum tipo de mal-entendido também. Isso não pode dar em nada de bom, pensei. Em breve estaremos chegaremos a Nagoya. Uma voz do alto-falante ressoou por todo o vagão.
Minha troca com Mitsuha tinha começado de repente e terminou de repente também. Não importa o quanto eu pensava, não pude encontrar uma lógica. À medida que as semanas passavam, minha suspeita de que tudo não passava de um sonho realista crescia cada vez mais.
No entanto, eu tinha alguma prova. Nunca iria acreditar que as palavras deixadas por Mitsuha no aplicativo de diário haviam sido escritas por mim. Além disso, nunca teria planejado um encontro com Okudera-senpai apenas por conta própria. Não havia dúvida: a garota chamada Mitsuha existia. Eu tinha sentido seu calor e seu batimento cardíaco, eu tinha ouvido sua respiração e sua voz vibrante ecoando em meus tímpanos, eu tinha visto o vermelho vivo que reveste suas pálpebras. Ela estava tão cheia de vida, estava convencido de que, se ela não estava viva, então não havia vida em nenhum lugar. Mitsuha era real.
E por ela ser tão real, quando a nossa troca abruptamente acabou, um sentimento extremo de inquietação me dominou. Talvez algo aconteceu com ela. Como uma febre. Ou talvez um acidente. Mesmo que esteja pensando coisas demais, Mitsuha também deve estar ansiosa com isso. É por isso que decidi ir encontrá-la diretamente. Mas, bem…
— Hã?? Você não conhece o lugar? — Perguntou uma Okudera-senpai chocada quando nos sentamos no trem expresso “Hida” comendo obentos da estação.
— Uh...
— Sua única pista é a paisagem da aldeia? Não pode entrar em contato com ela? O que é isso!?
Por que sou o único a ser responsabilizado quando eles decidiram me seguir por conta própria? Olhei para Tsukasa procurando ajuda.
— Bem alguém é não é bom em planejar. — Ele disse enquanto engolia um miso katsu.
— Eu não estava contando com vocês! — Minha voz involuntariamente deu um grito. Isto era apenas uma divertida viagem de campo para eles. Senpai e Tsukasa olharam para mim com rostos que pareciam dizer “ele não tem jeito”.
— Bem, que seja. — Senpai disse. De repente, seus lábios se abriram em um sorriso e ela bateu sua mão no peito com orgulho. — Não se preocupe Taki-kun! Vamos te ajudar a procurar.
✧ ✧ ✧
— Ahh-- tão fofo--! Hey Taki-kun, olha, olha--!
Em algum momento depois do meio-dia, finalmente chegamos a uma estação em uma linha local e senpai estava ocupada admirando um animal de pelúcia da mascote local: uma vaca Hida usando um chapéu de empregado da estação. O som do celular de Tsukasa soou por toda a pequena estação.
— Inútil…
Examinando um mapa na parede, confirmei a suspeita de que estes dois não seriam de nenhuma ajuda. Parece que tinha que descobrir as coisas sozinho. Já que eu não sabia a localização exata da aldeia de Mitsuha, o plano era ir de trem até o cenário parecer semelhante com o da minha memória. Depois disso, minhas únicas pistas seria o que desenhei no meu caderno. Iria gradualmente viajar para o norte ao longo das linhas locais, mostrando meus esboços para os habitantes e perguntando se parecia familiar. As cenas em minha memória incluíam um cruzamento da estrada de ferro, assim que procurei ao longo das linhas do trem pareceu ser a escolha mais eficaz. Era um método bastante incerto e pouco digno de ser chamado de plano, mas não imaginava nenhuma outra maneira. Além disso, as aldeias na beira de um lago provavelmente não eram muito abundantes. Tinha confiança de que encontraria algum tipo de dica ao anoitecer, embora essa confiança, infelizmente, não fosse apoiada por qualquer evidência. Decidir começar perguntando ao motorista de táxi parado fora da estação, dei um grande passo à frente.
✧ ✧ ✧
— Sem sorte, hein...
Exausto, me sentei em um banco de ônibus e enterrei minha cabeça em minhas mãos. A confiança transbordante tinha quando comecei a pedir informação já acabou. Depois de obter um indiferente “não conheço” do primeiro motorista de táxi, fui a delegacias, lojas de conveniência, lojas de souvenir, hotéis, restaurantes, perguntei a todos, desde os agricultores até crianças do ensino fundamental e no final não obtive nada. Seguir de trem que só passavam a cada duas horas não era confiável, de modo que descobri que poderia pegar um ônibus e obter algumas informações das pessoas que iam nele ao mesmo tempo. Claro, nós acabamos sendo as únicas pessoas no ônibus e, depois de ter perdido a vontade de perguntar ao motorista, nós simplesmente andamos até a última parada, que, pelo que posso dizer, era uma área desabitada tomada pela vegetação.
Quanto a Tsukasa e Okudera-senpai, passaram o tempo todo ocupados com shiritori¹, cartas, jogos de Facebook, pedra papel tesoura, ou biscoitos, desfrutavam plenamente sua experiência de viagem de campo. Eventualmente, ambos acabaram dormindo pacificamente no passeio de ônibus com suas cabeças inclinadas em meus ombros.
— Eeh! Você já está desistindo, Taki! — Me Ouvindo suspirar, Tsukasa e Okudera-senpai perguntaram em juntos enquanto bebiam refrigerantes na frente da estação de ônibus. — Mas nós trabalhamos tão duro!
Soltei outro suspiro, dessa vez meus pulmões quase saíram juntos. O traje hardcore de caminhada da Senpai e as roupas para um passeio na vizinhança de Tsukasa estavam realmente começando a me irritar.
— Vocês não fizeram absolutamente nada...
Os dois fizeram uma inocente “oh?” em resposta.
✧ ✧ ✧
— Vou querer um ramen Takayama.
— Vou ter um ramen Takayama.
— Bem, então vou querer um ramen Takayama também.
— Ok, três ramens! — A voz da velha ecoou por todo o restaurante.
No estéril caminho até a estação vizinha estranhamente distante, descobrimos milagrosamente uma loja de ramen e corremos para lá. O sorriso da velha senhora que nos cumprimentava ao entrar era como um esquadrão de resgate finalmente chegando ao local de um desastre.
O ramen também foi delicioso. Ao contrário do que o nome sugeria, era apenas ramen normal (pensei que poderia ter carne da Hida nele ou algo assim), mas podia sentir meu corpo ser recarregado enquanto devorava o macarrão e os legumes. Depois de beber toda a sopa e mais dois copos cheios de água, finalmente parei para recuperar o fôlego.
— Você acha que vai ser capaz de voltar a Tóquio hoje? — Perguntei ao Tsukasa.
— Hmm... talvez. Pode estar perto. Vou ver isso. — Ele parecia surpreso, mas ainda assim largou o celular e começou a procurar o caminho de casa.
— Obrigado — eu disse.
— ...Taki-kun, está realmente tudo bem com você? — Senpai, que ainda não terminou de comer, perguntou de outro lado da mesa.
Não sabendo como responder imediatamente, olhei para fora da janela. O sol ainda se demorava sobre os picos das montanhas, iluminando fracamente os campos ao lado da estrada.
— Como posso dizer... estou começando a sentir que não estou nem perto — murmurei, em parte para mim mesmo. Talvez fosse melhor voltar a Tóquio e pensar em outro plano. Já seria difícil com fotos, mas procurar uma aldeia só com estes esboços? Talvez tenha sido uma ideia louca, pensei enquanto pegava meu caderno e olhava para ele. Casas em torno de um lago redondo: nada mais do que uma cidade rural genérica. Realmente pensei que sentia algo quando terminei o desenho, mas agora ele só se parece com qualquer cena do campo.
— Isso é a velha Itomori, não é?
Eh? Me virando, observei a velha senhora em seu avental, enchendo meu copo vazio com água.
— Você desenhou isso jovem? Posso ver um pouco? — Perguntou a velha senhora, me tomando o caderno de rascunhos. — É bem desenhado. Ei, querido! — Nós três olhamos com a boca aberta enquanto a velha chamava da cozinha.
— Ahh, realmente se parece com a velha Itomori. Traz velhas memórias.
— Meu marido é de Itomori.
O velho que saiu da cozinha examinou o esboço atentamente.
— Itomori?
De repente, me lembrei. Me levantei da cadeira.
— Itomori... Aldeia de Itomori! É isso aí! Por que não me lembrei antes? Aldeia de Itomori! Isso é perto daqui, certo!?
O casal parecia chocado. Eles olharam um para o outro com olhares suspeitos.
— Você... você sabe, certo? A vila de Itomori... — o velho finalmente falou.
Do nada, Tsukasa se meteu na conversa.
— Itomori... Taki...
— Eh, aquela do cometa! — Até mesmo Okudera-senpai falou.
— Eh...? — Confusa, olhei para todos. Todos estavam me olhando estranho. A sombra de algo na minha cabeça, algo sinistro que tinha estava lutando para sair durante todo esse tempo, se fez presente.
✧ ✧ ✧
O grito solitário de um único milhafre negro permanecia no ar.
A barricada que proibia qualquer entrada adicional se estendia por milhas, lançando uma sombra sobre o asfalto rachado abaixo dele. Pela Lei Fundamental da Contramedida de Desastres, não poderíamos dar mais um passo. NÃO ENTRE. Agência de Reconstrução. Qualquer placa coberta de hera tinha essas palavras.
E diante dos meus olhos estava a aldeia de Itomori, ou melhor, o que restava dela. Uma força enorme a agarrou e a separou, deixando a maior parte dela engolida pelo lago.
— ...Este é mesmo o lugar? — Senpai perguntou, sua voz tremendo.
Sem esperar que eu respondesse, Tsukasa disse excessivamente alegre:
— Não tem como! Tenho dito isso esse tempo todo, Taki só fez uma suposição errada.
— ...Não tem erro. — Tirando meus olhos das ruínas abaixo, olho para os outros ao meu redor. — Não apenas a aldeia. O colégio, o campo ao redor, as montanhas próximas... me lembro de todos eles claramente! — Para conseguir falar, não tinha escolha a não ser gritar. Atrás de nós havia um prédio de escola manchado de fuligem, com algumas janelas de vidro quebradas aqui e ali. Estávamos no terreno do Colégio Itomori, do qual você poderia olhar para o lago inteiro.
— Então esta é a aldeia que você estava procurando? O lugar onde sua amiga da internet mora? — Tsukasa perguntou em voz alta, meio rindo do quão ridículo era tudo isso. — Como poderia?! Esse desastre foi há três anos, onde centenas morreram... você se lembra também, não é Taki!?
Ao ouvir essas palavras, finalmente olho Tsukasa nos olhos.
— ...Morreram? — Eu estava olhando para ele, mas meu olhar foi além, em linha reta através do colégio, acabou sendo sugado para o nada. Meus olhos estavam funcionando, mas não estava vendo nada.
— ...Morreram... há três anos?
De repente, me lembrei. O cometa que vi no céu de Tóquio há três anos. As inúmeras estrelas cadentes no oeste. Aquela cena linda, como algo saído de um sonho. A emoção daquele momento.
Morreram?
...Não.
Isso não podia ser verdade.
Procurei palavras. Procurei evidências.
— Não pode ser isso... olha, tenho as mensagens no diário que ela escreveu. — Peguei meu telefone e freneticamente abri o aplicativo, como se a bateria estivesse acabando, isso levou um segundo muito longo. As mensagens estavam lá, como esperado.
— ...! — Esfreguei os olhos em descrença. Por um momento, pensei que ver as letras moverem. — …O que!
Uma palavra, depois outra.
As palavras que Mitsuha escreveu começaram a se deformar em símbolos sem sentido, e então, eventualmente, assim como uma vela, elas tremiam por um breve segundo antes de desaparecerem. Assim, as mensagens escritas por Mitsuha pereceram uma a uma. Era como se uma pessoa invisível estivesse de pé ao meu lado, pressionando o botão “delete”. Por fim, nenhuma das palavras de Mitsuha continuava na tela.
— Por que... — Não podia fazer nada além murmurar baixinho em desespero. Distante no céu, o grito de um único milhafre negro ecoava.
✧ ✧ ✧
O cometa de Tiamat, que gira em torno do sol com um período de 1200 anos, chegou à sua passagem mais próxima à Terra há três anos, em outubro, exatamente nesta mesma época do ano. Seu período ultralongo supera o cometa Halley, que visita a cada 76 anos, e seu eixo orbital se estende por surpreendentes 16,8 bilhões de quilômetros. Uma visita do cometa de Tiamat é verdadeiramente um evento raro. Seu perigeu é estimado em cerca de 120 mil quilômetros de distância da Terra, em outras palavras, a cada 1200 anos, passa a uma distância mais próxima do que a lua, deixando para trás uma cauda azul cintilante no céu acima da metade do globo. A vinda do Cometa de Tiamat tinha colocado o mundo inteiro em um clima festivo.
Mas ninguém poderia ter previsto que o núcleo do cometa se separaria quando voasse perto da Terra. E, além disso, escondido dentro desse interior coberto de gelo estava um pedregulho maciço de cerca de quarenta metros de diâmetro. O fragmento separado do cometa se tornou um meteorito que passou através da atmosfera, correndo para a superfície da Terra à velocidade destrutiva de trinta quilômetros por segundo. Seu ponto de contato era o Japão e infelizmente, um lugar habitado por seres humanos: Aldeia de Itomori.
Esse dia acabou sendo o dia do festival de outono da vila. Hora de contato: 8:42 pm. Ponto exato de colisão: o Santuário de Miyamizu, movimentado com as festividades.
Quando o meteorito caiu, uma vasta parte da área centralizada no santuário foi imediatamente aniquilada. A destruição não parou nas casas e florestas, o impacto cavou a própria terra, formando uma cratera de quase um quilômetro de diâmetro. Um segundo depois do impacto, a cinco quilômetros de distância, um terremoto de magnitude 4,8 abalou o chão. Quinze segundos depois, uma onda de explosão varreu a área, trazendo ainda mais destruição. A contagem final de mortes totalizou em mais de quinhentos, que era um terço da população de Itomori. A aldeia havia se tornado o palco do pior desastre de meteoritos da história da humanidade.
Desde que a cratera apareceu ao lado do já presente Lago Itomori, a água fluiu em seu interior, acabando por criar um único Novo Lago Itomori.
A parte sul da aldeia sofreu relativamente pouco dano, mas os cerca de mil cidadãos restantes logo começaram a sair. Antes de transcorrer um ano, o governo local já não podia funcionar adequadamente, e dentro de catorze meses desde o impacto, a cidade tinha praticamente deixado de existir.
Tudo já era contado em livros, então é claro que eu conhecia a história geral em algum lugar no fundo da memória. Três anos atrás, eu era um estudante do ensino médio. Me lembro de estar de pé sobre uma colina próxima observando o cometa com meus próprios olhos.
Mas ainda assim, algo estava estranho.
As peças não se encaixavam.
Até o mês passado, eu tinha estado em Itomori como Mitsuha.
Isso significava que o lugar que tinha visto, o lugar onde Mitsuha viveu, não poderia ter sido Itomori.
O cometa e minha troca com Mitsuha não estavam relacionados.
Essa foi a única explicação natural. Era o que eu queria acreditar.
Mas, quando sentei aqui na biblioteca da cidade vizinha e folheei os livros, não pude fazer nada além de duvidar dessa conclusão. No fundo, alguém continuava sussurrando para mim: este é o lugar.
O desaparecimento da vila Itomori – Registro completo
A cidade que sumiu em uma noite – Aldeia de Itomori
A tragédia do cometa de Tiamat
Procurei através dos livros grossos com nomes parecidos na capa. Não importa o quanto eu olhava para eles, tinha certeza de que o lugar representado nessas fotos antigas era o lugar onde eu tinha passado meu tempo como Mitsuha. Este prédio da escola primária era onde Yotsuha ia todas as manhãs. Este Santuário Miyamizu era onde a vovó trabalhava como sacerdotisa. O estacionamento desnecessariamente grande, as duas lanchonetes próximas, a loja de conveniência semelhante a um celeiro, a pequena travessia da estrada de ferro no caminho da montanha e, claro, o Colégio Itomori estavam todas claramente enraizadas na minha memória. Desde que vi a vila arruinada com meus próprios olhos, minhas memórias estavam se tornando cada vez mais vívidas.
Doeu respirar. Meu coração ficou louco, recusando a se acalmar.
Parecia que as inúmeras fotos vibrantes que estavam nas páginas sugavam silenciosamente o ar e até mesmo a própria realidade.
“Colégio Itomori – o último dia” uma foto com esse título descrevia um grupo de estudantes que participavam em uma corrida de três pernas. O par na borda me parecia estranhamente familiar. Uma tinha franjas retas na frente com duas tranças penduradas nas costas, e a outra tinha o cabelo amarrado com um cordão laranja brilhante.
O ar ao meu redor desapareceu ainda mais.
Limpei com a mão quando senti gotas na parte de trás do meu pescoço, só para descobrir o suor transparente.
— Taki — olhando para cima, encontrei Tsukasa e Okudera-senpai em pé. Eles me entregaram um livro. Em sua capa, as letras de ouro em uma fonte solene se liam:
Desastre do Cometa na vila de Itomori – Registro de Pessoas Falecidas.
Eu folheava as páginas. As vítimas estavam listadas pelo nome e endereço, categorizadas por seção da cidade. Meu dedo seguiu até que, ao ver um nome familiar, parou.
Teshigawara Katsuhiko (17)
Natori Sayaka (17)
— Teshigawara e Saya-chin...
Enquanto murmurava esses nomes, ouvi Tsukasa e Okudera-senpai suspirarem. E então, eu os encontrei. Os nomes.
Miyamizu Hitoha (82)
Miyamizu Mitsuha (17)
Miyamizu Yotsuha (9)
Os dois olharam para a lista por cima dos meus ombros.
— É esta a garota? Deve haver algum tipo de erro! Essa pessoa... — Okudera-senpai disse em uma voz que sugeria que as lágrimas estavam prestes a fluir. — Esta pessoa morreu há três anos!
Para combater suas afirmações ridículas, eu gritei. — Apenas duas, três semanas atrás! — Eu não conseguia respirar. Desesperado, continuei, minha voz encolhendo para quase um sussurro. — Ela me disse... que eu seria capaz de ver o cometa... — De alguma forma tirei meus olhos do “Mitsuha” impresso na página. — Então ela não pode... ela não pode!
Olhando para frente, meu olhar se encontrou com meu próprio reflexo na janela escura diante de mim. Quem é você? Pensei de repente. De algum lugar dentro da minha cabeça, ouvi uma voz rouca, distante.
— Está sonhando, não está?
Sonho? Fiquei completamente confuso.
O que diabos eu estava fazendo?
✧ ✧ ✧
O ruído de um banquete veio do quarto ao lado.
Alguém disse alguma coisa, provocando risos seguido de aplausos estrondosos. Isso aconteceu outras vezes. Tentando descobrir que tipo de reunião era, apurei meus ouvidos. Mas não importa o quanto eu tentasse, não pude entender uma palavra. Tudo que consegui entender foi que eles estavam falando japonês.
De repente, houve um barulho alto, percebi que eu estava com a cabeça caída em uma mesa. Devo ter batido a cabeça. Uma dor maçante se apoderou de mim depois de um breve intervalo. Estava morto de cansaço.
Enquanto me debruçava sobre jornais velhos e revistas semanais, eventualmente, as palavras deixaram de ser absorvidas pelo meu cérebro. Verifiquei outra vez a hora no telefone, mas nenhum vestígio das suas entradas no diário estavam lá.
Com a minha cabeça ainda sobre a mesa, abri meus olhos. Em seguida, olhando para a mesa na minha frente, cheguei a conclusão que eu tinha desenhado nas últimas horas.
“Foi tudo um sonho…”
Será que eu quero acreditar ou não?
“Reconhecido o cenário porque tinha visto no noticiário há três anos. E quanto a ela...
Como poderia explicar ela?
“…Um fantasma? Não... foi tudo...”
Tudo…
“...Um delírio meu?”
Assustado, levantei minha cabeça.
....ela.
“...Seu nome, qual era mesmo o nome?”
Knock knock.
De repente, a fina porta de madeira se abriu.
— Tsukasa-kun disse que está tomando um banho — senpai disse quando entrou no quarto, vestindo um yukata² fornecido pelo ryokan³. O quarto estava um pouco frio, mas sua presença foi imediatamente preenchida com uma atmosfera calorosa. Me senti um pouco aliviado.
— Um, senpai. — Me levantei e chamei a senpai, que estava agachada na frente de sua mochila. — Desculpe por dizer tantas coisas estranhas hoje.
Suavemente fechando o zíper na mochila, senpai se levantou. Parecia quase lenta.
— ...Está tudo bem, — ela disse, balançando a cabeça com um leve sorriso.
— Desculpe, só conseguimos um quarto.
— Tsukasa-kun me disse a mesma coisa. — Senpai riu. Estávamos sentados em frente um ao outro em uma pequena mesa perto da janela. — Está tudo bem comigo. Apenas tivemos azar de ter um grande grupo hospedado aqui hoje. O proprietário disse que era uma reunião de um sindicato de professores.
Ela continuou falando sobre como o proprietário a ofereceu peras após seu banho. Eles não podiam ajudar, mas ofereciam algo para senpai. O cheiro do shampoo cheirava a um perfume especial de algum país distante.
— Ah, a vila de Itomori fez o kumihimo. Eles estão bonitos — senpai observou enquanto folheava um dos livros emprestados da biblioteca. — Minha mãe às vezes usa kimono, então também tínhamos alguns desses... Ah, hey. — Ela olhou para o meu pulso direito. — Isso é um kumihimo?
— Oh, isso é... — Coloquei a xícara de chá que eu estava segurando na mesa e também olhei para o meu pulso. Minha pulseira. Uma corda laranja vívida, um pouco mais grossa do que uma linha, estava enrolada ao redor do meu pulso.
…Espere.
Isto é…
— Acho que ganhei isso de alguém há muito tempo... às vezes uso como um amuleto de boa sorte.
Senti uma dor aguda na minha cabeça.
— De quem...? — Eu murmurei. Não conseguia me lembrar. Mas sinto que utilizo esta pulseira como uma dica para que eu possa chegar a algum lugar.
— ...Ei, Taki-kun. — Me voltando para o som da voz suave da senpai, vi seu rosto preocupado. — Por que não toma um banho?
— Banho…
Rapidamente desviei o olhar, voltando os olhos para o kumihimo. Procurei desesperadamente na memória, senti que se eu deixasse escapar agora estaria perdido na eternidade. Há algum tempo, o banquete do quarto ao lado tinha terminado. Os barulho dos insetos do outono enchiam a sala.
“...Ouvi de alguém que sabe fazer kumihimo uma vez”. De quem era aquela voz? Rouca e gentil, como um contador de histórias... “Eles disseram, a corda é o fluxo do tempo em si. Torcendo e entrelaçando, retornando e conectando novamente. Esse é o tempo. Isso é...” Outono. Montanha. O som de um córrego. O cheiro de água. O sabor doce do chá de cevada. “Ou seja, musubi...”
De repente, uma paisagem se espalhou na minha mente. O shintai no topo da montanha. O saquê que ofereci lá.
— Se eu for para lá!
Puxei um mapa da pilha de livros e o coloquei sobre a mesa. Um mapa velho de três anos atrás da vila de Itomori, coberto por poeira em um canto abandonado nas prateleiras de uma loja pequena. Ainda mostrava apenas o lago original. O lugar onde fiz a oferenda deve ser muito longe da zona de impacto do meteoro. Se pudesse chegar lá. Se tivesse o saquê.
Peguei um lápis e procurei o mapa. Estava bem ao norte do santuário e parecia uma gigantesca cratera. Olhei de cima para baixo desesperadamente. Senti como se a voz da senpai soasse ao longe, mas não podia tirar meus olhos do mapa.
✧ ✧ ✧
...kun ...Taki-kun.
Alguém estava chamando meu nome. Uma voz de garota.
— Taki-kun, Taki-kun.
A voz tinha um tom de urgência, como se sua dona estivesse à prestes a chorar. A voz tremeu, como o brilho solitário de uma estrela distante.
— Você não se lembra de mim?
E então, eu acordei.
…Está certo. Este é um ryokan. Tinha adormecido com a cabeça na mesa. Ouvi Tsukasa e senpai dormindo em seus futons através da porta. O quarto estava estranhamente silencioso. Não havia nenhum ruído de insetos ou carros passando. O vento também não soprava.
Me sentei. O som da minha roupa farfalhando soou tão alto que quase me assustou. Lá fora começavam a aparecer vestígios fracos de luz. Olhei para o kumihimo no meu pulso. A voz daquela garota ainda ecoava em meus tímpanos.
“Quem é você?”
Tentei perguntar à garota desconhecida. Claro, não houve resposta. Mas, bem, que seja.
Para Okudera-senpai e Tsukasa:
Há um lugar que preciso ir. Voltem para Tóquio sem mim. Desculpe por ser tão egoísta. Definitivamente vou voltar para casa logo depois de vocês. Obrigado,
Taki.
Rabisquei em um bloco de notas e, em seguida, depois de pensar um pouco, tirei uma nota de ¥ 5.000 da minha carteira e deixei com a nota debaixo da xícara de chá.
Você com quem nunca encontrei. Eu vou procurar você agora.
✧ ✧ ✧
Ele era quieto e direto, mas mesmo assim uma pessoa muito gentil, pensei enquanto observava as mãos idosas segurarem o volante ao meu lado. Ontem, quem nos levou ao Colégio Itomori e à biblioteca foi o velho da loja de ramen. Esta manhã, apesar de ser muito cedo, ele ouviu meu pedido e me levou em seu carro. Se isso não funcionasse, estava planejando pedir carona no caminho, mas tinha dúvidas se alguém estaria disposto a me dar uma carona até as ruínas desertas de uma aldeia. Realmente tive sorte por ter encontrado ele em Hida.
Da janela do lado do passageiro, eu podia ver a borda do Novo Lago Itomori. Metade das casas destruídas e pedaços de asfalto quebrados estavam submersos na água. Mais afastados da costa, pude ver os postes e vigas de aço que saiam da superfície. Mesmo que fosse uma visão incomum, senti que sempre foi assim, talvez porque cresci acostumado a ver na televisão ou em fotos. Assim, confrontados com a cena diante dos meus olhos, não sabia o que sentir – devo sentir raiva, tristeza, medo, ou deveria lamentar a minha própria impotência? O desaparecimento de uma cidade inteira era certamente um fenômeno que superava a compreensão de qualquer pessoa normal. Desistindo de encontrar algum significado na paisagem, olhei para o céu. Nuvens cinzentas pendiam acima de nós, como uma tampa colossal que deus colocou sobre o mundo.
À medida que continuávamos para o norte ao longo do lago, chegamos a um ponto que não poderíamos mais ir de carro. O velho puxou os freios.
— Parece que pode chover — disse, olhando pelo para-brisa. — Esta montanha não é tão íngreme, mas não se esforce demais. Se acontecer alguma coisa, não hesite em ligar.
— Sim senhor.
— E também, aqui. — Ele estendeu uma grande caixa de obento. — Coma lá em cima.
Aceito o presente pesado com ambas as mãos. “O-obrigado...” Por que é tão legal comigo? Oh, a propósito, o ramen foi super delicioso. Nenhuma das palavras que pensei saíram da minha boca e, no final, só consegui murmurar “desculpa”.
O velho cerrou os olhos, tirou um cigarro e o acendeu.
— Eu não sei nada sobre sua situação, — ele começou enquanto exalava fumaça. — Mas aquela foto de Itomori que você desenhou... estava boa.
Meu peito se apertou. Ao longe, um pequeno trovão rugiu.
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Estava andando em um caminho estreito, não confiável. Às vezes, parava para comparar o mapa com o GPS do smartphone. Parece que tudo está indo bem. O cenário parecia vagamente familiar, mas era uma montanha que tinha escalado apenas uma vez em um sonho. Não poderia ter tanta certeza. Por enquanto, era melhor olhar o mapa.
Depois que saí do carro, fiz uma profunda reverência até que o velho desapareceu completamente do meu campo de visão. Enquanto isso, os rostos de Tsukasa e Okudera-senpai surgiam na minha cabeça. O velho e os dois vieram comigo por todo o caminho por estarem preocupados. Meu rosto provavelmente estava para baixo o tempo todo. Provavelmente parecia que eu estava prestes a chorar. Devia parecer tão fraco que, mesmo se quisessem, não poderiam me deixar sozinho.
Não pude me dar ao luxo de continuar para baixo. Não poderia mais esperar pela ajuda de outras pessoas, pensei enquanto o Novo Lago Itomori começou a ficar visível através das árvores. De repente, uma gota de chuva caiu em meu rosto. Pitter patter. As folhas ao meu redor começaram a fazer barulho. Coloquei na minha capa e corri.
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O aguaceiro continuou com tanta força que parecia estar arrastando o chão. Minha pele podia sentir todo o calor no ar sendo sugado pela chuva.
Estava me abrigando em uma pequena caverna, comi o obentou enquanto esperava a tempestade se acalmar. Tinha três onigiri tão grandes quanto meus punhos, vários acompanhamentos, fatias grossas de bife de porco e brotos de feijão fritos em óleo de gergelim. Foi como comer ramen no restaurante, podia sentir meu corpo tremendo ao recuperar um pouco do calor. A cada mordida, sentia isso no meu estômago.
Musubi, pensava.
Água, arroz, saquê... o ato de colocar algo em seu corpo também é chamado musubi. O que entra no seu corpo se conecta com sua alma.
Naquele dia, tinha dito a mim mesmo para me lembrar disso na hora que acordasse. Tentei recitar em voz alta.
— Torcendo e entrelaçando, às vezes retornando, e conectando novamente. Isso é musubi. Isso é o tempo.
Olhou para a corda no meu pulso.
Ainda não tinha sido cortada. Nós ainda poderíamos nos conectar.
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Enquanto continuava ao longo do caminho, as árvores começaram a desaparecer e fui cercado por pedras cobertas de musgo. Sob meus olhos, partes do lago eram visíveis através das aberturas nas nuvens. Eu tinha chegado ao cume.
— …Lá está!
Na minha frente estava a depressão em forma de caldeira e a grande árvore santuário.
— ...É lá mesmo! Não foi um sonho...
A chuva, que se reduziu a um chuvisco, deslizou por minhas bochechas como lágrimas. Enxugando o rosto com as mangas, começei a descer a encosta. No lugar do riacho que me lembrava, agora havia um pequeno lago. A chuva poderia tê-lo inundado, ou talvez tivesse passado bastante tempo desde aquele sonho e a terra mudou. De qualquer maneira, a lagoa agora estava entre mim e a árvore gigante.
Além daqui é o outro mundo.
Alguém me disse isso antes.
Então isso faria com que este fosse o rio Sanzu⁴.
Eu entrei na água. Splash! Fiz um grande barulho, como se tivesse entrado em uma banheira cheia, o que me fez perceber o quão estranhamente quieto era o lugar. Cada passo que eu dava com água até os joelhos, fazia outro grande splash. Senti como se estivesse sujando algo puro com os pés enlameados. Antes que eu chegasse, o local estava em um estado de perfeita tranquilidade. Eu não era bem-vindo. Minha temperatura corporal mais uma vez começou a cair, sendo sugado pela água fria. Eventualmente, fiquei submerso até o peito. Ainda assim, de alguma forma, consegui atravessar todo o caminho.
A enorme árvore estava com suas raízes enredadas ao redor de uma grande laje de rocha. Se a árvore era o shintai ou se a rocha era o shintai, ou se os dois juntos formavam o santuário, eu não sabia. Entre as raízes e a rocha estava um pequeno lance de escadas levando a um pequeno espaço de cerca de quatro tatames de largura.
Havia um silêncio ainda mais profundo.
Abrindo o zíper com as mãos congeladas, tirei meu smartphone e verifiquei que ele não estava molhado. Eu o liguei. Cada um desses movimentos sutis produzia um barulho tão alto na escuridão silenciosa. Um som eletrônico estranho ao ambiente tocou e meu celular se iluminou.
Aqui, nem cor nem calor existiam.
O pequeno santuário iluminado pela luz do celular era de um cinza perfeito. No minúsculo altar de pedra havia duas garrafas de dez centímetros de altura.
“O saquê que nós trouxemos...”
Gentilmente toquei a sua superfície com minhas mãos. De alguma forma, eu não estava mais frio.
— Este é da irmã mais nova — murmurei enquanto pegava a garrafa esquerda, confirmando a sua forma. Quando tentei pegá-la, ela resistiu um pouco e fez um som raspando no seco. Musgo começou a crescer sobre ele — e esta é a que eu trouxe.
Sentei e aproximei meus olhos, usando o meu celular para a iluminar. A superfície originalmente brilhante da porcelana agora era coberta por musgo. Parecia que havia passado muito tempo. Coloquei em palavras um pensamento que estava preso em minha cabeça por algum tempo.
— ...Então, eu estava trocando com a garota de três anos atrás?
Desfiz o kumihimo que selava a tampa fechada. Abri a tampa, também havia uma rolha.
— Estávamos separados por três anos? E a troca parou porque há três anos o meteoro caiu e ela morreu?
Tirei a rolha. O leve cheiro de álcool saía do vaso. Derramei um pouco do saquê na tampa.
— Metade dela...
Trouxe a luz para mais perto. O kuchikamisake era claro e transparente, com algumas partículas que flutuavam aqui e ali. Refletindo a luz do celular, elas cintilavam dentro do líquido.
— Musubi. Torcendo e entrelaçando, às vezes retornando, e conectando novamente.
Trouxe a tampa cheia de álcool para mais perto da minha boca.
— Se o tempo realmente pode voltar... então mais uma vez...
Deixe-me entrar em seu corpo! Terminando meu desejo dentro da minha cabeça, sequei a tampa com um gole. A garganta soou surpreendentemente alta. Calor passou pelo meu corpo. Começou a se espalhar por toda parte, como se tivesse explodido em meu estômago.
— ...
Mas nada aconteceu.
Por um tempo, eu ainda estava sentado.
A temperatura do meu corpo havia aumentado um pouco por razão desconhecida. Uma leve sensação de tontura me dominou. Mas era só isso.
...Nada bom, hein?
Comecei a me levantar, quando de repente o meu pé escorregou. Minha visão girou e girou. Pensei que eu ia cair.
Isso é estranho.
Certamente eu estava prestes a cair de costas, mas não importa quanto tempo esperasse por isso o impacto nunca veio. Meu campo de visão se alargou, e gradualmente o teto se tornou visível. Ainda tinha o meu celular na mão esquerda. Sua luz iluminava o teto.
— ...Cometa! — Gritei instintivamente.
Lá, desenhado no teto, havia um cometa gigante. Era um antigo desenho esculpido na rocha. Um cometa colossal, arrastando sua longa cauda pelo céu. Os pigmentos vermelhos e azuis brilhavam quando iluminados. E então, lentamente, a imagem começou a flutuar para fora do teto.
Meus olhos se arregalaram.
A imagem, o cometa desenhado, estava caindo em minha direção.
Gradualmente, ele se aproximou até que estava bem na frente dos meus olhos. Começou a queimar devido ao seu atrito com a atmosfera, o pedaço de pedra transformado em vidro, cintilante como uma joia preciosa. A imagem apareceu em detalhes tão claros para mim.
Minha cabeça caída finalmente colidiu com o chão de pedra e, simultaneamente, o cometa colidiu com meu corpo.
Notas:
1 Jogo de palavras no qual a palavra seguinte deve começar com a última sílaba da última palavra dita
2 Roupa tradicional japonesa.
3 Hospedaria típica japonesa.
4 Segundo a tradição budista japonesa, é um rio envolto por névoa que separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos