Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 46: Novas aventuras (Fim)

Antes do Sol nascer, Hiroshi acordou e começou sua rotina. 

Agora ele morava no segundo andar da padaria. Suas paredes de madeira mal eram visíveis, cobertas por pinturas variadas, desde desenhos infantis até cenários complexos acompanhados de poemas de artistas renomados que visitaram a padaria, ou por estantes repletas de livros, a maioria presentes de Pavlov. 

Ele prosseguiu com sua sequência de tarefas diárias, nas quais não deixava de fazer um dia sequer. Todas as manhãs, logo após levantar da cama, o padeiro começava o dia lavando o rosto e escrevendo seu diário. Umedeceu um tecido com água e limpou toda a residência, com um espanador tirou o pó de todos seus móveis, lavou e estendeu as peças de roupa, regou as plantas que ficavam na sacada e, por fim, aplicou um perfume de gengibre, semelhante ao que havia recebido de presente por Koji. 

Esse aroma de gengibre não era tão forte quanto o antigo, mas servia o mesmo propósito de ajudar Hiroshi a despertar. 

Tendo terminado as suas tarefas domésticas, ele desceu as escadas e começou a se preparar para abrir a padaria. 

Colocou seu avental, preparou vários tipos de massas, salgados e doces, mas deixou para Boris fazer os passos finais. 

Saiu para dar uma caminhada, checou para ver se Aki estava bem, então meditou por dez minutos, olhando para o céu. 

Quando retornou à padaria, Boris e Hannya já estavam lá. 

— Bom dia. 

— Bom dia Hiroshi! 

Boris trazia as bandejas com os pães frescos e Hannya arrumava, enfileirava e amontoava tudo para ficar o mais atrativo possível. E enquanto isso, Hiroshi escrevia os preços dos produtos em uma grande lousa. 

Depois de terminar de escrever, Hiroshi foi ajudar Boris com os doces mais complexos e o salgado do dia. 

Quando terminaram os preparativos, uma pequena fila já havia se formado em frente a padaria.  

O motivo disso era que esse era o dia antes da folga semanal, o que fazia a maioria dos clientes comprar dobrado e acabar com o estoque rapidamente. 

A qualidade era incomparável, o preço era estranhamente baixo e para compensar essas vantagens, a quantidade do estoque era sempre fixa, independente de quantas pessoas viessem. 

Por isso, surgiu entre os clientes uma regra não escrita de que cada um só podia pegar no máximo dois itens por pessoa.  

— E o que acontece se alguém estiver visitando essa região, não souber dessa regra e comprar mais do que pode? — perguntou uma criança que acompanhava o pai, que o trouxe para poder comprar mais. 

— Se for só um ou dois a mais que o limite, nada. Mas se alguém tentar se aproveitar desse lugar, um monstro vem e come essa pessoa! 

— Isso aí é exagero — disse Smile, que esperava pacientemente na fila. — Eu só dou um sustinho neles. 

De alguma forma ela havia conseguido criar um empreendimento sustentável e de vez em quando aparecia na padaria para recompensar seus melhores funcionários. 

— O de sempre Hiroshi! 

— Um x-tudo duplo, extra carne né? E esses dois? 

— Esse doce de morango, por favor. 

— O mesmo para mim. 

Hiroshi entregou os três pedidos e eles comeram nas mesas que ficavam do lado de fora. 

— Hora de trocar — disse Boris, que alternava com Hiroshi entre atender os clientes e cozinhar. 

Em menos de duas horas, todo estoque acabou e eles fecharam mais cedo. Mas isso não significava que o trabalho havia terminado. 

Pouco depois da padaria fechar, Aki apareceu. 

— Estou com fome. — A pequena e adorável criança havia se tornado um adolescente problemático que vivia arranjando brigas de rua. 

— Deixei seu almoço em cima do balcão, já volto. — Hiroshi não sabia se isso era devido a idade ou a mudança de acontecimento dos mundos, mas qualquer que fosse o caso, ele decidiu deixar ele aprender com os próprios erros, o melhor professor que Hiroshi havia conhecido em sua vida. — Só não mate ninguém. 

Boris foi até a nova mansão de Pavlov para pegar os ingredientes de outros países e as bebidas que haviam sido encomendadas e Hiroshi foi buscar peixes e outras carnes locais frescas. Boris ia de cavalo, Hiroshi ia correndo. 

Com o Sol se pondo, os dois voltavam para a padaria e se preparavam para cozinhar novamente. 

Menu único, seis clientes, dois em dois, uma hora cada. Das sete às dez da noite. Pagamento antecipado. 

— Aqui está. — Os dois primeiros clientes chegavam entregando dois cartões pretos de borda vermelha, o ingresso VIP para o restaurante secreto, junto do dinheiro necessário. 

Dos seis cartões, quatro eram passados de mão em mão, por indicação ou venda direta e dois eram leiloados pelo primeiro cliente do restaurante, uma pessoa influente que vive viajando, indicada pessoalmente pelo imperador. 

O valor desses seis jantares somados era muito mais que o suficiente para manter a padaria, mas ao invés de guardar para si, Hiroshi usava para diminuir consideravelmente os preços dos pratos da manhã e ajudar em construções públicas para melhorar a vida de todos da vila. 

As quatro primeiras pessoas sempre eram rostos comuns, os quatro primeiros clientes ou familiares e amigos deles. 

— Como pode... Venho aqui há anos, mas você sempre consegue me surpreender! 

— Seu velho ganancioso, devia deixar outros virem no seu lugar, nem que seja uma vez a cada três meses.  

Hahaha! Só quando eu morrer e esse cartão virar herança da família! 

Já os últimos dois clientes sempre eram uma surpresa. Algumas vezes eram monstros como a Smile e magos, outras vezes eram japoneses comuns ou estrangeiros. Raramente eram pessoas repetidas.  

É aqui mesmo?... Olá, eu vim para o menu secreto... — Dessa vez eram dois franceses. 

Boris foi traduzindo o que os dois diziam para Hiroshi, mas como todos os novatos, suas expressões falavam tudo. 

— O que eles disseram? — perguntou Hiroshi. 

— Eles querem saber o lugar do próximo leilão para poderem voltar aqui — respondeu Boris. 

— Deseje boa sorte para eles.  

Os últimos clientes partiram com uma expressão eufórica e finalmente os dois podiam relaxar. Depois de arrumar tudo, Boris se despediu e foi para sua casa. 

Mas quando Hiroshi foi trancar a padaria, um jovem com o medo estampado em todo seu corpo apareceu. 

— E-eu desejo solicitar um duelo com o nobre samurai Hiroshi Mizutani, por favor... 

Hiroshi fez sua expressão assustadora para tentar espantá-lo, mas não teve efeito. 

— Estou cansado demais, vá para sua casa e volte amanhã. 

— Não! Tem que ser hoje. 

— O Sota pelo menos tinha a consideração de escolher um horário razoável... 

Após muita insistência, Hiroshi suspirou e desceu até o porão para pegar sua katana empoeirada. 

— O que te fiz para guardar tanto rancor a ponto de arriscar sua vida? — perguntou Hiroshi. 

— Nada!  

— Mas o que? ...Acho que eu estou te reconhecendo, seu avô não é sempre um dos primeiros clientes? Ele até te trouxe algumas vezes se não me engano. É bom parar de brincar com essas coisas perigosas, vou ter que te dedurar para ele. 

— Lute seriamente! Ou vou ter que te matar eu mesmo... — E sacou uma katana de alta qualidade que surpreendeu Hiroshi. 

— Como alguém tão jovem tem algo tão perigoso? 

— Eu matei e roubei o dono dessa arma! Eu o matei enquanto dormia! Eu sou um covarde desgraçado que vai usar tudo que tem para te matar, por isso tente me matar também! Eu não sou digno de viver. 

— Que baboseiras você está falando? 

O jovem tinha uma postura de um guerreiro treinado, ele já havia matado, suas motivações eram diferentes, apesar da idade parecida, Hiroshi percebeu que não conseguiria lidar com ele igual lidou com Sota. 

Ele correu e começou a disparar uma sequência de golpes sólidos, cada corte tinha a intenção de matar, cada ataque era pesado e a velocidade dos ataques não era comum, o desespero faria dele um oponente perigoso. 

Mas não para Hiroshi. 

Ele defendia os ataques com tranquilidade, desviava e contra-atacava com socos que jogavam o jovem para longe, mas ele sempre voltava, cada vez com mais desespero e menos racionalidade. 

— Você está lutando para morrer? Concentre-se! — gritou Hiroshi. 

O jovem parou e começou a chorar. 

— Eu estou. Eu fiz coisas terríveis, eu não tenho perdão. — E correu para voltar a atacar. — Mesmo assim eu quero ter uma morte digna! Sou covarde para a outra forma de morrer honradamente e no campo de batalha não há honra alguma como prometeram! Ao menos se eu morrer em um duelo contra um samurai incrível como você, talvez eu consiga ao menos morrer em paz! 

Hiroshi jogou sua katana no chão, recebeu um corte direto em seu ombro e abraçou o jovem. 

— Não existe tal coisa como uma morte com honra. Você só pode pagar pelos seus erros enquanto vivo. Se você se arrepende pelo que fez, viva! Viva limpando de pouco em pouco cada arrependimento que você tem. Eu nunca vou conseguir me limpar por completo, eu sou um desgraçado muito maior que você. Eu fiz tantas coisas que me arrependo, eu me odeio mais que todos no mundo. Me ouça! Como o sangue pode ser limpo com mais sangue? A sua morte pode acalmar os mortos? Viva e tente fazer o bem, viva e tente ajudar mais do que arruinou.  

O jovem gritou e empurrou Hiroshi. 

— Pare! Eu... — Ele estendeu a mão para pegar a katana de Hiroshi caída no chão, mas seu braço foi segurado. 

— Eu realmente sou péssimo em dar conselhos... Só falar pelo visto não vai adiantar. — Ele bateu no pescoço do jovem, que desmaiou, o amarrou com uma corda, colocou sobre seu ombro que não foi ferido e levou para a casa de seu avô. 

— Hiroshi! O que aconteceu? 

— Leve ele para algum médico, monge ou sei lá. Mas deixe ele amarrado. Ele não está bem. 

— Seu ombro está sangrando! Me perdoe pela atitude do meu neto. — O idoso se curvou profundamente.  

— Eu vou ficar bem, quem precisa de ajuda é ele. 

Hiroshi foi para a casa de Hannya, que depois de tomar um susto, tratou seu ferimento. 

— Desculpe pelo incômodo. 

— Não sei nem o que falar...  

Hiroshi passou a noite em claro. 

— Aki, eu vou viajar por um tempo, mas volto logo. 

 

Fim do volume piloto.

Esse é só o começo, obrigado por lerem até aqui. 



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