Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 4: Primeiro passo

Sua casa era pequena e simples, com teto de palha e paredes de madeira. Essencialmente um cubo.  

Hiroshi não possuía fotos de familiares ou qualquer tipo de decoração, exceto sua armadura — que estranhamente já havia sido organizada — e espada, colocadas em um canto da sala por ele mesmo. Apesar disso, sua casa sempre estava impecável, devido à sua rotina diária de limpeza.  

Ele se encaminhou para a cozinha, colocou as duas batatas sobre uma mesa e começou a pensar no que cozinharia. 

Mesmo tendo uma habilidade única com a espada, Hiroshi não possuía nem uma faca de cozinha em sua casa. A partir desse fato, já era claro que preparar uma refeição seria um grande desafio para o guerreiro.  

— Kuro. 

— Euzinho! — disse a criatura, surgindo da sombras de sua armadura. 

— Você diz que ter de milhares de anos, não é? 

— Ei! É rude perguntar a idade de uma dama! 

… Sério? 

— Brincadeira, eu sou uma entidade, não tenho gênero! A não ser que... 

— Enfim, você tem alguma receita mágica de batata-doce que eu possa fazer? 

— Não! — respondeu de imediato, fazendo um X com seus braços. 

— Não tem ao menos uma? 

— Mágica não, maaas, deixe me pensar... talvez essa funcione, siga cada passo atentamente e não tire os olhos da batata, nem se sua vida estiver em risco! 

— Ok! 

— Passo um, descasque a batata! 

— Por quê? 

— ...Você está falando sério? 

— Qual o problema com a casca? 

— Quer saber, tudo bem, pode pular essa etapa! Acho que não faz mal… 

— Qual é o segundo passo? — perguntou Hiroshi. 

— Corte em pequenos cubos! 

Hiroshi pegou sua wakizashi, jogou a batata para cima e deu inúmeros cortes no ar. O resultado disso foram pedaços irregulares de diversos formatos e tamanhos: triângulos, hexágonos, pedaços grandes e pequenos, sem contar os vários pedaços que voaram para longe. 

— …Você não vai conseguir — comentou Kuro, abandonando as esperanças que tinha no guerreiro. 

— O que muda o formato ser diferente? Fala o próximo passo. 

— Você tem sal? 

— Não. 

— Açúcar? 

— Não. 

— Farinha? 

— Não. 

— Que isso, tá vivendo a base de água? ...Pelo menos tem óleo? 

— Sim, um pouco. 

— Tudo bem, pegue uma frigideira… 

— Não. 

— Coloque um pouco de óleo e ponha no... Como assim não?! — indagou Kuro, confuso. Teoricamente isso não era nem um passo. 

— Eu… não tenho isso. — disse Hiroshi. 

Kuro esfregou as mãos no rosto, sentindo a raiva crescer dentro dele. Esperava que Hiroshi, pelo menos, cortasse a batata com alguma precisão, afinal, era um espadachim.  

Ele esperava que fosse difícil, mas não imaginava que faltaria até o básico.  

Entretanto, após um suspiro, continuou: 

— Tudo bem, eu acabei de lembrar que na China havia um método que os guerreiros usavam para cozinhar no meio da guerra… Pegue seu capacete. 

— Mas vai sujar… — protestou Hiroshi 

— Depois você limpa, pegue logo! 

Hiroshi relutantemente obedeceu, pegando o capacete que usava em batalha. Ele o virou de cabeça para baixo e colocou-o sobre o fogo. Os capacetes dos soldados japoneses e chineses tinham formatos diferentes, dificultando posicionar o fogo embaixo deles.   

Até esse momento, a receita já havia sofrido uma alteração completa. 

— Agora… é só fritar… — disse Kuro desanimado, pois sabia que Hiroshi tinha claramente falhado. 

— Sim! — Mas Hiroshi ainda não percebera isso, já que nunca havia cozinhado apropriadamente na vida. 

Mesmo com Kuro observando atentamente, para a surpresa apenas do cozinheiro, tudo que restou foram pedaços de carvão. 

— Isso é inacreditável! Suas habilidades culinárias são comparáveis às de um mico-leão-dourado! — disse Kuro, com uma voz carregada de sarcasmo e frustração, segurando a risada. 

— O que diabos é isso? É bom ou ruim…? 

— Péssimo! Seria melhor comer fora, assim poderíamos evitar uma morte por intoxicação alimentar. 

— Kuro, você sabe muito bem que não tenho dinheiro para isso. — Administrar dinheiro também não era uma das habilidades de Hiroshi. 

— Por isso mesmo, você come, diz que esqueceu a carteira em casa e sai correndo! Isso sempre funciona! 

— Ou posso procurar um emprego… 

— Você!? Duvido muito que alguém te contrataria! A não ser, é claro, que você volte à guerra. — Um brilho de esperança podia ser percebido no olho de Kuro. 

Hiroshi ignorou. Ele estava mais preocupado com seu próprio almoço, visto que havia queimado sua fonte de alimento. 

Ele então lavou a segunda batata, sem mais se preocupar em prepará-la. Fechou os olhos, inspirou profundamente e se preparou para dar a primeira mordida, mas antes que pudesse fazê-lo, ouviu a porta ser batida.  

Kuro dissipou-se rapidamente, deixando Hiroshi sozinho para lidar com a interrupção inesperada.  

Era incomum que alguém tocasse a sua campainha, então Hiroshi normalmente relacionava situações como aquela à do rapaz que o procurou de manhã. Ele caminhou lentamente até a porta, segurando sua espada com cuidado.  

E apenas abriu a porta o suficiente para ver quem estava do outro lado. Era um homem velho e magro, com roupas sujas e cabelos desgrenhados, parecia um mendigo. 

— Com licença… — disse o homem em sua porta. 

— Não tenho dinheiro — respondeu Hiroshi de imediato, enquanto fechava a porta. 

— Espere! É outra coisa! 

Hiroshi abriu a porta e percebeu que o homem, apesar de estar com dificuldades, carregava uma bonita caixa roxa com estampas de lírios. Nada condizente com a aparência do portador. 

— O g-grandioso Sol do país, m-me ordenou entregar isso! — Então, com todo o cuidado, colocou a caixa no chão e fugiu antes que Hiroshi pudesse dizer qualquer coisa. 

— Esse era... O homem que o governo enviou? 

Confuso com a situação do homem, Hiroshi voltou para casa, carregando a caixa com facilidade. Colocou-a na mesa e abriu, revelando uma carta e algo escondido em um papel marrom. 

Ao abrir a carta, encontrou a seguinte mensagem: 

“O primeiro é uma gratidão pessoal pelos seus notáveis ensinamentos, o segundo é pelas relevantes conquistas na grande guerra.”  

“As duas coisas mencionadas são…”, Hiroshi pensou, desempacotando o papel marrom. 

Ao desembrulhar o papel, ele encontrou duas brilhantes, douradas, valiosas, inacreditáveis, barras de ouro. 

Seu espanto ficou registrado no reflexo do metal. Hiroshi, apesar de ser um soldado de maior importância que um guerreiro comum, só percebeu o quanto o imperador o considerava valioso nesse exato instante. 

Com mais cuidado que teve ao tirá-las da caixa, ele posicionou as barras de ouro devagar sobre a única mesa que tinha. 

— Que exagero. Nem fiz nada que valesse tudo isso... Bem, pelo menos resolveu a minha questão financeira... Hm? — Atrás das barras de ouro, havia mais uma carta: 

“Dinheiro é útil, mas não resolve tudo. Portanto, aqui expresso uma lista de afazeres de itens que julgo serem de extrema importância para uma vida plena e comum, mas que devem ser conquistados por conta própria. 

( ) Resolva os problemas do passado. 

( ) Faça amigos, muitos de preferência. 

( ) Encontre um passatempo divertido, não vale matar. 

( ) Não morra solteiro. 

Quando completar essa lista, nos encontraremos novamente.” 

— A lista é fácil, mas o que faço com esse ouro? ...Amanhã vejo isso. 

Hiroshi arrumou seu futon. 

Apesar de haver uma grande quantia na sua frente, era improvável encontrar alguém disposto a trocar essas barras por qualquer outro tipo de moeda, principalmente àquela hora.  

Hiroshi tentou dormir mais cedo, mas, na hora de se deitar, ficou pensando até a madrugada em como poderia usufruir daquele dinheiro. 



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