Sakurai Brasileira

Autor(a): Pedro Suzuki


Volume Único

Capítulo 3: A feira

Hiroshi, já destacado do que acabara de acontecer, se encaminhou para a feira, famosa entre os agricultores locais. Ela era crucial para ele, que estava com a dispensa desértica, e tinha pouquíssimo dinheiro. 

No caminho da feira, o calor escaldante foi se tornando cada vez mais intenso, causando gradativamente mais desconforto ao guerreiro, que já estava cansado de andar com uma armadura pesada e sem nenhuma sombra à sua cabeça. 

De repente, o guerreiro parou na sua trilha e sentiu a presença de algo estranho, como se alguém o estivesse vigiando. 

Ele virou em torno de si mesmo, tentando encontrar a origem da sensação, mas não havia nada ali, apenas a estrada vazia.  

Com a mão no cabo de sua katana, Hiroshi continuou seu caminho, mas com um sentimento de inquietação e desconfiança. 

Em meio ao calor insuportável, uma leve brisa veio ao seu rosto, o que trouxe um alívio temporário, mas que durou pouco. Depois de uma grande queda na temperatura, a brisa levou embora o ar antes úmido, deixando-o seco. O ambiente escurecia-se, lentamente.  

As sombras das árvores ao longo da estrada se espalharam, como se fossem atraídas por Hiroshi, criando um efeito de túnel ao redor do samurai. O Sol havia desaparecido e, à sua frente, só era possível ver uma pequena extensão do chão de terra. 

Uma névoa negra densa, formada por sombras que pareciam ter vida, começava a surgir.  

Os seus movimentos eram estranhos, como se fossem um líquido escuro.  

Elas concentraram-se ao redor de Hiroshi que, no começo, as interpretou como apenas uma ilusão criada pelo calor e o cansaço. Porém, logo se tornou impossível de ignorá-las, pois estavam em todos os lugares que olhava. 

 

Da neblina, uma criatura surgiu. 

Sua pele era composta por sombras, escuras como a lua nova, formando uma silhueta humanoide.  

“Aquilo” não possuía órgãos nem detalhes.  

Em suas mãos, havia garras longas e pontudas, além de um grande olho, que parecia não pertencer a este mundo.  

Aquele olho parecia conter todo o conhecimento, a sabedoria e o poder, mas, ao mesmo tempo, era assustador e hipnotizante. Era como se penetrasse na alma, conhecendo todos os seus segredos e medos. 

Impossível identificar se era um ser vivo ou morto, a criatura não respirava. O único fato era que estava lá, e seu olho estava fixado em Hiroshi. 

— Ah… Obrigado pela sombra, estava mesmo precisando… Mas precisa mesmo dessa entrada triunfal sempre que você aparece, Kuro? 

— Sim, porque é estiloso! — respondeu a criatura, que não possuía nenhuma boca, mas sua voz podia ser ouvida claramente, como se ecoasse de todos os cantos, diretamente na cabeça de Hiroshi, possuindo um tom levemente irritante, como a de uma criança. — E você, não tem pena nenhuma do garoto? 

— Por que está chamando ele de garoto?  

— Porque ele é jovem, claro! Diferente de você, senhor crise de meia-idade. — Esse comentário foi como uma flechada no peito de Hiroshi, mas o mesmo também sabia como irritar Kuro: 

— Até você acha que eu pareço velho? Você realmente deve ser uma criança. 

— Meia-idade não é tão velho para mim, pode não parecer, mas vivi muuuuito mais do que você! 

— Boa piada, Kuro. Mesmo sendo um demônio, posso adivinhar sua idade pela voz, ah, e eu não estou na meia-idade. 

Hiroshi pensou que Kuro era apenas um fruto de sua imaginação quando o viu pela primeira vez. Mas, com o tempo, descobriu que ele conseguia mexer com as coisas ao seu redor. 

A figura de um anjo da guarda chegou a passar por sua cabeça, mas à conclusão de que era um demônio enviado para atormentá-lo, como algum tipo de punição pelas vidas que havia ceifado, fazia mais sentido.  

— Não sou um demônio, não! Aqueles bichos estranhos… 

— Então é o quê? 

— Sou… Uma poderosa entidade! 

— Uau, sério mesmo?… — disse Hiroshi em um tom morto, não acreditando nele, “se fosse tão poderoso assim, por que estaria em um lugar tão pacato?”. Um pensamento hipócrita, visto que ele se encontrava na mesma situação. 

— Sim, sim… Consigo destruir países sozinhos! — Enquanto falava, Kuro usava suas sombras para materializar o que dizia. Criou uma maquete de uma cidade desmoronando, sem cor, como se fosse feita de sombras. 

— Ah, sei… 

Kuro destruiu a maquete, e a névoa que os cercava se dissipou por completo, revelando que Hiroshi havia quase chegado em seu destino. De alguma forma, sua armadura também despareceu. A criatura ainda o acompanhava. 

— ? Cadê minha armadura? — perguntou Hiroshi. 

— Você não planejava ir à feira com isso, não é? 

— E qual o problema nisso? 

— Nenhum… Se fosse Halloween! 

Hiroshi não conhecia esse termo, mas decidiu nem perguntar, pois, a forte variedade de aromas indicava que já haviam chegado à feira. 

A feira que Hiroshi ia frequentemente era um lugar agitado. Feirantes gritavam, crianças corriam, clientes andavam de uma barraca a outra. Ao menos era o que deveria ser, quebrando suas expectativas, a feira já estava silenciosa.

O que restava agora eram apenas os feirantes, embalando os restos e desmontando as barracas.  

— Só… sobrou isso? 

— Culpa sua por marcar o duelo tão tarde — disse Kuro. 

— Mas eu nem planejava duelar hoje… Ah, tem uma barraca aberta. 

Ir à feira por si só já era um imprevisto, pois a mulher que lhe vendia mochi*, o qual foi servido de café da manhã por muito tempo, não apareceu como de costume, obrigando-o a ir à feira em busca de comida.  

Esse imprevisto não teria sido problema se sua curiosidade de ver o remetente da carta não o tivesse levado a um duelo. 

— Ei… — murmurou enquanto olhava para uma pilha de batatas, gesticulando para que Kuro o ajudasse. 

— Hmm… A segunda da fileira de baixo está boa!  

Estava estragada, o que fez a criatura cair na gargalhada. 

“Só resta olhar uma por vez agora, mas vai demorar demais”, pensou o guerreiro, enquanto sentia a frustração crescer. 

— Que moço estranho! 

— Shiu! Quieto moleque! 

Interrompendo seu incrível raciocínio, duas pessoas que Hiroshi julgou serem mãe e filho discutiam ao seu lado. 

— Senhor, me desculpe pelo imbecil do meu irmão, precisa de ajuda? — Apesar da diferença de idades, na verdade, eles eram irmãos. 

Percebendo a dificuldade de Hiroshi em escolher o tubérculo, a jovem, em exatos 2,7 segundos contados por Hiroshi, escolheu uma batata e entregou a ele. 

— Acho que já te vi em algum lugar… Enfim, pegue, essa está boa — disse, entregando uma batata perfeita em todos os aspectos. 

— Muito obrigado pela gentileza — disse Hiroshi, agradecido, enquanto se curvava levemente. — E você ainda não me disse seu nome. 

— Sou Ayumi, e esse é meu irmão mais novo, Taro — respondeu a moça, apontando para o menino ao seu lado. 

— Prazer em conhecê-los, meu nome é Hiroshi Mizutani. 

— Espere, você não é o... ? Pelo amor de Deus, moleque, o que você fez! Me desculpe senhor! Tenho que ir… — Ayumi se curvou no solo, suando frio. Até mesmo pessoas comuns sabiam da má fama de Hiroshi, o “Demônio de Tokyo”. 

— Sem problemas — disse Hiroshi. 

Ela correu atrás de seu irmão novamente, e os dois foram embora. 

— Só isso mesmo? — perguntou o vendedor da barraquinha, virando-se para Hiroshi.  

— Acho que vou levar outra, caso eu precise — disse Hiroshi, pegando uma pequena batata, que estava aceitável. 

— Ficou… Ficou… 

— Hm? 

— A-atrás de você! — O feirante apontou para trás de Hiroshi com as suas mãos trêmulas e correu para o lado oposto. 

Hiroshi colocou sua mão na bainha de sua katana e se virou. 

— Hahaha! 

O que encontrou foi Kuro brincando de assustar os feirantes de outra barraca, mexendo os restos de peixes como se estivessem vivos. 

— Pare com isso. 

Ao dizer isso, o tal fenômeno paranormal parou no mesmo instante, surpreendendo os feirantes e gerando ainda mais rumores. 

— Oh! Ele é realmente o líder dos demônios! — disse um feirante. 

— Não, ele é tão assustador que nem fantasmas ousam ir contra ele! — disse seu assistente. 

— Mas será que não é ele quem traz essas assombrações?… — sugeriu outro feirante. 

Ninguém além de Hiroshi enxergava a criatura, e essas brincadeiras só contribuíam para a má fama do guerreiro, já que, por onde passava, eventos sobrenaturais e a “má sorte” se manifestavam. 

Hiroshi deixou mais dinheiro que o necessário — para compensar o susto — e se encaminhou para casa. 



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