Volume Único
Capítulo 2: Uma pedra no caminho
A manhã, junto da brisa fresca, logo se esvaía, dando lugar para o calor intenso do meio-dia. Nesse clima que se tornava cada vez mais desagradável, dois homens pisavam sobre uma planície gramada.
O céu estava limpo, a grama era baixa e as árvores ao redor do plano eram diversas e bela, nesse ambiente, um duelo até a morte, sem espectadores ou juiz, estava prestes a começar.
De um lado, o jovem esguio segurava uma espada longa e encarava seu oponente furiosamente.
Do outro, o combatente experiente coçava sua nuca, com uma expressão entediada, divagando a atenção, até notar algo de errado: uma árvore, mais especificamente, sua sombra.
“Aquilo não está… Do lado errado?” — pensou o guerreiro.
Sua armadura ornamentada estava limpa a ponto de reluzir ao sol, mas possuía diversos arranhões e marcas de guerra, mostrando a extrema disciplina e experiência do guerreiro, enquanto o jovem inexperiente e inseguro, só se agarrava a sua sede de vingança.
“Eh… o que eu faço agora?”, pensou o rapaz.
Em um momento de desespero, lembrou-se dos livros de samurais que seu avô lhe recitava quando criança.
— Sota! O nome deste guerreiro é Sota, o justo!
Houve um silêncio por alguns segundos.
— Hiroshi Mizutani, o... Desempregado? — murmurou Hiroshi, confuso e um pouco envergonhado.
Ele sentia que estava conversando com uma criança.
“Quem ainda se apresenta antes de uma luta? Em que ano ele acha que estamos?”, pensou.
Hiroshi observou o rapaz, moveu a cabeça de um lado para o outro e pensou: “Bem, pelo menos ele tem coragem”.
Para saber o resultado desse duelo, bastava olhar para as mãos sem calos de Sota, que ressaltavam sua inexperiência e falta — senão ausência — de treinamento. Sua postura era torta, exagerada e sem sentido. Parecia imitar os atores dos teatros de kabuki, ao contrário de seu oponente, que possuía uma pose perfeita: elegante, imponente e controlada, fruto de anos de treinamento.
Era evidente que Sota teria uma luta difícil pela frente.
— Vou propor uma coisa — disse Hiroshi, que ao ver a figura desfalecida de seu oponente, sentiu pena.
— O quê?
— Uma vantagem, não vou desembainhar minha espada.
— Um duelo em que só um lado pode morrer? Que injusto, me recuso!
Hiroshi começou a se aproximar calmamente, com passos leves e silenciosos em direção a Sota, que estava a quase 10 metros de distância.
O seu olhar, semicerrado, não se focava em nada à sua volta, seus movimentos não tinham nenhuma intenção aparente. A quietude de seu avanço causou uma sensação sufocante em Sota, era impossível concentrar-se em seu adversário.
Confuso, o jovem só teve tempo de observar a ponta da bainha já encostada em sua jugular.
Seus sentidos estavam desordenados, pareceu que o samurai precisou de apenas um passo para se aproximar, como se a distância entre eles tivesse sido magicamente encurtada.
Sua velocidade e precisão superava os rumores mais exagerados a seu respeito. Hiroshi poderia ter facilmente o matado ali mesmo, sem precisar usar a lâmina de sua espada, como o prometido.
— Quer mesmo continuar? — sussurrou Hiroshi no ouvido de Sota.
Na iminência do pânico, Sota respirou fundo.
“Eu devo desistir?... Não! Eu não posso. Agora eu devo mostrar confiança!”, pensou.
— Claro que eu quero! Você só me pegou desprevenido! — disse com um sorriso trêmulo.
Apesar de sua aparente positividade, todos os cenários que simulou em sua cabeça resultavam em sua derrota.
— Tem certeza de que quer continuar?
— Tenho!
— … Não quer mesmo desistir?
— Pare com isso. Nada que disser vai mudar minha decisão.
Hiroshi lançou um olhar intimidador, mas o oponente permaneceu firme — pelo menos aos olhos do samurai, pois na realidade, foi muito efetivo, seu adversário quase urinou nas calças.
Lamentando por ter feito algo tão vergonhoso, Hiroshi tomou distância e voltou à sua posição inicial.
Duelos como esse eram requisitados com certa frequência, mas poucos desafiantes continuavam após a primeira ameaça.
— Estamos sem testemunhas ou juiz, quer contar até três?
“Se a luta se prolongar, ficarei na desvantagem, vou atacar com tudo desde o início!” —Para Sota, esse era o único plano que conseguia pensar no momento.
Respirando fundo pela última vez, Sota começou a contar. — Certo! Um, dois…três!
Tomando a iniciativa, reunindo toda coragem que lhe restava, ele atacou com seu melhor corte na vertical, inofensivo para Hiroshi, que deu um passo para direita e se esquivou com facilidade.
Sota vendo isso redirecionou seu corte para a horizontal, mas sem técnica ou força, a espada perdeu seu ímpeto, e seu corpo, o equilíbrio. Por pouco não caiu sozinho.
Hiroshi evitou esse ataque desajeitado apenas se agachando e, em seguida, revidando com uma rasteira, fazendo Sota perder sua espada e cair no chão em cima de seu braço direito.
— Argh, que golpe baixo! Acha que isso vai funcionar contra...— Sota estendeu seu braço direito e tentou levantar sua espada. — Hã? Está mais... Pesado?
A adrenalina havia mascarado a dor. Sota olhou para seu braço e o viu tremer. Se antes ele levantava sua espada com dificuldade, agora ela era inutilizável.
Hiroshi esboçou uma expressão furiosa, causando mais desespero a Sota.
“Nesse ritmo eu vou perder o horário...”, pensou Hiroshi.
Então, o guerreiro começou a caminhar em ritmo constante até Sota, que ainda no chão, largou a espada e começou a se arrastar desesperadamente.
“O que eu faço, o que eu faço... Pensa, pensa!”
Isso continuou por pouco tempo, até que as costas de Sota se chocaram contra o tronco de uma árvore. Ele estava sem saída.
“Será que, se eu correr, vou conseguir pegar minha espada? Não, impossível ganhar dele em velocidade... A não ser que...” Olhou para o chão, e viu algumas frutas amarelas do tamanho da palma de sua mão.
Imediatamente, Sota pegou uma fruta em cada mão e as arremessou ao mesmo tempo em direção de Hiroshi, se aproveitando dessa distração para correr e pegar sua espada.
Essa distração havia sido efetiva, Sota estava a dois passos de pegar sua espada e Hiroshi, vinte e dois, parado. Estendendo seu braço esquerdo, a um passo de distância da espada, Sota já pensava em sua próxima estratégia, porém, seus planos voaram para longe.
“Como?”, se perguntou ele, agarrando o ar.
Hiroshi chegou antes, chutando a espada de ferro puro para o alto, como se fosse um brinquedo.
As pernas de Sota cederam de medo, mas ele continuou se rastejando para longe com suas mãos, mesmo sentindo a dor latente em seu braço aumentar. Nesse momento, ele percebeu que vencer esse duelo era impossível, seu objetivo se tornou simplesmente sobreviver, mas até seu corpo o traiu, não restavam mais forças para fugir.
— Desiste? — perguntou Hiroshi.
A proposta era tentadora, mas aceitar seria desistir de seu próprio orgulho, e mais importante, seria uma desonra ao seu falecido pai. Sota parou para pensar, mas logo a resposta veio.
— Não! — Morrer era melhor que manchar o nome de sua família.
Ao ouvir a resposta, a paciência de Hiroshi se esgotou. Ele desembainhou sua espada, revelando uma lâmina curvada tão bem cuidada que poderia ser usada como um espelho.
O clima da batalha mudou.
O ar se tornou rarefeito, respirar agora era uma tarefa difícil, seu corpo todo tremia, seus sentidos se enfraqueceram, Sota sentiu o verdadeiro peso de sua decisão.
— D-desculpa... Não... Me... Mate! Eu desisto! Eu desisto! —Morrer pela honra parecia fácil — e legal — apenas nas histórias.
Sota nos últimos segundos, havia voltado atrás em sua decisão, mas já era tarde demais. Agora ele tinha atenção exclusiva dos olhos de Hiroshi, que o julgava como se estivesse medindo o valor de sua vida em uma balança.
Cinco longos segundos se passaram, uma decisão foi tomada, Hiroshi começou a andar em sua direção. Dessa vez, ao invés de encurtar sua distância magicamente, ele apenas caminhou.
Contudo, para Sota, que estava paralisado por medo de o irritar ainda mais, até sua lenta caminhada parecia algo místico. Sua vida dependia da decisão daquele demônio, e como o título indicava, suas chances de sobrevivência eram baixíssimas.
Sota sentiu o tempo se tornar mais devagar, cada passo parecia levar horas, a cada passo ele estava mais perto da morte.
Um passo, ele implorou por misericórdia.
Dois passos, seus instintos gritavam para fugir.
Três passos, lembranças do passado começaram a passar em sua mente.
Quatro passos, seus pensamentos apagaram.
Logo ele estava cara a cara com o guerreiro. A espada se levantou aos céus, pronta para ceifar mais uma vida. Sota fechou seus olhos, se encolheu e esperou o impacto, aceitando sua morte.
Tap.
— Mottainai!— Hiroshi havia virado sua espada de lado e dado uma leve batida na cabeça de Sota.
“O quê?”
Assim, sua vida foi poupada.
— Sota! — gritou uma voz feminina na distância, rapidamente se aproximando.
“Como eu estou vivo? Os rumores estavam equivocados? Ou ele nem mesmo me levou a sério? Será que, para ele, eu era apenas uma...” Sota ignorou a voz, imerso em seus próprios pensamentos.
Uma jovem de aparência comum, vestindo um Kimono e um Haori masculinos de alta qualidade — mas já um tanto surrados — pulou em cima de Sota e começou a chacoalhar ele freneticamente, trazendo-o a força de volta para a realidade.
— Você ficou louco!? — Gritou ela, virando-se para o rapaz. — O que você está fazendo? Isso não é vingança, é só suicídio, seu idiota! O que eu diria para sua família se você morresse aqui!? — Ela o abraçou firmemente.
Sota caiu em si, ninguém o culparia se desistisse desde o início, aquelas fantasias que ele leu não se aplicavam a um jovem que nunca matou antes. Ele começou a chorar compulsivamente, como uma criança que quebra um vaso e chora de remorso na frente dos pais.
Essa visão trouxe a Hiroshi lembranças desagradáveis. Ele se virou e começou a caminhar, comendo uma das frutas que Sota jogou em sua direção.
“Espero que ele não tenha o mesmo destino que eu...”, pensou Hiroshi.
Sota limpou suas lágrimas e gritou:
— Desculpe pelo incômodo! Obrigado... sniff... por me poupar! Eu juro... sniff... que voltarei forte o suficiente para terminarmos isso apropriadamente!
O samurai seguiu seu caminho, deixando para trás os jovens.
— Kōhei, Kōhei… Como eu não me lembro dele? — disse Hiroshi, que lembrava o nome ou a face de cada um que havia matado, não conseguia reconhecer esse sobrenome.
Em pouco tempo, também deixou os pensamentos sobre o duelo para trás, ele tinha coisas mais importantes para se preocupar, como a feira que estava acontecendo na vila, e a possibilidade de encontrar algumas boas ofertas.
...
Quando os dois saíram, a sombra peculiar da árvore não estava mais lá.