Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 9 – Arco 4

Prólogo: Um Lugar Sombrio

Ryota franziu a testa quando sentiu o suor em seu corpo escorrer, acariciado pela brisa fria que adentrava o ambiente em que estava. Era um local escuro, impedindo que pudesse enxergar seus arredores ou o próprio corpo. O calor que emanava de sua pele, sendo expelido, era desgastante e nojento. Em contraste com o local frio, era quase como se ela mesma começasse a se tornar pegajosa, impedindo que seus movimentos pudessem ser reproduzidos de forma adequada.

A garota tentou inspirar fundo pelo nariz, mas os pulmões que deveriam receber aquela nuvem refrescante de ar jamais conseguiram processar o que adentrou em seu corpo. Era semelhante a oxigênio, mas estava longe de ser agradável. Aquilo que surrupiou por suas narinas e vagou por seu interior pareceu arranhá-la. Inalar era um sacrifício constante quando seu corpo estava exausto, viscoso demais para ser movimentado e quente demais para manter-se adequadamente em funcionamento.

Estando o físico em suma dificuldade de cumprir com com o devido papel, era esperado que todo o ar que adentrasse fosse interceptado no meio do caminho. A desidratação contundente trazia consigo o sentimento de que havia algo profundamente errado.

O caminho tracejado pelo oxigênio que adentrou por suas vias queimou a cada segundo, lacerando qualquer esperança de que pudesse respirar adequadamente. Foi como se houvesse uma necessidade muito maior de se esforçar para fazer uma tarefa tão simples, e seus pulmões tornaram-se menores do que originalmente eram. Dito isso, não demorou muito para que o desespero a assolasse, bem como a falta de ar que a impedia de controlar a si mesma.

Se possuísse boca, gostaria de algo para beber e saciar sua sede.

Se possuísse mãos e braços que seguissem suas ordens sem hesitar, gostaria de ser capaz de trazer para perto tudo aquilo que estava fora de seu alcance.

Se possuísse olhos capazes de processar a escuridão que rodeava mente e corpo, desejava ser capaz de descobrir a razão para tamanho sofrimento.

Se tivesse pernas e pés capazes de se locomover naquele espaço sombrio que não diferenciava céu e terra, desejava ser capaz de escapar para longe, alcançando a luz no fim daquele túnel infinito.

Ainda que fosse capaz de experimentar sensações como desespero e sufoco, nada além disso parecia alcançar aquele ser que flutuava no espaço. Lentamente, os sentidos restantes congelavam, e a noção do que seria viver tornou-se distante, inalcançável.

Não havia som para seus ouvidos escutarem, independentemente do quanto se esforçasse para fazê-lo soar.

Não existia boca para abrir, então quaisquer gemidos ou grunhidos jamais poderiam ser expostos. 

Não haviam cheiros para que seu nariz pudesse captar, e sequer era capaz de manter a respiração devidamente estabilizada.

Não haviam objetos ou pessoas à vista, então sua visão jamais foi capaz de compreender o que poderia estar em seus arredores.

O paladar amargo, como se não comesse há dias, induzia que o estado de seu corpo ia lentamente tornando-se cada vez mais e mais decomposto. O frio que arrepiava pelos inexistentes de seus braços a fez se encolher, embora não mais fosse capaz de mover qualquer membro daquilo que representaria seu corpo.

Quando processou as informações, tornou-se capaz de compreender a razão do corpo que era, mas não parecia seu, suava de ponta a ponta. Não obstante em sugar cada centímetro de água que ainda estivesse à disposição, tratando a respiração com dor, o congelamento que mantinha braços, pernas e mente perfeitamente parados foi descoberto.

Em complemento ao calor que rasgava e ao frio que a agonizava, nasceu o desespero.

Não ouvia

Não entendia. 

Não enxergava. 

O ar congelante adentrava seus pulmões e sugava cada pequeno resfolego de vida. A boca que lutava para abrir e replicar palavras jamais foi capaz de expor um único som.

Quando o mundo ao seu redor pareceu desaparecer, e sua existência tornou-se um mero vazio… O caos iniciou.

Quando parecia que seu corpo e mente estavam prontos para se entregarem ao completo nada, à desesperança e falta de noção de espaço ou tempo, foi como se todos os sentidos voltassem a funcionar em um único instante. Ao toque de um mero interruptor. E então, apenas dobraram, triplicaram em sensibilidade, a fazendo berrar unicamente para dentro de si quando todos aqueles sons, imagens e gostos invadiram sua solidão de milênios.

Houve gosto e cheiro de sangue. Ouviu gritos e choros de lamento. Escutou berros de desespero e de socorro. Viu chamas que traziam destruição queimarem sua pele e derreterem cada pedaço seu. Os sentimentos das pessoas que lhe traziam a sensação de vazio foram sendo apresentados, jogados contra sua face, sem permitir que fosse capaz de reagir.

Houve raiva. Houve tristeza. Houve desespero. Houve nervosismo. Houve ódio. Houveram gritos de todos os tipos de tonalidades. Ouviu a si mesma lamentar, berrar e se depreciar para os ares. 

Sentiu calor. Sentiu frio. Sentiu vazio. Sentiu que cada pedaço de seu corpo foi roubado, e as queimaduras ficavam cada vez mais latentes. Sentiu dor. Sentiu desespero, sofrimento e entregou-se à cegueira quando a mente não foi mais capaz de suportar tamanha pressão que fazia o cérebro latejar. 

E, por fim, ela viu

Ela viu os corpos queimarem e agonizarem

Ela viu a mulher estender-lhe a mão, pedindo socorro.

Ela viu as íris douradas com estrelas rirem de sua face desesperançosa.

Ela viu o sangue escorrendo pela face meiga e juvenil das duas crateras.

Ela viu o rosto sorridente da mulher tombar no chão quando sua cabeça foi arrancada.

Ela viu o sorriso melancólico da mulher que amava desaparecer ao vento

Ela viu o rosto de decepção daqueles para quem voltou suas costas.

Ela viu as lágrimas daqueles que perderam tudo

Ela viu a face de ódio estampada no próprio rosto.

Ela viu os corpos daqueles que amava encharcados de sangue, mas ainda assim desejando lhe transmitir um amor ao qual jamais se foi digna de receber.

Ela viu tudo. Ela presenciou tudo. Ela sentiu tudo.

E, no fim, nada lhe restou.

Quando o mundo silencioso foi preenchido por tantas dores, tanto sangue e tantas lágrimas, Ryota sentiu que o completo esvaziou-se, comprimindo-se até desaparecer dentro da própria alma.



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