Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 110: Partida

Desde aquela conversa, os dias começaram a passar. 

E, desde quando despertou, a condição de Zero continuava a mesma.

Ryota cumpriu com sua palavra ao príncipe, e dedicou aquele tempo para recuperar tudo aquilo que uma vez fora da família Furoto. Demandou tempo e muito investimento financeiro, mas ela conseguiu. Houveram provas para suas palavras, e com a bênção de todos da corte real, assim como o novo rei, Ryota finalmente conseguiu todos os documentos.

Ela reconstruiu a mansão destruída da família, pedindo para que mantivessem os cômodos como eram antigamente, e dedicou-se a ficar ocupada todas as horas quanto eram possíveis. Enquanto sua mente era um verdadeiro branco, seu coração tornou-se vazio o bastante para ser capaz de fingir não vê-lo. Na verdade, desde seu despertar e a cena no quarto com Fuyuki e os outros, ela não conversou mais com nenhum deles. Ao menos, não mais que o necessário e sobre coisas sérias, nada além disso.

E, todas as vezes, foi Ryota quem se afastou.

Para evitarem qualquer tipo de contratempo, Fuyuki pediu para trazerem sua mãe para o palácio, onde a colocariam em um quarto de hóspedes. Dessa forma, poderiam trabalhar na recuperação dos dois Adormecidos sem problemas, e prosseguirem com resultados mais rapidamente. Entretanto, ainda que Eliza trabalhasse dia e noite, nada havia surgido, e o medo do futuro ficava cada vez mais evidente.

Ciente de que Ryota estava ocupada com os próprios problemas, mas ainda temendo se aproximar o bastante para tocar em feridas ainda recentes, Edward dedicou-se também ao próprio trabalho. Ainda era difícil fazer tudo aquilo sozinho, e parecia que a solidão iria consumi-lo por completo. Entretanto, estando com a cabeça cheia de coisas para fazer, quase não teve tempo para pensar nisso, o que o ajudou de certa forma.

Dito isso, ainda estava acompanhado de Fuyuki e seus guardiões, Luccas e Marie, que permaneceram na capital durante todo o período de reconstrução. Fanes, assim como Albert, foi velado e seu enterro foi um dia difícil. Todos estavam presentes, e o príncipe segurou a mão de Marie durante o momento. A menina orou por ele até o final, mesmo ele tendo feito tudo aquilo com ela, em respeito aos sentimentos do irmão.

Foram dias, semanas e quase meses se passando desde então. E, quando finalmente estava tudo nos trilhos, quando Ryota terminou de construir a mansão Furoto e a cidade estava praticamente renovada, a garota percebeu que era hora.

Quando Fuyuki a viu entrando na sala de descanso, ficou surpresa. Desde que ela havia despertado, a garota havia perdido completamente seu brilho anterior. Ela parou de usar suas roupas casuais, e as cores chamativas de suas roupas deram lugar a uma tonalidade discreta.

Os cabelos dela cresceram em uma velocidade assustadora, alcançando as costas. Estavam amarrados com certa preguiça, e duas mechas caiam uma de cada lado do rosto. Era possível ver alguns fios brancos que nasciam da raíz, mas a garota não se importou em retocar a cor com tinta.

As roupas eram inteiramente pretas. Usava uma espécie de blazer com capuz que lhe cobria até um as coxas. Uma meia calça tingia suas pernas, e os pés foram cobertos com um par de botas simples, mas tanto o cadarço quanto os botões de sua roupa eram dourados. Em especial, Fuyuki avistou que o botão que prendia o blazer logo abaixo do pescoço possuia um símbolo desenhado nele. Ele era maior do que os demais, destacando-se no visual dela. A forma do símbolo eram como três ramos espirais, semelhantes a ondas, mas ao mesmo tempo a uma ventania. Ela sabia que era o símbolo dos Furoto, e que agora Ryota o usava em suas roupas.

Quando as duas se encararam e o silêncio desagradável nasceu, Fuyuki franziu a testa. Entretanto, antes que pudesse dizer algo, Ryota tomou a frente e falou:

— Estou partindo. 

— E você veio se despedir? — a duquesa demorou para responder, um pouco surpresa.

Ryota apenas piscou para ela em resposta, como se fosse o suficiente.

— Estarei financiando as pesquisas da Maga Celeste durante os próximos meses, então não se preocupe. 

— Para onde está indo.

— Urânia.

Fuyuki a olhou com estranheza.

— O que pensa que vai fazer?

— Vou resolver assuntos pendentes.

— Não parece apenas isso.

— Eu gostaria que parasse de tentar se envolver em coisas que não são de sua conta — respondeu Ryota, fria — Estou apenas lhe avisando que estarei partindo para que não fique surpresa caso descubra tardiamente. Foi apenas uma cordialidade.

— Espera.

Percebendo que Ryota estava pronta para lhe dar as costas e ir embora, Fuyuki a parou erguendo a voz.

— O que aconteceu com você? Eu pensei que… Eu pensei que as coisas voltariam a ser como antes. Nós não nos cruzamos mais nos corredores, não conversamos mais ou bebemos juntas. Por que… Se distanciou tanto? 

— Eu realmente preciso responder? Nossa última conversa no quarto não foi o bastante para você entender?

Fuyuki engoliu em seco ao ser alva das íris azuis escuras que não escondiam hostilidade.

— Somos apenas conhecidas, agora. Não vou me envolver com você novamente, e quero encerrar este assunto respeitosamente, se possível. 

— Mas-

— Não somos amigas, então não me trate como se fôssemos.

Mais uma vez, Ryota cortou a duquesa sem perdão. Não temeu suas palavras ou julgamento, e até esperava que Fuyuki erguesse a voz contra ela. Estava preparada para aquilo.

Entretanto, quando lágrimas surgiram no rosto da duquesa, a máscara dura de Ryota se desmanchou por um instante. E, temendo ceder diante daquilo, virou as costas e saiu às pressas da sala.

— Estou de partida. Conto com você para cuidar deles.

— … Sim.

Eliza e Ryota trocaram palavras baixas e diretas, e a curandeira não a olhou. 

Era melhor assim, de toda forma.

— Estou de partida, mas espero vê-los novamente em breve.

— Para Urânia, não é?

— Estou surpresa que saiba.

Sora não respondeu, o que deixou Ryota um pouco abalada. Ela deveria estar acostumada com a falta de sarcasmo dele desde a coroação, e apenas desviou as íris para mais dentro do quarto, onde Kanami dormia no chão, com uma manta em seu corpo e bichinhos de pelúcia ao seu redor.

— Estarei torcendo para a recuperação dela.

Sora não respondeu outra vez, e Ryota não permaneceu ali por muito mais tempo.

— Está de partida?

— Sim.

Edward falou com ela antes mesmo que Ryota pudesse. Havia ido até seu quarto, onde parecia ocupado com algumas coisas pelas folhas em cima de sua mesa, mas ele abriu um sorriso assim que a viu. Entretanto, quando o tópico da conversa chegou, uma expressão triste surgiu em seu rosto.

— Como lhe disse, não sei quando vou voltar, mas espero que em breve.

Ryota sentia que a única pessoa com quem ainda era capaz de expressar um pouco mais de seus pensamentos e sentimentos fosse Edward. Mas enquanto isso era satisfatório de um lado, era duro de outro. Dito isso, ela apenas falou aquelas palavras que havia dito para todos anteriormente, e deu-lhe as costas.

— Então, se me permite — falou, saindo do quarto.

— Espera um pouco!

Edward correu na direção dela, a parando na porta. Ryota se virou, e de repente sentiu que ele era muito maior do que ela, por alguma razão. Ainda que a tenha parado, Edward ficou em silêncio, como que indeciso sobre o que fazer. No entanto, após um instante para respirar fundo e conter o nervosismo, ele a abraçou.

— Sentirei sua falta, então, por favor, volte em segurança.

Quase parecia que ele era capaz de ver sua apatia — não que fosse difícil. E ouvir aquelas palavras deixou Ryota comovida, mas ela não demonstrou. Sentiu que, se fosse capaz de expressar mais do que aquilo, certamente seria incapaz de seguir em frente com sua decisão. 

— Obrigada.

Foi tudo o que respondeu, incapaz de abraçá-lo de volta antes de dar meia volta e ir embora.

Ryota não levou sua mochila amarela batida. Ela também não foi capaz de olhar para a jaqueta vermelha, que lhe remetia a pessoas e memórias difíceis. Portanto, guardou tudo profundamente em um armário na mansão, pronta para esconder tudo aquilo o máximo que conseguia. Usar roupas escuras parecia mais adequado e agradável.

Quando estava pronta para ir embora, caminhou pela mansão na direção do quarto que ficava no segundo andar. Reestruturada da forma mais semelhante possível à antiga casa, a garota olhou para o rosto do rapaz adormecido. A expressão que revelava serenidade era agradável aos olhos, e Ryota se viu segurando a mão morna dele ao sentar-se no colchão.

O ambiente, apesar de escuro, tinha uma iluminação suave que permitiam ver as silhuetas um ao outro sem dificuldades. As janelas estavam fechadas, mas parte das cortinas revelavam o entardecer. 

— Eu estou indo agora, mas voltarei em breve — disse ela, baixinho — Queria que soubesse que ainda haverão pessoas aqui para cuidar de você enquanto permanecerei fora, mas espero que possamos nos reencontrar muito em breve. Passaram-se apenas algumas semanas desde aquele dia, mas para mim foram como horas. Ainda é difícil de acreditar que não poderei mais ver seu sorriso ou ouvir suas palavras de conforto por algum tempo…

Ryota sentiu as lágrimas subirem aos olhos, mas as conteve. Zero continuou perfeitamente imóvel, mas a garota sabia que, ainda que sua fisionomia não mudasse, o calor de seu corpo indicava sua vida. A assustava imaginar que, no futuro, ele deveria emagrecer e ganhar uma aparência relativamente fraca em comparação à sua forma original, algo que aconteceu depois de dois anos como Adormecida com Coldy Minami. Entretanto, sabia que, desde que sua saúde pudesse ser mantida, ela conseguiria seguir em frente e buscar uma forma de reverter aquela situação.

Ainda assim, fazer tudo aquilo sozinha era doloroso — embora tenha sido escolha dela afastar-se para buscar uma solução àqueles problemas. 

— … Mas prometo que estarei de volta logo, logo. Então, por favor, me espera… E… Se possível, quando nos reencontrarmos, me recebe com um sorriso.

Poderia parecer estúpido para alguns falar com aqueles que não reagiam a estímulos externos, mas algo dentro de Ryota dizia que Zero era capaz de compreender suas palavras. Da mesma forma que Fuyuki sempre passou tempo e conversou com sua mãe durante aqueles anos, ela desejava ser capaz de transmitir calor daquele outro lado. 

Com um sorriso que continha tristeza, Ryota se inclinou e depositou um beijo na testa do rapaz.

Então, colocou-se de pé antes de sair silenciosamente do quarto.

A capital real parecia uma centena de vezes mais tranquila do que na primeira vez que a garota a viu. Afinal, naquela época, ainda se preparavam para a semana de comemoração à coroação real, e mal sabiam eles o que viria dali pra frente. Ryota caminhou pela calçada em um ritmo constante, agregando sua mente apenas ao que estava dentro dela ao invés de reparar nos arredores. Estava, sim, atenta, mas não se prontificou a reparar nos sons ou cheiros que vinham das lojas ao redor.

E então, finalmente, viu-se parada na estação de trem. Por alguma razão, ainda que nunca tivesse ido àquele lugar, memórias de alguns meses eram revividas em sua mente. Ela se lembrava de quando ela, Zero e Jaisen embarcaram em um trem, vindos de Aurora, e partiram na direção da mansão Minami. Na época, sua mente estava ansiosa e o coração confuso demais. Não sabia a que recorrer ou onde depositar aqueles sentimentos, e as justificativas para suas ações não foram capazes de suprimir aquela tempestade dentro dela. 

Fuyuki foi capaz de distinguir a vingança de seu coração como uma desculpa porque ela mesma passava por algo semelhante, e sua maturidade a permitiu recorrer a opções um pouco cruéis para atingir seu objetivo. Ryota, por outro lado, continuou a andar em círculos sem chegar a lugar algum, e aquele era o resultado.

Era difícil pensar na duquesa agora sem sentir-se magoada, mas a garota lutou para não focar-se demais naquilo. Elas eram diferentes — e Ryota estava correndo contra o tempo, então não podia esperar sentada um milagre acontecer nas mãos de Eliza.

Quando o apito da locomotiva chegou aos seus ouvidos, ela ergueu o queixo. Foi nesse instante que sentiu a presença de outra pessoa bem ao seu lado, e baixou lentamente as íris azuis para o garotinho que segurava um filhote nos braços. A surpresa foi reprimida, e apenas o barulho do trem parando diante deles foi ouvido. Ryota não sabia exatamente por onde começar a falar, ou como reagir ao fato de que Dio e seu cachorro estavam vivos, mas a expressão de seriedade dele, assim como o silêncio do filhote, agiam de forma quase que sobrenatural naquele cenário.

— Eu vou com você — declarou ele, direto.

— Não, não vai.

A recusa foi disparada igualmente, mas não pareceu que o garoto recuaria tão facilmente.

— Volte para sua casa — disse ela, e então rumou para dentro do trem.

— Não tenho um lugar pra voltar — revelou, então, o que a fez parar — E todos aqueles que poderia pedir ajuda estão mortos…

Ryota sentiu um peso afundar-se em seu peito, como chumbo puro. Lembrou-se imediatamente de sua falha, e como permitiu uma criança ver e sentir a morte de seus amigos de perto. E, então, de seu arrependimento em não salvar Dio das mãos daqueles que tomaram Zero, Jaisen, e tantos outros, dela. 

Não foi capaz de se virar, pois a expressão em seu rosto era terrível demais para ser mostrada, então, apenas ergueu o tom de voz, que saiu rouco como se acabasse de acordar:

— … Faça o que quiser.

Ela sabia que era uma desculpa, e foram palavras semelhantes às que Fuyuki lhe disse certa vez — e ambas sabiam que, no fundo, não poderiam deixar que inocentes fizessem o que quisessem quando as vidas deles estavam em suas mãos.

Eis uma responsabilidade que não poderia simplesmente largar a mão.

Ryota sentou-se em uma janela e apoiou o cotovelo nela, olhando fixamente para o lado de fora. Diante dela, Dio sentou-se timidamente, e o filhote soltou um grunhido enquanto se encolhia no colo dele. A cabine era espaçosa, e assim que se acomodaram, a porta foi fechada. Imediatamente, outro som agudo soou, e Ryota observou a paisagem começar a se movimentar lentamente.

— … Lion.

Ryota voltou seus olhos azuis escuros para Dio, que sussurrou, e então voltou a falar:

— … O nome dele é Lion — disse, referindo-se ao cachorro — Eu nunca te disse, não é?

Se havia dito ou não, a garota realmente não se recordava. De toda forma, aquilo não parecia realmente importante, então apenas desviou sua atenção para o lado de novo.

— Aonde estamos indo?

Ryota apertou os lábios.

— … Para um lugar bem longe daqui.

A locomotiva acelerou, e o som de suas engrenagens girando quase ensurdeceu a garota quando fechou seus olhos e deixou-se levar pela movimentação agradável, encaminhando-a para um destino incerto.



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