Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 9 – Arco 4

Capítulo 18: Realidade

— … Acho que eu deveria ter esperado algo assim.

Esse foi seu primeiro pensamento assim que o mundo retornou ao normal, mas acabou deixando escapar em voz alta através de um comentário meio frio. 

Quando abriu os olhos depois de sentir a escuridão preencher sua consciência, quase como se tivesse desmaiado, Ryota observou seus arredores. Ela havia desconfiado que algo assim poderia ocorrer, mas ainda assim não se preparou o suficiente para o impacto daquela mudança entre o mundo real e aquele lugar — seja lá onde fosse.

Mas o que a surpreendeu foi que a primeira coisa que enxergou não foi sua mesa de trabalho, onde estava segurando a argila e vários estudantes ao redor se dedicavam na sua prova prática. Na verdade, encontrava-se em um dos corredores vazios do instituto.

Olhando para os lados, não foi capaz de ouvir nada, o que imediatamente a fez deduzir que tanto esse quanto o antigo testes não eram apenas estranhos, mas também a isolavam do que ela conhecia como o mundo exterior ou a verdadeira realidade. Certamente, mais uma vez, usariam alguma de suas fraquezas contra ela.

Na vez anterior, brincaram com sua incapacidade de interagir com as pessoas de forma adequada. Foi um pouco cruel, precisava admitir — mas o que mais havia machucado seu coração foi a forma com que passou naquela prova.

Desprezada pela própria imagem e pisoteada para que desaparecesse, aquela marca ainda residia em seu peito e doía sempre que lembrava.

Mas dessa vez seria diferente. Agora que conhecia a origem das provas, sabia que tentariam tocar em suas feridas sem pedir permissão. Portanto, caso se preparasse com antecedência, não passaria por dificuldades maiores.

Ainda assim, esse teste começou bem diferente do anterior.

Ao invés de despertar ainda na mesma posição, foi como se ela tivesse sido teleportada em um piscar de olhos para outro lugar. Ryota deu alguns passos pelo corredor, ouvindo o eco dos próprios pés, mas até então suspeitava que as coisas seriam semelhantes.

Se eu puder permanecer firme até o final, esse teste será rápido.

Pensando dessa forma para convencer a si mesma, sentiu seu coração estremecer um pouco em determinação. Quando isso tudo acabasse, quando aquela primeira semana de provas chegasse ao fim e pudesse encontrar Sofia Megalos outra vez… Poderia ter todas as suas dúvidas extinguidas. Faria questão de lhe perguntar sobre todas aquelas armadilhas e pegadinhas sem graça.

— Ei! O que tá fazendo aqui, Riri? A gente devia estar indo fazer a prova prática!

Foi nesse instante que um corpo colidiu com o seu, a abraçando por trás enquanto ria com ar de curiosidade. Ryota olhou um pouco surpresa para Bellatrix, que a observava com sua costumeira expressão alegre.

— O que foi? Tá fazendo uma cara engraçada!

— … Ah, nada.

Ryota franziu a testa para a garota que dialogava com casualidade, então refletiu um pouco. Aquilo era a realidade? Era tão estranho… Afinal, foi capaz de sentir o calor dos dois corpos se tocando, a suave colisão e também notou que sua personalidade ainda era a mesma que se recordava.

Então o que havia de tão errado?

— Escuta.

— Vou te escutar se me seguir pra sala da prova antes que a gente se atrase!

— … Certo.

Ainda com uma expressão de suspeita, mas sem razão para recusar, decidiu andar ao lado da ruiva que deslizava pelos corredores com seu patins.

— Nós acabamos de sair de outra sala de aula, certo?

— Hã? Tá falando da sala do Didi? Sim, isso aí. Ele tava todo nervoso, mas na hora ficou empolgado e cheio de coragem depois do que você falou pra ele. Foi tipo um discurso que muda o coração!

Então, esse ainda é o mundo real? Nós acabamos de deixar Dio na sala para sua prova, e aparentemente nada mudou. Será que eu apenas acabei parando no corredor sem querer e me perdi em pensamentos? Ou será que esse teste está tentando enganar a minha mente outra vez?

Não mudando muito sua expressão ao ouvir as palavras de Bellatrix, Ryota apenas continuou a seguir a garota. Como de praxe, elas subiram um andar, onde se separariam para ambas fazerem suas respectivas provas práticas.

Mas a ruiva, ao invés de acompanhá-la na direção da sala de aula, segurou seu braço amigavelmente enquanto a puxava pelos corredores vazios.

— Espere. 

— Hm? O que foi?

Houve um pequeno segundo de hesitação. Como ela reagiria se Ryota dissesse que sabia que o teste seria sobre esculturas? Ou que aquilo tinha acontecido antes? Não, na verdade… Que os eventos estavam seguindo uma ordem de acontecimentos totalmente diferente do original?

Como poderia explicar aquele amargor em sua garganta e desconfiança?

— … Você deveria fazer sua prova prática de teatro, certo?

— Do que tá falando?

— Uh?

As duas pararam no corredor, se encarando em confusão.

— Quero dizer, você está no curso de Artes Cênicas.

— Sim.

— Então-

— Eu estar cursando não significa que não posso fazer outras provas práticas.

— O quê?

Agora ela estava completamente confusa, mas aquela reação apenas pareceu deixar Bellatrix mais animada, pois uma pequena risada escapou de seus lábios.

— É verdade que estou trabalhando em minha atuação, mas agora vamos fazer uma prova prática juntas.

— Juntas?

— Sim!

A ruiva pareceu querer puxá-la de novo, mas Ryota hesitou e não permitiu. Bellatrix notou sua resistência e desistiu de fazer força em seu braço, olhando-a outra vez em confusão.

— O que foi, Riri? Você tá toda esquisita.

— … Onde estão os outros estudantes do instituto?

— Hm? Como assim?

— Eles deveriam estar fazendo suas provas práticas também, certo? Mas não vi ninguém no caminho até agora.

Na primeira vez, quando ambas estavam seguindo em direção à sala de aula para a prova com esculturas, apesar dos corredores serem ligeiramente barulhentos, um pouco de silêncio era perceptível de tempos em tempos. Afinal, as salas eram isoladas acusticamente para evitar que os jovens se desconcentrassem de suas tarefas ou atrapalhassem quem estivesse fora daquele ambiente.

Mas, ao contrário daquela visão, as salas de aula pelas quais passaram não possuíam um único ser vivo presente. Sem aplicadores, sem professores, sem alunos… Completamente vazias.

— Não sei o que está acontecendo, mas não me enganará assim tão facilmente. E pare de agir como se fôssemos próximas quando nem conheço você… Ou melhor, será que realmente é quem diz ser? Essa não é apenas uma máscara que está usando para me controlar?

Ryota puxou seu braço e se afastou, encarando Bellatrix com certa impaciência. 

Essa era a deixa para que a verdade sobre o teste surgisse. Se havia algo naquele mundo que precisasse de um gatilho para ser despertado, suas palavras deveriam ser o bastante. Supostamente, se tentavam imitar as memórias do ocorrido há poucos minutos, mas não o representaram com fidelidade, aquele havia sido um erro grotesco.

Mas, se esse era o caso…

— Do que tá falando, Riri? 

… Por que Bellatrix a observava como se visse uma assombração, algo completamente fora da realidade? Como se visse alguém que perdeu a sanidade?

— Os alunos estão todos nas salas de aula desde o começo… Por acaso, você não percebeu?

— Não minta para mim! Eles não-

Erguendo a voz para a expressão surpresa da outra, Ryota negou sua pergunta e apontou para a sala ao lado com convicção. Mas nesse instante, essa mesma força se perdeu e diminuiu até desaparecer. O dedo indicador que indicava seu lado lentamente se abaixou.

— … Que porcaria é essa?

— Viu?

A ruiva inclinou a cabeça e perguntou em tom baixo, parecendo um pouco preocupada com o que ouviu.

Mas quem estava realmente surpresa — não, chocada — era a própria Ryota.

Afinal, havia sim silhuetas de pessoas paradas dentro daquela sala de aula. Alguém diante de todas as mesas de braços cruzados, observando os estudantes sentados. Não era possível ver adequadamente ou ouvir o que era dito, mas era fato que estavam ali…

— Mas… Por quê? 

… Embora todas aquelas figuras fossem completamente negras como sombras, e ligeiramente opacas o bastante para poder ver através delas.

O sentimento de olhar para elas era o mesmo de encarar uma lembrança perdida e que não era capaz de se preencher, não importava o quanto se esforçasse para isso. Você sabia que elas estavam ali, mas não se recordava de como eram, quem eram ou em que momento chegaram.

— … Por que você está aqui?

A voz sussurrou baixo e em tom de incredulidade, profunda o bastante para revelar a grande tristeza que consumia internamente.

Nada naquele espaço era normal — isso era um fato.

Nem Bellatrix que a olhava em surpresa, ou as figuras de sombras.

Muito menos o rosto conhecido sentado na janela ao lado do corredor… Embora seus olhos estivessem ocultos pela franja e sua concentração se voltasse para o “professor”, Ryota seria capaz de reconhecer aquela mulher em qualquer lugar.

Nunca esqueceria aqueles cabelos ou a forma que sorria para ela sempre que cuidava de seu filho. Muito menos da forma como morreu, esticando-lhe a mão enquanto implorava por ajuda antes de ter o próprio corpo destruído por uma esfera espinhosa e cruel.

— … Não é real. 

Ryota deu um passo adiante, seu corpo se movendo sozinho quando reconheceu a pessoa que tomou o lugar de um estudante. Mas parou imediatamente, diante da porta da sala de aula, quando murmurou aquilo para si mesma.

E lembrou-se de onde estava.

— Não é real. Não pode ser real.

Repetiu outra vez o murmuro para controlar as próprias emoções. Ainda que a mente compreendesse o fato, o coração ferido voltou a sangrar quando foi delicadamente tocado por uma triste memória.

— Não é real. Não é real. Não é real. Não é real…

Sussurrou e murmurou pra si mesma como se entoasse uma maldição. Levou as mãos trêmulas à cabeça e segurou os próprios cabelos, puxando-os com relativa força para que a dor a lembrasse da realidade. Para que as lágrimas que se acumulavam nos olhos não escorressem e não precisasse adentrar na própria mente, sufocando-se naquela dor insuportável outra vez.

— … É mentira. É mentira, é mentira, é mentira. Não é real. Não é real. Não é real. Não é real. É mentira. É mentira, é mentira, é mentira… 

As palavras, ainda baixas, ganhavam força e velocidade quanto mais as repetia. Antes, soavam como uma brisa de verão, levemente melancólicas. Agora, eram como uma rajada brusca e discreta, mas que revelava não apenas a profunda dor e terror, mas um outro sentimento que começou a queimar de seu estômago como uma brasa que voltava a acender.

— R-Riri?

Bellatrix se aproximou com timidez da garota que lutava internamente, e estendeu a mão para tocar seu ombro.

— V-Você está bem?

— … MENTIRA!

— … Ah!

Assustando-se com o grito de fúria que veio de sua boca, a ruiva recuou imediatamente quando Ryota recusou sua mão amiga. A expressão se distorceu em irritação e os olhos não continham mais lágrimas, mas um brilho de impaciência assustador.

— Tudo isso… Todo esse lugar… É mentira.

— D-Do que está falando?

— E pare de fingir que não sabe! Você também é uma mentirosa! 

Era a primeira vez que a via erguer a voz daquela forma, mas também observar uma mudança clara de emoções que parecia distorcer o espaço e arrepiar sua espinha. As acusações machucavam, mas o claro sentimento de dor que estava por trás daquele tom era ainda mais dolorido para uma garota como Bellatrix.

Então, ao invés de indagar a razão disso ou negar como estivera fazendo, mesmo que seus ombros tremessem um pouco de nervosismo e sua voz gaguejasse, a ruiva olhou para as íris afiadas e apenas aceitou suas palavras enquanto eram disparadas.

— … E mesmo sendo uma mentira, esse lugar conseguiu me irritar tão profundamente.

Ryota sussurrou para si mesma enquanto estalava a língua, visivelmente dedicada a negar aquilo que seus olhos enxergavam. E aquela necessidade tão forte fez despertar dentro dela uma grande raiva — para a realidade que insistia em mostrar coisas que não eram reais, para as pessoas que insistiam em mentir, para os sentimentos dentro de si que continuavam a atrapalhar seu raciocínio acima da lógica.

Sem concentrar-se, não seria capaz de salvar as pessoas importantes.

Sem priorizar seus objetivos, acabaria se distanciando da sua determinação e se distrair com bobagens — como o que viera fazendo ao longo daquele tempo ao lado de Bellatrix e Dio.

Exatamente, era isso o que eles eram — distrações. Nada além disso.

Algumas vezes, os via como pedras no sapato que incomodavam. E durante esses momentos, cedeu às suas vontades para evitar dores de cabeça.

Ela não se importava em fazer aquilo para não trazer suspeitas ou magoar inocentes — mas se eles se envolvessem diretamente com seus problemas, as coisas eram diferentes.

Mais pessoas se machucariam, se entristeceriam e talvez até morressem.

Tudo isso por sua causa. Porque não foi capaz de negar estender a mão quando pediram.

Ela era fraca. Era sensível demais. Era incapaz de escolher suas prioridades, e por isso tentou abraçar ao mundo achando que seria capaz de suportá-lo.

Aquela não era a realidade, e nunca seria. Ryota nunca foi capaz de virar as costas pras pessoas que foram gentis com ela, mesmo que pudessem esfaqueá-la a qualquer instante. Ou melhor, foram justamente aquelas que tentaram feri-la ou enganá-la alguma vez que tentou proteger e se aproximar.

Porque ela era fraca e cheia de defeitos, um poço de hipocrisia e inúteis sensibilidades — e este acúmulo custou a vida e felicidade dessas mesmas pessoas que amava.

Não perdoaria. Jamais perdoaria a si mesma por isso, e também a ninguém que se intrometesse no seu caminho — mesmo inocentes, ela tinha avisado que não queria suas presenças. E agora, sabia que era necessário aquela postura para que ninguém mais se ferisse ou corresse perigo.

Dio foi morto diante dos seus olhos não uma, mas duas vezes porque foi incapaz de dizer “não”.

Bellatrix poderia sofrer do mesmo destino, morrendo sem saber de nada.

E agora, aquele teste tentava usar aquelas pessoas de coração puro para abrir uma ferida que há tempos tentou tampar e esconder.

Não perdoaria. Não era capaz de conter a raiva ou a negação para com este mundo.

Quando seus sentimentos se acalmaram um pouco, mas não desapareceram, Ryota deu um passo adiante e abriu a porta daquela sala de aula. 

E, tal como esperava, eram apenas figuras sombrias sem qualquer semblante ou presença.

Mesmo a figura de Nessa era apenas uma ilusão — desaparecendo imediatamente ao pisar dentro daquele cômodo.

Sua expressão voltou a ser apática, mas seu olhar brilhava com irritação quando saiu da sala de aula e marchou em direção à garota de cabelos ruivos que a observava em silêncio com um rosto gentil.

— … Durante o primeiro teste, quando eu não sabia para onde ir, essa própria realidade me guiou até meu propósito. Eu suponho que estejam usando você para isso também, então me leve até a prova prática.

Sua mente trabalhou e chegou a essa conclusão em uma velocidade assustadora. Ryota encarou para Bellatrix enquanto dava aquela ordem, e mesmo que a garota parecesse completamente confusa, apenas concordou com a cabeça e decidiu guiar a outra para o destino original.

Não houve mais conversa entre as duas, mas não parecia que ambas estavam dispostas a isso de toda forma. No caminho, Ryota observou as salas de aula com ligeira seriedade, notando que precisava de apenas um pouco de esforço em sua vista para enxergar as figuras sombrias que surgiam como vultos ou fantasmas.

Era realmente desconfortável de olhar — principalmente porque aquela realidade fazia questão de incentivar ainda mais sua revolta e raiva, colocando cabelos de pessoas que eram importantes entre os estudantes das salas, tentando-a a ir em sua direção.

Mas ela sabia que, ao abrir a porta, a única coisa que a recepcionaria seria o nada. 

Então sequer se deu esse trabalho enquanto seguia Bellatrix.

Não demorou muito para que ambas chegassem ao destino, localizado no último andar e nos fundos do instituto — uma feira de exibição. Ao contrário do que esperava, a visão que teve foi um longo corredor com várias e várias mesas preenchidas por uma quantidade enorme de expositores de algo que pareciam maquetes.

— Não são esculturas?

— … São dioramas.

— Dioramas?

A garota de cabelos negros franziu a testa ao ouvir o termo desconhecido, ao que a ruiva explicou ainda sem olhar em sua direção:

— São parecidos com maquetes, mas mais realistas e representando um cenário da vida real.

— E o que devemos fazer?

— … Por que não vê por si mesma?

A ruiva falou em voz baixa e ainda parecendo um pouco magoada, mas voltou a andar devagar para guiar Ryota pela exposição de dioramas. Como dito por Bellatrix, eram criações de acontecimentos da realidade em miniatura, com direito a bonecos e criações de casas e construções para assemelhar-se ao máximo com o que aconteceu no mundo real.

Seus passos, que eram ritmados, diminuíram até parar diante de um diorama especialmente chamativo.

Afinal, era um retrato de um campo gramado cheio de flores douradas com uma grande árvore no centro, onde dois bonecos coloridos sem rosto ou identidade estavam sentados. 

Ryota não soube ao certo o que exatamente naquilo a impactou, mas conteve-se enquanto continuava a observar as criações.

Mas a próxima foi ainda mais assustadora que a anterior.

Afinal, retratava um cenário de chamas tão realistas que quase poderiam ter queimado seu próprio corpo. Ela sabia que eram feitos à mão, e criações como aquela jamais a machucariam, mas seus olhos se fixaram tão profundamente conforme andava para mais perto, para que pudesse entender o que exatamente estava sendo representado, que seu fôlego apenas sumiu de repente quando viu.

Ryota sabia que maquetes eram feitas no intuito de apresentar cenários e relevos, mas dioramas pareciam estranhamente assustadores. Ela não sabia que era possível retratar algo com tanta sensibilidade ao ponto de sentir agonia pulsando por suas veias, ou sua atenção ser presa de tamanha forma por meros bonecos sem rosto ou roupas.

Muito menos que o cheiro característico de queimado era assim tão possível de se recriar com a pequena nuvem de fumaça do tamanho da de um cigarro que escapava aqui e ali do diorama. 

Era uma representação fiel de uma cidade destruída por chamas e cinzas. 

E de corpos vermelhos.

E de um líquido estranhamente real que escorria pela criação por baixo dos bonecos.

Com uma única, mas característica, boneca de olhos dourados que a encarava.

Espere, encarava?

Mas ela não deveria ter olhos ou rosto, certo?

Então, por que seu coração disparou tão rápido ao ponto de quase sair por sua boca quando notou e finalmente entendeu a semelhança?

Por que demorou tanto assim para assimilar a verdade?

— Esta é a primeira prova que um artista deve conseguir passar: a capacidade de atingir os espectadores com o sentimento mais profundo e marcante possível através de sua obra de arte.

Bellatrix começou a falar de repente com um tom calmo, ainda de costas para a Ryota que encarava sem piscar o diorama.

— A primeira fase é magnífica. Representa o início, o primeiro ato, o ponto de partida de uma grande e majestosa caminhada em direção ao misterioso destino. E esse é o tipo de pessoas que desejamos criar aqui.

A sensação de euforia, raiva e tristeza preencheram seu peito como um balão inflando, quase explodindo em tamanha dor. Ryota agarrou a própria roupa, o próprio tecido do peito, e tossiu… O ar escapou de seus pulmões ao ponto de espumar pela boca e o ar que saia se tornar úmido quando sangue manchou o diorama.

— Quanto mais continuará a negar a realidade que insiste em aparecer diante de seus olhos? Ou será que isso seria pedir demais para você?

Bellatrix se virou e mostrou um largo sorriso. Um olhar sereno em seu rosto fixou-se no rosto da garota de cabelos negros quando trocaram olhares.

— … Coitadinha.

Foi uma frase dita com tamanho desdém em um sorriso cruel que sua mente apenas embranqueceu completamente.

Primeiro, a cabeça foi de encontro com a árvore e amassou toda a criação. Com a mão direita empurrando o corpo da ruiva que ainda ria, sua força fortificada pela ira imediatamente a fez esmagar a cabeça contra o diorama que arrebentou e explodiu, cedendo junto com a mesa em direção ao chão.

Mas a euforia frutificada da raiva não desapareceu, e o chute que lançou as mesas voando pelo corredor criou uma ventania poderosa que destruiu tudo o que estava em sua frente.

Socos e chutes foram disparados. Os grunhidos de fúria rasgaram sua garganta como certa vez ocorreu, cega por aquela emoção que mais uma vez pareceu despertar dentro de si com uma facilidade assustadora. 

Ryota, após atravessar a cabeça de Bellatrix com um diorama, destruiu toda exposição com poucos golpes que fizeram voar os bonecos, árvores, fogo e casas. Não demorou mais que alguns minutos para que seus arredores fossem preenchidos por nada mais que destruição, sangue e um forte cheiro de queimado que pareceu grudar em seu nariz.

… Isso não é real.

Foi o único pensamento que passou em sua mente quando olhou para o cadáver da ruiva ao lado, erguendo então as íris azuis escuras sem qualquer brilho para a porta que surgiu adiante.

Se aquilo era um sinal de que o teste foi cumprido, ela não sabia.

Mas, àquela altura, foi como se realmente não importasse.

E sem pensar duas vezes, Ryota virou a maçaneta e abriu a porta, revelando uma passagem para a forte luz que ganhou espaço e força, consumindo todo aquele mundo.



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