Volume 9 – Arco 4
Capítulo 17: Esculturas
Cerca de um mês se passou desde então.
E como esperado, a época de provas chegou.
Ryota se dedicou como nunca durante aqueles dias, passando horas e horas com os olhos focados nos livros e anotações. Afinal, além de estar estudando o básico que aprenderia em um colégio comum, ela aperfeiçoava seus conhecimentos em um instituto para mentes grandiosas da arte — logo, para alguém comum como ela, era necessário um pouco mais de esforço para manter o ritmo de suas notas.
Ao contrário do que se esperaria, mesmo Dio conseguiu aprender rapidamente. Poderia parecer que a instituição não era assim tão rígida com os alunos, ou que as matérias apresentadas eram fáceis o bastante para que até mesmo um garoto na pré-adolescência conseguisse entender, mas a verdade era que o garoto se descobriu dentro dos cursos de artes com facilidade.
Enquanto Ryota se dedicava puramente por seu grande objetivo, ela também era autodidata — o que facilitava um pouco as coisas.
Mas Dio era diferente — o garoto era simplesmente inteligente demais. Isso era claro para ela desde quando se encontraram, mas a sabedoria contida naquela pequena cabeça era equivalente ao de um adulto formado. Obviamente, não era como se o menino de cabelos áureos fosse capaz de aprender qualquer coisa rapidamente, mas para alguém da sua idade, ele parecia ter uma capacidade de absorção de informações muito superior a qualquer outra criança.
Mesmo Bellatrix ficava a dois ou três passos atrás dele dentro dos estudos em conjunto, e Dio era quem explicava sobre os conceitos que a ruiva não era capaz de entender. Seus olhos se enchiam de um sentimento claro de amargura e quase humilhação, pois provavelmente achava que seria ela a guiá-los, mas foi rapidamente superada pelas duas mentes.
Ryota apenas a observava com uma expressão neutra enquanto reclamava, mas Dio tentava acalmá-la com um sorriso sem-graça.
— Não é justo! Eu me sinto excluída desse jeito!
Era o que ela dizia todas as vezes, mas ainda assim aceitava a ajuda do garoto mais novo nos estudos fazendo bico com os lábios.
A garota de cabelos longos negros, por outro lado, enquanto estava no percurso regular, foi capaz de receber aprendizados gerais do âmbito da arte. Dentro do Instituto Gnosis, haviam três cursos: Artes Cênicas — voltados para todas as apresentações feitas em palco —, Artes Literárias — relacionada principalmente à literatura, mas também focada no estudo da linguagem e palavras — e, por fim, Artes Visuais, que agregava quase todos os restantes de artes existentes.
As apresentações dos conteúdos feitos pelos professores se baseavam nas áreas didáticas, ou seja, base teórica — usando livros e pesquisas — e, por fim, as tarefas práticas. Entretanto, este segundo método de aprendizado era quase exclusivo daqueles que faziam os cursos diretamente, e havia apenas uma ou outra oportunidade para aqueles que estavam no percurso regular executar qualquer tipo de arte com o corpo ou as mãos diretamente.
Mas era permitido a esses estudantes observarem aqueles que cursavam apresentarem ou treinarem suas habilidades. Haviam salas e salas de todos os tipos de artes, de pinturas a danças, do teatro à fotografia, dos roteiros ao musical. Os corredores eram silenciosos pelo isolamento acústico, mas através das janelas era possível ver os alunos em prática.
Curiosamente, Ryota sentiu um pouco de vontade de praticar algumas daquelas artes. Entretanto, ela apenas teria tal oportunidade durante a época de provas, em que se passaria pelo teste teórico — ao qual ela se dedicou dias — e o teste prático.
— Eu quase morri com aquelas perguntas! Não sei como você foi uma das primeiras a terminar de responder e entregar a folha da prova!
— … Foi porque estudei.
— Eu sei, eu sei, eu sei! Não precisa jogar na minha cara que eu sou burra e preguiçosa! Ai, que coisa!
Bellatrix fez escândalo e segurou o próprio cabelo com uma expressão dramaticamente chorosa. Ryota apenas inclinou a cabeça ao ouvir aquelas palavras. Elas haviam saído da sala de aula haviam alguns minutos após fazerem uma das primeiras provas escritas, e a garota de cabelos negros havia soltado um suspiro de alívio ao ver que seus esforços geraram resultados.
Enquanto isso, a ruiva patinou melancolicamente alguns minutos mais tarde em sua direção, como que chorando internamente por sua falha e medo.
— Mas você estudou conosco para essas provas. Não deveria temer tanto assim.
— É fácil pra vocês falarem quando tem mentes tão geniais! Eu sou só um ser humano normal que lê todas aquelas palavras e minha cabeça pifa!
Ela cutucou a testa de Ryota enquanto continuava a reclamar em tom de choramingo.
— … O que te faz achar que vai tirar uma nota ruim?
— Só o fato da minha cabeça ter dado um nó completo quando comecei a ler as perguntas e suar pelo corpo todo? Hmmm, acho que só isso mesmo.
— Mas você respondeu a todas as perguntas ainda assim.
— Porque se eu entregasse sem nada escrito era pior! Mas eu sei que provavelmente errei alguma coisa! Talvez eu tenha até errado na hora de fazer o gabarito!
Ryota soltou um suspiro e segurou uma das mãos de Bellatrix, que ela insistia em mexer e cutucar a outra como se fosse uma espécie de tique. O toque fez a ruiva paralisar, seus olhos verdes cheios de lágrimas de nervoso se virando pra ela.
— Acalme-se.
— M-Mas…
— Você está pensando demais. Ainda que as notas não sejam perfeitas, desde que estejam na média é o suficiente.
— … Eu… Eu acho que sim, mas…
Bellatrix baixou seu olhar com temor. Ela parecia mais assustada com isso do que deveria, o que fez Ryota franzir a testa.
— Além disso, não são apenas as provas teóricas que definem seu desempenho, mas as práticas. São elas que pesam mais no cálculo final da média, certo?
— S-Sim.
— Então, o que há para se preocupar?
Ryota soltou a mão de Bellatrix enquanto assim dizia com ar de seriedade e confiança. Ela nunca havia visto a ruiva atuando diretamente, mas dentro dela existia aquela estranha certeza de que a ruiva era realmente boa no que fazia — ou jamais teria passado nas demais provas e continuado a estudar naquele lugar.
Talvez mesmo que não dissesse isso em voz alta, aqueles sentimentos chegaram até seu coração. E por isso Bellatrix pareceu se calar por um tempo antes de enxugar as lágrimas e fungar o nariz.
— … Você tá certa. Acho que só tô nervosa pros resultados, como sempre… Mas eu ainda sempre fico com medo de alguma coisa sair pior do que o normal, sabe? Não consigo evitar.
Inseguranças quanto a si mesma era algo natural, especialmente quando o ponto era algo que você sabe não ser bom. Entretanto, não era uma causa perdida. Era apenas uma possibilidade que poderia ou não vir a se tornar realidade.
Ryota não sabia exatamente como poderia melhorar o humor de Bellatrix. Sua mente não lhe trouxe qualquer ideia possivelmente genial que a faria sorrir de novo. E também, ainda que a curiosidade fosse atiçada, não se sentiu confortável em perguntar a razão de seu temor.
Então, apenas levantou-se de onde estava sentada e limpou a garganta.
— Vamos ter um teste prático agora, certo? Pode me mostrar a sala, por favor?
Falou assim com um tom suave, olhando para a ruiva de cima para baixo. Isso pareceu deixar Bellatrix ligeiramente surpresa e animada, pois era a primeira vez que Ryota lhe fazia um pedido. Um sorriso logo surgiu em seu rosto quando ela saltou do banco, dando um giro no lugar com o patins e rindo.
— É claro que posso! Vem comigo!
Como de costume, ela agarrou o braço de Ryota e a arrastou pelos corredores. Não era um comportamento que gostava, mas não era como se pudesse impedir Bellatrix agora que seu humor finalmente parecia ter melhorado um pouco. Então, apenas soltou um suspiro e a acompanhou.
— Essa vai ser a sua primeira prova prática, não é?
— Sim. Mas eu ainda não sei qual o tema.
— Se bem me lembro dos horários dos estudantes do percurso regular, vai ser no período da tarde… E provavelmente será um teste de esculturas.
— … Esculturas?
Ryota soltou um suspiro e refletiu em voz alta sobre o tema da primeira prova. Aquela seria sua primeira oportunidade de colocar em prática seus aprendizados teóricos, então não podia ignorar o fato de que estava um pouco ansiosa para isso.
Tanto que sua voz se tornou mais macia e doce do que comum enquanto falava com Bellatrix, mas não ao ponto de sorrir.
— Como funciona o teste de esculturas?
— É bastante simples, na verdade. Provavelmente, vocês podem se unir em duplas ou até produzir individualmente com as próprias mãos. O aplicador da prova vai dar um tema e um tempo limite, então você precisa dar seu melhor para criar o melhor trabalho possível!
— Entendi. Os melhores trabalhos vão ser expostos, ou algo assim?
Bellatrix estalou um dedo e apontou com o indicador para Ryota enquanto ria.
— Bingo! Isso mesmo. Os que receberem as maiores notas ou se destacarem vão ser levados pra exposição no campus durante um tempinho. Alguns deles até já chegaram a ser leiloados ou vendidos para algumas pessoas de tão bons que ficaram, sabia?
— Nossa… Então, realmente existem alguns artistas promissores aqui.
— Alguns, não. Quase todos os estudantes são promissores, e os que não são estão a um passo de ser. Outros são praticamente famosos em sua área e prometem marcar o mundo com seus trabalhos que já estão em andamento paralelamente com seus cursos. Não é maneiro?
Ryota arqueou nitidamente suas sobrancelhas ao ouvir suas palavras. Ela deveria ter esperado algo assim, mas o comprometimento do instituto com seus artistas e estudantes superou um pouco suas expectativas.
Sofia Megalos era uma mulher com um olhar repleto de sabedoria e um sorriso presunçoso, e tal como qualquer membro da corte real, os rumores sobre ela eram grandiosos. Mesmo quando ouvia os guardiões de Fuyuki falarem sobre sua própria mestre, ainda parecia algo além de sua compreensão até ver a própria duquesa agindo diante de seus olhos.
O mesmo valia para a reitora daquele instituto. Ao perceber que suas ações estavam em pé de igualdade à sua fama, um sentimento de respeito nasceu dentro de Ryota. Ainda era um pouco difícil para ela tentar gostar da forma com que os membros da nobreza trabalhavam, mas ao menos os resultados de seus esforços eram nítidos ao deixarem as pessoas satisfeitas.
E tal como esperado, o restante do dia passou rapidamente. Ryota e Bellatrix continuaram durante a manhã a fazer as provas escritas sob a supervisão dos professores e, logo quando retornaram para as aulas da tarde, ambas se separaram para seguirem para suas respectivas provas práticas.
— Boa sorte!
A ruiva ergueu o polegar para a garota de cabelos negros com um grande sorriso no rosto e torceu por seu sucesso, então em resposta Ryota apenas acenou com a mão ao vê-la correr na direção contrária do corredor. Ela estava curiosa para ver Bellatrix atuando, mas infelizmente precisaria deixar aquela oportunidade para algum outro dia.
Então, ao entrar no cômodo ao lado, a primeira coisa que seus sentidos receberam grande impacto foi o forte cheiro dos materiais. Tal como as demais salas de aula, haviam várias mesas dispostas, mas sem cadeiras. Elas foram distribuídas de forma uniforme e com espaço para que quatro alunos trabalhassem em seus projetos em cada uma; não demorou muito para que os estudantes vestindo uniformes com a paleta de cores roxa e amarelo se reuniram, espalhando-se em quartetos.
Ryota se aproximou de uma mesa e parou diante do espaço disponível, próxima à janela. Estava localizada no primeiro andar, então a visão do campus não era tão extensa — mas ainda assim era agradável. Logo, alguns alunos se aproximaram de onde ela estava e abriram um sorriso, claramente lisonjeados em poder fazer a prova prática ao lado dela.
Em resposta aos cumprimentos, ela apenas acenou respeitosamente com a cabeça.
Foi nesse mesmo instante que o aplicador entrou pela porta da sala de aula, caminhando até a própria mesa com a postura ereta e o olhar imponente.
Talvez ela não devesse ter ficado tão surpresa ao ver a mulher de cabelos negros e olhos vermelhos passar sua atenção fria pela sala, abrindo a boca para falar em seu casual tom baixo e ligeiramente autoritário:
— O teste possui uma hora e meia para ser cumprido.
Amane começou a falar, seu único olho visível deslizando pelos estudantes de expressão concentrada. Acima dela, na parede, havia um relógio que em breve marcaria uma e meia da tarde — ou seja, precisavam terminar a prova até as três.
— O tema será “liberdade”.
Os estudantes mudam sua expressão para uma de reflexão, como se considerassem que tipo de escultura produziriam.
— As esculturas devem ser produzidas, sem exceção, com argila. Ao terminarem, deixem-nas nas mesas e não as movam até que sequem completamente no dia seguinte. Neste período, o professor avaliador passará para analisar a qualidade de suas produções.
Ryota observou o clima da sala de aula mudar um pouco, e como Amane parecia exercer um papel de respeito sob os alunos. Ela se perguntava se isso estaria relacionado ao fato da mulher ser uma Akai, ou porque trabalhava diretamente para a reitora do instituto.
— Preparem-se.
Todos os alunos se voltaram para seus respectivos espaços de trabalho. Nas mesas, haviam os materiais necessários para a confecção das esculturas, em uma quantidade certeira para fazer e refazer dentro daquele tempo limite. Era perceptível que o esperado não era apenas uma imagem bonita que estivesse condizente com o tema “liberdade”, mas também uma produção duradoura e de qualidade, que pudesse secar e ser exposta sem qualquer problema.
Seria um trabalho árduo para Ryota, quem estaria produzindo com as mãos pela primeira vez — entretanto, seus estudos a haviam preparado o suficiente para improvisar.
E improvisos eram sua especialidade dentro de situações críticas.
O barulho dos ponteiros passando pelo relógio se tornou o único som dentro daquele ambiente ligeiramente tenso e ansioso. Os alunos pegaram os materiais em mãos, e Ryota também se preparou.
Logo, quando o horário atingiu as uma e meia da tarde…
— Comecem.
… O som dos estudantes trabalhando repentinamente soou em seus ouvidos.
E Ryota estava entre eles quando pegou argila, ainda refletindo sobre a imagem que colocaria com os materiais disponíveis…
— … Ah.
Um pequeno suspiro escapou de seus lábios, e a mente que trabalhava ficou branca como papel quando a garota que segurava a argila olhou para ela.
BARREIRA
A palavra escrita que não deveria estar ali atingiu sua mente com um baque, foi neste instante que o mundo se perdeu quando sua consciência foi roubada e a escuridão a consumiu como se a sufocasse ao desmaiar.