Volume 9 – Arco 4
Capítulo 16: Primeiros Passos em Gnosis
Ainda que Ryota permanecesse neutra durante a maior parte do tempo, isso não impediu que Bellatrix e Dio expressassem felicidade em seu lugar. Eles a arrastaram em direção a uma padaria cheia de doces e bolos coloridos, então escolheram um e sentaram em uma mesa compartilhada, sempre conversando animadamente. Ryota não conseguiu ter forças para impedir ou prestar atenção em nada do que diziam, então apenas os acompanhou como se fosse um pai indo comprar doces para suas duas crianças cheias de energia.
Eles cortaram um pedaço do bolo colorido e cheio de doces para ela, colocando em um prato e servindo na mesa diante de seus olhos.
— Prova!
Ryota franziu a testa para a animação dos dois, que a observavam com expectativa. Ela apenas soltou um suspiro quando pegou o garfo e retirou um pedaço da massa, levando à boca para provar.
— E como está? — Dio perguntou.
— … Nada mal.
A dupla de olhos brilhantes soltou um suspiro de felicidade e deu outro high-five animado, comemorando internamente que a garota de cabelos negros havia comido. Ela apenas franziu a testa um pouco mais, apertando os lábios e desviando o olhar para a janela.
— Não entendo porque estão assim tão felizes.
— A gente tava preocupado que você não fosse aceitar, mas até que comeu rapidinho!
— Ah, é verdade. Foi como eu disse, Bella: A moça pode parecer um pouco intimidadora às vezes, mas ela tem um bom coração e não recusa uma oferta como essa.
— Você é sempre tão bondoso, Didi! Que criança adorável! Eu posso te adotar?
— Ah… Há, há. Não precisa me bajular tanto, Bella.
Ryota ergueu os olhos para a dupla sentada diante dela, do outro lado da mesa. Bellatrix olhou com uma expressão de mãe orgulhosa e abraçou Dio, que apenas se encolheu diante de tamanho afeto, aceitando as carícias em seu cabelo e as palavras dela.
Estavam em uma padaria relativamente silenciosa durante a tarde. O sol lentamente começava a mostrar sinais de que se deitaria no horizonte, então os céus estavam coloridos. As pessoas andavam do lado de fora pacientemente, em um ritmo agradável e pacífico.
A mente da garota de cabelos negros, mesmo preenchida pelos sons ambientes e as vozes da dupla dinâmica diante dela, ainda estava presa nos acontecimentos dentro do instituto. A expressão de reflexão e seriedade não deixavam seu rosto, mesmo enquanto comia devagar o bolo que lhe fora servido.
— Escuta, Riri.
— … Moça, ela está falando com você.
Ryota desviou seus olhos da janela e os voltou para Bellatrix.
— Você tem um péssimo gosto para apelidos.
— Que rude! Eu só queria te chamar de uma forma mais íntima, agora que somos amigos. Certo, Didi?
Dio riu um pouco sem graça enquanto ainda era abraçado pela ruiva, mas não parecia desconfortável perto dela. Ele parecia estar se divertindo bastante, e seu filhote Lion dormia em seu colo durante aquela interação dinâmica, parecendo pacífico estando próximo ao dono.
Ryota apenas baixou seus ombros para a alegria de Bellatrix e deixou que ela dissesse o que queria.
— Nós vamos estudar todos juntos durante alguns meses, então eu queria me aproximar de vocês e fazer um agradinho.
— Obrigado, Bella. Você é muito gentil.
Lion soltou um latido em resposta, como se concordasse. As palavras de Dio apenas deixaram o rosto da garota de dread ainda mais rosado de felicidade, e ela cantarolou baixinho enquanto sorria e abraçava o menino.
— Bem, vocês dois com certeza são pecinhas raras e únicas aqui na cidade. Eu não poderia perder a oportunidade de me aproximar!
Ryota ergueu o olhar com essas palavras, a luz em seus olhos reluzindo em suspeita.
Mas Bellatrix apenas continuo sorrindo para os dois enquanto continuavam a comer os pedaços de bolo e tomavam café, e eventualmente o dia chegou ao fim. A garota cheia de energia se prontificou a pagar e correu para o caixa antes que qualquer um deles pudesse dizer qualquer coisa, deixando-os para trás enquanto saíam do estabelecimento.
— A Bella é um pouco exagerada, mas tem boas intenções. Eu gosto dela.
— … Que bom.
Ryota respondeu com ar de quem não se importava muito e colocou as mãos nos bolsos, olhando para as pessoas do lado de fora enquanto aguardavam a ruiva. Dio sentiu sua expressão murchar um pouco ao ouvir as palavras da outra, mas seu sorriso não sumiu do rosto.
— … Então… Você se divertiu?
Ela não respondeu. Seus olhos azuis se mantiveram focados no horizonte porque Ryota sabia que se visse a expressão meio esperançosa e meio melancólica do garoto, acabaria concordando e deixando escapar um sentimento que há tempos não tinha em si. Então, apenas inclinou a cabeça para o lado e resmungou:
— Você se divertiu?
— Muito!
A expressão dele se iluminou imediatamente com a pergunta e Dio juntou as mãos próximas ao coração com um largo e doce sorriso. Então, ele se aproximou um pouco mais dela, segurando com os pequenos dedos um feixe de sua roupa.
— Obrigado.
— … Por que está me agradecendo? Quem convidou você foi aquela garota, não eu.
Dio balançou suavemente a cabeça para os lados, ainda sorrindo.
— Obrigado por ter vindo comemorar comigo. Eu fiquei muito feliz.
Ryota sentiu seus lábios se apertarem em reflexo a essas palavras cheias de calor e felicidade.
— Não foi nada demais.
— Talvez para você não, mas para mim foi… Por isso, eu não consegui resistir em te agradecer.
Dio apertou um pouco mais contra si o filhote que segurava no outro braço, apreciando aquele pequeno momento como se realmente fosse especial para ele de alguma forma.
Ryota sentiu sua garganta coçar, mas ela não perguntou a razão. Talvez sua eu antiga tivesse feito isso e se importado muito, mas agora não se sentia digna de fazer isso. Seus olhos se fecharam ligeiramente enquanto refletia sobre aqueles sentimentos dentro dela, mas as pálpebras se abriram de repente quando sentiu um toque em suas costas.
Ela se virou e trocou olhares com Bellatrix, que sorria após dar um tapinha amigável e estender um doce em sua direção.
— A mulher do caixa tava sem troco, então ela me deu esse pirulito. Pode ficar.
Ryota baixou o olhar para o pirulito de embalagem vermelha e, naquele instante, foi como se um arrepio arrebatasse seu corpo de cima a baixo.
— Ei… Ei, Riri, você tá com uma cara toda branca de novo. Tem certeza de que tá bem?
— Moça?
Os dois perceberam que havia algo de errado imediatamente quando Ryota arregalou um pouco seus olhos, encarando aquele pirulito como se sua mente tivesse sido transportada para uma memória distante. Suor escorreu por suas costas e testa, e a pele empalideceu imediatamente quando a garota de cabelos negros engoliu em seco para conter a ânsia que revirou o estômago.
— … Eu estou bem. Apenas um pouco cansada. Vou voltar para o hotel agora.
Ryota forçou sua voz a não tremer e pegou o pirulito de Bellatrix com um pouco de brutalidade, entregando a Dio sem pensar duas vezes quando deu meia volta e começou a andar um pouco para longe sem olhar em seus rostos.
— E-Ei!
Dio apenas segurou o doce em silêncio e se afastou um pouco, observando Ryota ir embora enquanto Bellatrix estendia a mão na direção dela, tentando dizer algo. Mas, no fim, nenhum deles dois conseguiu impedi-la de desaparecer virando a esquina, e a mão estendida lentamente se abaixou.
— … Eu… Fiz alguma coisa errada?
— Não se preocupe, não foi sua culpa. A moça deve estar apenas cansada, de verdade.
— … Eu espero que sim.
Dio tentou confortar Bellatrix abrindo um sorriso, mas suas palavras não pareceram chegar ao coração da ruiva que mostrava um rosto culpado. Ela possivelmente percebeu que havia trazido alguma espécie de gatilho que deixou Ryota incomodada, e agora olhava para o pirulito como se pensasse profundamente no assunto em meio ao silêncio que nasceu entre eles.
***
Quando Dio entrou no quarto do hotel silenciosamente, apenas alguns minutos mais tarde, ele encontrou Ryota deitada em sua cama. Estava escuro, mas a luz do abajur estava ligada. O garoto não disse nada quando passou diante da porta de seu quarto, olhando com preocupação para a garota que provavelmente ouviu a porta sendo aberta e sabia que ele havia voltado. Então, apenas inspirou fundo antes de ir para sua própria cama.
Na escuridão da noite que parecia corroer os arredores de sua visão, Ryota estava deitada em sua cama por um longo tempo — mas ela não sabia que horas eram ou quão profundamente o tempo passou desde então. Seus olhos permaneceram meio abertos, encarando o nada, enquanto a mente vagava e vagava distante. Os dedos de sua mão tremiam e a garganta secava ao ponto da saliva sequer poder escorrer por ela.
O silêncio parecia sufocá-la.
Mas ele foi quebrado por o que pareceu apenas alguns segundos mais tarde quando a porta de seu quarto foi timidamente aberta. Estava completamente escuro, mas Ryota reconheceu os sons de passos leves que vinham e pararam ainda do lado de fora.
— … Moça?
Ela ouviu a voz sussurrada de Dio. Estava diferente por alguma razão que sua mente não era capaz de entender, mas seu corpo não reagiu.
— O quê?
Ela respondeu baixo.
Houve um pequeno intervalo até que ela escutasse.
— … Eu… Não consigo dormir.
A voz dele parecia tremer levemente, mas não havia como ter certeza.
— … Eu estou com pesadelos.
Mais um tempo em silêncio.
Ryota ouviu aquelas palavras ditas aos sussurros. Ela sentiu solidão e medo naquela voz. Ainda que não pudessem ver a expressão um do outro, pois a garota sequer se moveu da posição em que estava, e naquele ângulo não era capaz de ver a porta, ela quase conseguia imaginar que tipo de rosto Dio estava fazendo agora.
— Volte a dormir. Isso logo passa.
O que saiu de sua boca em resposta foi apenas uma ordem sussurrada e fria.
Ryota apenas ouviu um resmungo baixo em concordância e os passos se distanciando.
Dio deitou em sua cama e abraçou Lion com força.
Em retrospecto, a garota que não sentia o tempo passar abraçou a si mesma e continuou a encarar o nada durante um longo tempo antes que perdesse a consciência.
***
Quando a luz da manhã atravessou a cortina suavemente, atingindo seus olhos como o doce abraço de uma mãe, Ryota abriu seus olhos lentamente e observou o céu azul através da janela. Seu corpo se inclinou para que pudesse sentar na cama, e a garota se levantou lentamente, caminhando descalça para fora de seu quarto com uma expressão apática.
— Bom dia. Como se sente?
Seus olhos azuis escuros deslizaram para a origem da voz que vinha do outro quarto. Pertencia a um garoto de cabelos áureos e rosto cansado que limpava um dos olhos. Um sorriso doce, casual, surgiu em seu rosto. Um que estava acostumada a ver — mas ela ainda se lembrava do pedido dele da noite passada.
Não parecia que Dio estava incomodado ou sequer magoado por sua rejeição. Será que ela tinha sonhado? Ou talvez visualizado um cenário que nunca chegou de fato a acontecer outra vez?
Era assustador saber que suas memórias e visão eram questionáveis a este ponto. Não poder confiar nem naquilo que via ou que se recordava era como viver uma mentira.
E, bem, ela era uma mentira perfeita.
Houve uma época em que ela precisou passar uma semana convivendo com pessoas que pareciam constantemente querer derrubá-la ou manipular suas ações. Em um passado ainda mais distante, aprendeu a controlar que sentimentos expressaria diante das pessoas para que elas não fossem afetadas por aquilo que realmente sentia.
Mas agora parecia que não apenas ela, mas o próprio mundo moldou-se em falsidade. O que significava que não controlavam apenas seus passos, mas também o próprio conceito de andar — que poderia, ou não, ser real.
— Chegou uma correspondência… Aqui.
Ao não receber uma resposta, Dio pegou em cima da mesa um envelope e entregou para Ryota, que continuou em silêncio quando rasgou o papel e leu o que estava escrito.
— Vista-se. As aulas começam em trinta minutos.
— T-T-Trinta minutos?! Aaaaah!
Ouvindo as palavras da garota que se virou e voltou ao quarto, o garoto arregalou os olhos e correu em direção ao próprio quarto, quase tropeçando nos próprios pés. Ela quase riu ao ouvir isso, mas rapidamente colocou suas roupas para sair e ambos desceram as escadas do hotel, deixando Lion dormindo na cama.
Não trocaram palavras grandiosas durante o caminho, pois precisavam acelerar os passos. Entretanto, o campus não ficava muito longe de onde estavam passando a noite, e após alguns minutos estavam diante da porta de entrada.
A pessoa que os recepcionou abriu os braços em saudação, acenando freneticamente como se estivesse sinalizando para os dois se aproximarem rapidamente. Ao contrário do dia anterior, vestia o uniforme do instituto com as cores sendo majoritariamente roxo escuro e com detalhes em laranja.
— O sinal vai tocar!
Bellatrix não se conteve em erguer a voz e assim dizer, mas havia um grande sorriso em sua face de animação e seus olhos brilhavam um pouco.
— Bem-vindos! E parabéns por passarem no teste de admissão… Bem, não que eu duvidasse disso.
— O-Obrigado…
Dio respondeu com um sorriso enquanto se apoiava nos joelhos para recuperar o fôlego após correr um pouco. Bellatrix sentiu seu próprio sorriso se alargar quando passou o braço ao redor do ombro do menino, puxando o braço da outra garota e levando os dois para dentro do prédio.
Ao contrário das outras vezes em que estiveram dentro do instituto, aquele dia parecia um pouco diferente dos outros. Afinal, quando Ryota e Dio chegaram para conhecer o lugar e encontraram Sasaki e Scarlet, estava ocorrendo uma espécie de evento em que os estudantes apresentavam alguns projetos que relacionavam-se com seus cursos de especialização da área de artes.
Entretanto, após alguns dias, aparentemente as aulas retornaram ao normal e o clima dentro do prédio era semelhante ao de uma faculdade comum. Era possível ver alunos caminhando pelos corredores ou apenas parados conversando entre amigos diante de suas salas de aula; os uniformes dos estudantes eram semelhantes, quase padrões, mas mudavam um pouco em cor e alguns detalhes dependendo do curso que faziam.
— … Nós não recebemos uniformes.
— É verdade… Como vocês estão no percurso regular, provavelmente receberão os uniformes muito em breve.
— Mas eles sequer tiraram nossas medidas.
Bellatrix ergueu o dedo indicador para Ryota ao ouvir suas palavras e o mexeu de um lado para o outro, fazendo estalos com a língua em negação.
— Ai, ai, Riri… Parece que você ainda não entendeu como as coisas funcionam por aqui. Eles nem precisam fazer isso pra saber.
A garota de cabelos negros franziu a testa em resposta, pensando a respeito do que a menina com nome de estrela disse.
— Mas, bem… É aqui que nos separamos.
Ela se virou para os dois e parou no meio do corredor. Ao lado, sinalizou com a cabeça para uma sala de aula repleta de estudantes jovens, com seus números sendo majoritariamente composto por adolescentes e pré-adolescentes.
Dio olhou para a sala e encolheu os ombros.
— Acho que é aqui que vou ficar.
— Sim! Eles realocam os estudantes por idade pra que não tenha uma diferença muito grande, mas você é meio que um dos prodígios no meio de tanta gente.
— E-Entendi.
Bellatrix tentou animar Dio com palavras mas ele apenas sentiu seus lábios tremerem, mesmo que continuasse sorrindo um pouco para mostrar tranquilidade. Os olhos esverdeados se semicerraram um pouco de preocupação, mas Ryota deu um passo à frente e olhou para a sala de aula com uma expressão de seriedade.
— Vá. Não há nada a temer.
— M-Mas… Eu nunca…
Ryota desceu seu olhar para Dio, que segurava tão forte suas mãos que as juntas de seus dedos se tornaram brancos.
— Não deixe que essas pessoas te intimidem. Elas não são melhores ou piores que você.
Sua mão tocou suavemente as costas do garoto, o fazendo dar um passo adiante com o tapa. Dio ergueu seus olhos trêmulos e viu a expressão de confiança da garota.
— Erga sua cabeça, sente na sua cadeira e dê o seu melhor nos estudos. Logo, vai acabar se aproximando de alguém e esse medo vai desaparecer.
— … Está bem. Eu vou.
Dio escutou atentamente suas palavras e suas íris brilharam um pouco. Ele voltou sua atenção para a sala de aula, inspirou fundo para acalmar o coração disparado e assim falou com a voz menos trêmula.
— Não se preocupe! Vamos nos ver durante o intervalo, então vai dar tudo certo!
— S-Sim. Então, até mais tarde.
O garoto riu baixinho quando a ruiva se aproximou e deu um abraço apertado nele por trás, torcendo por sua vitória. Então, Dio ergueu a cabeça, ainda temeroso enquanto apertava os dedos das mãos, e caminhou para dentro da sala de aula.
— Olhando assim, parece até que somos as mães mandando nosso filho pra escola, não é?
— E onde fica nossa sala?
— Vai me ignorar mesmo?!
Ryota se virou e continuou a andar pelo corredor, deixando uma Bellatrix surpresa para trás que, após um segundo, a alcançou deslizando com seus patins.
— Escuta, Riri. Você não pode ficar agindo assim ou vai acabar ficando isolada. O pessoal aqui não gosta muito de gente que parece ter o nariz empinado — disse a ruiva, tocando o próprio nariz e o empurrando pra cima.
— Não estou aqui pra fazer amizades.
— Mas a gente virou amigas!
— … Unilateralmente.
— Que rude! Mas vou te perdoar porque o Didi pediria isso pra mim!
As duas trocaram palavras rapidamente enquanto seguiam pelo corredor do primeiro andar, subindo para o segundo. Bellatrix sempre mantinha um tom humorístico e o sorriso grande no rosto, enquanto Ryota permanecia neutra olhando para os arredores.
A ruiva, em contrapartida, dançava pelo espaço com seus patins. O som das rodinhas soava agradável aos ouvidos, e seus cabelos serpenteavam no ar quando pararam diante de outra sala de aula. Esta era cheia de alunos mais velhos, na faixa da adolescência para a fase adulta.
— Achei que os estudantes eram separados por cursos.
— Bem, eles ficam quando estão em aulas práticas. Mas as aulas didáticas permitem a mescla de alunos pois algumas matérias se relacionam com cursos diferentes.
Ryota apenas arqueou um pouco as sobrancelhas em resposta para a explicação de Bellatrix.
— E as cores dos uniformes representam os cursos?
— Sim! Todos eles são roxinhos, mas se você ver alguém usando um uniforme com detalhes em azul, significa que cursa as Artes Literárias, usar com detalhes amarelos é Artes Visuais e laranja Artes Cênicas, tipo eu!
A ruiva bateu na sua cintura e mostrou sua própria vestimenta com um sorriso orgulhoso. Bellatrix cursava as Artes Cênicas, o que parecia combinar com sua personalidade.
— Agora, vamos começar as aulas com as matérias mais chatas do mundo: fundamentos da arte. Mas não se preocupe que eu te ajudo a não se perder, tá bom? Pode me agradecer depois.
Bellatrix deu um soquinho no próprio peito em tom de orgulho, mas Ryota apenas olhou outra vez para a sala de aula e entrou.
— Ei! Não me ignora assim, eu fico triste!
Os olhos azuis imediatamente perceberam que a atenção dos estudantes se voltaram para sua presença quase que imediatamente ao entrar. Mas ao invés de se preocupar com o que pensariam sobre a nova aluna, Ryota apenas marchou para uma carteira vazia nos fundos e sentou, ao que Bellatrix a alcançou, sentando na cadeira em frente enquanto suspirava.
— … Que coisa. Agora tá todo mundo olhando pra gente.
— É porque você fala alto demais.
— Que rude! Mas eu não posso negar o que você falou!
Como prova, a menina apenas ergueu a voz outra vez e fechou as mãos em punhos, os sacudindo no ar para conter a frustração.
— … Ah, bem, mesmo assim, eu vou ficar aqui com você. Qualquer dúvida que tiver, é só me cutucar que eu respondo!
— … Certo.
Bellatrix abriu um sorriso enorme e esticou as pernas, as balançando como uma criança. Ela tinha um ar agradável e divertido de se estar presente, um carisma que era digno de alguém que fazia parte das Artes Cênicas e trabalhava no conselho estudantil. Nesse sentido, Ryota não se incomodava em permanecer perto dela, ainda que sua presença e necessidade constante de atenção fossem um pouco cansativas de lidar.
… Mas eu já fui assim também.
Era quase vergonhoso lembrar de sua eu antiga na mansão de Fuyuki, tentando a todo custo se aproximar das pessoas mesmo sem saber se elas estavam confortáveis ou não com a ideia. Agora, entendia que aquilo nem sempre poderia ser agradável — mas pelo menos Bellatrix era divertida do seu próprio jeito, ao contrário dela que era apenas insistente.
Quando encostou as costas na cadeira e olhou para os estudantes ao redor, percebeu que alguns deles se aproximaram dela. Era perceptível que comentavam sobre o novo elemento — algo natural —, mas franziam a testa como se comentassem algo ruim.
Era esperado que fosse assim. Ao contrário de Bellatrix, ou de qualquer outro aluno, Ryota não apresentava um ar amigável ou carismático. Ela estava ali apenas para cumprir com o tempo requerido por Sofia, e nada mais. Mesmo suas roupas demonstraram sua falta de vontade em estar ali.
Portanto, quando três estudantes se aproximaram um pouco hesitantes, esperava ouvir alguma recepção ou perguntas incômodas, mas responderia naturalmente e com claro ar de quem gostaria de se manter sozinha.
— Com licença.
Ela ergueu a cabeça para os estudantes e os encarou com a mesma expressão neutra. Bellatrix apertou os lábios e observou o desenrolar da cena em silêncio, encolhendo os ombros e recolhendo as pernas e braços estendidos.
— V-Você… Por acaso, é a senhora Ryota?
— Sim, sou eu.
A expressão dos estudantes passou de surpresa para uma alegria descomunal, e eles se aproximaram ainda mais.
— Ah! Eu sabia!
— É ela mesmo!
— A garota que salvou o rei há alguns meses! Eu sempre fui sua fã!
— … O quê?
A expressão da própria Ryota se alterou em confusão quando os estudantes começaram a se acumular ao seu redor, praticamente gritando de euforia enquanto disparavam elogios e reconhecimento.
— Ei! É verdade que você e o rei tinham um relacionamento secreto?!
— O quê? Quem disse isso?
— Dizem que você derrotou todos os monstros da cidade sozinha!
— Claro que não! Ela liderou o contra-ataque, seu imbecil!
— Ei, de onde você veio? De que cidade?
— Me passa seu número!
— Tira uma foto comigo!
Repentinamente, os estudantes começaram a discutir e erguer a voz com uma alegria contagiante. Eles conversavam com a garota de cabelos negros que tinha uma expressão de confusão e surpresa, um misto de emoções se remexendo dentro dela.
… Eu esqueci completamente que isso poderia acontecer.
As notícias sobre a garota que trabalhou durante uma semana misteriosamente para o rei como sua guardiã, se envolvendo diretamente na seleção real, salvando pessoas e desaparecendo um pouco mais tarde apenas intensificou os rumores sobre ela. Ryota não esperava que esquecessem dela, mas também o rumo que sua popularidade apenas cresceu nos últimos meses era assustador.
Ela se sentiu quase intimidada diante daquelas pessoas que continuavam a falar mesmo com Ryota em silêncio.
Ao seu lado, a expressão de Bellatrix não podia ser vista porque a circundaram completamente, mas Ryota quase podia imaginar seu choque diante do cenário diante de seus olhos.
… Embora, na realidade, a garota apenas tenha se virado para frente e apertado um pouco seus lábios com uma expressão cabisbaixa.
Não demorou mais que alguns minutos para que o professor chegasse e todos os estudantes se dispersassem em suas cadeiras, mas a euforia ainda continuava no ar mesmo durante a aula. Ryota endireitou sua postura e pigarreou, ainda tentando se recuperar do que havia acabado de acontecer, e olhou para os cabelos ruivos e os ombros baixos de Bellatrix.
Como esperado de qualquer dia em uma escola ou faculdade, as horas passaram um pouco devagar conforme as matérias eram apresentadas e os conceitos eram escritos no quadro. Ryota assistiu às aulas em silêncio, e ficou um pouco curiosa ao perceber que Bellatrix não falou nada durante todo esse tempo. Talvez tivesse esperado que a garota fosse um pouco excêntrica até nas aulas, mas aparentemente mesmo ela se concentrava nesses momentos.
Ainda que durante o intervalo as pessoas tentassem se acumular ao redor de Ryota, imediatamente dispensou as atenções dizendo que estava ocupada e saiu da sala para respirar um ar. Caminhar pelos corredores sob olhares de admiração e curiosidade viriam a se tornar um hábito, e mesmo que com o tempo a euforia dos estudantes diminuísse, eles nunca deixariam de reparar ou destacá-la de alguma forma.
Isolar-se agora não era apenas uma opção para se concentrar, mas também para manter a paz e espaço pessoal. É claro que mesmo assim Bellatrix e Dio a seguiam para comer com ela durante o intervalo, trocando palavras sobre suas aulas e anotações — que, diga-se de passagem, as de Bellatrix eram detalhadas e bonitas, enquanto as de Dio eram um pouco desastradas.
Ainda que o comportamento de Bellatrix durante as aulas e quando estava sozinha fossem totalmente diferentes de quando conversava com os dois, Ryota decidiu não se aprofundar muito no assunto ou pensar sobre isso. Imaginou que fosse reflexo de sua concentração nos estudos, ou algo semelhante.
Dio, como esperado, acabou se aproximando das pessoas facilmente. É claro que conhecer e andar com Ryota pelos corredores acabou influenciando, mas sua personalidade amigável e fácil de se aproximar permitiu que ele fizesse amigos rapidamente. Bellatrix, por outro lado, quando não estava com os dois, era sempre vista sozinha, mas seu sorriso e animação sempre surgiam nela quando os viam.
Ryota passaria a estudar durante a manhã e parte da tarde ao longo da semana em um ritmo um pouco exaustivo para alguém que nunca havia ido à escola. Naturalmente, havia recebido a educação básica quando ainda morava no vilarejo Aurora e seus conhecimentos apenas cresceram desde então enquanto estivera no palácio real, mas ainda assim exercitar seu cérebro daquela forma continuamente era exaustivo.
O Instituto Gnosis era um colégio que atribuiu a Ryota não apenas as aulas comuns de artes, mas também a possibilidade de se formar corretamente. Ela nunca tivera essa oportunidade antes, então fazer isso agora era um pouco empolgante — embora jamais admitisse em voz alta.
Bellatrix, como lhe prometeu, manteve-se ao seu lado durante as aulas e fora delas, ajudando-a nas atividades e exercitando seus conhecimentos. Ela sempre parecia empolgada e sorria continuamente mesmo durante esses momentos, o que fazia Ryota se sentir acolhida. Com o tempo, ficou mais fácil interagir com a garota e seu relacionamento com Bellatrix melhorou… Um pouco.
Seria um semestre de estudos para se formar no percurso regular — ou seja, seis meses. Como havia iniciado seus estudos no fim do ano, ela viria a se formar no quinto mês do ano seguinte. Ou seja, havia esse longo, porém ao mesmo tempo curto, período para que pudesse conseguir as respostas para aquilo que viera negociar com a reitora do instituto.
Os dias passariam relativamente rápido a partir dali, sem nada de especial nas ocorrências. Ryota acordava com Dio durante a manhã, estudava até a tarde e voltava perto do anoitecer. As aulas discorriam com trabalhos e tarefas, e seu desempenho não era nada mal. Houveram algumas complicações no início, mas eventualmente ela se adaptou perfeitamente ao novo ritmo de vida e aos estudos, sem nada além disso ocorrendo.
Era quase estranho Ryota poder aproveitar seus dias daquela forma, com nada além dos estudos para se preocupar. Conforme o tempo discorrer ao lado de Dio e Bellatrix, eles se tornaram quase monótonos, mas quase nunca chatos. Era uma verdadeira raridade, pois há muito, muito tempo aquilo não ocorria.
Qual foi a última vez que ela se sentou olhando pela janela daquela forma sem precisar pensar em sobreviver ou salvar a vida de alguém importante pra ela?
É claro que Zero, Jaisen e todos os outros ainda estavam em sua mente — as preocupações e responsabilidades pesavam em seus ombros, a fazendo se dedicar aos estudos como nunca. As noites eram contabilizadas por revisões daquilo que os professores passaram durante o dia e permanecer acordada até mais tarde revisando conteúdos.
Originalmente, ela jamais faria aquilo. Ryota era o tipo de pessoa que provavelmente deixaria os estudos não como prioridade de seu dia-a-dia — mas as circunstâncias eram diferentes. Seus estudos e tempo de formação, bem como atingir as expectativas de Sofia, eram parte do caminho a ser trilhado para conseguir as informações de como trazer todos aqueles que eram importantes de volta.
Logo, estudar daquela forma era parte do seu trabalho e mais um meio de deixar de lado os pensamentos negativos sobre o tempo discorrido. Além disso, pelos dias passarem sem nada “absurdo” ou potencialmente perigoso ocorrendo, ela se permitiu relaxar um pouco e focar-se completamente nas suas tarefas e objetivos.
Eu não posso parar. Eu preciso continuar e me dedicar ao máximo.
Com essa mentalidade, ela chegava das aulas e sentava-se na mesa do quarto do hotel, ligava a luz do abajur e retirava seus materiais escolares para estudar.
No fim do primeiro dia de aula, Ryota e Dio receberam seus uniformes. Eles possuíam as cores padrões do roxo escuro, mas seus detalhes eram brancos ao invés de receber a cor de qualquer um dos cursos — uma representação para aqueles que estavam traçando o percurso regular ao longo daquele semestre.
E conforme os dias, logo semanas, finalmente passaram, a garota se viu cada vez mais dedicada ao que precisava fazer. Esse esforço deixava Bellatrix e Dio um pouco admirados, mas também preocupados com sua saúde mental. Afinal, seus dias se definiam a acordar, comer, estudar e dormir — a longo prazo, isso causaria prejuízos consideráveis. Era por isso que, de vez em quando, a dupla dinâmica arrastava a garota para sair um pouco, mesmo que a contragosto.
Isso ajudava a espairecer a mente, precisava admitir. Mas a incomodava profundamente perder tempo com qualquer outra coisa que não pudesse levá-la ao caminho mais rápido para trazer as pessoas que amava de volta.
Ela precisava de respostas, e apenas os resultados produzidos no instituto dariam o combustível necessário para que Sofia as desse.
Por falar na reitora de Gnosis, a mulher nunca mais foi vista pela garota desde então. Segundo Sasaki e Scarlet, que por vezes rondavam o campus, Sofia estava constantemente ocupada e nunca permanecia parada no mesmo lugar. Entretanto, ela sempre retornava durante as provas para averiguar os resultados dos estudantes, então era certeza que Ryota poderia conversar com ela neste período.
O que apenas a incentivou a estudar cada vez mais, como uma fanática.
Sua dedicação em manter a cabeça focada a impediu de reparar em algumas mudanças ao longo dos dias — especialmente em seus colegas.
Ela custou a perceber que Bellatrix aparecia, por vezes, mais cabisbaixa do que o normal. Ou a entender a razão de seu isolamento e sorrisos vazios.
Também não perguntou por que Dio apareceu um dia após as aulas com uma mancha roxa abaixo do olho. Mesmo que Ryota tivesse erguido os olhos de seus livros ao vê-lo chegar no hotel e observado seu rosto, o garoto apenas tentou “acalmá-la” com um sorriso, dizendo que havia se machucado sozinho.
E é claro que um doce garoto como ele era um péssimo mentiroso.
Mas ela nada disse, mesmo ao vê-lo ir com uma expressão pensativa nada comum para seu próprio quarto.
Aquelas anomalias nas pessoas ao seu redor deveriam tê-la incomodado. Ela deveria ter perguntado a razão disso. Se preocupar apenas com os perigos de suas vidas, com as estranhas mudanças de realidade e como o tempo não se preocupava com seus objetivos foi uma visão egoísta que a fez fechar os olhos para os seus arredores.
Como se não fizesse parte de nada daquilo.
E foi naquele clima frio e melancólico que algumas semanas se passaram em Urânia.