Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 9 – Arco 4

Capítulo 11: A Garota com Nome de Estrela

— Acho que a senhorita Sofia já deve ter me apresentado, já que ela fala pra caramba, mas deixa eu fazer isso também!

Quando as portas do escritório da reitora de Gnosis se fecharam às costas de Ryota e ela se permitiu dar alguns passos para fora, caminhando com uma expressão não muito apresentável — não que ela estivesse visualmente assim o tempo inteiro —, a garota de dreads laranjas e grande sorriso ficou um tempo em silêncio, dando um espaço para a desconhecida respirar, quando finalmente não aguentou mais o silêncio constrangedor e assim falou.

Ela deu um giro completo usando seus patins coloridos, fazendo sua saia rodar, antes de abrir os braços e, em seguida, bater com suavidade as palmas no próprio peito.

— Meu nome é Bellatrix. Pois, é! O nome de uma estrela! Talvez você deva ficar meio chocada com isso, mas meus pais são daquele tipo que tem uma tendência terrível em dar nomes chamativos pras coisas. E quem sofre com isso somos nós, os filhos! Bem, não que eu ligue muito, já que acho até bonitinho.

Tagarelando com um grande sorriso que mostrava seus dentes, a garota riu sozinha enquanto comentava sobre sua família com um suspiro divertido. Ryota não reagiu a essa apresentação, mas não pareceu que Bellatrix se importou muito, então apenas continuou a falar:

— Se ficar muito difícil de lembrar toda vez, me chama só de Bella que tá tudo certo! Ao menos, é assim que meus amigos fazem!

— … Amigos?

— Sim, amigos!

Com um arrepio desconfortável na espinha, Ryota repetiu aquela palavra que por um instante pareceu estranha. Ignorante a esse comportamento de quem não tinha boas lembranças, Bellatrix patinou no mesmo lugar, fazendo um som agradável com as rodinhas do patins naquele corredor vazio. 

— Já percebi que você é daquele tipo que não fala muito, né? Fica tranquila que vou te adotar e te levar pra todo canto! Ah, só que com essa aparência cê vai acabar chamando muita atenção, então quem sabe eu deva pegar seu uniforme primeiro?

— Mas você também está sem uniforme.

— Ah! Ela falou!

Bellatrix cobriu os lábios surpresa e riu sozinha do próprio teatro. Parecia que ela tinha o costume de exagerar nas expressões e palavras, divertindo-se com isso. Ryota realmente não se importava muito, desde que aquilo não a atrapalhasse. De certa forma, ela era bastante sincera sobre seus pensamentos, o que ajudaria bastante.

Mas Sasaki também parecia gentil e honesto quando nos conhecemos.

Uma sombra preencheu os olhos azuis da garota que vestia preto, apertando os lábios.

— Ah! É que hoje a minha turma tá de folga, por isso a gente não precisa ficar usando uniforme. Mas se eu tivesse que apresentar minha pesquisa do semestre, aí sim eu taria usando! Mas, bem, a senhorita Sofia comentou que você ainda não sabe direito se vai estudar aqui, né? Parece que cê tá ocupada com outras coisas, e tudo o mais.

Apesar de falar bastante, Bellatrix parecia ter o dom de continuar conversas em que um dos lados apenas fazia afirmações em que respostas não eram necessárias. 

— … Apenas vou dar uma olhada.

A verdade era que Ryota precisava adentrar naquele instituto e estudar por longos seis meses. Não era apenas um desejo de Sofia, mas uma obrigação para que ela pudesse cumprir com sua parte da proposta. E, para ser sincera, aquela era uma condição bastante favorável.

Ainda que o tempo de um semestre fosse muito assustador, segundo as expectativas de Eliza, ainda haveria um mês de vida para que Zero fosse salvo. Seus medos eram grandiosos o bastante para duvidar até mesmo da maior curandeira de Thaleia, mas ela sabia que a saúde de alguém debilitado poderia despencar de um momento para o outro em razão da instabilidade física e mental.

Afinal, viu o mesmo acontecer com sua mãe, há mais de dez anos, antes dela falecer. Mesmo adoecida, vivia normalmente, mas as condições em que seu corpo estava não eram nada boas. E, de um dia para o outro…

Ryota ainda estava lá para ajudar a mãe, mas e quanto a Zero? Se o pior acontecesse e Eliza não fosse capaz de chegar a tempo… Ele partiria daquela forma horrível? Com a memória de ter sido morto cruelmente, com a visão de sua amada torturada? Não apenas sozinho naquele quarto, mas sem a chance dela se despedir?

E quanto a Jaisen? Seu rastreamento desapareceu completamente do mapa. Diante das possibilidades, a maior taxa de expectativa era que ou fora morto e seu corpo ainda não fora encontrado, ou fora sequestrado pela Autoridade com quem lutou. Ryota desejava profundamente que ele estivesse vivo, e o sentimento de falha ao se lembrar que seu último momento com ele fora uma discussão estúpida destroçavam seu peito. Mas ela sabia que esperar que estivesse vivo após tanto tempo nas mãos da Ritus Valorem era… 

Sacudiu a cabeça para aqueles pensamentos pessimistas e inspirou fundo. Era difícil contê-los às vezes, e enquanto apareciam a qualquer sinal de procrastinação, ao fechar os olhos, visualizava perfeitamente os cenários. Ela não poderia ficar parada. Encontraria uma forma para salvá-los. E aquilo estava bem diante de seus olhos, tomando em troca apenas um pequeno período de seu tempo.

Talvez, se fizesse aquilo o mais rápido possível, pudesse conseguir as respostas de Sofia. Se a impressionasse, ou algo assim… 

— Ótimo! Então, vem! Vou te apresentar direitinho pra cada canto do instituto!

Bellatrix, cortando os pensamentos da garota, sorriu e se aproximou, pretendendo tocar na mão de Ryota. Ela desviou e apenas começou a andar, deixando para trás a menina que deu de ombros para o comportamento, mas respeitou a distância segura.

A garota de dread deslizava pelo chão limpo, as pernas balançando para frente e para trás conforme patinava. O som agradável das rodinhas girando foi como um estabilizador para a mente de Ryota, que não conseguia se concentrar no mundo real sem ser abatida por pensamentos após a conversa com Sofia.

Ela ainda queria refletir sobre o assunto, mas não poderia perder mais tempo. Ainda que fosse uma escolha impulsiva, ela preferia sofrer as consequências disso a tomar mais tempo de Zero, Jaisen e dos outros, que agora mesmo deveriam estar sofrendo, lutando para sobreviver dentro das condições que foram impostas sobre eles.

— E então? De onde você é?

— Thaleia.

— Oh! Eu nunca viajei pra fora de Urânia, mas ouvi falar que Thaleia é um lugar bem menos chato do que aqui! É verdade que lá tem vários parques, umas florestas beeeem grandes pra você andar e que a capital real é lotada?

— … Sim. 

— Aaaaah! Eu quero taaaanto ir um dia! 

Ryota viu Bellatrix girar com os patins no lugar, quase se tornando um ciclone.

— Não entendo o que tem de tão bom assim em Thaleia.

Honestamente, ela achou Urânia bem mais agradável.

— Aaaah, não! É muito chato! Horrível! Blééééh!

Mas a garota de dreads fez um “x” com os dois braços cruzados em frente ao rosto, em profunda negação.

— Como que é seu nome mesmo?

— … Ah. Ryota.

Apenas agora ela percebeu que não havia se apresentado.

— Escuta aqui, Ryo. Só porque é sua cidade natal, não quer dizer que você tenha que gostar dela ou viver nela pra sempre, sabia? 

Ryota pensava exatamente o oposto dela. Se possível, ela gostaria de ter ficado em Aurora pra sempre.

Mas Bellatrix balançou o dedo indicador, como Sasaki e Eliza costumavam fazer.

— Eu sou o tipo de pessoa que quer conhecer o mundo todo, e só então parar em um único lugar. Ou talvez nem parar, e ficar assim até eu morrer! 

Era o tipo de vida movimentada e instável que Ryota desgostava. Ela preferia dias serenos e monótonos, em que poderia ver as pessoas amadas e considerar seu amanhã ao lado delas.

— Talvez seja o tipo de coisa que alguém como eu do conselho estudantil não devesse pensar, mas quem liga? Eu quero ser boa comigo mesma, e tá ótimo!

Olhando para sua confiança e alto-astral, Ryota se sentiu pequena. E, de certa forma, embora fossem pessoas totalmente diferentes, aquela vontade de erguer a cabeça independentemente das circunstâncias lembrava-lhe Marie.

Enquanto andavam pelo colégio, com a garota de dreads falando alto e batendo o punho no peito para as afirmações e sonhos, ouviram risadinhas. Ryota se virou e observou que, à distância, uma dupla de estudantes passavam caminhando. Elas se entreolharam e riram para Bellatrix, que encolheu os ombros.

— Falando alto de novo? Tinha que ser a Trixinha!

— Ah… Há, há, há.

— Lá vai ela de novo, sempre chamando a atenção. Já não bastava esse seu cabelo todo esquisito, mas seu jeito nunca muda mesmo, né?

— P-Pois é!

Bellatrix parou, observando as garotas passarem rindo, e ficou em silêncio com a cabeça baixa. Ryota não foi capaz de ver sua expressão, mas sua voz tremia enquanto respondia. Franzindo um pouco a testa, falou:

— Alguém do conselho estudantil como você deveria estar trabalhando no evento, não é?

— … Aah, na verdade sim, mas meus colegas estão no meu lugar hoje. Além disso, é um belo dum saco ficar falando abobrinhas lá embaixo!

Com o assunto mudado, Bellatrix abriu um sorriso que cobriu a sombra em seu rosto de imediato. Ela ainda parecia afetada pela pequena conversa no corredor, mas Ryota não sentiu interesse em saber a razão disso. Seu único gesto de gentileza — para que pudessem prosseguir mais rapidamente na apresentação do colégio — foi mudar o assunto com seu tom grave de sempre, o que possibilitou à garota do conselho estudantil lidar com o sentimento que a incomodava.

— Vem cá! Vou te mostrar as salas de aula!

Ryota andou com Bellatrix deslizando e conversando pelo instituto durante alguns minutos. A verdade era que aquela garota era o tipo fácil de se fazer amizade. Em um outro momento, talvez fossem capazes de se aproximar e divertirem-se juntas. Mas no momento a última coisa que Ryota gostaria era se aproximar de alguém.

Ela só queria trazer aqueles que já eram próximos de volta. Era o bastante. Eventualmente, ela sairia daquele colégio cheio de estudantes com futuros promissores e grandes sonhos, voltando para sua família. Eventualmente, eles esqueceriam dela e seguiriam suas vidas — era mais do que suficiente.

Conforme caminhavam, descendo as escadarias — com Bellatrix tendo a proeza incrível de saltar degraus sem escorregar ou precisar se apoiar com frequência —, as duas garotas refizeram o trajeto em direção ao térreo. No caminho, estudantes uniformizados passavam. Alguns eram grupos, outros andavam em duplas ou sozinhos. Mas todos eles sempre olhavam para Bellatrix.

A garota do conselho estudantil sempre ria para os comentários que faziam. Alguns apontavam para seu cabelo colorido, outros para suas roupas, para seus patins, para seu rosto, para sua forma de agir… Sempre havia um motivo para comentarem sobre ela, geralmente através de piadas. E, em todas as vezes, Bellatrix sempre respondia com um sorriso e voz meio trêmulas, e Ryota não soube dizer se aquilo era uma reação de constrangimento ou apenas insegurança quanto à própria imagem.

Fosse qual fosse a situação, aquela garota era bastante popular em Gnosis. Talvez fosse esperado, considerando que a própria reitora pediu para ela guiar a visitante e possível futura estudante pelo instituto. 

— Quer?

— Não, obrigada.

— Você é realmente bem esquisita, sabia? Não tem muitas pessoas que eu conheço que usariam preto em um dia quente como esse, nem ficam sem sorrir o tempo todo. 

Ryota não respondeu, apenas negando quando lhe foi oferecido um chiclete de uma embalagem relativamente famosa. Bellatrix arqueou as sobrancelhas, parecendo curiosa, agora, a respeito da pessoa quem guiava. Ela havia feito algumas perguntas sobre suas origens antes, mas dessa vez ela parecia dedicada em descobrir mais sobre a visitante.

— Talvez.

— Hmmm? Ei, por que decidiu vir estudar em Gnosis? Ah, e qual curso você vai cursar?

Ryota torceu a expressão. Ela não havia comentado com Sofia a respeito desse assunto. Se precisaria estudar naquela instituição, precisaria escolher um curso em específico. Mas como não havia razão para mentir sobre suas intenções ou razões para estar ali, mas igualmente desinteressada em explicar suas circunstâncias em detalhes, apenas respondeu:

— … Porque será útil para mim. E ainda não decidi o curso.

— Ah! Isso é normal. Mas, pelo o que ouvi falar da senhorita Sofia, você ficaria só um semestre, certo? Então, talvez você prefira fazer o percurso regular?

— O quê?

— Chamamos assim aqueles que vêm estudar aqui, mas que ainda não escolheram um curso em especial. Eles fazem um pouco de tudo pra descobrirem uma área que gostam e apenas depois começam a traçar o estudo. É como um período gratuito de aprendizado para aqueles que pagam mensalidade, já que os que fazem prova geralmente já sabem o que querem fazer.

— Entendo. E quanto tempo dura o percurso regular?

— Seis meses.

Ryota arqueou as sobrancelhas. Bellatrix sorriu para sua expressão e deu de ombros.

— Bem, talvez seja o ideal. Ou talvez nas primeiras semanas você já descubra o que gosta e escolha um curso. Qualquer que for sua decisão, você tem todo esse período pra gastar. 

— E qualquer estudante pode perder todo esse tempo aqui? Seis meses é muito tempo.

— Não é perda de tempo quando você vai aprender um pouco de tudo e ter a oportunidade de descobrir a área de colocação. Você pode desistir de Gnosis no final se quiser, mas nunca houve ninguém que fosse assim tão idiota. Quem é que vai abandonar o curso quando você literalmente pode sair daqui como o gênio da próxima geração depois de uma prova ou uma mensalidade boa como essa? 

A estudante fez um apontamento inteligente que Ryota concordou mentalmente. Além disso, o tal “percurso regular”, certamente um período criativo criado pela reitora, seria útil para ela. E se poderiam desistir do curso após este período… Era apenas perfeito. 

E ela não pretendia se formar de verdade. Apenas passar seu tempo estudando o suficiente para ter um currículo relativamente decente para alguém que vivia na alta sociedade. E, dentro dos padrões daquela escola, parecia que grande parte dos alunos eram membros da nobreza ou a um passo disso. No mínimo, um ou outro atravessou as barreiras pelos testes, mas suas mentes compensavam suas origens.

O Instituto Gnosis era, aparentemente, um local de prestígio e que erguia a moral daqueles que se esforçavam ou levavam seus talentos ao exímio. 

Pensou que pessoas como Fuyuki e Zero certamente se dariam bem ali — e imediatamente se arrependeu de imaginá-los usando os uniformes estudando ao seu lado. Aquele cenário jamais aconteceria. E, acima de tudo, os dois estavam a uma distância impossível de ser alcançada, agora.

— Ryo?

— … Pode parar de me chamar assim?

— Quêêêê? Não gostou do apelido? Foi mal! Prefere que eu te chame de outro jeito?

Bellatrix percebeu que aquilo a magoou, então juntou as mãos, pedindo desculpas. Ryota relaxou os ombros e inspirou fundo, ignorando a pergunta.

— Terminamos por hoje?

— Hã? Ah, sim! Já chegamos no térreo!

Bellatrix saltou os degraus e dançou com o patins no pátio. Ao seu redor, os estudantes começaram a rir, aos cochichos, e ela imediatamente parou de se mover. Então, após engolir saliva, correu na direção da visitante, segurando sua mão.

Ryota quase deu um salto em surpresa.

— Vem cá! Vou te mostrar as barraquinhas!

Desastradamente, ela foi arrastada na direção das movimentações, deixando para trás as murmurações e burburinhos. Aquilo deixou Ryota um pouco desconfortável, mas apenas se permitiu ser levada. A essa altura, faltava pouco para finalmente ir embora daquele lugar. 

Não entendo porque ela fica insistindo em querer fazer amizade comigo… Que idiota.

Ignorante quanto às palavras hipócritas de sua mente, Ryota apenas soltou um suspiro cansado.



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