Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 9 – Arco 4

Capítulo 09: O Instituto Gnosis

A impressão que Ryota possuía sobre a grande construção branca não mudou nem um pouco, mesmo quando adentraram as quatro paredes. Atravessando o caminho de pedras e, sem erguer a cabeça ou trocar olhares com aquelas pessoas que andavam à sua frente, apenas caminhou em silêncio o máximo que pôde enquanto era guiada pela mulher de cabelos ruivos e o homem de cabelos escuros.

Baixando um pouco as sobrancelhas erguidas ao perceber que o clima entre a dupla que dialogou ao longo de quase meia hora não era realmente receptivo, Scarlet soltou os braços da garota que mantinha o queixo abaixado, os olhos escuros não permitindo espaço para brincadeiras. Se antes havia desconfiança, agora o que os assombrava era uma frieza bruta o bastante para afastar qualquer um.

Colocou as mãos na cintura e tomou a dianteira da caminhada, ainda puxando assunto enquanto seguiam. Era quase como se ela mesma não fosse capaz de suportar o silêncio. Em contrapartida à Ryota que os seguiu cerca de seis passos após a dupla de adultos que dialogam com casualidade, Dio permaneceu ao seu lado.

Desconhecendo o assunto retratado, mas percebendo que o assunto da discussão não fora agradável, muito menos o seu desenrolar, uma expressão de preocupação mantinha-se em seu rosto infantil. Seria um pouco problemático se uma figura tão jovem criasse rugas cedo demais por sempre franzir a testa daquela forma, e Ryota poderia ter se importado o bastante para fazer um comentário.

Mas por alguma razão, sua garganta se fechou e nada saiu. Como se uma corda a puxasse para frente e apertasse o pescoço ao ponto de impedir a passagem de ar, ela apenas piscou, apática, e seguiu andando. Naturalmente, Dio a acompanhou, colocando as duas mãos inseguras ao redor do próprio corpo. Sua promessa de silêncio parecia matá-lo internamente, mas não poderia quebrá-la.

Possivelmente, se tentasse dizer algo ou perguntar sobre a conversa, apenas pioraria as coisas. Ele não queria irritá-la. Então se não pudesse falar, ao menos não tiraria os olhos dela.

A uma distância em que pudesse observar os guias, Ryota atravessou o pátio outra vez, recebendo alguns olhares dos estudantes. Eles foram um pouco menos discretos do que deveriam ao se virar, encarando-a com expressões de confusão e interesse. Aparentemente, o fato de ter erguido a voz contra Sasaki se tornou um assunto chamativo.

Ignorando-os, passou pela porta da frente da construção, sendo recebida imediatamente por uma grande ala que levavam a corredores paralelos e escadarias. As paredes e móveis, ao contrário do lado de fora, possuíam um ar moderno e relaxante. Com um ambiente tão extenso, a impressão passada era que os estudantes poderiam se amontoar e ainda sobraria espaço.

As construções foram feitas daquela forma para que, possivelmente, os alunos não se sentissem ansiosos ou despertassem alguma claustrofobia em momentos de tensão. Com portas largas, pátios com cantos silenciosos e bancos escondidos sob moitas e árvores, era perceptível que tudo fora feito com muito cuidado e dedicação para todos os tipos de situações.

— Como podem ver, estamos chegando na recepção. Aqui, vocês sempre serão recebidos por alguns dos nossos adoráveis funcionários. 

— Eles nem sempre vão estar de bom humor, não liguem pras mentiras da Scarlet. 

— Se eles foram grosseiros com você, a culpa é só sua. Eles seeeempre me trataram como se eu fosse o melhor ser humano do mundo. 

— Qualquer um trataria seu superior assim, pára de fazer drama.

— Falou o rei do drama em pessoa!

Scarlet e Sasaki trocaram piadas com expressões casuais, fazendo gestos com as mãos e alargando seus sorrisos. Ryota olhou para suas nucas e desviou a íris para o casal de recepcionistas que ria discretamente da interação deles, apenas acenando a ela com a cabeça em respeito.

— Mas deixando de lado esse ser-humaninho aqui, querida, se você seguir pelas escadas tanto da direita quanto da esquerda, vai chegar nos corredores que te levam pras salas de aulas. As turmas são divididas por alas e os cursos por andares pra ninguém se perder.

Fazendo beiço com os lábios cheios de batom para o curandeiro que parecia prestes a derramar lágrimas de crocodilo por nenhuma razão em especial, Ryota foi guiada com um toque sutil em suas costas para ainda mais profundamente no instituto. 

Scarlet apontou com o queixo e a mão livre enquanto explicava sobre as salas e para onde cada entrada levaria, desde os banheiros espalhados, bebedouros e salas de descanso.

— Por mais incrível que pareça, a senhora Sofia se esforçou bastante pra fazer desse lugar bem confortável, sabe? Apesar de ser como uma faculdade, ela priorizou a segurança física e emocional de todos aqui. Por isso, não se assusta se você abrir uma porta aleatória e encontrar alguém chorando no sofá ou apenas dormindo. Tem lugares especiais pra esse tipo de coisa, então sempre toma cuidado pra ver as plaquinhas de sinalização e não assustar nenhum estudante que esteja ali.

— … Certo.

— E se você precisar, pode entrar em uma dessas salinhas também. Mesmo não sendo do instituto, ela tá aberta pra todo mundo. Pode colocar pra fora o que tá sentindo ali que ninguém vai ouvir ou ver se não quiser, ou se quiser um espacinho privado pra conversar, sabe onde ir.

Ryota respondeu por educação, mas recebeu um abraço suave de um único braço enquanto escutava Scarlet lhe sussurrar ao ouvido. Aquelas palavras soaram como um convite, e o sorriso doce dela fez a garota paralisar um pouco o corpo.

Ela não deveria estar tão terrível a esse ponto, certo?

Engolindo em seco, Ryota apenas deu de ombros e desviou suas íris das ametistas brilhantes. Então, afastou-se do toque da ruiva, percebendo que outra vez se deixou levar pelas palavras dela. Era estranho, mas por alguma razão aquela mulher tinha uma aura agradável, mesmo sendo irritantemente grudenta.

— Apenas preciso saber onde fica um lugar. Não tome muito do meu tempo.

— Entendiii, entendiii. Então, vamo subindo que ainda tem mais coisas pela frente pra eu te mostrar.

Ryota mostrou uma expressão de desgosto, mas apenas inspirou fundo. Vendo a ruiva orgulhosa caminhar na direção das escadas enquanto acenava para Sasaki segui-la, a garota finalmente percebeu que o curandeiro havia trocado palavras com o garoto que ficou para trás. Quando se aproximaram outra vez, Dio segurava os cotovelos, abraçando o próprio corpo como se tentasse se proteger.

Não era uma reação incomum, mas Ryota se sentiu incomodada com essa aproximação e encarou as costas de Sasaki enquanto subiam as escadas. Permitindo que seis passos de distância fossem mantidos outra vez, voltou sua atenção para o menino que apertava os lábios, perguntando:

— Ele te disse alguma coisa?

Dio pareceu surpreso por vê-la murmurar algo que induzia preocupação, mas ao invés de demonstrar tristeza ou calar-se, seu rosto se iluminou, feliz.

— Nada demais.

Sem se estender, ele apenas respondeu com um sorriso doce. Franzindo a testa para esse comportamento que possivelmente escondia algo, Ryota fez menção de perguntar mais, mas percebeu que não era o momento. Ela não conhecia Dio bem o bastante, mas supunha que se Sasaki realmente tivesse dito algo que o incomodasse, o garoto lhe diria ou ao menos deixaria isso claro através de seus gestos.

Talvez não fosse realmente tão sério quanto imaginasse. A mente dela estava lhe pregando peças, e sua desconfiança disparou para o topo em poucos minutos desde que se encontraram. Esses sentimentos e pensamentos conturbados estavam atrasando suas reações e a impedindo de esconder adequadamente suas emoções do rosto e postura.

Foi por isso que todos eles imediatamente notaram a diferença de comportamento. Precisava tomar mais cuidado. Aquilo poderia ser fatal de várias formas.

Inspirando fundo outra vez para engolir o aperto na garganta que vinha como forma de repreensão, Ryota ergueu seus olhos para o primeiro andar. Como esperado e descrito pela ruiva, corredores se estendiam por todos os lados, com portas de correr e grandes janelas se revelando. Finalmente foi capaz de ver, mesmo que parcialmente, como era o ponto de vista daqueles que andavam sob um andar quase inteiramente feito de vidro.

Parecia um pouco assustador a princípio, mas ao mesmo tempo era ligeiramente fascinante. Poderia ter ficado algum tempo admirando aquela estrutura se sua mente não buscasse seguir em frente o mais rápido possível, desviando a atenção de seu coração para aquilo que veio fazer.

Ryota continuou a subir as escadas, ouvindo as palavras de Scarlet, mas a compreensão delas não foi absorvida pelo cérebro. Agora que seu foco havia voltado, bem como a lembrança da razão de estar ali, nada daquilo era realmente importante. O quarteto subiu um total de cinco andares quando finalmente alcançaram o corredor ao qual levaria para o destino final.

Enquanto apenas passava os olhos pelos corredores infinitos tingidos de cores pastéis, notou a movimentação ansiosa do garoto ao seu lado. Diferente dela, que apenas permanecia em silêncio e imediatamente indicava com sua postura que apenas queria prosseguir até a sala de Sofia, Dio parecia internamente em êxtase.

Isso porque seus olhos áureos vagavam de um lado para o outro como uma mosca veloz, sem saber onde pousar. Deslizavam pelas portas e estudantes carregando materiais escolares, para outros que usavam uniformes ou roupas especiais para seu curso, para os trabalhos manuais e os cartazes colados nas paredes, para as janelas e os burburinhos de vozes que ecoavam pelos arredores.

Tudo era um campo magnético que atraía sua atenção. Algumas vezes, ele chegou a ficar distraído o bastante para demorar a subir, o que fez Ryota atrasar um pouco seus passos para esperá-lo. Uma parte dela se culparia se algo acontecesse com ele enquanto não pudesse tê-lo em seu campo de visão, mas não parecia que o clima em Gnosis fosse hostil.

Na verdade, era um ambiente arejado, claro e agradável. Espaçoso e gentil. Vendo à distância, os estudantes pareciam sempre animados e conversavam com determinação sobre seus projetos. Era possível ouvir risos e até discussões acaloradas durante as aulas e projetos de apresentação. 

Para uma criança como Dio, aquele local repleto de adolescentes e jovens adultos era como um novo mundo. Suas expressões enquanto viam os alunos fazerem literalmente qualquer coisa era adorável.

— Você gosta deste lugar?

— … Ah?

Ele soltou um murmúrio de surpresa ao ser pego, embora suas reações fossem claras como a neve. Encolhendo o corpo enquanto andavam à distância da dupla de adultos, o rosto de Dio ficou vermelho.

— … Sim.

— Entendo.

— É que… Eu nunca tinha visto uma escola antes. É um pouco… Sei lá, contagiante estar aqui. Me dá vontade de aprender coisas novas e… Fazer amigos… Ou algo assim.

Dio interrompeu sua passagem animada com timidez, baixando os ombros e os olhos brilhantes. Ela jamais poderia julgá-lo, pois internamente, um pequeno pedaço dela estava igualmente interessada em Gnosis. Afinal, não era também sua primeira vez dentro de um colégio, como estavam em uma instituição renomada e com estudantes de primeira categoria. Gênios, nobres e jovens que seriam o futuro da humanidade.

Para uma criança das ruas como Dio, que deveria ter um passado conturbado, era realmente como um sonho ganhando cor e movimento. Era esperado que ficasse tão impactado por aqueles cenários.

Ryota teria feito o mesmo, senão algo ainda mais exagerado, se as circunstâncias que os levaram até ali fossem diferentes.

Quando sua mente vagou para o passado e sua expressão nublou, um arrepio percorreu sua espinha. Então, subiu pelos seus braços e alcançou sua nuca como uma cobra que observava a presa.

Demorou um único instante para se virar na direção da mulher que surgiu às suas costas. Era uma conhecida distante, embora sua aparência característica a diferenciasse com clareza das demais pessoas. Cabelos negros curtos e um olho vermelho sem vida. Roupas escuras e uma postura perfeita. Silenciosa e fria, igualmente ameaçadora como qualquer uma de sua família.

— Amane Akai.

— Sim, senhora.

— Amanezinhaaaaaaa! Você apareceu depois de tanto tempooooo! Me dá um abraço, vai!

Scarlet pulou ao ouvir o pequeno diálogo entre Ryota e Amane, aproximando-se em uma velocidade assustadora com os braços abertos e fazendo bico com a boca. Apenas um passo para frente foi o suficiente para evitar a colisão, e o corpo da ruiva que tentou abraçar a guardiã foi contra a parede como em uma cena de comédia.

— É bom te ver, Amane. Tá ainda mais bonita desde a última vez que te vi.

— Mas é um panacão esse Sasaki. E você, Amanezinha, continua um doce de pessoa, como sempre!

Amane não respondeu a nenhum dos comentários, nem ao Sasaki que erguia uma das mãos em cumprimento ou à Scarlet que se aproximava com lágrimas nos olhos pela rejeição dura. 

— Estou aqui sob as ordens da senhorita Sofia. Ela me enviou para que eu a guiasse ao seu escritório.

— Oi?! Cê veio roubar o meu trabalho, Amanezinha?! Na cara dura?

— São ordens da mestre.

— Que cara de pau! Mas se a senhorita Sofia tá falando, quem sou eu pra negar, né?

Scarlet ficou ofendida por ter seu papel roubado, mas suspirou em desistência um pouco depois. Aquele comportamento permitiu a Ryota perceber que a ruiva também deveria trabalhar diretamente para a nobre, não apenas como parte do corpus do Instituto Gnosis, mas possivelmente em outras áreas importantes.

Sasaki e Amane eram, além de guardiões, um curandeiro e uma assassina profissionais. Se mesmo com aquelas personalidades complicadas eram especialistas em alguma área, o mesmo deveria se aplicar a Scarlet, ainda que fosse impossível de deduzir qual fosse a sua habilidade em destaque.

— E? Vai levar apenas a Ryota enquanto ficamos com o jovenzinho, aqui?

— … Uh? Hã…

— Não faz essa cara de preocupado, rapaz. A senhorita Sofia é um doce de pessoa, não vai morder a Ryota.

Dio se encolheu quando Sasaki bagunçou os cabelos dele, mas sua preocupação não era em relação à reitora de Gnosis, mas a como Ryota reagiria a essa situação. Afinal, o apontamento do curandeiro pareceu certeiro, pois Amane não o corrigiu, apenas aguardando a permissão para guiar a visitante.

Fechando os olhos por meio segundo, sua mente trabalhou para alcançar a calmaria necessária. Não poderia mais perder o foco daquilo que veio buscar, sob nenhuma hipótese. Para tanto, mesmo que fosse um pouco duro, precisaria deixar o garoto que parecia assustado nas mãos daqueles dois adultos com caráter duvidoso.

— Não vou demorar.

Essa foi sua resposta aos olhos silenciosamente implorantes de Dio, que apenas abaixou os ombros em desistência. Ele não parecia decepcionado, apenas incomodado com a situação. Mas não havia nada a ser feito sobre isso, e Ryota não pretendia levá-lo para encontrar Sofia de toda forma. Aquilo não era um assunto ao qual estivesse envolvido, e eram parte de seus próprios problemas, não dele.

Após assim dizer o encarando, ergueu as íris azuis para Sasaki. Foi uma troca de olhares rápida, mas pelo ar, deveria ter ficado claro que nada deveria acontecer a ele enquanto estivesse fora. Ryota ainda desconhecia as razões daquele curandeiro ou de qualquer um dos guardiões de Sofia, que eram todos suspeitos. 

Entretanto, se havia algo que possuía conhecimento, era que precisava se impor para que suas vontades fossem reconhecidas.  Mesmo que aquilo a levasse a tomar uma postura completamente anti-ética ou fosse contra seus princípios — desde que fosse capaz de atingir os objetivos que a levaram até ali, era o bastante.

— Vamos indo.

Virando-se para Amane e assim ordenando com um murmúrio, a guardiã apenas fez uma reverência e começou a guiar a garota pelo corredor ao qual já haviam começado a se dirigir. Com os passos retumbando no ritmo de seu coração, ela cada vez mais se aproximava do grande e aguardado reencontro.



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