Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 98: Um Fim Adequado

O caos causado pelo ricochetear de chicotes envolvidos em espinhos continuava. Com a desfeita das paredes que o cercavam e a certeza de que não poderia limitá-lo a um único espaço graças a sua habilidade, a Maga Veridian optou por tomar a dianteira do combate e enfrentá-lo diretamente. Enquanto as mesmas raízes espinhosas que formaram a parede se desenrolaram para atacar o velho, Gê provocou o início de uma nova fase para o embate.

Enquanto se aproximava para desferir-lhe um soco no rosto, e ciente de que Albert desviaria mais uma vez, ela imediatamente fez crescer a raiz escondida dentro de seu jaleco, que saiu como uma cobra na direção dele. A sua ponta era afiada como uma faca, e passou por cima do ombro dele, fazendo sangrar um pouco.

Com o braço direito estendido, ela virou seu corpo em 90º, girando de forma que, ao ver Albert escapar para o lado, seu braço esquerdo pudesse alcançá-lo — e, assim, uma segunda cobra cheia de espinhos nascesse de dentro de seu jaleco, pronta para acertá-lo. E, tal como esperado, o movimento foi capaz de provocar um ferimento grandioso, pois atravessou seu ombro, abrindo um rombo.

— Está bastante confiante nas suas habilidades.

Porém, este mesmo corpo acertado se transformou, tornando-se transparente e então parte da própria atmosfera, sumindo à luz do sol. E, então, a voz baixa e rouca do velho surgiu em suas costas mais uma vez.

Ele estendeu a mão para tocá-la no pescoço, mas a curandeira desviou curvando o corpo para frente. Ela sabia que, se permitisse seu toque direto mais algumas vezes, poderia ser perigoso.

Afinal, como o próprio havia dito um pouco antes, ambos compartilhavam do mesmo elemento, então sabiam exatamente quais eram suas próprias fraquezas e teriam noção do verdadeiro auge alcançado por seus próprios poderes.

Mu!

Gê entoou o nome do elemento e conjurou mais chicotes. Eles nasceram do chão como raízes e prenderam o velho no lugar, impedindo-o de se mover. Cresceram e subiram, os espinhos perfurando-lhe a pele como picadas de cobra. Albert, mesmo assim, não demonstrou um único sinal de dor.

Ainda que ambos compartilhassem do mesmo elemento, não significava que portariam as mesmas habilidades. Afinal, a conjuração de poder não era nada mais que uma forma de dizer ao mundo que emprestaria de sua natureza aquela habilidade, e, através de seu próprio corpo como portal, nasceria então um poder especial único para cada pessoa. Cada um tinha sua individualidade, mesmo que algumas fossem bastante semelhantes a outras, nenhuma era realmente idêntica.

Gê e Albert poderiam usar tu, mas enquanto ela era capaz de criar raízes através das cinzas de seus cigarros e usava seu poder invocado para absorver impurezas e o chi de seus adversários, Albert era capaz de criar miragens baseadas nos cinco sentidos. Não era como se não soubesse daquilo desde o começo — o ponto principal era descobrir quais as fraquezas daquela habilidade, coisa que Gê não sabia até então.

Portanto, para encontrar tal resposta, era necessário usar todas as probabilidades que estavam disponíveis ao seu favor. Entretanto, assim como ela, o velho também era capaz de tragar energia vital — seu chi — através do toque físico, e aquilo era perigoso. Poderia desestabilizar seu controle e permitir que uma abertura surgisse. Dito isso, foi apenas sorte que seu soco anterior não tenha sido o momento perfeito para ele mesmo finalizá-la.

Isso a fazia repensar a cena e ponderar as razões dele não ter feito aquilo desde o começo, em primeiro lugar. Mas, em seguida, esses mesmos pensamentos se tornaram pó quando percebeu que não conseguiria encontrar uma resposta para as ações impensadas daquele homem. Pelo menos, não agora, tendo se tornado uma verdadeira casca vazia.

Mas, mesmo assim, uma parte dela ainda desejava saber.

— Diga-me a razão — ela se colocou de pé e encarou Albert, que havia paralisado no lugar ao ser segurado pelas raízes que subiam por seu corpo — Diga-me a origem de suas decisões.

— Ainda que anseie me matar, ainda quer encontrar mais respostas? 

— Não são atitudes contrárias, e você deve-me explicações.

Albert apenas piscou.

— Como pôde causar tanto sofrimento?

As raízes continuavam a crescer como vinhas. Os espinhos perfuravam a carne e absorviam chi, enfraquecendo-o. Daquela forma, Gê foi capaz de perceber que se tratava do verdadeiro corpo.

Mas por que se permitiria ser preso? A passar por tudo aquilo?

Suas dúvidas que vinham como um vórtice se misturaram à raiva que bagunçava seu estômago, fazendo-a segurar com ainda mais força o novo chicote que surgiu em suas mãos. 

— Responda-me!

Ela bateu com ele em seu rosto, criando um corte doloroso da sobrancelha esquerda até os lábios. Sangue escorreu e manchou a pele do velho, mas ele apenas havia fechado os olhos para poupá-los um pouco.

— Por que traiu tantas pessoas? Por que… Usou seus corações? Qual era o seu objetivo, afinal? Responda-me!

A cada frase que vinha em resposta ao silêncio, Gê desferiu uma chicotada. Uma atravessou seu queixo até o pescoço, outra contra seu peito e outra de uma bochecha até o nariz. As gotas de sangue começaram a pingar sob as raízes que o prenderam até a cintura.

— Era apenas por entretenimento? — uma chicotada no estômago — Estava apenas se divertindo com nossos sofrimentos? — outra em seu olho — Por que me traiu?! — uma chicotada brusca o bastante no pescoço para que o fizesse cuspir sangue — Por que traiu… Por que mentiu? Por que abandonou? Por que começou tudo isso? Por quê? Por quê? Por quê?!

Gê, após desferir tantas chicotadas quanto possível, sentiu seus ombros tremerem enquanto respirava. A falta de ar não se devia ao esforço, mas em conter as próprias emoções que estava lentamente se afundando. Seus olhos negros analisaram o corpo cheio de machucados do velho e se estreitaram. Os espinhos ainda perfuravam seu corpo, sugando chi.

— Você não sente vergonha?

Ele tinha abaixado a cabeça em determinado momento, e não tornou a erguê-la.

— Não sente nada em seu coração quando pensa em todos aqueles que enganou?

Ela sabia que estava vivo, pois ainda havia ar atravessando seus pulmões.

— Não se arrepende?

Ainda de cabeça baixa, Albert apenas abriu um dos olhos. E, ao vê-lo abrir a boca, Gê aguardou pela resposta. Aguardou por algo que a influenciasse a chicoteá-lo ainda mais, que a fizesse ferver o sangue de tanta raiva. Talvez a resposta que tanto esperou para ouvir, ou alguma outra desculpa que a faria continuar com aquele tratamento até o final.

Mas a única coisa que o velho fez foi erguer o rosto e abrir um singelo sorriso. Dessa vez, um que lhe chegava até os olhos.

Havia ali um sentimento genuíno de algo que Gê, de tão chocada que ficou, não conseguiu interpretar o que era e seu corpo paralisou. 

… O quê? O que é isso? Por que você está sorrindo? Por que… Parece estar tão satisfeito com isso? Por que não me responde? Por que não sente dor? Por que não expressa nada… Por que… Qualquer reação sua me deixa ainda mais irritada? E… Ao mesmo tempo, por que me faz sentir um vazio tão grande?

Talvez aqueles sentimentos que se misturassem à raiva que sentia fossem seu lado como curandeira, tentando compreender o que se passava na mente de outra pessoa. Afinal, mesmo agora, uma parte dela ainda tentava entender. Embora aquele homem não fosse prioridade sua salvar, ela desejava encontrar uma resposta para as próprias dores. E, em conflito consigo mesma, era incapaz de dar o golpe final antes de encontrar as palavras certas, antes de ouvi-las de seus lábios.

— Quando vim até a capital, estava lhe procurando. Eu esperava ser capaz de encontrá-lo e dar-lhe um final adequado — foi o que ela começou a dizer a ele, em tom baixo, após baixar os ombros — Depois de tantos anos fora de meu alcance, finalmente cheguei até aqui.

Ela havia arquitetado as formas mais cruéis de fazê-lo falar. Havia imaginado quais palavras sairiam de sua boca, quais armadilhas e manipulações seriam ditas para fazê-la poupar sua vida miserável. 

— Eu queria ser capaz de entender. Entretanto, meu coração ainda deseja a sua morte mais do que tudo. E imaginei… Pensei em tantas possibilidades, tantos finais diferentes… Tantas formas de fazê-lo sofrer, tantas respostas que poderia me dar… — Gê ergueu o chicote e então o enroscou no pescoço do velho, puxando-o o máximo que conseguiu em sua direção. Os espinhos, mais uma vez, se afundaram na pele e sugaram energia — … Mas qual o sentido de uma vingança em que nada sinto? Quando não demonstra nada além de sua apatia fria… Não, quando parece feliz com este desenrolar de acontecimentos… 

Como ela poderia se sentir satisfeita com um final desejado por ele? Em que momento havia errado? Se o fogo que ardia em seu coração e veias não pudesse ser apagado com a chama de seu sofrimento ou o fim desejado por ela, como poderia encarar aqueles sentimentos? Sob que circunstância tudo se encaminharia, e como lidaria com o final daquilo tudo? Se o final não lhe traria satisfação, a que valia o sofrimento do meio?

Não seria essa justamente uma vingança tão vazia que sequer poderia ser apreciada? Nem doce ou amarga, apenas… Existente? Tão afável, tão esquecível, tão singela.

Era esse o futuro desejado por Gê para o homem que havia pisado em seu passado, amaldiçoado seu presente e roubado seu futuro?

— RESPONDA-ME! — ela gritou em seu ouvido ao puxá-lo pela garganta, com tanta raiva e força que cuspiu em seu rosto — Ou arranco seu pescoço agora mesmo!

Quem ela queria enganar? Aquelas ameaças vazias não alcançariam lugar algum. Albert não poderia ser mudado, e nada que fizesse poderia mudar suas reações. Eles apenas se encararam por um longo instante, com o chicote apertando-lhe o pescoço por tempo o bastante para asfixiá-lo, até a curandeira cansar-se e soltá-lo soltando um grunhido semelhante a um choramingo.

As lágrimas em seus olhos refletiam sua frustração.

Gê se sentia perdida. Era como se pudesse dar um passo adiante e acabar com tudo aquilo, alcançando seu objetivo, mas tudo fosse ser em vão. Os sentimentos que guardava dentro de si não seriam apagados, e jamais desapareceriam porque a forma com que o objetivo fora alcançado não era agradável o bastante. Entretanto, não tomar a atitude de finalizar aquela situação parecia ainda pior.

— … Sinto muito — disse Albert, de repente, erguendo a cabeça para ela — Você ansiava por um desfecho um pouco mais emocionante, fui ignorante quanto a isso.

Ele abaixou a cabeça como se pedisse desculpas. Mais uma vez, foi uma cena que chocou a curandeira, que apenas assistiu, parada, ao velho se desenroscar das raízes rasgando as próprias pernas no processo.

— Se assim deseja encerrar este ciclo, o faremos.

— … Por quê…? Por que você sempre…?

Por que Albert sempre conseguia ser tão difícil de entender?

— Se ainda está em conflito consigo mesma a respeito da razão… Sim, fui eu o responsável pelo o que aconteceu. Fui eu… Quem destruiu a reputação de seu pai, condenando você e sua família ao exílio. 

Fazendo a revelação que faria o sangue dela ferver mais uma vez, Albert assim falou dando de ombros e abrindo o sorriso que sabia que a deixaria imediatamente irritada. 

— Era meu trabalho como membro da realeza… E não me arrependo do que fiz.

Foi o bastante para fazer todas as dúvidas sumirem da mente da curandeira e ela novamente partir para cima dele como uma fera. Em silêncio, porém com suas íris negras faiscando, Gê fez crescer raízes do chão para partir o corpo de seu adversário ao meio, usando os espinhos para tomar cada vez mais energia de seu corpo. Enquanto o fazia se movimentar, sacando Doante novamente para se proteger e destruir as raízes, ela mesma percebeu que deveria encerrar aquilo.

Sim… Agora que ouvi isso, posso, finalmente…

Com a desculpa perfeita para mandar embora todas as questões da mente, a Maga Veridian correu atrás de Albert com os chicotes em mãos. Ela laçou seu corpo e puxou-o para si, levando-o a bater contra o chão e uma casa vazia. Novamente, poeira e sangue se misturaram ao ambiente e o campo de visão tornou-se difícil, mas não houve mais hesitação capaz de pará-la.

Ainda que o corpo a corpo não fosse sua especialidade, ela usou tudo ao seu alcance para trazê-lo para perto. O chicote que o segurava pela cintura foi perfeito para que os demais pudessem se envolver em seu corpo, afundando o corpo do adversário até se tornar apenas sangue e carne.

Como esperado, uma lâmina passou bem ao lado de seu pescoço e ela desviou, trocando golpes com os braços com o velho. Ela se surpreendeu ao perceber que, mesmo não estando mais em dia com seu físico, ele não pareceu ter perdido a prática com os movimentos de combate. Socos e desvios com os braços eram trocados, chutes velozes eram contornados e a curandeira não deixou de revelar os chicotes escondidos sob o jaleco. 

As cobras com espinhos surgiram e seguraram um de seus braços, mas o velho ignorou a restrição. Na verdade, segurou justamente o chicote, perfurando ainda mais sua carne e o puxou para si. O corpo de Gê foi em direção a ele, e a espada estava pronta para arrancar-lhe fora o braço junto ao chicote.

E foi justamente isso o que ele fez.

Albert traçou o corte perfeito e arrancou na altura do cotovelo o membro esquerdo da curandeira, levando consigo a longa raíz que brotava de dentro dela. 

— Agora, um dos problemas se foi.

Ciente de que ela poderia recuperar o braço perdido usando suas habilidades de cura, o espadachim deu-lhe um chute no peito e afastou-se dos ataques. No processo, cortou em vários pedaços o membro arrancado, derrubando no chão restos de carne, ossos e sangue que manchou suas mãos e roupa.

Gê soltou um grunhido alto de dor e conteve-se por um instante. Entretanto, o ranger de dentes se tornou um sorriso quando as raízes se acumularam no local que criou uma hemorragia, manchando o chão de sangue, e então um braço feito de raízes surgiu. Após formá-lo como se fosse seu e testá-lo, abrindo e fechando os dedos, ela se virou na direção do adversário.

O sorriso de Albert fez uma veia saltar de sua testa, e partiram para o combate novamente.

A repetição do choque entre a espada e as raízes da curandeira continuou, e as trocas de golpes corporais também. Ambos estavam em um nível semelhante de poder, e as habilidades de Albert com ilusões foram lentamente sendo substituídas conforme Gê conseguia fincar mais e mais pedaços de espinhos em seu corpo. 

Era aquilo. Esse deveria ter sido o desfecho ideal. O momento em que o responsável por causar dor e sofrimento tinha seus últimos momentos em uma luta épica, dando à pessoa sofrida a oportunidade de vingança. Esse era o fim adequado em histórias, não? Assim que encontrava o antagonista, o responsável por tudo o que aconteceu, personagens entravam em conflito até que apenas um deles saísse vivo.

E, sob circunstâncias normais, quem venceria seria o mocinho da história — a pessoa que passou por injustiças e dores. Mas, ao ver a mulher com apenas um braço chicoteando seu corpo, fazendo espinhos afundarem-se na carne, socos e cotoveladas se afundarem em seu rosto, e cada vez mais machucados irem nascendo em seu corpo, Albert não pôde deixar de se perguntar…

… Quando foi que me tornei um ser humano horrível?

Ainda que contornar as emoções e encontrar uma justificativa para suas ações fosse possível, ainda era difícil compreender, exatamente, o que originou tudo aquilo. O que o fizera tomar tais atitudes, a levar tantos para um caminho terrível.

Como foi capaz de destruir a vida de tantas pessoas?

Como, e por que, foi incapaz de dar-lhes a resposta que queriam?

Em que momento havia passado de um senhor bondoso, que ajudava os outros por compaixão, para um ser que se negava a corresponder os sentimentos daqueles que auxiliou, que afastou-se e se aprofundou na mais profunda solidão?

Pensamentos como aquele eram reflexos de seu interior, aos quais ele havia tentado deixar de lado. Eram, no final das contas, nada mais que arrependimentos que ameaçavam imergir do fundo de sua mente e alcançar seu coração, mas ele lutou para não deixar aquilo acontecer. Albert não desejava derramar uma única lágrima de preocupação ou pela penitência de seus atos.

O que seria ele, se fizesse isso, além de um verdadeiro hipócrita?

O que suas lágrimas e palavras de perdão poderiam consertar?

Quantas pessoas voltariam à vida com isso?

Quantos traumas seriam desfeitos através de seus sorrisos?

Aquilo tudo, no fim das contas, daria em algum lugar?

Ele sabia que não.

Se forçasse aquele sentimentos para si e o levasse à superfície, até o seu rosto, perceberia que havia fracassado terminantemente em permanecer sólido em sua decisão. Jamais poderia se perdoar — e certamente nunca seria perdoado. Então, se ambas as partes concordavam em lidar, cada qual de uma forma, com as próprias dores e dúvidas, por que não dar aos oprimidos a oportunidade de dar-lhe uma finalização perfeita?

Gê possuía seus ideais para matá-lo, e Albert respeitava isso. Sua determinação em procurá-lo durante tantos anos, em tentar superar suas dores, em conviver com as cicatrizes dos ferimentos causados por ele, e sua necessidade em sustentar mentiras mascaradas com sorrisos foi a origem de tantas pessoas virarem a cara para ele, da mesma forma que virou suas costas para ela uma vez.

Era a compensação por seus atos, a verdade alcançando seus pecados e o forçando a voltar seus olhos para ele. Você podia virar as costas para seus erros, mas eles jamais se esqueceriam de seu rosto. As pessoas, o mundo, o Destino… Eventualmente, tudo colaboraria para que a Justiça pudesse ser feita. Não era ótimo? Mesmo que não fizesse nada, ele receberia a punição adequada.

Albert não sabia quando tudo aquilo havia começado, mas certamente esperava que a mulher diante de si, que desferiu-lhe um soco na face, quebrando o nariz, e prendendo suas pernas com as raízes de cobras fosse a responsável por seu fim.

Era adequado que uma das primeiras fosse, também, aquela que encerrasse aquele ciclo de sofrimento.

Mais uma vez, as raízes lhe prenderam no chão e começaram a sugar seu chi. Albert sentiu, finalmente, suas forças se esvaindo. Não havia nada a ser feito além de tentar dar a Gê, que desejava sua vingança, um final adequado. Ela, ao menos, mereceria relembrar aquele instante com um sorriso nos lábios de satisfação.

Sua morte seria o mínimo para compensar todas as lágrimas que a fizera derramar.

Por quantos anos havia feito o mesmo? Quantas pessoas que passavam dificuldades diante de seus olhos havia estendido a mão, desejando ajudá-los, mas apenas acabou destruindo ainda mais suas vidas? Quantos corações que lhe foram entregues havia sido capaz de quebrar? Quantos laços cortou ao dar-lhes as costas? Quantas vidas e amizades foram custeadas por decisões baseadas em egoísmos e ideais baratos de um jovem rapaz, que agora não se permitia arrepender?

No final das contas, realmente não havia mudado nada.

Albert brandiu sua espada e cortou as raízes, mas Gê virou se braço e o fez derrubá-la. Imediatamente, mais e mais chicotes se enroscaram em seu corpo, perfurando os dentes como de cobra em sua pele. A mão esquerda, feita de raízes, fez um dos dedos se desenrolarem e amarrarem seu pescoço, puxando-o para frente de forma que pudesse encarar Gê até o final. Com a outra mão, a curandeira se preparava para atacá-lo mais uma vez.

As íris douradas dele refletiram a expressão dela. Deveria ter sido de fúria? De vitória? De alegria? De sofrimento? Não sabia, pois havia apenas um apertar de lábios acompanhado de um afinar de íris negras. Parecia que, agora, ao final de tudo, um sentimento de dúvida palpitou em seu coração e atingiu sua mente.

Mas e quanto a ele? Poderia ter, em toda a sua trajetória, ter sentido algo assim? Ao final, algo ainda restaria dele para o mundo que não fossem lembranças amargas e a felicidade por seu fim?

Ele não deveria ter esperado nada mais.

— Vovô!

Foi quando ouviu uma voz familiar, mas que parecia muito distante. Quase como num sonho, pois suas pálpebras ameaçavam se fechar e sua vida começava a se esvair. O chi, estando prestes a se esgotar após ser sugado, permitiria que caísse em um sono profundo, nas verdadeiras sombras de sua mente.

— Vovô!

Ouviu mais uma vez aquela voz, desta vez um pouco mais mítica. Quando abriu as pálpebras, sentiu como se estivesse em um sonho. Estava em um campo florido, com grama verde sob os pés. Seus olhos dourados acompanharam a chegada de uma garota de cabelos negros compridos, pequena e frágil, que ia em sua direção com uma expressão de felicidade.

Ah… 

Recordou-se.

… É verdade, eu…

As mãos se esticavam em sua direção, desejando alcançá-lo.

… Não fui capaz de me despedir adequadamente dela.

Haviam-lhe lembrado disso várias e várias vezes naqueles últimos dias.

— VOVÔ!!!

Os berros de Ryota, que corria na direção do homem, chegaram aos seus ouvidos. O vulto que vinha à distância, as lágrimas que escapavam dos olhos das duas mulheres com sentimentos semelhantes em seus corações, o tempo que parecia ter se esgotado e passava lentamente…

Obrigado… Por me encontrar.

Como se passado e presente se mesclassem, a garota de cabelos negros, ainda criança, revelou seus grandes olhos azuis para o velhote que brincava de esconde-esconde com ela, e estendia-lhe os braços na direção dele para envolvê-la num abraço quente; em contrapartida a isso, a realidade apenas revelava a mesma garota desesperada correndo em direção a ele com dificuldade, e então arregalando os olhos quando a cena se desenrolou.

— … Adeus — murmurou Gê, batendo a palma de sua mão contra o peito dele.

E então, uma raíz do tamanho de um tronco brotou de seu braço esquerdo, atravessando o corpo de Albert ao meio. Ryota sentiu o mundo se deslocar e o calor atingir seu cérebro, impedindo-a de entender o que havia acontecido, e ela apenas assistiu a morte de seu avô, que caiu de costas no chão empoeirado após seu cadáver voar e quicar contra o chão várias e várias vezes.



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