Ryota Brasileira

Autor(a): Jennifer Maurer


Volume 8 – Arco 3

Capítulo 90: Revelações

Quando o ambiente se tornou silencioso e o solo parou de tremer de tempos em tempos, Kanami percebeu que, possivelmente, o conflito havia chegado ao fim. No mínimo, enquanto observava a destruição causada por aqueles que não foi capaz de encontrar, assim foi sua conclusão. Ela sabia que muitas mortes foram causadas e grandes perdas seriam irreparáveis. Incontáveis vezes presenciou o mesmo, portanto não houve qualquer choque. 

Reunidos, o restante da corte conversava enquanto acalmavam as pessoas reunidas. Explicavam que, provavelmente, a ameaça se fora. As criaturas conhecidas como mors desapareceram, assim como qualquer aura estranha. Ainda era desconhecido o estado da Sede dos Cavaleiros e quantos fugitivo se foram, mas era certo que a comoção fora contida.

Na Fortaleza, o clima lentamente se acalmou com a chegada de Eliza. Na cidade, em algum lugar, a outra Maga vagava, ainda procurando possíveis feridos ou cadáveres perdidos. 

Mas, mesmo tendo presenciado tudo aquilo, o seu coração treinado para ser como pedra se rachou e apertou um pouco ao ver famílias, casais e crianças chorando por seus entes queridos.

— Desfaça essa expressão repugnante — repreendeu-a Shin, o patriarca, que estava ao seu lado — Estamos com problemas maiores para lidar. 

Ela conteve um suspiro e voltou os olhos cor de sangue, sem vida, para o avô. Ela era consideravelmente mais alta do que o velho, mas aquela pequena estatura continha consigo não apenas uma habilidade assassina absurda, mas também uma experiência inimaginável. 

— Meu irmão não retornou — relembrou, franzindo a testa com preocupação — E não conseguimos mais entrar em contato com aqueles que estão no castelo.

— Sim. Portanto, precisamos descobrir o que está havendo e garantir a saúde da família real.

Era o trabalho deles, afinal.

Kanami inspirou fundo, como que contendo o medo do que poderia estar acontecendo lá dentro. Ela sabia que Miura… Que o pai deles poderia ser difícil. Era uma pessoa fria, incapaz de reconhecer seus sentimentos ou olhá-los com orgulho. Não que houvesse motivo para tal, em primeiro lugar.

Esse sempre foi o motivo de Kanami se encolher perante qualquer membro da família, especialmente de Miura. Porém, Sora colocava-se um passo à frente para protegê-la daqueles olhares, chamando a atenção para si. Provavelmente, foi justamente por essa mesma razão que se ofereceu para ir procurar Miura ao invés da irmã.

Enquanto refletia essa possibilidade, algo diferente aconteceu. Ela sentiu que não estava sozinha, e sua mente recebeu um choque elétrico. Porém, não era uma comunicação verbal — era uma transmissão de dor. Como se uma perfuração atravessasse seu corpo de cima a baixo, estremecendo-o completamente. 

Kanami soltou um grito e agarrou a própria cabeça, se encolhendo no lugar.

— O que houve?! — perguntou Shin, ao ver sua ação. Parecia que apenas ela havia sentido aquele pequeno instante de dor.

— … O… Meu irmão… Está… — conteve-se ao perceber que o segundo de dor passou, mas o choque permaneceu. Seus dedos começaram a tremer, e ela os escondeu atrás do corpo — Irei atrás dele.

E, recebendo apenas um acenar de cabeça do mais velho, a guardiã se tornou uma sombra e disparou pelos telhados na direção do castelo. Suor escorria por todos os poros de seu corpo, mas em sua mente havia apenas uma única figura.

Irmão! 

Ela assim gritou seu nome desesperadamente, esperando que aquela mensagem pudesse alcançá-lo.

***

O corpo paralisado de Edward tremeu e ele se viu de boca aberta, as íris violeta perdendo o brilho ao perceber a cena que ocorreu diante de seus olhos. Após mandar a garota voando contra as paredes e fazê-la sumir de vista, erguendo uma nuvem de poeira, Fanes abaixou o leque e lutou para desfazer a expressão de raiva que surgiu em sua face.

Ao perceber que não conseguiria se controlar, escondeu o rosto com o leque.

— Contenha-se, primeiro filho. Este é o resultado de sua covardia, fraqueza e incapacidade. Sua mente instável provará a morte de sua guardiã, o desespero de seu povo e o fim de si mesmo. Não tem vergonha?

O monarca imediatamente o repreendeu por suas ações, mas Edward não conseguiu se mexer. Seu corpo queimava por dentro e por fora, e as lágrimas de frustração e tristeza escorreram por seu rosto. Ele sabia que a garota ainda estava viva devido a marca do voto continuar existindo, mas os sentimentos que fizeram seus joelhos cederem lasceraram seu coração.

— Cala essa boca! — quem ergueu a voz foi Marie, tentando socorrer o príncipe, mas erguendo a “visão” para o rei — Não tá vendo que só piorou as coisas? Seu insensível! 

Fanes voltou seus olhos de tom alaranjado para a menina que abraçava o rapaz encolhido no chão, em choque. Baixando o leque na altura do nariz, falou:

— Então, você retornou para o palácio. Esperava que fossem ser mais inteligentes para escapar, mas parece que estive errado.

— Aaaah, é. Bem errado — provocou a menina de volta, dando um sorriso corajoso — Até parece que eu ia sair correndo com o rabo no meio das pernas quando eu podia ter a oportunidade de dar o troco.

— Como? — Fanes inclinou a cabeça, sem entender a que ela se referia, até que a resposta surgiu em sua mente — Ah, se refere ao ocorrido nas celas?

O monarca, após um instante, percebeu que Edward ergueu a cabeça para vê-los conversar. Então, Fanes abriu novamente aquele sorriso maldoso, mas sua tonalidade calma na voz continuou.

— Após passar por tamanho trauma, não esperava vê-la tão determinada a se vingar. 

As íris violetas de Edward se arregalaram com as palavras e seu corpo parou de tremer. Ele encarou seu pai, que estava revelando aquilo tão levianamente, e ergueu o corpo, arrumando a postura.

— … Então foi você.

Fanes ficou em silêncio, permitindo que ele concluísse seu raciocínio por conta própria.

— O responsável por machucar essa pequena garota… Foi você? 

Havia não apenas tristeza na face do príncipe, mas também decepção. Um sentimento forte demais para ser contido apenas pelas palavras. Quando o monarca não respondeu, mantendo a mesma expressão, como que congelada, Edward inspirou fundo e seu coração disparou.

— Eu não sabia… Que pretendia ir tão longe… — ele apertou a mão de Marie, que ainda segurava — Fazendo uma menina como ela passar por tamanho sofrimento… Com que objetivo? 

A dor que corroía seus ossos, coração, pescoço e mente queimava como brasa. Edward apenas falava aquilo que chegava à sua mente, incapaz de tentar raciocinar corretamente. O misto de sentimentos era difícil demais de ser contido.

Principalmente quando, mesmo falando com o responsável por sua tortura, Marie erguia a voz corajosamente, mas suas pequenas mãos tremiam como reflexo do terror que passou.

— … Quando eu entrei no palácio, ouvi uma voz — murmurou a menina, se lembrando — Era uma voz baixa e gentil, mas que eu nunca tinha ouvido antes. Mas, agora… Eu lembro melhor.

Com a mão livre, Marie tocou os próprios cabelos.

— Foi você quem bateu com a garrafa de bebida na minha cabeça, não foi?

O monarca permaneceu em silêncio.

— … O quê? — indagou o príncipe, olhando-a — O que isso significa?

— Quando invadi este lugar, antes de me prenderem, foi numa noite há quase uma semana. E, antes que pudesse chegar ao meu objetivo, os guardas me pegaram. Não lembro direito, mas acho que senti uma dor muito forte na cabeça… E o cheiro de álcool…

Ela se lembrava de ter passado pelos guardas, subido as escadas e atravessado os corredores. Entretanto, antes mesmo de alcançar aquilo que viera buscar, fora interceptada e presa. Porém, ao invés de apenas a amordaçarem e vendarem, a nocautearam com o golpe brusco na cabeça. Foi uma garrafa de vidro que fora estourada contra seu crânio, fazendo o sangue escorrer e sua consciência se esvair.

— Isso é verdade, pai? — lentamente, o príncipe se virou para Fanes. Seus olhos, vermelhos de tanto chorar, o encararam com raiva.

Fanes piscou uma, duas vezes. Então, abaixou a cabeça e fechou os olhos.

Não precisava de muito para dizer que estava apenas concordando com todas as coisas que foram ditas. 

— Como pôde?! — gritou Edward, sacando Gore e apontando-o na direção do monarca — Por quê? Por que fazer tudo isso?

— Você realmente quer que eu lhe responda a mesma coisa? — indagou Fanes de volta, ainda em tom paciente e com o pequeno sorriso maldoso.

Edward raspou os dentes uns nos outros, contendo o fervor de seu corpo.

— Você devia contar a verdade! — exclamou Marie, acusando-o — Faça como a Ryota disse!

— Não erga o tom de voz para seu rei.

— Você nunca foi o meu rei — disparou a menina de volta — Você é só uma farsa!

— Cale-se!

Com o leque aberto em movimento, uma ventania brusca se instalou dentro da sala e as roupas foram balançadas. Mas, mais do que isso, uma sequência de golpes voaram contra a menina. A primeira lâmina de vento cortou seu ombro, jorrando sangue.

Mas, em seguida, as demais foram contidas com a espada de Edward, que colocou diante da menina para protegê-la. Ele devolveu os cortes com outros, anulando-os imediatamente.

— Você está bem?

— … Sim — respondeu Marie, abrindo um sorriso e tocando abaixo do local ferido. Então, ela caminhou até o seu lado e abriu um sorriso nervoso — Obrigada por me defender, irmão.

Edward congelou.

— O quê?

Mas sua pergunta, emitida como um sussurro, não chegou aos ouvidos da menina. Afinal, ela imediatamente desapareceu, surgindo nas costas de Fanes. Seus braços e pernas o envolveram e, aproveitando-se desse momento de abertura, ela roubou um de seus leques e o jogou para longe, para perto da entrada onde o príncipe estava.

Fanes, demorando para entender o que havia acontecido, piscou com surpresa ao sentir o peso. Ele se contorceu e fez uma expressão de raiva quando a garota, após roubar-lhe o leque, usou toda a força que ainda residia em seu corpo para bater em sua cabeça. Ela puxou seus cabelos, desferiu socos e o estapeou. Não permitiu ser derrubada, mesmo com Fanes lutando para fazer isso.

Então, depois de receber um soco no rosto que a fez sentir uma dor alucinante, a menina soltou um rugido selvagem e passou os braços ao redor do pescoço do monarca, tentando dar-lhe o famoso golpe mata-leão. 

Fanes sentiu o ar escapar de sua garganta e ele resfolegou. Então, rangendo os dentes, falou:

— Solte-me, sua pirralha!

Ele bateu o próprio corpo contra a parede, permitindo que a cabeça da garota se chocasse também. Nesse pequeno instante em que ela afrouxou os braços, o monarca habilmente se desenrolou dela e a segurou, colocando-a à sua frente. E então, após essa pequena briga, em que mesmo segurada a menina relutava, mordendo-o no braço…

— Argh!

Ela desmaiou após receber um golpe pesado na nuca, a deixando inconsciente imediatamente. Saliva escorreu de seus lábios e Edward percebeu que, ao ficar paralisado mais uma vez, não conseguiu mover suas pernas para impedir que aquilo acontecesse. Na verdade, tudo aconteceu tão rápido, em questão de alguns segundos, que seu cérebro nem processou todas as informações disparadas de uma única vez.

Foi só quando o pequeno corpo da menina, ainda segurado por Fanes, pendeu, que ele acordou para a realidade.

Afinal, uma silhueta saltou para dentro daquele ambiente e desferiu um chute contra o braço do monarca. Era a garota de cabelos negros que fora lançada para longe havia alguns minutos, retornando agora com uma muda de roupas diferentes. Edward percebeu que, quando a parede cedeu, o local ao qual ela fora jogada foi justamente onde estava a mochila, e ela voou junto.

Foi o momento perfeito para se livrar daquelas vestimentas cerimoniais, que apenas regulavam seus movimentos, e voltar à tradicional jaqueta vermelha. 

Apesar do golpe tê-lo acertado em cheio, Ryota acabou hesitando ao perceber que Fanes estava pronto para usar Marie como uma espécie de escudo, impedindo que avançasse com toda a sua força. Por isso, ela reduziu seu impacto e, então, saltou para trás, afastando-se.

Ela parou bem ao lado do príncipe, que segurava com as mãos úmidas a espada. Finalmente estando lado a lado, eles trocaram olhares.

— Desculpa a demora — disse ela, com a expressão séria.

Mas Edward não respondeu. Mesmo encarando-a de volta, seus pensamentos se tornaram brancos por uma fração de segundo que durou muito mais que o necessário. Afinal, no instante em que a menina de cabelos loiros teleportou para atacar o monarca, algo muito importante havia sido dito.

E, quando isso aconteceu, a informação disparou até o seu cérebro como um choque, paralisando-o. Mais uma vez, a marca do voto causou estragos extremos em seus sentimentos e sensações, fazendo a surpresa se estender por tempo o bastante até que a garota retornasse.

— … Por quê? Por que estou me sentindo tão estranho? — refletiu ele em voz alta, percebendo que seus dedos tremiam e os olhos se enchiam de lágrimas.

Marie disse algo que não fazia sentido, mas que mexeu com seu coração de tal forma que o fez congelar. Ryota apertou os lábios e inspirou fundo. Fanes, do outro lado da sala, arqueou as sobrancelhas, como que entendendo a razão de sua indagação, mas ficando surpreso por isso.

— Então, você ainda não sabia? — indagou o monarca com um sorriso leve.

— … O quê?

Ryota, após conter o estômago que se remexia de nervosismo, revelou:

— A Marie é a sua irmã mais nova.



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